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A posição subjetiva da criança no abuso sexual - UVA

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MESTRADO PROFISSIONAL EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE<br />

Rua Ibituruna 108, Tijuca<br />

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Rio de Janeiro<br />

Brasil<br />

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FICHA CATALOGRÁFICA<br />

R467p<br />

FICHA Rezende, CATALOGRÁFICA<br />

Juliana Bezerra Dias de<br />

A posição <strong>subjetiva</strong> <strong>da</strong> criança <strong>no</strong> <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong><br />

/ Juliana Bezerra Dias de Rezende, 2008.<br />

92p. ; 30 cm.<br />

Dissertação (Mestrado) – Universi<strong>da</strong>de Veiga<br />

de Almei<strong>da</strong>, Mestrado Profissional em Psicanálise,<br />

Saúde e Socie<strong>da</strong>de, Rio de Janeiro, 2008.<br />

Orientação: Maria Anita Carneiro Ribeiro<br />

1. Psicanálise. 2. Crianças maltrata<strong>da</strong>s<br />

<strong>sexual</strong>mente. 3. Crianças – comportamento <strong>sexual</strong>. 4.<br />

Excitação <strong>sexual</strong>. I. Ribeiro, Maria Anita Carneiro<br />

(orientador). II. Universi<strong>da</strong>de Veiga de Almei<strong>da</strong>, Mestrado<br />

Profissional em Psicanálise, Saúde e Socie<strong>da</strong>de. III.<br />

Título.<br />

Ficha Catalográfica elabora<strong>da</strong> pela Biblioteca Setorial Tijucal/<strong>UVA</strong>


Juliana Bezerra Dias de Rezende<br />

A POSIÇÃO SUBJETIVA DA CRIANÇA NO ABUSO<br />

SEXUAL<br />

Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao curso de<br />

Pósgraduação em Psicanálise, saúde e<br />

Socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Veiga de Almei<strong>da</strong>,<br />

como requisito parcial para obtenção do grau<br />

de Mestre.<br />

Orientadora: Prof. Maria Anita Carneiro Ribeiro<br />

Rio de Janeiro<br />

2008


JULIANA BEZERRA DIAS DE REZENDE<br />

A POSIÇÃO SUBJETIVA DA CRIANÇA NO ABUSO SEXUAL<br />

Dissertação apresenta<strong>da</strong> a Universi<strong>da</strong>de<br />

Veiga de Almei<strong>da</strong>, como parte dos<br />

requisitos para obtenção do título de<br />

Mestre em Psicanálise, Saúde e<br />

Socie<strong>da</strong>de. Área de concentração:<br />

Psicanálise.<br />

Aprova<strong>da</strong> em 16 de Outubro de 2008 - 10h30minhs.<br />

BANCA EXAMINADORA<br />

Prof. Dra. Maria Anita Carneiro Ribeiro – Pós-Doutora<br />

Universi<strong>da</strong>de Veiga de Almei<strong>da</strong> - <strong>UVA</strong><br />

Prof. Dra. Vera Pollo – Doutora<br />

Universi<strong>da</strong>de Veiga de Almei<strong>da</strong> - <strong>UVA</strong><br />

Prof. Dr. Lucia<strong>no</strong> Elia – Pós-Doutor<br />

Universi<strong>da</strong>de Estadual do Rio de Janeiro - UERJ


Dedicatória<br />

À minha família, pelo carinho, e ao<br />

Nelson pela compreensão e auxílio<br />

<strong>no</strong>s momentos mais difíceis.


Agradecimentos<br />

Departamento do Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de Veiga de Almei<strong>da</strong> que, com as brilhantes aulas leciona<strong>da</strong>s pelos<br />

seus mestres, viabilizaram o meu projeto de pesquisa para que se tornasse uma<br />

dissertação de mestrado.<br />

Maria Anita Carneiro Ribeiro, pelas competentes orientações e magnífica escuta<br />

psicanalítica, presente em ca<strong>da</strong> orientação, que pôde iluminar através de meu<br />

desejo, o tema, por mim trabalhado e tão bem discutido, para que transparecesse<br />

<strong>no</strong> corpo final do trabalho.<br />

Aos professores que colaboraram diretamente com esta pesquisa, com quem tive<br />

o prazer de conviver durante o período discente e pelas sugestões apresenta<strong>da</strong>s.<br />

Professores Vera Pollo e Lucia<strong>no</strong> Elia, presentes em minha banca de qualificação,<br />

que puderam contribuir para que pudesse <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de <strong>no</strong> caminho a ser<br />

percorrido.<br />

Elisabeth <strong>da</strong> Rocha Miran<strong>da</strong>, analista, com quem pude aprender através <strong>da</strong>s<br />

valiosas supervisões.<br />

Marli Miran<strong>da</strong> Bastos, amiga e companheira, com quem pude dividir angústias e<br />

dificul<strong>da</strong>des ao longo deste período tão difícil.


“E agora quero confiar-lhe, de imediato, o grande<br />

segredo que foi despontado lentamente em mim nestes<br />

últimos meses. Não acredito mais em minha neurótica [teoria<br />

<strong>da</strong>s neuroses].”<br />

Sigmund Freud (1897).


Resumo<br />

Este trabalho propõe apresentar a abor<strong>da</strong>gem do <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> como uma<br />

escolha inconsciente do sujeito, mesmo sendo uma criança, que como vimos, tem<br />

a sua própria <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de. Para tanto foi necessário introduzir o sujeito do<br />

inconsciente, com seu desejo, gozo e <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, através <strong>da</strong> teoria e prática<br />

psicanalítica.<br />

Para isso, percorremos o conceito de criança a partir do século VII,<br />

passando pela teoria <strong>da</strong> sedução e <strong>da</strong> fantasia de Freud, até chegar ao texto Três<br />

ensaios sobre a teoria <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de (1905). Para ilustrar traremos um caso<br />

clínico do Ambulatório de Apoio à Família (AAF).<br />

Palavras - chave: criança; <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>; <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> e psicanálise; sujeito do<br />

inconsciente.


Résumé<br />

Ce travail propose présenter l'abor<strong>da</strong>ge de l'abus sexuel comme un choix<br />

inconscient du sujet, même en étant un enfant, que comme <strong>no</strong>us avons vu, a sa<br />

propre <strong>sexual</strong>ité. Pour de telle il faut introduire le sujet de l'inconscient, avec son<br />

désir, joie et <strong>sexual</strong>ité, à travers la théorie et de la pratique psychanalytiques.<br />

Pour que cela, <strong>no</strong>us couvrions le concept d'enfant à partir du siècle VII, en<br />

passant par la théorie de la séduction et de l'fantaisie de Freud, jusqu'arriver au<br />

texte Trois essais sur la théorie de la <strong>sexual</strong>ité (1905). Pour que illustrer <strong>no</strong>us<br />

apportions un cas clinique de la Clinique d'Aide à la Famille (AAF).<br />

Mots - clé : enfant ; abus sexuel ; abus sexuel et psychanalyse ; sujet de<br />

l'inconscient.


Lista de Ilustração<br />

Figura 1 – Apresentação do cartaz divulgado nas Instituições para que denunciem:<br />

a criança sem a possibili<strong>da</strong>de de escolha, ou seja, um muro na boca, sem que<br />

possa ter a escolha <strong>da</strong> fala, p.82.


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO................................................................................................................12<br />

1. CAPÍTULO: BREVE HISTÓRICO DO CONCEITO DE CRIANÇA.............................16<br />

1.1 MUNDO ANTIGO: SÉCULO VII a.C. a V d.C...........................................................17<br />

1.2 DESCONHECIMENTO DA INFÂNCIA: SÉCULO XI.................................................20<br />

1.3 O SURGIMENTO DA CRIANÇA: SÉCULOS XII E XIII.............................................22<br />

1.4 SÉCULOS XIV E XV: A CRIANÇA AINDA EM SEGUNDO PLANO.........................23<br />

1.5 VALORIZAÇÃO DA CRIANÇA: SÉCULOS XVI E XVII.............................................25<br />

1.6 A DESCOBERTA DA CRIANÇA: SÉCULOS XVIII E XIX.........................................30<br />

1.6.1 Sexuali<strong>da</strong>de e <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> infantil...................................................................31<br />

2. CAPÍTULO: UMA VISÃO DE FREUD E O HISTÓRICO DE BERCHERIE................36<br />

2.1 CRIANÇA EQUIVALENTE A ADULTO.....................................................................38<br />

2.2 APARECIMENTO DA LOUCURA NA CRIANÇA......................................................41<br />

2.3 SURGIMENTO DA CLÍNICA PSIQUIÁTRICA INFANTIL..........................................47


3. CAPÍTULO: DO SINTOMA À FANTASIA E AO ABUSO SEXUAL...........................51<br />

3.1 CASO CLÍNICO: KATHARINA..................................................................................61<br />

3.2 CASO CLÍNICO: JOANA...........................................................................................65<br />

CONCLUSÃO.................................................................................................................76<br />

ANEXOS.........................................................................................................................82<br />

