Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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para a ascendência da crônica “Verba testamentária” <strong>de</strong> Machado <strong>em</strong> relação ao<br />
po<strong>em</strong>a <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> “Quando eu morrer”. 339 À diferença <strong>de</strong> Machado, que espalhou<br />
objetos seus – botas, fotografia, gravatas – pelas lojas <strong>de</strong> mercadorias, oferecendo seu<br />
nome como adorno à tabuleta <strong>de</strong> um café, <strong>Mário</strong> distribui por lugares significativos da<br />
sua cida<strong>de</strong>, a Paulicéia <strong>de</strong>svairada, partes <strong>de</strong> seu corpo morto, vivo na sauda<strong>de</strong>. Outro<br />
ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> “apropriação e originalida<strong>de</strong>” é <strong>de</strong>stacado <strong>em</strong> artigo <strong>de</strong> Raúl Antelo. 340<br />
Em 1921, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> escreve o conto “História com data”, no qual o narrador<br />
relata o caso <strong>de</strong> um transplante <strong>de</strong> cérebro realizado <strong>em</strong> um rico aviador, sendo o<br />
doador um operário italiano. O receptor transforma-se num ser heterogêneo que,<br />
vendo-se no <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> adotar hábitos que lhe são estranhos, acaba morrendo. Em nota<br />
final, o narrador admite que o conto parece um plágio involuntário <strong>de</strong> Avatara <strong>de</strong><br />
Théophile Gautier. Nesta mesma linha <strong>de</strong> operação antropofágico-textual, o título do<br />
conto do mo<strong>de</strong>rnista parodia as “Histórias s<strong>em</strong> datas” machadianas, <strong>de</strong> modo que<br />
ter<strong>em</strong>os, simultaneamente à cirurgia <strong>de</strong> cérebro, a “artística cirurgia andradina <strong>de</strong><br />
‘transmo<strong>de</strong>lização do referente’ canônico”. 341 Também o conto “Vestida <strong>de</strong> preto”, <strong>de</strong><br />
<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, reverbera o nome <strong>de</strong> outro conto <strong>de</strong> Machado: “A mulher <strong>de</strong><br />
preto”. <strong>Rastros</strong> da tradição no mo<strong>de</strong>rnismo.<br />
A cisão do sujeito<br />
sujeito:<br />
Há uma passag<strong>em</strong> na crônica “Na sombra do erro” que alu<strong>de</strong> a uma divisão do<br />
Sou <strong>em</strong> dois: esse um <strong>de</strong> que quereis saber, oh exigências do mundo, que sou<br />
eu apenas como um animal <strong>de</strong> raça que me <strong>de</strong>i <strong>de</strong> presente para os meus<br />
passeios no Flamengo, e o outro, o cheio da paciência, o que não t<strong>em</strong> nenhuma<br />
razão-<strong>de</strong>-ser terrestre, o que faz minha felicida<strong>de</strong> incomparável e sou eu. 342<br />
339 “Quando eu morrer quero ficar,/ Não cont<strong>em</strong> aos meus inimigos,/ Sepultado <strong>em</strong> minha cida<strong>de</strong>,/<br />
Sauda<strong>de</strong>.// Meus pés enterr<strong>em</strong> na rua Aurora,/ No Paiçandu <strong>de</strong>ix<strong>em</strong> meu sexo,/ Na Lopes Chaves a<br />
cabeça/ Esqueçam.// No pátio do Colégio afund<strong>em</strong>/ Meu coração paulistano:/ Um coração vivo e um<br />
<strong>de</strong>funto b<strong>em</strong> juntos.// Escondam no correio o ouvido/ Direito, o esquerdo nos Telégrafos,/ Quero saber<br />
da vida alheia,/ Sereia.// O nariz guard<strong>em</strong> nos rosais,/ A língua no alto do Ipiranga/ Para cantar a<br />
liberda<strong>de</strong>./ Sauda<strong>de</strong>...// Os olhos lá no Jaraguá/ Assistirão o que há-<strong>de</strong> vir,/ O joelho na Universida<strong>de</strong>,/<br />
Sauda<strong>de</strong>// As mãos atir<strong>em</strong> por aí,/ Que <strong>de</strong>svivam como viveram,/ As tripas atir<strong>em</strong> pro diabo,/ Que o<br />
espírito será <strong>de</strong> Deus./ A<strong>de</strong>us.” (Lira Paulistana, Poesias Completas, p. 381)<br />
340 Raúl Antelo, “Macunaíma: apropriação e originalida<strong>de</strong>”, Macunaíma – o herói s<strong>em</strong> nenhum caráter<br />
(Edição crítica), pp 295-305.<br />
341 Ana L. Andra<strong>de</strong>, “Políticas indigestas: gastronomia e antropofagia”, Travessia, p.127.<br />
342 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, op. cit., p.106.<br />
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