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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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carioca, na música <strong>de</strong> carnaval, nos corpos <strong>de</strong> suas vítimas, nos textos dos<br />

mo<strong>de</strong>rnistas, imprimindo suas marcas naquele Brasil do final dos anos 20.<br />

No gesto <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitura do livro <strong>de</strong> Febrônio Índio do Brasil,<br />

que <strong>em</strong> sua crítica o qualifica <strong>de</strong> poesia mística, encontramos afinida<strong>de</strong>s com a leitura<br />

que o jov<strong>em</strong> psiquiatra Jacques Lacan faz, nos anos 30, das produções literárias <strong>de</strong><br />

sujeitos psicóticos, <strong>de</strong>ntre estes a sua paciente Aimée. Ambos encontraram nestes<br />

textos um valor poético transcen<strong>de</strong>nte à visão psiquiátrica dominante na época, que<br />

reduzia a psicose a um probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> déficit, <strong>de</strong> erro, exilando a loucura do campo da<br />

linguag<strong>em</strong>. Em 1946, Lacan concebe a loucura como um probl<strong>em</strong>a <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente<br />

humano e, nestes termos, vivida no registro do sentido. Blaise Cendrars contou com<br />

poesia a vida <strong>de</strong> Febrônio, transformada <strong>em</strong> enigma a ser <strong>de</strong>cifrado; buscou as suas<br />

raízes culturais nos antepassados da África, afirmando, quanto à lei e à ciência dos<br />

brancos, que “nunca se compreen<strong>de</strong>rá nada da psicogênese, do mecanismo mórbido,<br />

do comportamento da mentalida<strong>de</strong>, n<strong>em</strong> nada dos recalques, das imaginações, do<br />

<strong>de</strong>lírio, do esgotamento da alma dos indígenas e dos transplantados”. 301 Cendrars<br />

tentou compreen<strong>de</strong>r Febrônio. Mas parece-nos que <strong>em</strong> meio a tudo o que se disse<br />

sobre Febrônio, da imprensa aos médicos, passando pelo discurso do senso comum<br />

até as teorias da <strong>de</strong>generação hereditária e pelo uso da psicanálise, foi a sutileza do<br />

gesto do leitor <strong>Mário</strong>, com seu artigo crítico, que diferenciou o texto <strong>de</strong> Febrônio da<br />

Besta apresentada pelos jornais. Neste sentido, é oportuno recordar Lacan na sua<br />

“Homenag<strong>em</strong> a Marguerite Duras”, quando atenta, com relação às artes, que<br />

a única vantag<strong>em</strong> que um psicanalista t<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> tirar <strong>de</strong> sua posição,<br />

sendo-lhe esta reconhecida como tal, é a <strong>de</strong> se l<strong>em</strong>brar, com Freud, que <strong>em</strong><br />

sua matéria o artista s<strong>em</strong>pre o prece<strong>de</strong> e, portanto, ele não t<strong>em</strong> que bancar o<br />

psicólogo quando o artista lhe <strong>de</strong>sbrava o caminho”. 302<br />

Para concluir este capítulo, propomos, ainda, uma outra maneira <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r o livro<br />

<strong>de</strong> Febrônio: a partir <strong>de</strong> Éric Laurent, tomar o “funcionamento do texto, não como<br />

algo a interpretar, mas como um ready-ma<strong>de</strong>, como objeto enquanto distribuído e<br />

produzido”. 303 Laurent propõe consi<strong>de</strong>rar o texto psicótico, e <strong>de</strong> modo mais amplo o<br />

301 B. Cendrars, op. cit., p. 172.<br />

302 J. Lacan, “Homenag<strong>em</strong> a Marguerite Duras pelo arrebatamento <strong>de</strong> Lol V. Stein”, Outros Escritos,<br />

p. 200.<br />

303 E. Laurent. “El sujeto psicótico escribe...”, op. cit., p.108.<br />

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