APÊNDICE: AVALIAÇÃO DAS ACUSAÇÕES DE ABUSO SEXUAL ATRAVÉS DA<br />

DIFERENCIAÇÃO DO SUJEITO ABUSADO FRENTE À PSICANÁLISE E AO DIREITO<br />

.........................................................................................................................................83<br />

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................83<br />

2. JUSTIFICATIVA..........................................................................................................85<br />

3. OBJETIVO GERAL......................................................................................................86<br />

3.1 Objetivos Específicos.............................................................................................86<br />

4. ESTRUTURA DO PROGRAMA..................................................................................87<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................89


INTRODUÇÃO<br />

A escolha pelo tema de estudo desta pesquisa, <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> infantil, se deu a<br />

partir dos atendimentos psicológicos às crianças com história de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> que são<br />

recebi<strong>da</strong>s <strong>no</strong> ambulatório do Hospital Infantil Ismélia Silveira, <strong>no</strong> Município de Duque de<br />

Caxias, na ci<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro. Em um projeto existente nesse hospital desde o a<strong>no</strong><br />

2.000, chamado Ambulatório de Apóio à Família (AAF), há um serviço público em que se<br />

oferece atendimentos médico, social e psicológico às famílias que têm uma criança como<br />

objeto de maus-tratos e, principalmente, de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> — que são confirmados após<br />

exame de corpo delito e ginecológico. Os atendimentos psicológicos semanais visam <strong>da</strong>r<br />

suporte a estas crianças, que chegam através de encaminhamentos <strong>da</strong>s mais diversas<br />

instituições e com as mais varia<strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s, seja <strong>da</strong> mãe, de algum parente ou <strong>da</strong><br />

própria criança. Nestes atendimentos aposta-se na criança como sujeito de seu desejo e<br />

não como vítima de um <strong>abuso</strong>, ou seja, vitimiza<strong>da</strong>. O objetivo central do atendimento<br />

psicológico é investigar qual a posição <strong>subjetiva</strong> <strong>da</strong> criança frente ao <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, dito de<br />

outra maneira, qual a implicação do sujeito criança <strong>no</strong> ato dito “<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>”.<br />

Como ponto de parti<strong>da</strong> para esta pesquisa, recorreu-se às várias fontes<br />

quantitativas sobre <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> ocorrido <strong>no</strong> Brasil. No ambulatório, faz-se estatísticas<br />

anualmente e pôde-se observar que desde 2000, com a abertura até o mês de dezembro<br />

de 2006, foram inscritos nessa instituição 895 casos, sendo 423 registrados como<br />

crianças abusa<strong>da</strong>s <strong>sexual</strong>mente e o restante, 472 casos, como vítimas de violência física,<br />

abando<strong>no</strong> e/ou negligência ou <strong>abuso</strong> psicológico. Atualmente só são inscritas <strong>no</strong><br />

ambulatório crianças vítimas do <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> ou vítimas <strong>da</strong> agressão física. Vale ressaltar<br />

que, até setembro do a<strong>no</strong> de 2007, houve 1004 casos inscritos <strong>no</strong> total.<br />

Nessa estatística, pode-se observar ain<strong>da</strong> que, desde o a<strong>no</strong> em que foi inaugurado<br />

o ambulatório, o sexo femini<strong>no</strong> é o que aparece em evidência, sem exceção em nenhum<br />

a<strong>no</strong>. Do a<strong>no</strong> de 2000 até o a<strong>no</strong> de 2003, as crianças com i<strong>da</strong>des de zero a quatro a<strong>no</strong>s<br />

eram as que ficavam <strong>no</strong> topo <strong>da</strong> pesquisa, já a partir do a<strong>no</strong> de 2004, as i<strong>da</strong>des entre<br />

cinco e oito a<strong>no</strong>s lideraram a estatística.


No Brasil, em 1988, foi realiza<strong>da</strong> uma grande pesquisa mapeando o perfil do<br />

abusado e do abusador <strong>no</strong> interior do ambiente familiar (Azevedo & Guerra, ANO1989).<br />

Foi, talvez, a primeira que culmi<strong>no</strong>u num estudo e publicação com grande divulgação na<br />

ci<strong>da</strong>de de São Paulo. Nesta pesquisa, dentro de uma instituição que acolhe casos de<br />

<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, foram estu<strong>da</strong>dos 168 casos através <strong>da</strong> análise de prontuários, ao longo de<br />

um a<strong>no</strong>. Foi constatado que 157 dos abusados eram do sexo femini<strong>no</strong>, ou seja, 93,5% e<br />

11 do sexo masculi<strong>no</strong>, que correspondem a 6,5%. No que se refere ao abusador, o pai<br />

biológico é o primeiro com maior índice nas tabelas de ocorrência, seguido do padrasto e,<br />

por último, o pai adotivo.<br />

A leitura desses <strong>da</strong>dos suscitou questões como: quem são os sujeitos implicados<br />

<strong>no</strong> <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>? Como a criança é vista em seu meio social depois que é revelado que<br />

ela foi abusa<strong>da</strong>? Será que podemos pensar o <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> como um conceito? Aliás, o<br />

que é <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>?<br />

Segundo o Dicionário Aurélio (1999), “abusar” está relacionado ao mau uso, ou<br />

uso errado, excessivo ou injusto; excesso, abusão; exorbitância de atribuições ou<br />

poderes; aquilo que contraria as boas <strong>no</strong>rmas, os bons costumes; ultraje ao pudor;<br />

violação. É também, entre outras definições, desonrar, deflorar, desflorar, violentar,<br />

estuprar. Sem dúvi<strong>da</strong> em to<strong>da</strong>s elas há co<strong>no</strong>tação violenta, de uma ação de alguém que<br />

submete um outro à dor, humilhação, vexação.<br />

O Código Penal (CP) e o Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente (ECA) consideram<br />

a violência <strong>sexual</strong> contra crianças e adolescentes dividi<strong>da</strong> nas seguintes categorias: 1)<br />

Sensorial: exibir performance <strong>sexual</strong>iza<strong>da</strong> de forma a constranger/ofender (ECA, Art.:<br />

252-257; CP, Art.: 233 e 234); 2) Por estimulação: carícias inapropria<strong>da</strong>s em partes<br />

considera<strong>da</strong>s íntimas ou de forma insinuante (CP, Art.: 214, decreto lei nº. 3.688, Art.: 61<br />

a 65); 3) Por realização: relações sexuais com contato físico genital (CP, Art.: 213 a 226);<br />

e 4) Exploração <strong>sexual</strong> de criança e adolescente: comercializar atos sexuais envolvendo<br />

crianças e/ou adolescentes. Tirar proveito do trabalho <strong>sexual</strong> <strong>da</strong> criança e/ou do<br />

adolescente: Prostituição. (CP, Art.: 227 a 230 § 1º; ECA, Art.:82); shows eróticos (ECA,<br />

Art.: 240); por<strong>no</strong>grafia (ECA, Art.: 241), Tráfico (CP. Art.: 231; ECA, Art.: 83-5 e 251).<br />

A Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil, <strong>no</strong> Art. 27, § 4º diz: “A lei punirá<br />

severamente o <strong>abuso</strong>, a violência e a exploração <strong>sexual</strong> <strong>da</strong> criança e do adolescente".<br />

(BRASIL, ANO, 1988).


Para a psicanálise todo ato é <strong>da</strong> ordem do <strong>sexual</strong> porque qualquer ato implica a<br />

libido; mesmo sendo o ato de violência é <strong>da</strong> ordem do <strong>sexual</strong>. O <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> seria todo<br />

ato que é apresentado para o sujeito de forma abusiva, de forma invasiva. Com isso, em<br />

termos <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de, pergunta-se: todo <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> é realmente um <strong>abuso</strong>? O sujeito<br />

não viveria como um <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> quando espancado, ou quando é xingado? Então todo<br />

ato não seria <strong>da</strong> ordem do <strong>sexual</strong>?<br />

Criança é um conceito recente <strong>no</strong> pensamento ocidental, e se vamos abor<strong>da</strong>r este<br />

tema escolhemos inicialmente percorrer o surgimento do conceito até os <strong>no</strong>ssos dias.<br />

Sendo assim, <strong>no</strong> Capítulo I, será abor<strong>da</strong>do historicamente o conceito de criança, a partir<br />

do século XI, quando o conceito de criança ain<strong>da</strong> não existia e passando pelos séculos<br />

subseqüentes. Para esse capítulo lançou-se mão principalmente dos autores Philppe<br />

