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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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Aqui é o próprio produtor do lapso que faz a interpretação, o <strong>Mário</strong>-analista que a<br />

estas alturas (1939) já estava bastante familiarizado com a teoria psicanalítica. 328<br />

Nota-se que, tanto no primeiro, quanto neste segundo ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> ato falho, o<br />

cronista faz referência a situações nas quais pecou por excesso <strong>de</strong> auto-confiança e<br />

convencimento. No primeiro caso, como “o leiguinho” ousava discutir com ele? E no<br />

segundo, mostra como o “dom da voz” lhe salvou do medo, aumentando a autoconfiança<br />

<strong>em</strong> si mesmo. “E quando me namoraram os ouvidos uns aplausos <strong>de</strong>licados,<br />

palavra <strong>de</strong> honra que o meu único <strong>de</strong>sejo era levantar outra vez e fazer mais discurso!<br />

Coisa fácil as palavras!”. 329 Esta auto-confiança, amor por si mesmo, fascínio pelas<br />

próprias palavras, é produto do eu e seu narcisismo. Mas Lacan nos advertiu,<br />

contrariamente a alguns pós-freudianos e sua ilusão <strong>de</strong> um eu autônomo, organizado<br />

pelo princípio <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> e centrado no sist<strong>em</strong>a percepção-consciência, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os<br />

partir <strong>de</strong> uma função <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecimento do eu. 330 A i<strong>de</strong>ntificação com a imago do<br />

s<strong>em</strong>elhante como conclusão do estádio do espelho, que faculta um sentimento <strong>de</strong><br />

unida<strong>de</strong> a um corpo cambaleante, organicamente pr<strong>em</strong>aturo, nos vincula à imag<strong>em</strong> do<br />

outro e à mediatização do <strong>de</strong>sejo do outro. Atingindo <strong>em</strong> cheio esta certeza imaginária<br />

do eu, é o inconsciente que o atravessa e o ultrapassa, <strong>de</strong>ixando-o estonteado. “Assim,<br />

o inconsciente se manifesta s<strong>em</strong>pre como o que vacila num corte do sujeito – don<strong>de</strong><br />

ressurge um achado que Freud assimila ao <strong>de</strong>sejo – (...) <strong>em</strong> que o sujeito se saca <strong>em</strong><br />

algum ponto inesperado”. 331<br />

Não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> l<strong>em</strong>brar, também, a respeito do título <strong>de</strong>sta crônica, que<br />

a voz é para a psicanálise um dos quatro objetos da pulsão, junto com o olhar, as fezes<br />

e o seio. A pulsão, ao circundar o objeto, extrai <strong>de</strong>ste movimento s<strong>em</strong> <strong>de</strong>scanso a sua<br />

satisfação, s<strong>em</strong> no entanto chegar a fisgá-lo. Estes objetos envolv<strong>em</strong> toda uma<br />

economia libidinal, fazendo com que nos moviment<strong>em</strong>os <strong>em</strong> sua direção, atraídos por<br />

eles. Lacan situará o objeto petit a, <strong>em</strong> suas quatro modalida<strong>de</strong>s, no registro do real –<br />

aquele resto inassimilável pelas palavras, fora do campo do significado. Po<strong>de</strong>ríamos<br />

dizer que se trata da outra face do sujeito, a sua face acefálica, on<strong>de</strong> tudo se articula<br />

<strong>em</strong> termos <strong>de</strong> tensão. Como diz Lacan, a pulsão é uma montag<strong>em</strong> pela qual a<br />

sexualida<strong>de</strong> participa da vida psíquica. Com isto, po<strong>de</strong>ríamos dizer que na crônica “O<br />

328 La psychopathologie <strong>de</strong> la vie quotidienne constava da Biblioteca <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />

apresentando trechos assinalados à marg<strong>em</strong>. Na primeira página do volume, a anotação “pg. 66/pg. 68”<br />

r<strong>em</strong>ete ao capítulo intitulado “Les lapsus”.<br />

329 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, op. cit., p.158.<br />

330 Cf. J. Lacan, “O estádio do espelho como formador da função do eu”, Escritos, 1998.<br />

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