26.02.2014 Views

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

a que n<strong>em</strong> posso chamar <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória”. 318 Reforça tal constatação a sua<br />

confessa insatisfação quanto às “mo<strong>de</strong>rnas explicações <strong>de</strong> fadiga mental” 319 para dar<br />

conta do fato ocorrido. Associado a esta insatisfação manifestada pelo cronista com<br />

relação a explicações oferecidas por certas teorias psicológicas, ligadas a processos<br />

cognitivos e conscientes, verificamos no início da narrativa o uso do termo<br />

psicanalítico recalque. Inferimos então que <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> dá mostras nesta<br />

divertida crônica <strong>de</strong> sua relação com o inconsciente freudiano, que aqui aparece não<br />

como teoria mas como um flash do inconsciente. Com relação à experiência que<br />

Freud nos abriu, diz Lacan, conferindo priorida<strong>de</strong> ao significante <strong>em</strong> relação ao<br />

sujeito: “o significante joga e ganha, antes que o sujeito constate isso, a ponto <strong>de</strong>, no<br />

jogo do Witz, do chiste, por ex<strong>em</strong>plo, ele surpreen<strong>de</strong>r o sujeito. Com seu flash, o que<br />

ele ilumina é a divisão entre o sujeito e ele mesmo”. 320<br />

Assim, no diálogo com o amigo, rompendo as certezas do eu, fazendo vacilar<br />

o todo saber do crítico, é o significante Mozart que se impõe, insistindo <strong>em</strong> fazer-se<br />

ouvir, para surpresa e constrangimento <strong>de</strong> <strong>Mário</strong>. Não se trata aqui <strong>de</strong> colocarmos o<br />

autor no divã, mas se tal amigo fosse Freud à época <strong>em</strong> que elaborava suas teorias,<br />

talvez tivesse sugerido que seu interlocutor perseguisse a ca<strong>de</strong>ia associativa do nome<br />

próprio surgido, para <strong>de</strong>svelar a causa do ato falho. Foi <strong>de</strong>ste modo que proce<strong>de</strong>u ao<br />

analisar seu próprio ato falho <strong>em</strong> relação ao esquecimento do nome do pintor<br />

Signorelli, cujos afrescos havia admirado <strong>em</strong> sua visita à catedral <strong>de</strong> Orvieto. Os<br />

nomes que lhe surgiam no lugar do esquecido eram Botticelli e Boltrafio. Relata<br />

Freud que a conversa com seu companheiro <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> que antece<strong>de</strong>u ao<br />

esquecimento versava sobre os costumes dos turcos que viv<strong>em</strong> na Bósnia e<br />

Herzegovina, e que diante da irreversibilida<strong>de</strong> da morte diziam ao seu colega médico:<br />

“ Herr (senhor), não há nada mais o que dizer. Eu sei que se o pu<strong>de</strong>sse salvar, o teria<br />

318 Id<strong>em</strong>, p. 106<br />

319 Dentre os livros <strong>de</strong> psicologia que tinha <strong>em</strong> sua biblioteca, havia um <strong>de</strong> A. Mosso intitulado La<br />

Fática, Millano: Fratelli Treves, 1916.<br />

320 J. Lacan, “Posição do inconsciente”, Escritos, p. 854. <strong>Mário</strong>, além <strong>de</strong> mostrar <strong>em</strong> seus personagens a<br />

produção <strong>de</strong> atos falhos, faz com que o próprio narrador, algumas vezes, este que supostamente é<br />

<strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> um saber sobre o que conta, cometa atos falhos. No conto “Atrás da Catedral <strong>de</strong> Ruão”, o<br />

narrador, ao relatar a história da canção que Mad<strong>em</strong>oiselle gostava <strong>de</strong> cantar (que explica a orig<strong>em</strong> do<br />

“se tromper <strong>de</strong> lisière” repetido constant<strong>em</strong>ente), troca ironicamente Mad<strong>em</strong>oiselle por Lisette, a<br />

donzela da canção, confundindo a fantasia do universo da personag<strong>em</strong> com seu próprio discurso. Em<br />

Macunaíma, na “Carta pras Icamiabas” é o missivista que comete um lapso, corrigindo-o, na frase:<br />

“tudo o que <strong>de</strong> mais sublimado e gentil acrisolou a Sciéncia fescenina, digo, f<strong>em</strong>inina” (p. 76). Deste<br />

modo, o autor estaria “acentuando a sensualida<strong>de</strong>, idéia fixa do herói”, como registrou a nota da Edição<br />

crítica <strong>de</strong> Telê A. Lopez.<br />

134

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!