Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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1934, os protagonistas dos contos, gente anônima, que sofre as conseqüências do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento capitalista do país, não perd<strong>em</strong> sua <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> psicológica pelo fato<br />
<strong>de</strong> estar<strong>em</strong> imersos <strong>em</strong> condições precárias <strong>de</strong> existência. Pelo contrário, o autor dá<br />
voz a seus conflitos psíquicos, particulariza-os ao invés <strong>de</strong> tipificá-los, s<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
levar <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração o <strong>em</strong>pobrecimento que ganhava força nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s.<br />
Como assinala Rabello, “nunca escapou ao autor que o mundo psíquico só encontra<br />
figuração <strong>em</strong> situações sociais concretas”. 356 O acontecimento do dia-a-dia, banal aos<br />
olhos que enxergam somente os gran<strong>de</strong>s acontecimentos da socieda<strong>de</strong>, da história, o<br />
olhar para a “gente miúda” e seus casos s<strong>em</strong> importância interessava a <strong>Mário</strong> <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong>.<br />
Sob este ângulo, encontramos uma relação do mo<strong>de</strong>rnista com o pensamento<br />
<strong>de</strong> Freud e a filosofia <strong>de</strong> Walter Benjamin. Nas suas pesquisas, Freud e Benjamin<br />
voltaram o seu olhar para o fragmentário, para os fatos menores, para o que estava<br />
perdido, seja na história individual ou na coletiva; procuraram integrar na<br />
continuida<strong>de</strong> da história o que ficou esquecido no passado – como ruína, como resto<br />
não incorporado.<br />
Freud, distanciando-se do discurso médico que, frente aos fenômenos<br />
histéricos, se confrontava com a sua impotência, <strong>de</strong>scobre no sofrimento corporal a<br />
conexão com a palavra. Numa conferência sobre a etiologia da histeria (1896)<br />
proferida a colegas médicos, dissera: “As pedras falam”. 357 O seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> escutar<br />
aqueles corpos petrificados fez com que eles lhe falass<strong>em</strong>, e conferiu à palavra das<br />
histéricas um novo estatuto. Freud <strong>de</strong>scobre, assim, as relações entre <strong>de</strong>sejo<br />
inconsciente e linguag<strong>em</strong> – não no discurso do ego consciente, no or<strong>de</strong>namento do<br />
enunciado, mas nas fissuras <strong>de</strong>sse discurso, no <strong>de</strong>slocado, no surpreen<strong>de</strong>nte das<br />
formações do inconsciente, ou seja: os sonhos, os atos falhos, os chistes, os lapsos, os<br />
sintomas. Enfim, no que sintomatiza a estrutura da linguag<strong>em</strong>, divi<strong>de</strong> o sujeito.<br />
Títulos como “Pequena história da fotografia”, “Livros infantis antigos e<br />
esquecidos”, “História cultural do brinquedo” ou mesmo os ensaios sobre o narrador<br />
356 I. Daré Rabello, A caminho do encontro – Uma leitura dos Contos novos, p. 23.<br />
357 S. Freud apud P. Gay, Freud – Uma vida para nosso t<strong>em</strong>po, p.169. Michelet, no mesmo século, na<br />
França, propusera-se a “fazer os silêncios da história falar<strong>em</strong>” (Cf. B. Vala<strong>de</strong>, Dicionário<br />
enciclopédico <strong>de</strong> psicanálise, p. 657). Segundo Raúl Antelo, “a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> sustenta-se na idéia <strong>de</strong><br />
que tudo fala (...) Não há gêneros nobre, não há <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>sprezíveis. São as mesclas ou as minúcias<br />
que portam, produz<strong>em</strong> e reproduz<strong>em</strong> o sentido, porque não existe nada que não manifeste a potência da<br />
linguag<strong>em</strong>”. Daí o sentido <strong>de</strong> recolher vestígios, mineralogias, <strong>de</strong>cifrar signos, transcrever hieróglifos,<br />
etc. (“Exame <strong>de</strong> qualificação”, UFSC, 2002).<br />
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