Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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interesse: “– Compadre, compadre... – murmurava o negro s<strong>em</strong> fôlego, enquanto sua<br />
mão <strong>de</strong> estrangulador apertava doc<strong>em</strong>ente a minha”. 228<br />
O t<strong>em</strong>ido Febrônio, nosso Índio do Brasil era um mulato nascido <strong>em</strong><br />
Diamantina, que aos 14 anos veio parar no Rio <strong>de</strong> Janeiro após diversas fugas da casa<br />
paterna. Teria fugido <strong>de</strong> casa <strong>em</strong> razão dos maus tratos do pai, açougueiro <strong>de</strong><br />
profissão que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo havia ensinado aos filhos o manejo das facas. Febrônio<br />
trazia no peito a inscrição “Eis o filho da luz”, além das letras “VX” que faziam parte<br />
do dístico D.C.V.X.V.I. que Febrônio tatuava <strong>em</strong> suas vítimas: “o símbolo anunciador<br />
da nova religião, da qual se proclamava o primeiro profeta, a religião do Deus-Vivo,<br />
ainda que com o <strong>em</strong>prego da força”. 229<br />
Mulato, pobre, s<strong>em</strong> instrução, acusado <strong>de</strong> vadiag<strong>em</strong>, roubo, frau<strong>de</strong>, suborno,<br />
assassinato, Febrônio, aquele que escreve suas revelações, se transmuta <strong>em</strong> “Príncipe<br />
do fogo”, quiçá nosso herói s<strong>em</strong> nenhum caráter. 230 O mulato que se quis Índio <strong>de</strong><br />
nome, saído do interior <strong>de</strong> Minas, vagando pelas cida<strong>de</strong>s gran<strong>de</strong>s, perdido, s<strong>em</strong> lugar,<br />
encontrará no chamado <strong>de</strong> Deus um caminho a seguir. Na mata próxima ao Pão <strong>de</strong><br />
Açúcar, on<strong>de</strong> se refugiava, foi-lhe consignada a sua missão:<br />
Uma Dama Loura, com longos cabelos <strong>de</strong> ouro, que me <strong>de</strong>clarou que Deus<br />
não estava morto e que era minha missão anunciá-lo ao mundo inteiro. Que,<br />
para isso, eu <strong>de</strong>via escrever um livro e marcar os jovens eleitos com as letras<br />
D.C.V.X.V.I., tatuag<strong>em</strong> que é o símbolo do Deus vivo, ainda que com o<br />
<strong>em</strong>prego da violência! 231<br />
não um estágio o recurso (por ele utilizado) às lendas indígenas, à fala popular, à cultura material das<br />
diferentes raças, um “jeito <strong>de</strong> nacionalizar as suas obras”.<br />
228 Id<strong>em</strong>, p. 168.<br />
229 Id<strong>em</strong>, p. 171<br />
230 O feio Macunaíma, “filho do medo da noite”, também “virou um príncipe lindo”, <strong>de</strong>pois um<br />
príncipe fogoso para brincar com Sofará, a esposa do mano Jiguê. Talvez, pudéss<strong>em</strong>os aproximar<br />
Febrônio <strong>de</strong> Macunaíma, sobretudo no tocante ao aspecto cultural, no qual se <strong>de</strong>staca o caráter <strong>de</strong><br />
hibridismo <strong>de</strong> ambos. Em “O tupi e o alaú<strong>de</strong>”, Gilda <strong>de</strong> Mello e Souza ressalta a ambigüida<strong>de</strong>, o<br />
hibridismo <strong>de</strong> Macunaíma, no que tange aos seus aspectos físicos, psicológicos e culturais. No capítulo<br />
intitulado “Maiorida<strong>de</strong>”, a cotia, ao tentar “igualar o corpo com o bestunto” do menino, que se revelara<br />
muito esperto, lhe joga uma lavag<strong>em</strong> <strong>de</strong> aipim sobre o corpo; porém, Macunaíma <strong>de</strong>ixa escapar a<br />
cabeça, ficando assim com corpo <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> adulto, mas com “cara enjoativa <strong>de</strong> piá”. A autora nos<br />
indica que a anedota mostra uma <strong>de</strong>sarmonia essencial do herói: “marcam a permanência da criança no<br />
adulto, do alógico no lógico, do primitivo no civilizado”. O corpo do adulto convive com um cérebro<br />
infantil, por conseguinte um adulto imaturo, um herói vulnerável. A dubieda<strong>de</strong> da personag<strong>em</strong> revelase<br />
também do ponto <strong>de</strong> vista da cultura, pois Macunaíma, ao retornar da “taba gran<strong>de</strong> paulistana” para<br />
o Uraricoera, já não é mais o mesmo, pois v<strong>em</strong> carregado dos valores do progresso da civilização. “É<br />
na verda<strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong>gradado que não consegue harmonizar duas culturas muito diversas: a do<br />
Uraricoera, don<strong>de</strong> proveio, e a do progresso, on<strong>de</strong> ocasionalmente foi parar” (Gilda <strong>de</strong> Mello e Souza,<br />
“O tupi e o alaú<strong>de</strong>”, Macunaìma – o herói s<strong>em</strong> nenhum caráter, p. 270).<br />
231 B. Cendrars, op. cit., p.179.<br />
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