Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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26.02.2014 Views

Filho. As conferências promovidas pela Sociedade eram muito concorridas, agitando culturalmente a cidade de São Paulo e tendo como participantes gente da elite econômica e cultural, como Olívia Guedes penteado e Tarsila do Amaral. Foi Mário de Andrade, dentre os modernistas, quem se mostrou o mais aplicado leitor de Freud, estudando os seus conceitos nas obras que possuía em francês, muitas vezes assinaladas, sublinhadas ou comentadas, deixando-nos as marcas da sua dedicada leitura. Estas aparecerão na sua produção ficcional, nos ensaios críticos e na própria maneira de conceber a criação poética. A referência a Freud e ao inconsciente no “Prefácio interessantíssimo”, escrito em 1921, demonstra que já nessa época tomara conhecimento das teses freudianas. A partir de 1921, tornara-se assinante de importantes revistas européias, como Europe, The London Mercury, L’Esprit Noveau e La Nouvelle Revue Française. Estas revistas, além de outras, colaboraram para a divulgação dos conhecimentos psicanalíticos do mestre vienense na França 7 . O artigo já citado de Jules Romains “Aperçu de la Psychanalyse”, publicado na NRF, ainda que não apresente nenhuma marca de leitura, com certeza foi lido por Mário, que acompanhava com respeito e interesse os trabalhos de Romains. 8 A formação intelectual de Mário de Andrade, como ele mesmo afirmou, realizou-se, em grande medida, através da cultura e do idioma franceses. Assim, foi em francês que o autor de Macunaíma leu Freud, cuja leitura direta começa em 1922- 23 – como demonstrou o trabalho de Nites T. Feres. 9 A presença da psicanálise foi-se fazendo sentir através dos títulos de livros e artigos de revistas constantes da biblioteca do escritor. Um destes é o artigo de Franco da Rocha, “A doutrina de “tranqüilo e amigável”, de acordo com Aracy Amaral. Era amante da música e gostava de tocar violino, o que o aproximava dos interesses de Mário. 7 Em junho de 1924 a revista Le Disque Vert dedicou um número especial à psicanálise, com a colaboração de vários autores, e contendo uma breve carta de Freud à guisa de introdução. 8 Jules Romains exerceu influência sobre algumas concepções filosóficas de Mário de Andrade e era adepto do unanimismo, que pensava “os agrupamentos humanos como a comunidade que deve buscar uma harmonia interior, i. é, a obtenção da alma coletiva a partir dos indivíduos” (Telê A. Lopez, Mariodeandradiando, São Paulo: Ed. HUCITEC, 1996, p. 4). Segundo a profª Telê, Mário, no esforço de compreender a época em que vivia, encontrou forte apoio nos ideais de Romains, que desejava a união entre os homens, seu compromisso com a fraternidade. 9 Leituras em Francês de Mário de Andrade, São Paulo: Publicação do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) – USP, 1969. Tive oportunidade de verificar e manusear as obras que Mário tinha de Freud, quando visitei o IEB, em março de 2002. A dedicatória dos “Três ensaios” é de Paulo Prado, datada de 9/10/23. A data da oferta sugere, segundo Feres, que o exemplar foi lido na mesma época da edição francesa. 5

