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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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convivas do banquete, fazendo ressurgir afetos e <strong>de</strong>sejos que o quotidiano abafara. A<br />

loucura cometida era o passaporte para uma outra experiência:<br />

Minha mãe, minha tia, nós todos alagados <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>. (...) Era uma<br />

felicida<strong>de</strong> maiúscula, um amor <strong>de</strong> todos (...). E foi, sei que foi aquele primeiro<br />

peru comido no recesso da família, o início <strong>de</strong> um amor novo, reacomodado,<br />

mais completo, mais rico e inventivo, mais complacente e cuidadoso <strong>de</strong> si. 216<br />

Freud, <strong>em</strong> Tot<strong>em</strong> e tabu, <strong>de</strong>screve o espetáculo da refeição, na qual celebram a<br />

morte do animal totêmico, <strong>de</strong>vorado pelo clã. Todos estão cientes do ato proibido que<br />

realizam. Terminada a refeição, segue-se o luto pelo animal morto.<br />

Mas o luto é seguido por d<strong>em</strong>onstrações <strong>de</strong> regozijo festivo: todas as pulsões<br />

são liberadas e há permissão para qualquer tipo <strong>de</strong> gratificação. Encontramos<br />

aqui um fácil acesso à compreensão dos festivais <strong>em</strong> geral. Um festival é um<br />

excesso permitido, ou melhor, obrigatório, a ruptura solene <strong>de</strong> uma proibição.<br />

Não é que os homens se sintam felizes <strong>em</strong> conseqüência <strong>de</strong> algumas injunções<br />

que receberam. O caso é que o excesso faz parte da essência do festival; o<br />

sentimento festivo é produzido pela liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer o que via <strong>de</strong> regra é<br />

proibido. 217<br />

A loucura a que se refere <strong>Mário</strong> aparece vinculada a comportamentos e anseios<br />

do adolescente, aos beijos às escondidas com a prima Maria, à sensualida<strong>de</strong><br />

transbordante da amiza<strong>de</strong> com Fre<strong>de</strong>rico Paciência, aos amores proibidos, às<br />

“bombas” nos estudos, enfim, a uma certa transgressão às normas familiares e sociais.<br />

Telê Ancona Lopez, distingue, na obra <strong>de</strong> <strong>Mário</strong>, entre o comportamento<br />

doido <strong>de</strong> Juca e a idéia <strong>de</strong> loucura como iluminação. Não pod<strong>em</strong>os esquecer que<br />

Paulicéia Desvairada funda (e dissolve) a escola poética <strong>de</strong>nominada “Desvairismo”.<br />

No “Prefácio interessantíssimo”, o poeta apresenta-se como louco, este que escreve<br />

tudo o que seu inconsciente lhe grita: “Qu<strong>em</strong> canta seu subconsciente seguirá a ord<strong>em</strong><br />

imprevista das comoções, das associações <strong>de</strong> imagens, dos contatos exteriores”. 218<br />

Elevando a loucura à dimensão do sublime, assim como o lirismo, avizinha os dois<br />

estados. A loucura, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestabilizar padrões estabelecidos, permitiria enxergar<br />

além das aparências, segundo a professora Telê, no ensaio “Arlequim e a<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”. A concepção da loucura como uma nova forma <strong>de</strong> conhecimento e<br />

216 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, op. cit., p. 102.<br />

217 S. Freud, “Tót<strong>em</strong> y tabú”, Obras completas, vol. XIII, p. 142.<br />

218 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “Prefácio interessantíssimo”, Poesias Completas, pp 66-67.<br />

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