26.02.2014 Views

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

s<strong>em</strong> que este soubesse estar ao lado do gran<strong>de</strong> príncipe. Eva foi criada a pedido <strong>de</strong><br />

Adão. No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua “poesia mística”, Febrônio faz menção às vozes que lhe<br />

falam s<strong>em</strong> <strong>de</strong>scanso: “tu és o Filho Santo, o menino vivo oriente, o legítimo her<strong>de</strong>iro<br />

do encanto do b<strong>em</strong> que criou o céu e tudo quanto nele há”. Estas vozes às vezes são<br />

ouvidas através das forças da natureza, como a voz do trovão. Relata que o Santo<br />

Tabernáculo-vivo Oriente “reconheceu entre as muralhas <strong>de</strong> uma ilha, encarcerado, o<br />

menino-vivo Oriente”, que se tornava então o eleito, o príncipe dos príncipes, o<br />

“her<strong>de</strong>iro legal da chave-vivente que abre as portas da morte e fecha o poço do<br />

abismo”. 291<br />

É interessante notar que <strong>Mário</strong> faz referência à loucura <strong>de</strong> Febrônio uma única<br />

vez no referido artigo, quando, ao apontar o nome do autor, se refere ao “sinistro<br />

Febrônio”. Parece que o crítico, <strong>de</strong>spindo-se do preconceito <strong>de</strong> ler a obra como o texto<br />

<strong>de</strong> um louco assassino, pô<strong>de</strong> encontrar nela um valor literário mais além do conteúdo<br />

<strong>de</strong>lirante. Encerra ele o artigo dizendo que “mesmo na literatura culta brasileira, não<br />

sei <strong>de</strong> páginas mais belas, mais fortes que estas revelações do Príncipe do Fogo”. 292<br />

Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda e Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Moraes Neto, jovens intelectuais na época<br />

<strong>em</strong> que Febrônio publicara seu livro, consi<strong>de</strong>raram-no “ex<strong>em</strong>plar autóctone do melhor<br />

surrealismo, enquanto escrita automática, transporte lírico e <strong>de</strong>lírio consciente”, 293 <strong>de</strong><br />

acordo com Alexandre Eulálio.<br />

Lacan, sobre o caráter <strong>de</strong> test<strong>em</strong>unho <strong>de</strong> alguns escritos <strong>de</strong>lirantes, alega que<br />

há no psicótico um anseio <strong>de</strong> reconhecimento pelo outro. Schreber, se escreve esta<br />

obra enorme, é para que tom<strong>em</strong> conhecimento <strong>de</strong> seu sofrimento, para que os<br />

especialistas venham constatar através do exame <strong>de</strong> seu corpo sua especial relação<br />

com Deus. Diz ele: “O louco parece à primeira vista distingir-se por não ter<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser reconhecido. Mas essa suficiência que ele t<strong>em</strong> <strong>de</strong> seu próprio<br />

mundo, sua autocompreensibilida<strong>de</strong> que parece caracterizá-lo, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> apresentar<br />

alguma contradição”. 294 E se pergunta, aludindo ao fato <strong>de</strong> publicar um escrito, o que<br />

significa este esforço para ser reconhecido, na experiência <strong>de</strong> um psicótico.<br />

290 Id<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>.<br />

291 Febrônio Índio do Brasil, op. cit., p. 43. Deve ter sido no presídio da Ilha Gran<strong>de</strong> (RJ) que o<br />

menino-vivo oriente foi reconhecido pelo Pai, pois aos 17 anos Febrônio lá ficou preso <strong>em</strong><br />

conseqüência <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> suas trapaças. Foi nessa ocasião que começou a ler a Bíblia.<br />

292 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, op. cit., 1939.<br />

293 A. Eulálio, A aventura brasileira <strong>de</strong> Blaise Cendrars, p. 31.<br />

294 J. Lacan, op. cit., p. 94.<br />

122

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!