Ariès e Aline Rousselle.<br />

Desde século XI a criança vem lentamente conquistando seu espaço diante <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de e, principalmente, frente à sua família. O Capítulo II então investiga a<br />

passagem <strong>da</strong> criança <strong>da</strong> categoria de objeto à de sujeito desejante, utilizando-se para<br />

isso textos de Freud, Lacan e Paul Bercherie.<br />

No Capítulo III será desenvolvido o percurso de Freud a partir de sua Teoria <strong>da</strong><br />

sedução ou do trauma até chegar à sua grande descoberta, a transformação <strong>da</strong> teoria, a<br />

chama<strong>da</strong> - Teoria <strong>da</strong> Fantasia (1897), trazendo à luz o caso de Freud – Katharina (189..)<br />

para ilustrar melhor a vira<strong>da</strong> de sua teoria; chegando à <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil tão bem<br />

explora<strong>da</strong> por Freud <strong>no</strong> texto Três ensaios sobre a teoria <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil (1905)<br />

em que a criança é vista como sujeito de seu desejo e de sua vi<strong>da</strong> pulsional.<br />

E para concluir esta pesquisa, ain<strong>da</strong> <strong>no</strong> Capítulo III será apresenta<strong>da</strong> uma possível<br />

direção do tratamento com crianças vítimas do <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> através <strong>da</strong> vinheta de um<br />

caso clínico atendido e discutido <strong>no</strong> Ambulatório de Apóio à Família (AAF). Pois foi<br />

através <strong>da</strong> clínica que Freud pôde desenvolver sua teoria, a psicanálise, afirmando que<br />

tinha fun<strong>da</strong>mentos sólidos para apoiá-la, sempre com casos clínicos, mas exigia que só<br />

falaria sobre a teoria <strong>da</strong> sedução mediante o térmi<strong>no</strong> de algum caso, pois ain<strong>da</strong> estava<br />

construindo sua teoria e, portanto, borbulhando de enigmas e dúvi<strong>da</strong>s. (REZENDE, 2006).


Um dos pontos que se coloca em evidência nas discussões <strong>da</strong>s reuniões<br />

semanais nesta instituição é a dificul<strong>da</strong>de que se impõe à equipe multidisciplinar diante de<br />

um caso de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, em que ca<strong>da</strong> um tem uma abor<strong>da</strong>gem teórica, diferente, como,<br />

por exemplo, o serviço social que utiliza o ECA como ferramenta de seu trabalho,<br />

colocando muitas vezes a criança <strong>no</strong> lugar de vítima.<br />

O eixo que conduz à clínica <strong>da</strong> psicanálise diz respeito à posição <strong>subjetiva</strong> desta<br />

criança, ou seja, o lugar do sujeito do inconsciente na sua posição de desejante.<br />

A abor<strong>da</strong>gem se <strong>da</strong>rá se investigando a fantasia inconsciente, a fixação pulsional,<br />

o desejo enquanto falta e a atuação <strong>da</strong> fantasia em busca de tamponar a falta que causa<br />

o desejo.


CAPÍTULO I<br />

1. BREVE HISTÓRICO DO CONCEITO DE CRIANÇA<br />

Criança é um conceito social, que tem como categoria as suas próprias<br />

especifici<strong>da</strong>des em acordo com a época histórica. Segundo o Dicionário Eletrônico Aurélio<br />

(1999), origina-se do latim creantia, criantia e seu significado etimológico refere-se a seres<br />

huma<strong>no</strong>s de pouca i<strong>da</strong>de, meni<strong>no</strong> ou menina. Pessoa ingênua, infantil, aquela que se<br />

cria, criação.<br />

Para estu<strong>da</strong>r o tema <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> infantil há a necessi<strong>da</strong>de de introduzir o<br />

desenvolvimento do conceito criança para pensar como ele foi construído dentro <strong>da</strong><br />

cultura ocidental, desde a Antigüi<strong>da</strong>de até os dias de hoje, ou seja, a criança como sujeito<br />

na contemporanei<strong>da</strong>de. Para isso, esse trabalho percorreu a história <strong>da</strong> <strong>no</strong>ssa civilização,<br />

utilizando-se do livro História social <strong>da</strong> criança e <strong>da</strong> família, de Philippe Ariès, e Pornéia:<br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de e amor <strong>no</strong> mundo antigo, de Aline Rousselle. A pesquisa inicia-se na<br />

Antigüi<strong>da</strong>de Clássica (século VII a.C. a V d.C.) e passa aos dois primeiros séculos de<br />

<strong>no</strong>ssa era, quando se percebe com clareza uma maior severi<strong>da</strong>de com os assuntos do<br />

sexo pela moral cristã que tem seu início <strong>no</strong> século V d.C. com Santo Agostinho, filósofo<br />

medieval, <strong>no</strong>me importante para o cristianismo <strong>no</strong> mundo ocidental.<br />

1.1 MUNDO ANTIGO: SÉCULO VII a.C. AO V d.C.


A Antigüi<strong>da</strong>de clássica (VIII a.C. a V d.C.) não foi um período de repressão <strong>sexual</strong>,<br />

pelo contrário, tinha um povo profun<strong>da</strong>mente <strong>sexual</strong>izado. Neste momento, o que<br />

delimitava a prática <strong>sexual</strong> era a condição de ci<strong>da</strong>dão do sujeito na socie<strong>da</strong>de. Havia<br />

necessi<strong>da</strong>de que se constituísse como ci<strong>da</strong>dão e isso só se tornava possível quando<br />

entrasse na vi<strong>da</strong> adulta. Não havia problema algum um adulto ter relação <strong>sexual</strong> com<br />

qualquer púbere, já que este ain<strong>da</strong> não tinha o status de ci<strong>da</strong>dão. Para o indivíduo<br />

assumir este status era necessário que fosse preserva<strong>da</strong> a força e se ocupasse em ser<br />

ativo na relação, papel que cabia aos homens. Nesse sentido, quanto mais força,<br />

autori<strong>da</strong>de e poder o sujeito tivesse, mais ele estaria dentro <strong>da</strong>s <strong>no</strong>rmas dita<strong>da</strong>s <strong>da</strong> época<br />

e, conseqüentemente, seguiria os princípios rigorosos <strong>da</strong> conduta <strong>sexual</strong>. Entretanto, o<br />

incesto era proibido e pertencia à ordem <strong>da</strong> interdição. A ativi<strong>da</strong>de <strong>sexual</strong> dessa época<br />

era volta<strong>da</strong> para a prática de utilização de puro prazer.<br />

Assim, podemos dizer que a moral <strong>sexual</strong> <strong>da</strong> Antigüi<strong>da</strong>de clássica foi uma moral<br />

pensa<strong>da</strong> e dirigi<strong>da</strong> a homens, na qual a mulher aparece somente como objeto ou, <strong>no</strong><br />

máximo, como parceira que se deve vigiar e educar. Em resumo, esta moral se<br />

caracterizava pela virili<strong>da</strong>de, e ain<strong>da</strong> dizia respeito a condutas que estavam liga<strong>da</strong>s ao<br />

exercício do poder e autori<strong>da</strong>de dos homens.<br />

Freud <strong>no</strong> seu texto Três ensaios sobre a teoria <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de (1905) explica a<br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de humana a partir <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de de seus aspectos e <strong>da</strong> influência de<br />

diferentes culturas e estágios de civilização:<br />

[Nota acrescenta<strong>da</strong> em 1910:] A diferença mais marcante entre a<br />

vi<strong>da</strong> amorosa <strong>da</strong> Antigui<strong>da</strong>de e a <strong>no</strong>ssa decerto reside em que os<br />

antigos punham a ênfase na própria pulsão <strong>sexual</strong>, ao passo que<br />

nós a colocamos <strong>no</strong> objeto. Os antigos celebravam a pulsão e se<br />

dispunham a e<strong>no</strong>brecer com ela até mesmo um objeto inferior,<br />

enquanto nós me<strong>no</strong>sprezamos a ativi<strong>da</strong>de pulsional em si e só<br />

permitimos que seja desculpa<strong>da</strong> pelos méritos do objeto. (FREUD,<br />

1905, p. 141)<br />

De outro lado, a família antiga, muito conservadora, tinha como regra direta a<br />

defesa <strong>da</strong> honra, a conservação dos bens e dos bons costumes. O valor <strong>da</strong> criança<br />

estava relacionado com a herança que os pais receberiam, pois esta era calcula<strong>da</strong> de


acordo com quantos filhos o casal tivesse. Se algum desses filhos não tivesse o desejo ou<br />

a oportuni<strong>da</strong>de de procriar, então não teria direito ao bem <strong>da</strong> família. Este seria, portanto,<br />

dividido entre os filhos que tivessem procriado.<br />

A criança, oprimi<strong>da</strong> desde seu nascimento, não tinha direito à liber<strong>da</strong>de, à<br />

expressão verbal ou corporal, à opinião e, principalmente, seus desejos não tinham lugar.<br />

Considera<strong>da</strong> um objeto dos pais, dos que cui<strong>da</strong>vam dela e dos médicos, não existia como<br />

sujeito do desejo. Seus cui<strong>da</strong>dores faziam aquilo que era ditado como certo, não havia<br />

questionamento.<br />

No nascimento, a parteira era quem fazia o primeiro vínculo com o bebê,<br />

afirmando, ou não, a possibili<strong>da</strong>de dele sobreviver, avaliação feita a partir <strong>da</strong>s <strong>no</strong>rmas<br />

pré-estabeleci<strong>da</strong>s que consideravam uma criança “perfeitamente constituí<strong>da</strong>”.<br />

