Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A paranóia: Freud e Lacan ( ou “Não se torna louco qu<strong>em</strong><br />
quer”) 245<br />
Enquanto Febrônio agitava o meio psiquiátrico local, <strong>em</strong> outras terras o jov<strong>em</strong><br />
psiquiatra Jacques Lacan publicava a sua tese <strong>de</strong> doutorado sobre a psicose paranóica,<br />
a partir <strong>de</strong> um estudo <strong>de</strong> caso que se convencionou chamar <strong>de</strong> o “caso Aimée”.<br />
Ao introduzir a questão das psicoses no s<strong>em</strong>inário III, Lacan observa que na<br />
França, à época <strong>em</strong> que escreveu sua tese <strong>de</strong> doutorado – Da psicose paranóica <strong>em</strong><br />
suas relações com a personalida<strong>de</strong> –, o estágio no qual se encontrava a psiquiatria,<br />
com relação à paranóia, implicava a noção caracteriológica da anomalia da<br />
personalida<strong>de</strong>, difundida através da obra <strong>de</strong> Génil-Perrin sobre a Constituição<br />
paranóica. Em sua tese, o jov<strong>em</strong> psiquiatra, além <strong>de</strong> percorrer toda uma tradição do<br />
saber psiquiátrico concernente à paranóia, passando por Kretschmer, Bleuler e Janet,<br />
<strong>de</strong>ntre outros, introduzirá uma nova visada sobre a paranóia, apoiado nos referenciais<br />
teóricos da psicologia concreta (afinal, assim como <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Lacan era<br />
leitor <strong>de</strong> Politzer), 246 da fenomenologia e da psicanálise freudiana. O próprio Lacan<br />
ressalta a originalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua tese ao redigir uma espécie <strong>de</strong> resumo <strong>de</strong> seus trabalhos<br />
científicos:<br />
a originalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nosso estudo é que ele é o primeiro, pelo menos na França,<br />
<strong>em</strong> que se tentou uma interpretação exaustiva dos fenômenos mentais <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>lírio típico <strong>em</strong> função da história concreta do sujeito, restituída por um<br />
levantamento tão completo quanto possível. 247<br />
Em seu anticonstitucionalismo, acredita numa historicida<strong>de</strong> da doença mental,<br />
etnografia traçada partindo da existência concreta do sujeito. Mesmo s<strong>em</strong> negar a<br />
presença <strong>de</strong> fatores orgânicos no <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento da psicose, Lacan, que ainda não<br />
se tornara um psicanalista, compreen<strong>de</strong> que esses fatores não dão conta <strong>de</strong> explicar a<br />
forma, os conteúdos mentais específicos da psicose, n<strong>em</strong> sua evolução, afastando-se<br />
das abordagens psiquiátricas que a conceb<strong>em</strong> <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> “um déficit quantitativo<br />
<strong>de</strong> uma função <strong>de</strong> relação para com o mundo”.<br />
245 Frase que o jov<strong>em</strong> médico Jacques Lacan mantinha pregada na sua sala <strong>de</strong> plantão. (Cf J. Lacan, As<br />
psicoses, O s<strong>em</strong>inário, livro III, p.24).<br />
246 Algumas referências teóricas que <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Jacques Lacan tiveram <strong>em</strong> comum foram T.<br />
Ribot, W. James, Lévy-Bruhl e P. Janet, além do próprio Freud.<br />
247 J. Lacan, “Exposição geral <strong>de</strong> nossos trabalhos científicos” (1933), Da psicose paranóica <strong>em</strong> suas<br />
relações com a personalida<strong>de</strong>, p.395.<br />
103