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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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condição do arquivo envolveria um lugar exterior <strong>de</strong> estocag<strong>em</strong> das impressões, um<br />

princípio <strong>de</strong> consignação, uma técnica <strong>de</strong> repetição e a “constituição <strong>de</strong> uma instância<br />

e <strong>de</strong> um lugar <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> (o arconte, o arkheion) ...”. Sublinha o autor que se por<br />

um lado Arkhê <strong>de</strong>signa o começo, o primitivo, o originário, r<strong>em</strong>ete ainda à autorida<strong>de</strong>,<br />

ao comando, ao princípio da lei. Este lugar da lei, do nomológico, nos envia ao que<br />

seria, nos termos <strong>de</strong> Lacan, o significante nome-do-pai, ou ao que posteriormente<br />

<strong>de</strong>finirá como o significante mestre (S1), exterior à ca<strong>de</strong>ia significante, mas, ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po, permitindo e assegurando o seu funcionamento. O po<strong>de</strong>r arcôntico<br />

implicaria um princípio <strong>de</strong> consignação, que, para além do uso corrente do termo,<br />

tomaria o sentido <strong>de</strong> reunião dos signos.<br />

A consignação ten<strong>de</strong> a coor<strong>de</strong>nar um único corpus <strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>a ou uma<br />

sincronia na qual todos os el<strong>em</strong>entos articulam a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma configuração<br />

i<strong>de</strong>al. Num arquivo, não <strong>de</strong>ve haver dissociação absoluta, heterogeneida<strong>de</strong> ou<br />

segredo que viesse a separar, compartimentar <strong>de</strong> modo absoluto. 383<br />

Para Derrida, a psicanálise tornou-se uma teoria do arquivo e não só uma<br />

teoria da m<strong>em</strong>ória. Refere-se aos esqu<strong>em</strong>as que serviram <strong>de</strong> apoio a Freud para pensar<br />

o aparelho psíquico, como “próteses do <strong>de</strong>ntro”. É possível confirmar o argumento<br />

<strong>de</strong>rri<strong>de</strong>ano, já na “Carta 52” (1896) <strong>de</strong> Freud a Fliess, quando o primeiro afirma, <strong>em</strong><br />

relação a esse que é o seu primeiro esqu<strong>em</strong>a do aparelho psíquico, que ele não seria<br />

localizável <strong>em</strong> nenhum lugar anatômico, vale dizer, num espaço <strong>de</strong> interiorida<strong>de</strong>.<br />

Neste esqu<strong>em</strong>a, Freud estabelece uma correlação entre m<strong>em</strong>ória e consciência. Os<br />

traços <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória inscrev<strong>em</strong>-se no aparelho entre percepção e consciência, que se<br />

situam nos seus extr<strong>em</strong>os. As percepções seriam a entrada <strong>de</strong> estímulos num puro<br />

plano perceptivo, numa impressão do mundo como bruta, ou seja, s<strong>em</strong> inscrição. Em<br />

seguida, os traços <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória aparec<strong>em</strong> or<strong>de</strong>nados segundo diferentes transcrições<br />

(Nie<strong>de</strong>rschriften): signos <strong>de</strong> percepção inacessíveis à consciência, inconsciência, pré-<br />

382 J. Derrida. Mal <strong>de</strong> arquivo – uma impressão freudiana, p. 08.<br />

383 Id<strong>em</strong>, p. 14. Cabe aqui l<strong>em</strong>brar o lugar <strong>de</strong> arconte <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, na medida <strong>em</strong> que foi ele,<br />

por ex<strong>em</strong>plo, que, ao assumir o cargo <strong>de</strong> diretor do Departamento <strong>de</strong> Cultura da Prefeitura Municipal<br />

<strong>de</strong> São Paulo, permite a instituição da lei que organizou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico<br />

nacional. Além disso, a sua literatura influenciou uma série <strong>de</strong> escritores que o suce<strong>de</strong>ram, tomando-o<br />

como referência. O po<strong>de</strong>r arcôntico <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> traduz-se também no minucioso trabalho <strong>de</strong> arquivista<br />

realizado por ele, <strong>de</strong>stacando e catalogando uma série <strong>de</strong> notas e recortes que lhe interessavam por<br />

t<strong>em</strong>as e títulos que po<strong>de</strong>riam r<strong>em</strong>eter à sua biblioteca, o que hoje se encontra disponibilizado para<br />

pesquisa no Instituto <strong>de</strong> Estudos Brasileiros da USP. O <strong>de</strong>sejo arcôntico <strong>de</strong> <strong>Mário</strong>, sua preocupação<br />

com a consignação, permitiu a preservação <strong>de</strong> uma parcela significativa da m<strong>em</strong>ória cultural <strong>de</strong> nosso<br />

país.<br />

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