(ROUSSELLE, 1983, p.64). A parteira, desde a expulsão, indicava por sinais o sexo <strong>da</strong><br />

criança: se menina, não tinha que ser cria<strong>da</strong> por seu pai, mas, <strong>no</strong> caso do meni<strong>no</strong>, aquele<br />

que é seguro pelo pai, está definitivamente protegido contra qualquer abando<strong>no</strong> (Ibidem,<br />

p.65). Esta criança só fazia algum sentido para a família quando aceita pelo pai na<br />

ocasião do nascimento. Com esse gesto, confirmava-se imediatamente o desejo por ela e<br />

só então era aceita naquela família. Quando não, muitas vezes era abandona<strong>da</strong> em<br />

abrigos, sem que tivesse o mínimo de perspectiva de vi<strong>da</strong>. Quando se tratava de crianças<br />

do sexo femini<strong>no</strong>, muitas famílias as rejeitavam por não pertencerem ao sexo que era útil<br />

à família, trabalhava e produzia, gerando lucros financeiros.<br />

Segundo Rousselle (Id.), somente <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 374 foi cria<strong>da</strong> a lei que condenava e<br />

proibia a prática comum do abando<strong>no</strong> de recém-nascidos do sexo femini<strong>no</strong> pelos pais,<br />

pois provavelmente nesta época já surgia uma influência cristã que impedia o descaso<br />

com o sujeito criança. Nos séculos I e II, o que ficou prevalecido como ponto central foi o<br />

cui<strong>da</strong>do de si próprio, do corpo e <strong>da</strong> alma.<br />

Neste momento do início <strong>da</strong> era cristã, o sujeito começa a guiar sua <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de<br />

pela via <strong>da</strong> moral e não mais pelo uso do prazer somente. Inicia-se uma valorização do<br />

prazer <strong>sexual</strong> na relação marital entre um homem e uma mulher. Como conseqüência: a<br />

preservação e a extrema importância <strong>da</strong> virgin<strong>da</strong>de e do matrimônio como vínculo<br />

conjugal, fazendo a ativi<strong>da</strong>de <strong>sexual</strong> ficar restrita a este elo. O ideário <strong>da</strong> época era a<br />

valorização do casamento, <strong>da</strong>s obrigações conjugais e <strong>da</strong> virgin<strong>da</strong>de, começando a


prevalecer a primazia <strong>da</strong> renúncia <strong>sexual</strong> que se baseava na pureza e na transparência<br />

diante de Deus.<br />

No século V, a Igreja cristã defendia fervorosamente a virgin<strong>da</strong>de e a abstinência<br />

<strong>sexual</strong>, aparecendo, então, a <strong>no</strong>ção de pecado. Santo Agostinho foi o responsável por<br />

divulgar o pensamento católico na socie<strong>da</strong>de ocidental. Ele permitiu que o Estado roma<strong>no</strong><br />

utilizasse as leis para intervir entre as congregações. Pregava que, antes do sexo, o mais<br />

importante era a amizade, e que após a vin<strong>da</strong> dos filhos com o casamento, o casal<br />

poderia abster-se dele. O entremeio entre vontade e prazer <strong>sexual</strong> era considerado um<br />

pecado.<br />

Dando um salto para o século XI, este trabalho vai junto com Philippe Ariès (1981)<br />

relatar a trajetória <strong>da</strong> criança, quando esta ain<strong>da</strong> não existia como conceito. Chega ao<br />

século XIII, quando houve sua descoberta, prossegue seu desenvolvimento <strong>no</strong>s século<br />

XV e XVI, analisa<strong>da</strong> através <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> ico<strong>no</strong>grafia, até chegar aos séculos XVII, XVIII e<br />

XIX com a valorização <strong>da</strong> criança, que passa a ter seu tempo mais bem delineado e suas<br />

características peculiares defini<strong>da</strong>s. Surge o conceito de infância e o estudo sobre a<br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil que é desenvolvido por Freud.<br />

1.2 DESCONHECIMENTO DA INFÂNCIA: SÉCULO XI.


No século XI ain<strong>da</strong> não existia a particulari<strong>da</strong>de do infantil que distingüia a criança<br />

do adulto. Não mais abandona<strong>da</strong>s, porém nessa época a criança era vista como um ser<br />

incompleto, o que demonstra que não havia conhecimento do sentimento <strong>da</strong> infância.<br />

Naquela época a infância era vista como um “ser vazio” a se constituir. “No mundo <strong>da</strong>s<br />

fórmulas românticas, e até o fim do século XIII, não existiam crianças caracteriza<strong>da</strong>s por<br />

uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido.” (Idem, p.18).<br />

A infância tinha uma ausência e<strong>no</strong>rme de significado e por isso as particulari<strong>da</strong>des<br />

eram desconheci<strong>da</strong>s, ocultas e rapi<strong>da</strong>mente ultrapassa<strong>da</strong>s, não deixando sequer<br />

lembranças para uma fase posterior, quando existia. Os responsáveis por esta condição<br />

de não ser criança, eram as próprias famílias <strong>da</strong> época que por muitos séculos<br />

sustentaram e garantiram sua educação através <strong>da</strong> convivência direta com os adultos.<br />

A criança, neste momento, não tinha valor algum para a família e a relação afetiva<br />

estabeleci<strong>da</strong> não era suficiente para se ter o sentimento <strong>da</strong> infância. Observa-se que a<br />

relação <strong>da</strong> família com a criança era de afastamento e, na medi<strong>da</strong> em que crescia, o<br />

vínculo era ca<strong>da</strong> vez me<strong>no</strong>r. Segundo Ariès (Id.), eram concebi<strong>da</strong>s e trata<strong>da</strong>s como “(...)<br />

uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam com a criança pequena como com<br />

um animalzinho, um macaquinho impúdico”. (Idem., p.x).<br />

Nesse século XI, a mortali<strong>da</strong>de infantil era banaliza<strong>da</strong> devido ao grande número de<br />

mortes ocorri<strong>da</strong>s pela ausência de controle <strong>da</strong>s epidemias de grande proporção. Por isso<br />

mesmo não havia grande preocupação e desespero em relação à per<strong>da</strong> <strong>da</strong> criança. Os<br />

pais ficavam por pouco tempo desolados e o afeto aparentemente finalizava, pois<br />

imediatamente esta criança era substituí<strong>da</strong> por outra, que ocupava o seu lugar.<br />

Ser criança era destinado a um curto período <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, pois bastava adquirir alguma<br />

presteza e desembaraço que logo era mistura<strong>da</strong> ao mundo adulto, tornando-se jovemadulto,<br />

como eram chamados. Não se considerava as etapas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, ou seja, a infância e<br />

depois a adolescência, logo se chegava a indivíduo adulto.<br />

A importância <strong>da</strong> arte era manifestar a evolução <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ocidental, mas até o<br />

século XII a arte <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de média, fortemente influencia<strong>da</strong> pela igreja católica, não<br />

reconhece a infância. Assim, podemos observar nas artes dessa época que os artistas<br />

nem tentavam representá-la: “É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência<br />

ou à falta de habili<strong>da</strong>de. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse


mundo.” (Idem; p.17). Para os homens dos séculos XI e XII, a infância era tão<br />

desinteressante e sem sentido que impediam às crianças de fazerem qualquer coisa, pois<br />

não se prendiam à imagem <strong>da</strong> criança, que ain<strong>da</strong> naquela época não tinha valor.<br />

Ain<strong>da</strong> neste período medieval, existiam raríssimas representações <strong>da</strong> criança,<br />

porém pode-se considerar que em sua maioria marcava a criança com uma visão<br />

negativa, uma visão her<strong>da</strong><strong>da</strong> do pensamento cristão, uma criança caracteriza<strong>da</strong> pelo<br />

pecado original, e sua natureza sendo, assim, associa<strong>da</strong> ao mal. Quando apareciam nas<br />

pinturas, eram retrata<strong>da</strong>s como adultos em tamanho me<strong>no</strong>r. Essa mu<strong>da</strong>nça acontece ao<br />

longo dos séculos, sugerindo que não havia a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> infância:<br />

Uma miniatura otoniana 1 do século XI <strong>no</strong>s dá uma idéia<br />

impressionante <strong>da</strong> deformação que o artista impunha então aos<br />

corpos <strong>da</strong>s crianças, num sentido que <strong>no</strong>s aparece muito distante<br />

de <strong>no</strong>sso sentimento e de <strong>no</strong>ssa visão. O tema é a cena do<br />

Evangelho em que Jesus pede que deixe vir a eles as criancinhas,<br />

sendo o texto lati<strong>no</strong> claro: Parvuli. Ora, o miniaturista agrupou em<br />

tor<strong>no</strong> de Jesus oito ver<strong>da</strong>deiros homens, sem nenhuma <strong>da</strong>s<br />

características <strong>da</strong> infância: eles foram simplesmente reproduzidos<br />

numa escala me<strong>no</strong>r. Apenas seu tamanho os distingue dos<br />

adultos. (Ibidem, p.17).<br />

1.3 O SURGIMENTO DA CRIANÇA: SÉCULOS XII E XIII<br />

1 Arte Otoniana: um momento <strong>da</strong> arte que surge na Alemanha, de meados do século X a inícios do século XI<br />

durante o Sacro Império Roma<strong>no</strong>–Germânico.