1930. 12 Nites T. Feres aventa a hipótese de que o interesse de Mário pela psicologia Freud”, 10 publicado pela Revista do Brasil. No VI artigo da série “Mestres do passado”, sobre Vicente de Carvalho, que Mário publica no Jornal do Comércio em 1921, surge o nome de Franco da Rocha, indicando o contato com as suas idéias: diz, que aos poetas parnasianos lhes falta “a vocação, o espírito fantasioso, a nervosidade, a loucura, se preferir o Dr. Franco da Rocha, dos poetas legítimos”. 11 Mário possuía na sua biblioteca as seguintes obras de Freud: Trois essais sur la théorie de la sexualité, traduzido por B. Reverchon (1923), numa edição da NRF, Introduction à la psychanalyse, cuja tradução de 1922 é do Dr. S. Jankélévitch, que também traduziu La psychopatologie de la vie quotidienne (1924), Essais de Psychanalyse (1927) e Totem et tabou, de 1925. Constam, também, Cinq leçons sur la Psychanalyse (1924), tradução de Yves de Lay, com introdução de Édouard Claparède, e Le mot d’esprit et ses rapports avec l’inconscient, traduzido por Marie Bonaparte e Dr. M. Nathan em científica – e acrescentamos, pela psicanálise – constituiu-se em elemento formador do pensamento do escritor. O levantamento inicial que fizemos na sua biblioteca tende a confirmar tal hipótese, ao constatarmos a quantidade de títulos de obras de psicologia e psicanálise que ali se encontram, abrangendo temas como educação, sexualidade, arte, psicologia do desenho infantil, psicobiografias, até livros mais especializados sobre psicodiagnóstico e testes psicológicos. Dos autores, podemos 10 São Paulo, a. 4, vol. 12, nº 46. Os editores eram Paulo Prado e Monteiro Lobato. Ao longo dos anos 20, o nome de Franco da Rocha será mencionado diversas vezes na revista. O médico psiquiatra Franco da Rocha foi um dos pioneiros da psicanálise no nosso país. Apesar de não chegar a exercê-la, desenvolveu por ela um interesse teórico, participando da divulgação das idéias de Freud em São Paulo, quer através de suas aulas na Faculdade de Medicina, quer por meio de publicações. No jornal O Estado de São Paulo (20/03/1919) sai publicado o artigo “Do delírio em geral”, que posteriormente também aparecerá na Revista Brasileira de Psicanálise (vol. I, nº 1, 1928). Em 1920, o psiquiatra lança o livro O pansexualismo na doutrina de Freud, sistematizando as idéias do psicanalista sobre o desenvolvimento psico-sexual, acrescentando-lhes as suas próprias considerações, de acordo com o trabalho de Sagawa – quem lança a hipótese de que a leitura brasileira da psicanálise, nos anos iniciais de sua disseminação, deu ênfase ao pansexualismo de Freud. O livro de Franco da Rocha causou impacto, obtendo um relativo sucesso, apesar de suscitar algumas reações bastante contrárias ao ideário psicanalítico. Possivelmente por isto, foi reeditado em 1930 com o título A doutrina de Freud. Com Franco da Rocha e seu trabalho de divulgação científica da psicanálise, inicia-se em São Paulo “a passagem de uma psiquiatria exclusivamente descritiva e organicista a uma psiquiatria que se tornava também descritiva e psicodinâmica”. (R. Yutaka Sagawa, Os inconscientes no divã da história, Dissertação de Mestrado (UNICAMP), vols I e II, Campinas, 1988. A dissertação, orientada pelos professores Peter Fry e Mariza Corrêa, consiste numa pesquisa sobre a história da implantação da psicanálise em São Paulo, suas vicissitudes e institucionalização, abrangendo o amplo período de 1920 até 1980). 11 M. de Andrade, “Mestres do passado”, in: M. da Silva Brito, História do Modernismo brasileiro: antecedentes da Semana de Arte Moderna, p. 300. 12 Esta última e Totem e tabu não estavam no levantamento de Nites T. Feres. 6

Filho. As conferências promovidas pela Socieda<strong>de</strong> eram muito concorridas, agitando<br />

culturalmente a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo e tendo como participantes gente da elite<br />

econômica e cultural, como Olívia Gue<strong>de</strong>s penteado e Tarsila do Amaral.<br />

Foi <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre os mo<strong>de</strong>rnistas, qu<strong>em</strong> se mostrou o mais<br />

aplicado leitor <strong>de</strong> Freud, estudando os seus conceitos nas obras que possuía <strong>em</strong><br />

francês, muitas vezes assinaladas, sublinhadas ou comentadas, <strong>de</strong>ixando-nos as<br />

marcas da sua <strong>de</strong>dicada leitura. Estas aparecerão na sua produção ficcional, nos<br />

ensaios críticos e na própria maneira <strong>de</strong> conceber a criação poética. A referência a<br />

