Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
literária, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, no que se refere ao uso do termo subconsciente, estava<br />
mais alinhado com as teorias psicológicas que antece<strong>de</strong>ram Freud do que com o<br />
próprio Freud. 311<br />
Lacan, no escrito Posição do inconsciente (1964), que reúne as intervenções<br />
do psicanalista no congresso <strong>de</strong> Bonneval <strong>em</strong> 1960, sobre o t<strong>em</strong>a do inconsciente,<br />
afirma que o inconsciente, antes <strong>de</strong> Freud, simplesmente “não é”. Definido a partir<br />
<strong>de</strong>sta negativida<strong>de</strong>, restaria ao inconsciente, na realida<strong>de</strong> psíquica, <strong>de</strong>senhar “o círculo<br />
daquilo que não t<strong>em</strong> o atributo (ou a virtu<strong>de</strong>) da consciência”. Diz Lacan, aludindo às<br />
oito <strong>de</strong>finições cotejadas por Dwelshauvers <strong>em</strong> livro <strong>de</strong> 1916:<br />
Que há <strong>de</strong> comum, com efeito, entre o inconsciente da sensação (nos efeitos <strong>de</strong><br />
contraste ou <strong>de</strong> ilusão ditos óticos), o inconsciente do automatismo<br />
<strong>de</strong>senvolvido pelo hábito, o co-consciente da dupla personalida<strong>de</strong>, as irrupções<br />
i<strong>de</strong>ativas <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> latente que se impõe como orientada na criação do<br />
pensamento, a telepatia que se preten<strong>de</strong> relacionar com este último, o capital<br />
adquirido ou integrado da m<strong>em</strong>ória, o passional que nos ultrapassa <strong>em</strong> nosso<br />
caráter, o hereditário que se reconhece <strong>em</strong> nossos dons naturais, o inconsciente<br />
racional, enfim, ou o inconsciente metafísico implicado pelo ‘ato do<br />
espirito’? 312<br />
A isto acrescenta o obscurantismo introduzido pelos próprios psicanalistas, na<br />
medida <strong>em</strong> que assimilaram o inconsciente ao instintivo, ao arcaico ou primevo. Esta<br />
ilusão, diz Lacan, foi “<strong>de</strong>nunciada <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>cisiva” por Clau<strong>de</strong> Lévi-Strauss,<br />
referindo-se, ao que tudo indica, à diferenciação que faz o antropólogo entre<br />
subconsciente e inconsciente:<br />
o subconsciente, receptáculo <strong>de</strong> recordações e imagens colecionadas no<br />
transcurso da vida, se converte, assim, num simples aspecto da m<strong>em</strong>ória (...).<br />
O inconsciente, pelo contrário, é s<strong>em</strong>pre vazio ou, mais exatamente, é tão<br />
estranho às imagens como o estômago aos alimentos que o atravessam. Órgão<br />
311<br />
No livro <strong>de</strong> Ribot Essai sur l’imagination créatrice , confere-se as anotações do leitor <strong>Mário</strong>, numa<br />
espécie <strong>de</strong> lista <strong>de</strong> autores e livros a ser<strong>em</strong> estudados: “W. James Psychology / J. Sully The human<br />
mind / Titchner Outlines of psychology 1896 N. York / Höffding Psychology / Carpenter Mental<br />
psychology / B. Sidis The psychology of suggestion N. York 1898 / Dr. Charbaneix Le subconscient<br />
chez les artistes, les savants et les écrivains, Paris 1897 / Flournoy Des In<strong>de</strong>s à la planète Mars 1900 /<br />
Moreau <strong>de</strong> Tours Psychologie morbi<strong>de</strong>” ( Nites T. feres, op. cit., p. 63).<br />
312 J. Lacan. “Posição do inconsciente no Congresso <strong>de</strong> Bonneval (1960, retomado <strong>em</strong> 1964)”, Escritos,<br />
pp. 844-45. Constatei, no levantamento realizado dos livros <strong>de</strong> psicologia e psicanálise que faz<strong>em</strong> parte<br />
da biblioteca <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (IEB-USP), que ele tinha um ex<strong>em</strong>plar da obra citada por Lacan:<br />
Dwelshauvers, G., L’inconscient, Paris, ed. Flamarion, 1916. Isto v<strong>em</strong> confirmar que a concepção <strong>de</strong><br />
inconsciente adquirida por <strong>Mário</strong> está atravessada por todas estas leituras outras, além das que<br />
percorreu nos textos do mestre vienense.<br />
131