Os pintores continuavam a compartilhar <strong>da</strong> mesma falta de sentimento do século<br />

anterior, mas, na segun<strong>da</strong> metade do século XII, começava a transição <strong>da</strong> arte, que a<br />

levou representar a criança de maneira um pouco mais fidedigna e realista para a<br />

socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> época.<br />

É nítido que não havia lugar para a infância <strong>no</strong> mundo artístico, pois estes<br />

retratavam as pessoas exatamente como se apresentavam, e as crianças eram ti<strong>da</strong>s<br />

como peque<strong>no</strong>-adulto. O que esses artistas faziam até o final do século XIII era retratá-las<br />

reduzindo o tamanho em relação ao do adulto para distingüi-las. A maneira como<br />

pintavam era como as viam, pois o que se retratava eram homens e mulheres<br />

“peque<strong>no</strong>s”.<br />

A indiferença <strong>da</strong>s características próprias <strong>da</strong> criança foi marca<strong>da</strong> até o século XIII,<br />

também pelos trajes. Assim que deixavam os cueiros eram logo vestidos com roupas de<br />

homens e mulheres, ou seja, de adultos.<br />

Segundo Ariès (1981), a descoberta <strong>da</strong> infância começou <strong>no</strong> século XIII, contudo<br />

ain<strong>da</strong> não existiam crianças com suas características próprias, para que se pudesse falar<br />

do que era ser criança. A evolução <strong>da</strong> infância pode ser acompanha<strong>da</strong> na história <strong>da</strong> arte<br />

e na ico<strong>no</strong>grafia também <strong>no</strong>s séculos seguintes, XV e XVI.<br />

1.4 SÉCULOS XIV E XV: A CRIANÇA AINDA EM SEGUNDO PLANO.


Durante os séculos XIV e XV, pela representação <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> ico<strong>no</strong>grafia, a<br />

criança começou a ficar mais níti<strong>da</strong>, apesar de estar ain<strong>da</strong> em segundo pla<strong>no</strong>, ou seja,<br />

ain<strong>da</strong> não aparecem sozinhas, mostrando forte mistura <strong>da</strong>s crianças com os adultos.<br />

Surgem os anjos adolescentes, que Ariès (1981) cita como exemplo: os anjos de Fra<br />

Angelico, de Botticelli e de Ghirlan<strong>da</strong>jo. Também <strong>no</strong> século XIV, emerge a alma <strong>da</strong><br />

criança nua, que na arte medieval, era representa<strong>da</strong> geralmente assexua<strong>da</strong>:<br />

O Meni<strong>no</strong> Jesus quase nunca era representado despido. Na<br />

maioria dos casos, aparecia como as outras crianças de sua i<strong>da</strong>de,<br />

castamente enrolado em cueiros ou vestido com uma camisa ou<br />

uma camisola. Ele só desnu<strong>da</strong>ria <strong>no</strong> final <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média. (p.19).<br />

A pintura anedótica desponta, através dos séculos, após um desenvolvimento<br />

árduo <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> ico<strong>no</strong>grafia, para substituir a não representação <strong>da</strong> criança que existia.<br />

A criança então, neste momento, passa a ser o “personagem” mais usado pelo pintor,<br />

deixando o segundo pla<strong>no</strong> e passando ao primeiro, como peça fun<strong>da</strong>mental para a arte:<br />

A criança com sua família; a criança com seus companheiros de<br />

jogos, muitas vezes adultos; a criança na multidão, mas<br />

“ressalta<strong>da</strong>” <strong>no</strong> colo de sua mãe ou segura pela mão, ou<br />

brincando, ou ain<strong>da</strong> urinando; a criança <strong>no</strong> meio do povo<br />

assistindo aos milagres ou aos martírios, ouvindo prédicas,<br />

acompanhando os ritos litúrgicos, as apresentações ou as<br />

circuncisões; a criança aprendiz de um ourives, de um pintor etc.;<br />

ou a criança na escola. (Idem, p.21).<br />

Ain<strong>da</strong> neste momento, pode-se constatar que não se tinha a descrição do que<br />

realmente era a infância, mas era um progresso. Ariès (1981) salienta que ain<strong>da</strong> neste<br />

momento a infância era demais mistura<strong>da</strong> ao adulto, sem que pudesse emergir somente a<br />

criança com suas especifici<strong>da</strong>des, a criança estava sempre à volta do adulto. Outro ponto<br />

que ele chama a atenção é que os pintores gostavam de retratar a criança em estilo<br />

pitoresco, que coincidia com o sentimento <strong>da</strong> infância “engraçadinha”.<br />

No fim do século XV, surge o retrato e o putto, a criançinha nua, como <strong>no</strong>va forma<br />

de representar a infância. Apesar de a criança aparecer nas imagens desde o século XIII,


ela não havia sido representa<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> de uma forma tão real e com suas próprias<br />

características como foi <strong>no</strong> retrato.<br />

1.5 VALORIZAÇÃO DA CRIANÇA: SÉCULO XVI E XVII.


É importante observar o fato que Ariès salienta que tanto o putto quanto o retrato<br />

se desenvolveram juntamente, apesar de não se tratar <strong>da</strong> mesma representação. O tema<br />

do putto não retratava uma criança real ou histórica, enquanto que <strong>no</strong> retrato quase nunca<br />

aparecia nua, pois estava sempre enrola<strong>da</strong> em cueiros, ou com trajes de sua época. “O<br />

gosto pelo putto correspondia a algo mais profundo do que o gosto pela nudez clássica, a<br />

algo que deve ser relacionado com um amplo movimento de interesse em favor <strong>da</strong><br />

infância”. (ARIÈS, 1981, p.26). No inicio do século XVI, os puttos invadiram a pintura<br />

tornando-se corriqueira a arte através desta expressão, até mesmo o Meni<strong>no</strong> Jesus e as<br />

crianças sagra<strong>da</strong>s foram conquista<strong>da</strong>s.<br />

A partir do surgimento do retrato <strong>da</strong> criança <strong>no</strong> final do século XV, começa a<br />

aparecer na história dos sentimentos, posteriormente, <strong>no</strong> século XVI, a criança presente<br />

nas efígies 2 funerárias, ou seja, a criança morta. O interessante é que a primeira presença<br />

desses retratos não foi <strong>no</strong> túmulo de seus pais, ou <strong>no</strong> seu próprio, que seria mais<br />

condizente, e sim <strong>no</strong> de seus professores. “O gosto <strong>no</strong>vo pelo retrato indicava que as<br />

crianças começavam a sair do a<strong>no</strong>nimato em que sua pouca possibili<strong>da</strong>de de sobreviver<br />

as mantinha”. (Idem, p.23).<br />

Até século XIV, preservar o retrato de uma criança era algo incomum, não fazia<br />

sentido, já que a infância era uma etapa considera<strong>da</strong> perdi<strong>da</strong>, e sem sentido para os<br />

adultos.<br />

A partir do século XVI começa a ser demonstra<strong>da</strong> a importância que a criança<br />

começa a ter e a possibili<strong>da</strong>de que ela tem de se manifestar, nem que seja numa efígie<br />

funerária. Ela aparece demonstrando que sua per<strong>da</strong>, sua morte, deixa um lugar vazio<br />

nesta família, deixando de ser uma per<strong>da</strong> inevitável, como até o século passado.<br />

A partir do século XVI, os trajes foram diferenciados somente para os meni<strong>no</strong>s,<br />

passando a se vestirem com roupas iguais às meninas — saia, vestido e avental; e as<br />

meninas continuavam a usar roupas de mulheres adultas, desde que deixavam os<br />

cueiros. A separação entre crianças e adultos ain<strong>da</strong> não existia <strong>no</strong> caso <strong>da</strong>s mulheres.<br />

Essa divergência entre meni<strong>no</strong>s e meninas fez com que os meni<strong>no</strong>s se beneficiassem<br />

primeiro, já que suas vestimentas mu<strong>da</strong>ram, pois as meninas continuaram a serem<br />

2 Representação plástica <strong>da</strong> imagem de uma pessoa real ou simbólica.


confundi<strong>da</strong>s aos adultos. Apesar <strong>da</strong> confusão “(...) um ornamento singular, usado tanto<br />

pelos meni<strong>no</strong>s quanto pelas meninas, porém não encontrado <strong>no</strong> traje <strong>da</strong>s mulheres [era<br />

usado pelas crianças]: duas fitas largas presas ao vestido atrás dos dois ombros,<br />

pendentes nas costas. Essas fitas nas costas tornam-se então ‘sig<strong>no</strong>s <strong>da</strong> infância’<br />

