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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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sua espada na clareira próxima ao Pão <strong>de</strong> Açúcar, lutando contra o diabo <strong>em</strong> forma <strong>de</strong><br />

boi, quando foi agarrado e alg<strong>em</strong>ado por um sargento da polícia. “Foi então que eu vi<br />

o boi pular nos ares e levantar vôo, obscurecendo o céu, a baía, o mar, e uma gran<strong>de</strong><br />

nuv<strong>em</strong> atravessou mugindo a gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong> que eu queria redimir. E fez-se noite<br />

escura”. 233<br />

Febrônio, que queria redimir a cida<strong>de</strong>, salvar os jovens que tatuava,<br />

transformar-se-á no “caso Febrônio”, investigado por psiquiatras, promotores, juizes,<br />

num encontro paradigmático entre o discurso da ciência, a lei e o po<strong>de</strong>r estatal. A<br />

palavra latina casus significa aci<strong>de</strong>nte; seu sentido principal implica algo que suce<strong>de</strong>u<br />

ou po<strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r, que cai num ponto do t<strong>em</strong>po, nos ensina Isabelle Lesage que cita<br />

Colette Soler: “O caso, isso começa na entrada, como o que nos cai <strong>em</strong> cima, ou seja,<br />

um tipo <strong>de</strong> sintoma impossível <strong>de</strong> suportar”. 234 Jacques Derrida, <strong>em</strong> O animal que<br />

logo sou, também nos faz l<strong>em</strong>brar que sintoma quer dizer a queda, “o caso, o<br />

acontecimento infeliz, a coincidência, o fim do prazo, a má sorte”. 235 Seria Febrônio<br />

um sintoma, um impossível <strong>de</strong> suportar, para a civilização e o progresso?<br />

No período que antece<strong>de</strong>u a Revolução <strong>de</strong> 1930, os jornais noticiavam os altos<br />

índices <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>, atribuídos aos <strong>de</strong>generados, aos <strong>de</strong>socupados que vagavam<br />

pelas ruas ociosos. Dentre estes, <strong>de</strong>stacavam-se os imigrantes, negros e mestiços. O<br />

Estado, preocupado com o saneamento da cida<strong>de</strong> e da nação, interessado <strong>em</strong><br />

transformar todos os cidadãos <strong>em</strong> trabalhadores, impl<strong>em</strong>enta uma política <strong>de</strong><br />

prevenção e repressão ao ócio e ao crime, preten<strong>de</strong>ndo compreen<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>terminações<br />

biológicas, psicológicas e sociais do criminoso. Como diz Jacques-Alain Miller,<br />

o vagabundo é o hom<strong>em</strong> s<strong>em</strong> lugar, o nôma<strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong> tomar <strong>em</strong><br />

conta., rebel<strong>de</strong> ao cálculo, flutuante, que ocupa os lugares sombrios que lhe<br />

oferece uma socieda<strong>de</strong> que, não é <strong>em</strong> toda sua superfície, panóptica. É<br />

necessário recolher os vagabundos, fazer <strong>de</strong>saparecer esses seres viventes<br />

carentes <strong>de</strong> lógica. 236<br />

Foram criados órgãos como o Gabinete <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntificação Criminal do Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />

<strong>em</strong> 1931, e o Laboratório <strong>de</strong> Antropologia Criminal. Toda uma equipe técnicocientífica<br />

é montada com vistas à realização não somente <strong>de</strong> autópsias, mas <strong>de</strong><br />

233 B. Cendrars, op. cit., p.185.<br />

234 C. Soler apud I. Lesage. “Uma questão classificada”, Os casos raros, inclassificáveis da clínica<br />

psicanalítica, p. 94.<br />

235 J. Derrida, O animal que logo sou, p. 16.<br />

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