Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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ao comentar a primeira publicação <strong>de</strong> uma parte das M<strong>em</strong>órias na França: “introduzir<br />
o sujeito como tal significa não medir o louco <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> déficit e dissociação das<br />
funções”. 251 Em suas Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico <strong>de</strong> um caso<br />
<strong>de</strong> paranóia (1911), Freud <strong>de</strong>staca as observações <strong>de</strong> um dos médicos que<br />
examinaram Schreber, ao registrar que o paciente mantinha suas capacida<strong>de</strong>s mentais<br />
preservadas, apresentando excelente m<strong>em</strong>ória, uma seqüência vinculada <strong>de</strong><br />
pensamentos, mantendo-se b<strong>em</strong> informado sobre arte, política e ciência, contrariando,<br />
assim, a compreensão da psicose como déficit. Além disso, Freud encontrará na<br />
paranóia <strong>de</strong> Schreber uma complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> raciocínio, lógica e método <strong>em</strong> sua<br />
loucura. Certamente a inteligência e a perspicácia do presi<strong>de</strong>nte Schreber<br />
contribuíram para que este conseguisse recuperar seus direitos civis, após uma série<br />
<strong>de</strong> solicitações feitas aos tribunais, 252 “apesar <strong>de</strong> ser ele paranóico reconhecido”,<br />
afirma Freud.<br />
Lacan dirá, no s<strong>em</strong>inário sobre as psicoses, que Freud intervém no livro <strong>de</strong><br />
Schreber à maneira do <strong>de</strong>cifrador <strong>de</strong> hieróglifos, ou como o lingüista que percorre o<br />
texto, perguntando o que quer dizer cada signo que aparece, reconstituindo a língua<br />
fundamental à qual Schreber se refere. No entanto, adverte Lacan, a interpretação<br />
analítica levada a efeito aqui não diferencia o campo das psicoses do campo das<br />
neuroses. O próprio Freud reconhece, na terceira parte do texto, após as suas<br />
“Tentativas <strong>de</strong> interpretação”, que ao lidar com o complexo paterno e com a fantasia<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>em</strong> torno da qual a doença se estruturou, não apresentou nada que não<br />
pu<strong>de</strong>sse ser encontrado nas neuroses. 253 Para Freud, a causa da doença foi o<br />
surgimento <strong>de</strong> uma fantasia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo homossexual cujo objeto, inicialmente, teria<br />
sido o pai ou o irmão <strong>de</strong> Schreber, e posteriormente esta libido teria sido investida<br />
transferencialmente para o médico <strong>de</strong> Schreber, o Dr. Flechsig. As lutas contra a<br />
manifestação do impulso teriam produzido o conflito que <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong> aos sintomas; o<br />
251 Cf. E. Laurent, El sujeto psicótico escribe..., p. 102.<br />
252 Sorte diferente teve Febrônio, que apesar das reiteradas tentativas <strong>de</strong> sair do Manicômio, a partir <strong>de</strong><br />
petições redigidas <strong>de</strong> próprio punho, solicitando novo exame <strong>de</strong> sanida<strong>de</strong> mental e afirmando estar<br />
curado, permaneceu internado durante 55 anos. Deleuze e Guattari afirmam que a <strong>de</strong>cisão do tribunal<br />
que anulou a sentença <strong>de</strong> Schreber po<strong>de</strong>ria ter sido outra se “<strong>em</strong> seu <strong>de</strong>lírio, ele não houvesse exibido<br />
uma predileção pelo socius <strong>de</strong> um investimento libidinal já fascistizante”, ou “caso ele se houvesse<br />
tomado por um negro ou um ju<strong>de</strong>u, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> um ariano puro” (G. Deleuze e F. Guattari apud E.<br />
Santner, A Al<strong>em</strong>anha <strong>de</strong> Schreber, p. 09).<br />
253 G. Deleuze critica a edipianização que Freud opera sobre Schreber: “como é que se po<strong>de</strong> ter a<br />
ousadia <strong>de</strong> tentar reduzir ao t<strong>em</strong>a paterno um <strong>de</strong>lírio tão rico, tão diferenciado, tão ‘divino’ como o do<br />
presi<strong>de</strong>nte?”. Deleuze critica, ainda, o silêncio <strong>de</strong> Freud acerca do conteúdo político, social e histórico<br />
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