”.(Ibidem., p.36)<br />

Mas foi só a partir do final do século XVI que mu<strong>da</strong>nças de concepções foram<br />

observa<strong>da</strong>s, principalmente em decorrência <strong>da</strong>s transformações econômicas e políticas,<br />

do surgimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista, além <strong>da</strong> descoberta de epidemias que afetavam<br />

principalmente as crianças. Por tudo isso, ca<strong>da</strong> vez mais foi crescendo e tornando-se<br />

necessário um <strong>no</strong>vo olhar, ou seja, um olhar mais cauteloso sobre a infância e a<br />

importância do seu papel diante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

A lei que formava a moral desta época era completamente desusa<strong>da</strong>, não havia<br />

limite diante <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de com que se tratava a criança, justamente porque não havia<br />

diferença com o adulto. As incidências, os gestos sexuais, o vocábulo <strong>sexual</strong>, o despudor<br />

e o contato físico pareciam perfeitamente naturais, para as pessoas <strong>da</strong> época. Há muitos<br />

registros históricos de que ocorriam brincadeiras sexuais entre adultos e crianças, de que<br />

a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil não era censura<strong>da</strong> e reprimi<strong>da</strong> naquela época.<br />

Pode-se ter uma idéia do quanto de liber<strong>da</strong>de existia <strong>no</strong> cui<strong>da</strong>do com a criança<br />

com a vi<strong>da</strong> do Rei Luís XIII (1601–1643). Filho de Henrique IV, primeiro <strong>da</strong> dinastia<br />

Bourbon, e de Maria de Médicis, foi rei <strong>da</strong> França (1610 -1617) durante a sua me<strong>no</strong>ri<strong>da</strong>de<br />

e chamado de O Justo. Sua mãe aliou a França à Espanha ajustando em 1615 o<br />

casamento do filho com a Infanta Ana <strong>da</strong> Áustria, filha de Filipe III, rei <strong>da</strong> Espanha,<br />

quando Luís XIII tem pouco mais de um a<strong>no</strong>. Aos quatorze a<strong>no</strong>s, quando não havia mais<br />

o que aprender, deitou-se na cama quase que à força com sua mulher, e por muitos a<strong>no</strong>s<br />

manteve um relacionamento matrimonial. Tiveram dois filhos: Luís XIV (que sucedeu o<br />

tro<strong>no</strong> <strong>da</strong> França) e Filipe I.<br />

Luís XIII ain<strong>da</strong> não tem um a<strong>no</strong>: “Ele dá gargalha<strong>da</strong>s quando sua ama lhe sacode<br />

o pênis com a ponta dos dedos”. E com um a<strong>no</strong>: “Muito alegre, ele man<strong>da</strong> que todos lhe<br />

beijem o pênis”. (ARIÈS, 1981, p. 75). Nos dias de hoje, esta vivência que Luís XIII<br />

recebeu <strong>no</strong> início de sua vi<strong>da</strong>, é considera<strong>da</strong> uma experiência de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>. Naquela<br />

época, o uso <strong>sexual</strong> do corpo <strong>da</strong> criança não era co<strong>no</strong>tado como <strong>sexual</strong>, ou seja, o adulto<br />

estar a brincar com o pênis <strong>da</strong> criança, entre outras atitudes relata<strong>da</strong>s por Ariès, seria


uma prova de que o conceito de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> não existia e/ou variava de acordo com a<br />

época e com o conceito de criança, até porque Luís XIII não era considerado criança,<br />

portanto o que vinha do outro, nesta época, não era visto como algo reprovável.<br />

Somente a partir do sétimo a<strong>no</strong> de vi<strong>da</strong> que este gênero de brincadeiras<br />

desapareceria, passando a ser proibi<strong>da</strong>, sendo necessário ensinar modos e linguagem<br />

decentes, pois a prática <strong>da</strong> criança com brincadeiras sexuais com os adultos era até<br />

então permiti<strong>da</strong> e fazia parte <strong>da</strong> rotina <strong>da</strong> época — uma total ausência de reserva diante<br />

<strong>da</strong> criança, fazendo parte do senso comum.<br />

Em uma passagem do caso Hans, apresentado por Freud (1909) em seu texto<br />

Análise de uma fobia em um meni<strong>no</strong> de cinco a<strong>no</strong>s, lê-se:<br />

Hans, quatro a<strong>no</strong>s e três meses. Nessa manhã a mãe de Hans lhe<br />

deu seu banho diário, como de hábito, secando-o e aplicando-lhe<br />

talco. Quando a mãe lhe passava talco em volta do seu pênis,<br />

tomando cui<strong>da</strong>do para não tocá-lo, Hans lhe disse: por que é que<br />

você não põe seu dedo aí? Mãe: porque seria porcaria. Hans: que<br />

é isso? Porcaria? Por quê? Mãe: porque não é correto. Hans:<br />

(rindo) mas é muito divertido. (p.26).<br />

Esses atos, observados <strong>no</strong> texto de Freud, diz se tratar de um <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> <strong>no</strong>s<br />

dias de hoje. Mas é <strong>no</strong> momento que Hans pede a sua mãe para colocar o dedo e ela<br />

responde que seria porcaria, que vão sendo marcados os primeiros traços. Juntamente<br />

aos traços é necessário um somatório de várias determinações que vão causar a fobia. É<br />

<strong>no</strong> momento que lhe é rejeitado algo que era dito como precioso que fica marcado.<br />

Neste momento, cabe ressaltar, <strong>no</strong> que se refere à expressão <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de,<br />

que, até o século XVI, os adultos divertiam-se com brincadeiras ou faziam alusões a<br />

assuntos sexuais na presença <strong>da</strong>s crianças, pois se acreditava que eram aliena<strong>da</strong>s e<br />

indiferentes à <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de. Cito Ariès (1981): “(...) porque ain<strong>da</strong> não existia o sentimento<br />

de que as referências aos assuntos sexuais, mesmo que despoja<strong>da</strong>s na prática de<br />

segun<strong>da</strong>s intenções equívocas, pudessem macular a i<strong>no</strong>cência infantil (...)”.(p.80).<br />

Através <strong>da</strong> história, se pode observar, e não se deve esquecer, que a maneira<br />

como a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de se manifesta e se exerce varia de acordo com o meio em que se vive<br />

e segundo as épocas e mentali<strong>da</strong>des, pois ain<strong>da</strong> <strong>no</strong>s dias atuais encontramos nas


socie<strong>da</strong>des muçulmanas, por exemplo, a ausência <strong>da</strong> grande reforma moral ocidental,<br />

causando uma defasagem e<strong>no</strong>rme na mentali<strong>da</strong>de dos povos a respeito <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de.<br />

Observa-se que a criança até o final do século XVI, ocupava na socie<strong>da</strong>de uma<br />

posição de “peque<strong>no</strong>-adulto”. Não havia distinção de fases na vi<strong>da</strong> do sujeito. “Afora as<br />

efígies funerárias, os retratos de crianças isola<strong>da</strong>s de seus pais continuaram raros até o<br />

fim do século XVI”. (Ibidem, p.24). A grande i<strong>no</strong>vação e importância do século XVII é que<br />

neste momento a criança aparece sozinha em suas representações, e ca<strong>da</strong> vez mais os<br />

retratos tornam-se numerosos e presentes nas famílias: “Ca<strong>da</strong> família agora queria<br />

possuir retratos de seus filhos, mesmo na i<strong>da</strong>de em que eles ain<strong>da</strong> eram crianças. Esse<br />

costume nasceu <strong>no</strong> século XVII e nunca mais desapareceu.” (Idem, p.25). Com isso, os<br />

adultos começam a se interessar pela vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> criança e também a utilizar o vocabulário<br />

delas, que passa a receber então <strong>no</strong>vos <strong>no</strong>mes: bambins, pitchouns e fanfans. (Idem.,<br />

p.29).<br />

Outro fator importante, do século XVII, é que as crianças que pertenciam à<br />

<strong>no</strong>breza ou à classe social <strong>da</strong> burguesia, já não eram mais vesti<strong>da</strong>s como os adultos, pois<br />

adquiriram trajes específicos para a i<strong>da</strong>de, fazendo uma separação do mundo adulto.<br />

Porém, na classe desprivilegia<strong>da</strong> eco<strong>no</strong>micamente vestiam-se igual ao adulto, não<br />

havendo diferença alguma:<br />

As crianças do povo, os filhos dos camponeses e dos artesãos, as<br />

crianças que brincavam nas praças <strong>da</strong>s aldeias, nas ruas <strong>da</strong>s<br />

ci<strong>da</strong>des ou nas cozinhas <strong>da</strong>s casas continuaram a usar o mesmo<br />

traje dos adultos: jamais são representa<strong>da</strong>s usando vestido<br />

comprido ou mangas falsas. Elas conservam o antigo modo de<br />

vi<strong>da</strong> que não separava as crianças dos adultos, nem através do<br />

traje, nem através do trabalho, nem através dos jogos e<br />

brincadeiras. (Idem., p.41).<br />

No final do século XVII surgiu a escola e, com o passar do tempo, foi conquistando<br />

o seu espaço através <strong>da</strong> promoção dos reformadores católicos e protestantes ligados à<br />