Freud e ao inconsciente no “Prefácio interessantíssimo”, escrito <strong>em</strong> 1921, d<strong>em</strong>onstra<br />

que já nessa época tomara conhecimento das teses freudianas. A partir <strong>de</strong> 1921,<br />

tornara-se assinante <strong>de</strong> importantes revistas européias, como Europe, The London<br />

Mercury, L’Esprit Noveau e La Nouvelle Revue Française. Estas revistas, além <strong>de</strong><br />

outras, colaboraram para a divulgação dos conhecimentos psicanalíticos do mestre<br />

vienense na França 7 . O artigo já citado <strong>de</strong> Jules Romains “Aperçu <strong>de</strong> la<br />

Psychanalyse”, publicado na NRF, ainda que não apresente nenhuma marca <strong>de</strong> leitura,<br />

com certeza foi lido por <strong>Mário</strong>, que acompanhava com respeito e interesse os<br />

trabalhos <strong>de</strong> Romains. 8<br />

A formação intelectual <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, como ele mesmo afirmou,<br />

realizou-se, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> medida, através da cultura e do idioma franceses. Assim, foi<br />

<strong>em</strong> francês que o autor <strong>de</strong> Macunaíma leu Freud, cuja leitura direta começa <strong>em</strong> 1922-<br />

23 – como d<strong>em</strong>onstrou o trabalho <strong>de</strong> Nites T. Feres. 9 A presença da psicanálise foi-se<br />

fazendo sentir através dos títulos <strong>de</strong> livros e artigos <strong>de</strong> revistas constantes da<br />

biblioteca do escritor. Um <strong>de</strong>stes é o artigo <strong>de</strong> Franco da Rocha, “A doutrina <strong>de</strong><br />

“tranqüilo e amigável”, <strong>de</strong> acordo com Aracy Amaral. Era amante da música e gostava <strong>de</strong> tocar violino,<br />

o que o aproximava dos interesses <strong>de</strong> <strong>Mário</strong>.<br />

7 Em junho <strong>de</strong> 1924 a revista Le Disque Vert <strong>de</strong>dicou um número especial à psicanálise, com a<br />

colaboração <strong>de</strong> vários autores, e contendo uma breve carta <strong>de</strong> Freud à guisa <strong>de</strong> introdução.<br />

8 Jules Romains exerceu influência sobre algumas concepções filosóficas <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e era<br />

a<strong>de</strong>pto do unanimismo, que pensava “os agrupamentos humanos como a comunida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve buscar<br />

uma harmonia interior, i. é, a obtenção da alma coletiva a partir dos indivíduos” (Telê A. Lopez,<br />

Mario<strong>de</strong>andradiando, São Paulo: Ed. HUCITEC, 1996, p. 4). Segundo a profª Telê, <strong>Mário</strong>, no esforço<br />

<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a época <strong>em</strong> que vivia, encontrou forte apoio nos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> Romains, que <strong>de</strong>sejava a<br />

união entre os homens, seu compromisso com a fraternida<strong>de</strong>.<br />

9 Leituras <strong>em</strong> Francês <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, São Paulo: Publicação do Instituto <strong>de</strong> Estudos Brasileiros<br />

(IEB) – USP, 1969. Tive oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verificar e manusear as obras que <strong>Mário</strong> tinha <strong>de</strong> Freud,<br />

quando visitei o IEB, <strong>em</strong> março <strong>de</strong> 2002. A <strong>de</strong>dicatória dos “Três ensaios” é <strong>de</strong> Paulo Prado, datada <strong>de</strong><br />

9/10/23. A data da oferta sugere, segundo Feres, que o ex<strong>em</strong>plar foi lido na mesma época da edição<br />

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