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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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Gláucia Bastos, Como se escreve Febrônio, 267 que faz um rico levantamento do que<br />

foi publicado na imprensa e na literatura sobre Febrônio Índio do Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua<br />

prisão <strong>em</strong> 1927. Mesmo o ensaio <strong>de</strong> Cendrars sobre Febrônio, ao apresentar a sua<br />

biografia, situando-o como um dos filhos do açougueiro – “profissão <strong>de</strong> carrasco <strong>de</strong><br />

animais, <strong>de</strong> <strong>de</strong>golador”, que também carrega a herança ancestral dos me<strong>de</strong>cine-men 268<br />

da África, parece levar-nos a enten<strong>de</strong>r uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino que arrasta Febrônio<br />

para as suas visões e para o crime; acrescenta-se a isso a visão médica tipológica,<br />

essencialista, do criminoso nato, apresentada pelo poeta <strong>em</strong> vários momentos <strong>de</strong> sua<br />

narrativa. Outro modo <strong>de</strong> reivindicar Febrônio, ao nosso ver, é chamá-lo <strong>de</strong> “o nosso<br />

Schreber”, tal como aparece no Catálogo da exposição “Psicanálise e mo<strong>de</strong>rnismo”,<br />

que, à parte as relações que se pod<strong>em</strong> estabelecer entre os dois casos <strong>de</strong> paranóia,<br />

parece dizer: vejam, assim como os europeus têm Schreber, nós, brasileiros, t<strong>em</strong>os<br />

Febrônio!, num gesto tardiamente mo<strong>de</strong>rnista <strong>de</strong> afirmação da particularida<strong>de</strong> frente<br />

àquele que se toma como mo<strong>de</strong>lo.<br />

Apesar <strong>de</strong> Febrônio funcionar paradigmaticamente como ponto <strong>de</strong> cruzamento<br />

<strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> discursiva que atravessa a i<strong>de</strong>ologia do Estado, a psiquiatria, o direito, a<br />

psicanálise e o mo<strong>de</strong>rnismo, <strong>de</strong> mobilizar a socieda<strong>de</strong> da época pelos seus feitos, não<br />

nos parece que ele seja simplesmente um transgressor ou que a sua loucura seja<br />

equivalente àquela que aparece referida nos contos e crônicas citados <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong>, que talvez não tivesse a dimensão do sofrimento implicado na psicose. Ao<br />

usar o termo loucura <strong>em</strong> alguns contos e crônicas, às vezes para se auto-referir como<br />

um louco, no caso das narrativas <strong>em</strong> 1ª pessoa, parece-nos que o escritor aponta para<br />

uma experiência <strong>de</strong> transgressão <strong>de</strong> limites, uma afirmação <strong>de</strong> sua diferença, <strong>de</strong> sua<br />

posição <strong>de</strong> exceção, principalmente na família, assinalando um modo <strong>de</strong> “ser louco<br />

com os outros”. 269 Esta postura se aproximaria do laço social <strong>de</strong>scrito por Lacan como<br />

267 G. Soares Bastos, op. cit., 1994.<br />

268 Cendrars joga com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Febrônio ter pertencido, ancestralmente, ao clã do Búfalo,<br />

cujos m<strong>em</strong>bros manejavam o ferro e o fogo, e eram envenenadores que se <strong>de</strong>sdobravam <strong>em</strong> adivinhos,<br />

feiticeiros, curan<strong>de</strong>iros, cirurgiões, açougueiros, etc.<br />

269 <strong>Mário</strong> guardava <strong>em</strong> seus arquivos um artigo escrito para o jornal O malho <strong>de</strong> 24/11/38, s<strong>em</strong><br />

assinatura, intitulado “Poesia <strong>de</strong> doidos, pintura lírica e outras maluquices”. O artigo faz referência a<br />

uma reportag<strong>em</strong> feita por João do Rio para a Gazeta <strong>de</strong> notícias sobre os po<strong>em</strong>as escritos por “poetas<br />

do hospício”, constatando que alguns eram metrificados e outros <strong>de</strong> “ritmos arbitrários”, parecendo<br />

“verda<strong>de</strong>iros primores do mo<strong>de</strong>rnismo”. Estes, que eram malucos autênticos, segundo o autor do artigo,<br />

<strong>em</strong> muitos casos escreviam mais claramente do que muitos que compõ<strong>em</strong> “versalhadas que ped<strong>em</strong><br />

chaves para a compreensão do seu sentido”. Dá como ex<strong>em</strong>plo trechos <strong>de</strong> po<strong>em</strong>as <strong>de</strong> Carlos<br />

Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, terminando o artigo com o comentário <strong>de</strong> um maluco do Hospício, ao qual dá<br />

razão: “- Isto aqui é só o Estado-Maior. O grosso da tropa está lá fora...”. Em contrapartida, o poeta<br />

<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, <strong>em</strong> A escrava que não é Isaura (1925), afirmava: “Não somos loucos...”, ao<br />

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