Igreja, às leis ou ao Estado, passando a ganhar um lugar de extrema importância diante<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Com a iniciação <strong>da</strong> escola na vi<strong>da</strong> infantil, seu aprendizado mudou e estas<br />

crianças deixaram de conviver somente com adultos e passaram a ter uma aprendizagem<br />

entre as próprias crianças. Passa a ser valoriza<strong>da</strong> a educação, a transmissão do saber e


do valor moral e o que se aprendia na escola. Assim, to<strong>da</strong> criança que obtinha a<br />

aprendizagem assegurava-se de uma boa educação. Concomitantemente, em que um<br />

dependia do outro, a socie<strong>da</strong>de começou a valorizá-la.<br />

Portanto, neste período, final do século XVII, a criança começou a ter posição na<br />

socie<strong>da</strong>de em que vivia, deixando de ser um valor equiparado aos bens e à honra.<br />

Adentra o espaço <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e os pais limitam claramente o número de filhos que<br />

compõem a família, para que possam ter maior atenção <strong>no</strong> cui<strong>da</strong>do à criança.<br />

Neste mesmo século XVII, contrapõe ao momento que se estava vivendo — com a<br />

criança começando a ganhar um lugar, deixando de ser um sujeito sem valor, sem sentido<br />

— um hábito comum, porém tolerado e punido rigorosamente, o infanticídio, que tinha a<br />

morte de uma criança pratica<strong>da</strong> em segredo e camufla<strong>da</strong> sob a forma de acidente. Esta<br />

conduta, mesmo que sem explicação, acontecia quando não a queriam mais, ou por<br />

qualquer motivo que tentassem justificar. Cito Miran<strong>da</strong>: “A conduta de internação e<br />

isolamento em instituições foi incentiva<strong>da</strong> primordialmente pela Igreja, em uma tentativa<br />

de abolir o infanticídio – prática adota<strong>da</strong> em relação às crianças que nasciam com alguma<br />

deformi<strong>da</strong>de”. (MIRANDA, 2002, p.1).<br />

Ao infanticídio podemos comparar o ato do aborto que é tão secretamente<br />

admitido até hoje. Contestado em voz alta, confirma-se que ca<strong>da</strong> vez mais prezamos o<br />

valor do feto, mesmo que pequeni<strong>no</strong>, para falarmos do respeito à vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> criança.<br />

1.6 A DESCOBERTA DA CRIANÇA: SÉCULOS XVIII E XIX.


Foi entre os séculos XVIII e XIX, com a teoria Malthusiana 3 , quando proibir o<br />

casamento entre pessoas muito jovens, limitar o número de filhos entre as populações<br />

mais pobres, elevar o preço <strong>da</strong>s mercadorias e reduzir os salários, a fim de pressionar os<br />

mais humildes a ter uma prole me<strong>no</strong>s numerosa, estendeu às práticas contraceptivas,<br />

para qualquer sujeito que não quisesse ter filho — juntamente com a consoli<strong>da</strong>ção do<br />

sistema capitalista e o advento <strong>da</strong> Revolução Industrial. Esta teoria se utilizou <strong>da</strong> idéia de<br />

que o desperdício necessário desaparecesse. Os assuntos sexuais, presentes até então,<br />

passaram a ser vistos diferentemente, sendo hoje considera<strong>da</strong> uma lei que deve ser<br />

respeita<strong>da</strong> dentro de <strong>no</strong>ssa moral contemporânea, em que a relação <strong>sexual</strong> deixou de ter<br />

a co<strong>no</strong>tação de ser somente para procriar. Esta lei, que se tenta vigorar, exige que diante<br />

<strong>da</strong>s crianças os adultos se abstenham de qualquer assunto <strong>sexual</strong>, apesar de muitas<br />

vezes ser burla<strong>da</strong>.<br />

O traje <strong>da</strong>s crianças, <strong>no</strong> final do século XVIII, modifica-se totalmente: as fitas que<br />

faziam um grande sentimento <strong>da</strong> infância desaparecem, ganhando roupas leves, folga<strong>da</strong>s<br />

e deixando-as mais à vontade. Segundo Ariès:<br />

A maneira de ser <strong>da</strong>s crianças deve ter sempre parecido<br />

encantadora às mães e às amas, mas esse sentimento pertencia<br />

ao vasto domínio dos sentimentos não expressos. De agora em<br />

diante, porém, as pessoas não hesitariam mais em admitir o prazer<br />

provocado pelas maneiras <strong>da</strong>s crianças pequenas, o prazer que<br />

sentiam em “paparicá-las”. (1981, p.101).<br />

Ao longo <strong>da</strong> história, a criança passou por vários momentos diferentes. Foi<br />

defini<strong>da</strong> por conceitos diversos e exerceu funções sociais distintas. O conceito de criança<br />

vem desde século XIII até hoje sofrendo alterações gra<strong>da</strong>tivamente. As crianças vêm<br />

adquirindo seu espaço na socie<strong>da</strong>de e tendo oportuni<strong>da</strong>de de serem sujeitos de seu<br />

desejo. Com isso, o adulto ao longo desse período pôde perceber o prestígio de uma<br />

criança para o desenvolvimento <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, passando a conhecê-la em sua<br />

especifici<strong>da</strong>de, e o quanto é importante a distinção <strong>da</strong>s fases de ser criança e de ser<br />

adulto. Mas ain<strong>da</strong> hoje, ela em algumas situações não está <strong>no</strong> lugar de sujeito, e sim de<br />

objeto, quando, por exemplo, é coloca<strong>da</strong> <strong>no</strong> lugar de vítima de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>.<br />

3 Doutrina ou prática associa<strong>da</strong> à teoria do eco<strong>no</strong>mista inglês T. R. Malthus (1766-1834).


Quando um analista escuta a criança abusa<strong>da</strong>, não pode esquecer que ali existe<br />

um sujeito, e que, portanto, está presente e é regido, do início ao fim <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, pela<br />

linguagem e o gozo que dela advém. É essa criança, que em determinado momento não<br />

é ti<strong>da</strong> como sujeito, cujo lugar de sujeito desejante não é considerado que interessa a<br />

este trabalho.<br />

1.6.1 Sexuali<strong>da</strong>de e <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> infantil.<br />

A partir do início do século XVIII, a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil surge como uma <strong>no</strong>va<br />

preocupação na área <strong>da</strong> saúde e <strong>da</strong> educação. A socie<strong>da</strong>de começa a reconhecer o<br />

mundo <strong>da</strong> criança. Segundo Ariès, é a partir deste século que se desenvolve o que ele<br />

chama de “sentimento <strong>da</strong> infância” (1981, p.xii). Enquanto na I<strong>da</strong>de Média a passagem <strong>da</strong><br />

criança pela vi<strong>da</strong> e pela socie<strong>da</strong>de era desconsidera<strong>da</strong> e sem valor, na era Moderna<br />

houve uma valorização do mundo infantil, e a atenção voltou-se para ela, privilegiando-a.<br />

No século XIX, o homem passou a ser definido como sujeito <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, e,<br />

pode-se dizer, através <strong>da</strong> colaboração de Freud, de suas teorias e casos clínicos, esta<br />

definição perpetua-se até hoje.<br />

Agora, cabe pensar e refletir: o que houve ao longo <strong>da</strong> trajetória <strong>da</strong> história<br />

humana, que algo considerado habitual e comum em determinado momento tenha se<br />

caracterizado como <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>? Este conceito assim de<strong>no</strong>minado, em tese, é definido<br />

como qualquer conduta <strong>sexual</strong> com uma criança leva<strong>da</strong> a cabo por um adulto ou por outra<br />

criança mais velha. Isto pode significar penetração vaginal, anal, tocar seus genitais ou<br />

fazer com que ela toque os genitais do adulto ou de outra criança mais velha, ou o contato<br />

oral-genital ou, ain<strong>da</strong>, roçar os genitais do adulto com a criança. (MAGALHÃES, 2005, p.<br />

22)<br />

É considerado <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, como ato ocorrido universalmente, todo sofrimento<br />

físico, <strong>sexual</strong> e psicológico sofrido por alguém; atinge to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong>des, classes sociais,<br />

etnias, religiões e culturas. O incesto é com muita freqüência decorrência do <strong>abuso</strong><br />

<strong>sexual</strong>, ocorrendo para os dois sexos de forma diferente, tendo sua maior incidência <strong>no</strong>


sexo femini<strong>no</strong>. Freqüentemente, o <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> acontece em ambiente favorável, sem<br />

que a criança tome consciência imediatamente do ato abusivo do adulto, pois este a<br />

coloca como provocadora e participante, leva-a crer que é culpa<strong>da</strong> por seu ato.<br />

Será que podemos pensar nas práticas sexuais com as crianças <strong>no</strong>s séculos<br />

passados como uma forma de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>? A criança <strong>sexual</strong>mente abusa<strong>da</strong> está<br />

presente em to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de ou foi construí<strong>da</strong> culturalmente?<br />

