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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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Ao juiz, durante seu processo no Tribunal, Febrônio conta que<br />

<strong>de</strong>pois da visita da Dama Loura, <strong>de</strong>sencorajado por estar s<strong>em</strong> tostão, s<strong>em</strong> casa,<br />

s<strong>em</strong> família, <strong>de</strong>pois da revelação <strong>de</strong> meu <strong>de</strong>stino, era natural que eu tenha<br />

sentido a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> penetrar o mais possível no matagal on<strong>de</strong> eu me<br />

escondia, para relaxar e repousar meu corpo. Como um filósofo da<br />

Antigüida<strong>de</strong> passei então lá três, quatro dias, longe do mundo, perdido <strong>em</strong><br />

altas cogitações e lançando as bases do meu livro profético: As revelações do<br />

Príncipe do Fogo, livro que levei ao editor e que apareceu nas livrarias menos<br />

<strong>de</strong> três meses mais tar<strong>de</strong>. 232<br />

À ausência <strong>de</strong> assinatura no livro, Febrônio respon<strong>de</strong> que o Filho da Luz não<br />

t<strong>em</strong> ambições <strong>de</strong> autor, sendo para ele suficiente revelar ao “gênero humano” a<br />

missão do príncipe do fogo. Houve, ainda, uma segunda aparição da Dama loura para<br />

l<strong>em</strong>brar-lhe <strong>de</strong> sua missão, e uma série <strong>de</strong> três sonhos que Febrônio contou ao<br />

psiquiatra para o qual foi encaminhado antes do julgamento. A escrita e publicação<br />

das Revelações, b<strong>em</strong> como a série <strong>de</strong> crimes cometidos, ocorreram entre a segunda<br />

aparição da Dama e o terceiro sonho. Nos dois primeiros sonhos, o príncipe do fogo<br />

era tentado a <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong> sua missão, enfrentando a oposição do d<strong>em</strong>ônio que lhe<br />

surgia <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> dragão, pisoteando-o, machucando-o, cobrindo-o <strong>de</strong> sangue. No<br />

terceiro sonho, o terrível dragão transforma-se num boi selvag<strong>em</strong>, que Febrônio não<br />

chega a t<strong>em</strong>er, pois “<strong>de</strong> bois eu entendo – dizia ao doutor – e aquele enorme caracu,<br />

tanto quanto os que meu pai abatia, não me intimidava”. O príncipe do fogo, como<br />

s<strong>em</strong>pre fazia quando celebrava seus sacrifícios, estava totalmente nu, <strong>em</strong>punhando<br />

232 Id<strong>em</strong>, p.180. O editor <strong>de</strong>clarou à polícia que “um dia entrou na minha loja um negro, que me trouxe<br />

um manuscrito enrolado numa folha <strong>de</strong> jornal, ilegível, escrito a tinta e a lápis <strong>em</strong> diversos pedaços e<br />

papel, muitos dos quais eram fórmulas telegráficas do correio” (p. 181). Ele disse a Febrônio que não<br />

po<strong>de</strong>ria receber um manuscrito naquele estado, e dias <strong>de</strong>pois este último voltou com uma cópia<br />

datilografada. O custo da edição, 800 mil réis, foi pago <strong>em</strong> diversas vezes, por sua própria conta.<br />

Segundo os textos <strong>de</strong> Cendrars e Fry, a polícia fe<strong>de</strong>ral teria mandado queimar todos os ex<strong>em</strong>plares do<br />

livro, <strong>de</strong> forma que ambos não tiveram acesso direto ao texto, apesar <strong>de</strong> todos os esforços e buscas.<br />

Levanto a hipótese <strong>de</strong> que <strong>Mário</strong> teria conseguido o ex<strong>em</strong>plar do livro <strong>de</strong> Febrônio, que <strong>de</strong>vido ao<br />

incêndio provocado pela polícia acabou tornando-se uma rarida<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> Sérgio Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda e Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Moraes Neto. Estes, <strong>em</strong> <strong>de</strong>poimento a Alexandre Eulálio, relatam como o<br />

conseguiram: “Pru<strong>de</strong>nte: Você se l<strong>em</strong>bra como é que nós adquirimos os ex<strong>em</strong>plares do livro <strong>de</strong><br />

Febrônio? O episódio t<strong>em</strong> o seu interesse. Eu estava com o Sérgio e nós fomos tomar um cafezinho<br />

perto do local on<strong>de</strong> eu tinha escritório, Buenos Aires esquina com Primeiro <strong>de</strong> Março. Estávamos<br />

conversando, sentados, quando chegou um sujeito com diversos fascículos e nos ofereceu para<br />

comprar./ Sérgio: Um livro <strong>de</strong> capa ver<strong>de</strong>, <strong>em</strong> estilo bíblico... Uma coisa surrealista, completamente<br />

louca”. Aclaram, ainda, que foi o próprio Febrônio que lhes ven<strong>de</strong>u; i<strong>de</strong>ntificaram-no pouco t<strong>em</strong>po<br />

<strong>de</strong>pois, quando seu retrato foi publicado nos jornais. (Cf. A. Eulálio, A aventura brasileira <strong>de</strong> Blaise<br />

Cendrars, p. 271). Em seu artigo sobre o livro <strong>de</strong> Febrônio, <strong>Mário</strong> diz que tal livro lhe “caiu nas mãos”,<br />

mas nos recorda, também, o seu interesse pela literatura popular, b<strong>em</strong> como o interesse que lhe<br />

<strong>de</strong>spertava a presença <strong>de</strong> pregadores da palavra divina no Jardim da Luz, aos quais relaciona a palavra<br />

profética do autor das Revelações.<br />

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