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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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mediocrida<strong>de</strong> burguesa, <strong>em</strong> seu gesto louco, passional. Relacionando a visão dos<br />

surrealistas acerca <strong>de</strong>sta mulher louca, criminosa, com a ascensão do f<strong>em</strong>inismo, a<br />

renovação da psiquiatria e com a passag<strong>em</strong>, <strong>em</strong> termos paradigmáticos, <strong>de</strong> uma<br />

clínica das doenças nervosas para uma clínica das doenças mentais, afirma Elisabeth<br />

Roudinesco:<br />

Eis porque, quando Breton e Aragon rend<strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> à Augustine da<br />

Salpêtrière, já é à Violette, à Aimée e à Nadja que se dirig<strong>em</strong>, ou seja, a uma<br />

mulher revoltada, criminosa, paranóica ou homossexual, que não é mais a<br />

roupeira miserável <strong>de</strong> outrora, escrava <strong>de</strong> seus sintomas, e sim a heroína <strong>de</strong><br />

uma nova mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”. 265<br />

Record<strong>em</strong>os que não só no surrealismo, mas no mo<strong>de</strong>rnismo <strong>em</strong> termos mais amplos,<br />

há uma valorização do irracional, como potência criadora, disruptora <strong>de</strong> velhos<br />

sentidos, contra a inteligência lógica e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> censura do supereu. Dessa maneira,<br />

a loucura pô<strong>de</strong> ser louvada pelas vanguardas, como resistência contra a racionalida<strong>de</strong><br />

normativa e burguesa. Como afirma Raúl Antelo,<br />

o mo<strong>de</strong>rnismo, e <strong>de</strong> forma mais ampla a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, não nasc<strong>em</strong> apenas das<br />

inovações <strong>de</strong> um Mallarmé ou <strong>de</strong> um Rimbaud. Por seu anti-racionalismo, o<br />

vanguardismo é parente próximo do pensamento <strong>de</strong> Nietzsche e das<br />

experiências do método catártico, que daria orig<strong>em</strong> à psicanálise. 266<br />

Nesse sentido, po<strong>de</strong>r-se-ia, numa linha <strong>de</strong> oposição aos discursos médico e<br />

jurídico, reivindicar Febrônio como um transgressor, ou como vítima <strong>de</strong> sua história<br />

pessoal e da socieda<strong>de</strong> da época. Alguns trabalhos apontam nesta direção, como o <strong>de</strong><br />

265 E. Roudinesco, História da psicanálise na França. vol. II, p.35. A autora refere-se a Violette<br />

Nozière, que <strong>em</strong> agosto <strong>de</strong> 1933, aos 18 anos, envenena os seus pais. Acredita-se que por conta do<br />

amor louco que tinha por certo jov<strong>em</strong>, começou a se prostituir e roubar. O caso é vastamente explorado<br />

pela imprensa francesa, sendo alvo <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates apaixonados entre os que clamam pelo castigo e os que<br />

ped<strong>em</strong> cl<strong>em</strong>ência para seu crime. Para ela foram compostas canções, assim como para outra criminosa<br />

famosa, Landru. Blaise Cendrars, na série <strong>de</strong> matérias publicadas no jornal Paris Soir, compara<br />

Febrônio a Violette e a Landru, como se observa no título <strong>de</strong>stas matérias: “Un assassin cultive <strong>de</strong>s<br />

Violettes...” e “Le Landru nègre”, ambas <strong>de</strong> 1938. Nadja é o nome do romance <strong>de</strong> André Breton<br />

(1928), cuja personag<strong>em</strong> que dá título à narrativa termina internada num asilo <strong>de</strong> loucos. Breton, <strong>em</strong><br />

1962, acrescenta ao modo <strong>de</strong> um prefácio, o seu “telegrama retido”, advertindo para os dois princípios<br />

“antiliterários” aos quais obe<strong>de</strong>ce a obra: o uso abundante <strong>de</strong> ilustrações fotográficas e “o tom adotado<br />

para a narrativa, que se calca no da observação médica, principalmente neuropsiquiátrica, <strong>em</strong> que a<br />

tendência é registrar tudo quanto o exame e o interrogatório pod<strong>em</strong> produzir, s<strong>em</strong> a mínima<br />

preocupação com o estilo do relato” (A. Breton, Nadja, p. 08). Como assinala Roudinesco, Breton, que<br />

era psiquiatra, através <strong>de</strong>ssa nota marca a sua relação com a tradição médica, no interior <strong>de</strong> uma obra<br />

que assinala o abandono <strong>de</strong>sta mesma tradição, inaugurando um novo estilo narrativo, ‘antiliterário’,<br />

como ele mesmo o qualifica.<br />

266 R. Antelo, Na ilha <strong>de</strong> Marapatá (<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> lê os hispano-americanos), p. 04.<br />

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