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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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Eric Laurent corrobora estas idéias quando afirma que, a partir da clínica da psicose, é<br />

possível constatar que o sujeito psicótico escreve assim como o neurótico fala. O<br />

sujeito psicótico possui “um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> anotações interno, tão consubstancial à<br />

psicose como o é o teatro interno para o sujeito histérico”. 282 Pod<strong>em</strong>os inferir <strong>de</strong>stas<br />

afirmações que se não é o caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>squalificar as produções artísticas dos psicóticos,<br />

avaliando-os como incapazes <strong>de</strong> tais manifestações, tampouco seria o caso <strong>de</strong><br />

consi<strong>de</strong>rar tais produções como contendo um valor artístico inerente.<br />

Assim, com relação às M<strong>em</strong>órias <strong>de</strong> Schreber, Lacan afirma não reconhecer<br />

nelas uma qualida<strong>de</strong> poética, se a enten<strong>de</strong>rmos como um relato que caracterizaria uma<br />

experiência vivida subjetiva. As experiências <strong>de</strong> Schreber são relatadas com um tom<br />

impessoal, <strong>de</strong> um modo que o sujeito não está aí incluído. Lacan <strong>de</strong>staca o caráter<br />

“completo, fechado, pleno, acabado” <strong>de</strong>sta obra. Se Schreber é um escritor, não é<br />

entretanto um poeta, pois<br />

Há poesia toda vez que um escrito nos introduz num mundo diferente do<br />

nosso, e, ao nos dar a presença <strong>de</strong> um ser, <strong>de</strong> uma certa relação fundamental,<br />

faz com que ela se torne também nossa. A poesia faz com que não possamos<br />

duvidar da autenticida<strong>de</strong> da experiência <strong>de</strong> San Juan <strong>de</strong> la Cruz, n<strong>em</strong> da <strong>de</strong><br />

Proust ou da <strong>de</strong> Gérard <strong>de</strong> Neval. A poesia é criação <strong>de</strong> um sujeito assumindo<br />

uma nova ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> relação simbólica com o mundo. Não há absolutamente<br />

nada disso nas M<strong>em</strong>órias <strong>de</strong> Schreber. 283<br />

Um artigo publicado no “Correio da manhã” <strong>em</strong> 04/09/1927 afirma, referindose<br />

ao autor do livro As revelações do príncipe do fogo, que “ninguém enten<strong>de</strong> o que o<br />

malvado escreveu nessa ‘obra’ da qual ele mandou um ex<strong>em</strong>plar para cada<br />

biblioteca”. 284 Outros artigos como esse <strong>de</strong>stacam os absurdos escritos, a bizarria <strong>de</strong><br />

pensamento <strong>de</strong> Febrônio, como o opúsculo Os crimes do monstro Febrônio, <strong>de</strong> M.<br />

Splayne, publicado no mesmo ano <strong>de</strong> sua prisão. É interessante notar que a contrapelo<br />

<strong>de</strong>ste coro <strong>de</strong> vozes que ecoam para dizer do incompreensível no escrito <strong>de</strong> Febrônio,<br />

através do qual confirmam mais uma vez a sua bizarria, uma voz se ergue dissonante,<br />

a <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>.<br />

282 E. Laurent, op. cit, p. 101.<br />

283 Id<strong>em</strong>, As psicoses, p. 94. A <strong>de</strong>finição que aqui nos oferece Lacan da poesia parece articular a<br />

experiência individual e a coletiva, a Erlebnis e a Erfharung.<br />

284 Cf G. Bastos, op. cit., p. 38.<br />

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