Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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que caracterizaria a paranóia seria respon<strong>de</strong>r a uma fantasia com <strong>de</strong>lírios <strong>de</strong><br />
perseguição.<br />
Apesar <strong>de</strong> neste texto Freud tentar explicar a paranóia através da mesma noção<br />
que dá conta dos sintomas na neurose, ele nos fornece algumas pistas para pensarmos<br />
que a psicose respon<strong>de</strong> a um outro mecanismo que não a repressão. No início <strong>de</strong>ste<br />
que é seu principal texto sobre a psicose, Freud afirma que a pesquisa psicanalítica da<br />
paranóia só se tornou possível porque estes sujeitos possu<strong>em</strong> “a peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
revelar exatamente aquelas coisas que [os] neuróticos mantêm escondidas como um<br />
segredo”. Esta afirmação nos r<strong>em</strong>ete à idéia <strong>de</strong> que na psicose o inconsciente estaria a<br />
céu aberto, justamente porque nela não se trata <strong>de</strong> repressão mas da rejeição ou<br />
forclusão – Verwerfung 254 – <strong>de</strong> um significante primordial. Este termo, ressaltado por<br />
Lacan, é utilizado por Freud <strong>em</strong> outros textos, especialmente no historial clínico do<br />
hom<strong>em</strong> dos lobos, quando Freud se refere a uma rejeição da idéia <strong>de</strong> castração, no<br />
sentido <strong>de</strong> um não querer saber nada disso. De acordo com Freud, esta recusa não<br />
implica “<strong>em</strong> julgamento sobre a questão da sua existência [da castração], pois era<br />
como se não existisse”. Como explicita Lacan, o sujeito po<strong>de</strong> recusar o acesso ao<br />
mundo simbólico <strong>de</strong> algo que no entanto ele experimentou, permanecendo assim<br />
excluído, não assumido. A carência <strong>de</strong>sta admissão simbólica primordial t<strong>em</strong> como<br />
conseqüência que a linguag<strong>em</strong> articulada do inconsciente não é reconhecida pelo<br />
sujeito, o qual ignora a língua que fala.<br />
Lacan, diferenciando estruturalmente neurose, psicose e perversão, <strong>de</strong>finirá a<br />
forclusão (Verwerfung) como o mecanismo próprio da psicose. 255 Na neurose, dá-se<br />
do <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> Schreber. Cf. “Psicanálise e familiarismo: a sagrada família”, in: O anti-édipo –<br />
capitalismo e esquizofrenia. 1972.<br />
254 Em al<strong>em</strong>ão, Werfen significa literalmente arr<strong>em</strong>essar, lançar, atirar, etc. “Conotativamente o termo<br />
evoca a idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>scartar e eliminar um material rejeitado” (Cf Luiz Hanns, op. cit., p. 368). A palavra<br />
Verwerfung t<strong>em</strong> sido traduzida por rejeição, repúdio ou, como Lacan preferiu chamar, recorrendo ao<br />
uso <strong>de</strong>ste termo do campo jurídico, forclusão.<br />
255 Faz-se necessário registrar que toda essa teorização sobre a psicose que ora <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>os se insere<br />
no que Jacques-Alain Miller situou como um primeiro movimento do ensino <strong>de</strong> Lacan, que<br />
caracterizaria uma clínica estrutural. Nesta, haveria uma certa priorida<strong>de</strong> do registro simbólico com<br />
relação aos outros dois registros, o imaginário e o real, estruturas clínicas b<strong>em</strong> <strong>de</strong>limitadas, além <strong>de</strong> um<br />
lugar privilegiado para o significante nome-do-pai. Um segundo movimento <strong>de</strong>ste ensino, que po<strong>de</strong>ria<br />
ser situado a partir do s<strong>em</strong>inário XX, Mais ainda, implicaria numa segunda clínica na qual já não<br />
existiria a primazia <strong>de</strong> um dos registros sobre o outro, mas uma articulação dos três, cuja amarração<br />
seria feita pelo sintoma. Esta articulação ganhou visibilida<strong>de</strong> na figura do nó borromeu. O nome-do-pai<br />
se pluraliza, per<strong>de</strong> seu status privilegiado, tornando-se um s<strong>em</strong>blante do qual pod<strong>em</strong>os fazer uso.<br />
Assim, as rígidas fronteiras que separavam as estruturas clínicas se <strong>de</strong>svanec<strong>em</strong>, escapando-se então à<br />
lógica dos universais, das classes; o que passará a importar será a singularida<strong>de</strong> do caso. Estabelecer<br />
um segundo movimento no percurso <strong>de</strong> Lacan não significa, entretanto, qualificar este ensino <strong>em</strong><br />
termos progressivos, evolutivos, on<strong>de</strong> o que estaria por último seria melhor ou mais avançado. Por isso<br />
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