Ao longo de to<strong>da</strong> a história, dependendo <strong>da</strong> época e do local em que se vive, é<br />

que o sujeito aparece em diferentes posições frente à <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de. Como resultado, a<br />

pratica <strong>sexual</strong> com crianças, as relações estabeleci<strong>da</strong>s <strong>no</strong> interior <strong>da</strong> família e o papel <strong>da</strong><br />

mulher relacionado ao femini<strong>no</strong> sofreram as maiores alterações na socie<strong>da</strong>de até os dias<br />

atuais.<br />

É importante diferenciarmos o sexo <strong>da</strong> reprodução, pois ambos passaram por<br />

vários momentos históricos e várias vertentes. Primeiramente, na Antigüi<strong>da</strong>de clássica, o<br />

sexo era considerado como puro prazer, e longe do produto <strong>da</strong> reprodução; mais tarde o<br />

sexo passou a ser algo do âmbito privado, ou seja, <strong>da</strong> família, e mais precisamente do<br />

casal, com fins apenas reprodutivos;<br />

Além do sexo realizado somente dentro do matrimônio, existia também outros<br />

lugares, os chamados rendez-vous, para se exercer outro tipo de sexo, relacionado<br />

puramente ao prazer; valorizava-se o sexo por prazer como segredo e conseqüentemente<br />

o pecado prevalecia como resultado.<br />

Posteriormente, a partir do século XVIII, o sexo <strong>da</strong> criança passou a ser um<br />

importante foco de atenção para as instituições, para os profissionais <strong>da</strong> área <strong>da</strong> saúde e<br />

para as estratégias discursivas. Juntamente a criança neste lugar de atenção por<br />

excelência, aparece o conceito de afeto e a criação do amor.<br />

Sendo assim, <strong>no</strong> século XIX e início do século XX a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de tor<strong>no</strong>u-se assunto<br />

fun<strong>da</strong>mental dos confessionários, pois a igreja católica imperou e o sexo passou a ser<br />

considerado como pecado e proibido, já que o ato <strong>sexual</strong> só era permitido <strong>no</strong> matrimônio.<br />

Somente após o advento <strong>da</strong> pílula anticoncepcional que se desvinculou o sexo <strong>da</strong><br />

reprodução, podendo-se pensar a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de feminina relaciona<strong>da</strong> ao prazer.


Percebemos que o assunto sobre <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> com criança não é um fato<br />

recente, pois mesmo os relatos bíblicos dão conta de que a exploração <strong>sexual</strong><br />

envolvendo-a e o incesto estavam presentes desde épocas muito remotas.<br />

Freud (1913) teoriza que na base <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana encontra-se a proibição do<br />

incesto, para isso ele descreve o mito de Totem e Tabu e fez uma minuciosa avaliação<br />

<strong>da</strong>s civilizações primitivas, os aborígenes <strong>da</strong> Austrália, que viviam inteiramente <strong>da</strong> carne<br />

dos animais que caçavam e <strong>da</strong>s raízes que arrancavam. Freud afirma que essas<br />

civilizações ocupam o lugar <strong>da</strong> religião entre os povos, ca<strong>da</strong> um com seu totemismo, e<br />

que já existiam barreiras <strong>da</strong> ordem do <strong>sexual</strong> defendi<strong>da</strong>s pelo conceito de totens que<br />

correspondiam aos preceitos totêmicos.<br />

Mais o que é um totem? É um animal comível e i<strong>no</strong>fensivo ou temido e perigoso,<br />

que mantém relação peculiar com todo o clã. Estes clãs eram representados <strong>no</strong>rmalmente<br />

por um animal, tendo a comuni<strong>da</strong>de a obrigação de não matar e nem destruir seu totem e<br />

evitar comer sua carne. Segundo Freud (1913, p.94): “(...) tudo o que precisamos admitir<br />

é que o homem primitivo tinha uma crença imensa <strong>no</strong> poder de seus desejos (...)”.<br />

O que Freud chama atenção é para o interessante sistema totêmico, em que se<br />

aplicam as mais antigas e importantes proibições liga<strong>da</strong>s aos tabus do totemismo, onde a<br />

lei regula: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã do<br />

sexo oposto. Desta forma, segundo Freud (Ibidem, p.49) “estes devem ser, então, os mais<br />

antigos e poderosos dos desejos huma<strong>no</strong>s”. Ou seja, as pessoas não podiam se casar<br />

com outras do mesmo totem e o que é fabuloso é que quem regia essa descendência era<br />

o femini<strong>no</strong>. Isso leva Freud a crer que a idéia seria em função de romper com algo <strong>da</strong><br />

essência humana, que seria o desejo primitivo pela mãe. Assim, a psicanálise ensina que<br />

a primeira escolha de objeto para amar é incestuosa.<br />

Mas há algo que certamente podemos dizer, a saber: o desejo original de fazer a<br />

coisa proibi<strong>da</strong> persiste, em qualquer dos clãs. Descreve Freud:<br />

Em seu inconsciente não existe na<strong>da</strong> que mais gostassem de<br />

fazer do que violá-los, mas temem fazê-lo; temem precisamente<br />

porque gostariam, e o medo é mais forte que o desejo. O desejo<br />

está, inconsciente embora, em ca<strong>da</strong> membro individual <strong>da</strong> tribo, do<br />

mesmo modo que está <strong>no</strong>s neuróticos. (FREUD, 1913, p. 48-9).


Em ca<strong>da</strong> região é cumpri<strong>da</strong> uma regra de evitação, e na África Oriental Inglesa, <strong>no</strong><br />

a-kambas (ou Wakambas), Freud afirma que:<br />

Uma moça tem de evitar o pai <strong>no</strong> período que vai <strong>da</strong> puber<strong>da</strong>de ao<br />

casamento. Se se encontram na estra<strong>da</strong>, esconde-se enquanto ele<br />

passa, e nunca pode sentar-se perto dele. Isso vigora até o<br />

<strong>no</strong>ivado. Depois do casamento já não mais terá de evitar o pai.<br />

(Ibidem, p.30).<br />

Ain<strong>da</strong> em Totem e Tabu, Freud (1913) explicita que após matarem o gozador de<br />

to<strong>da</strong>s as mulheres, o pai <strong>da</strong> hor<strong>da</strong>, os filhos anularam o próprio ato, ou seja, proibiram a<br />

morte do totem, que era o substituto do pai e renunciaram a seus frutos, abrindo mão <strong>da</strong><br />

reivindicação de gozar de to<strong>da</strong>s as mulheres, que a partir disso, foram libertas. Após este<br />

ato criaram um sentimento de culpa filial e dois tabus fun<strong>da</strong>mentais do totemismo que<br />

correspondem aos dois desejos recalcados do complexo de Édipo — matar o pai e<br />

desfrutar <strong>sexual</strong>mente <strong>da</strong> mãe.<br />

Neste mito, vemos a supremacia do pai ser destituí<strong>da</strong> inicialmente por sua morte<br />

real, pois num primeiro ato, seus filhos num ritual comem sua carne na intenção de<br />

incorporar seu poder. Logo após, instaura<strong>da</strong>s as proibições, o totem surge como um<br />

primeiro representante simbólico do pai morto, que se torna então mais poderoso do que<br />

antes.<br />

O homicídio e o incesto, nas socie<strong>da</strong>des primitivas, são os únicos crimes de que a<br />

comuni<strong>da</strong>de toma conhecimento e são punidos, pois são contra as leis sagra<strong>da</strong>s do<br />

sangue.<br />

De acordo com o Talmud 4 , onde sua autori<strong>da</strong>de toma precedência sobre o Antigo<br />

Testamento <strong>no</strong> Ju<strong>da</strong>ísmo, o <strong>no</strong>ivado com intercurso <strong>sexual</strong> podia ser realizado desde que<br />

o pai permitisse o relacionamento – “Um Judeu pode casar-se com uma garota de três<br />

a<strong>no</strong>s” (especificamente, três a<strong>no</strong>s e um dia) – (Sanhedrin 55 b ). “Um Judeu pode ter sexo<br />

com uma criança enquanto a criança tenha me<strong>no</strong>s de <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s de i<strong>da</strong>de.” (Sanhedrin<br />

54b).<br />

4 Obra que compila discussões rabínicas sobre leis ju<strong>da</strong>icas, tradições, costumes, len<strong>da</strong>s e histórias (na<br />

reali<strong>da</strong>de uma coleção de livros).


Vê-se que a tradição ju<strong>da</strong>ica era dota<strong>da</strong> de certa ambigüi<strong>da</strong>de, pois aceitava o<br />

casamento entre o homem e a criança, mas não aceitava e proibia algumas formas de<br />

incesto. (MAGALHÃES, 2005). A esta prática podemos pensar a idéia de que a mulher<br />

era um objeto ou proprie<strong>da</strong>de para tal homem e não um sujeito dotado de desejos,<br />

vontades e direitos.<br />

Segundo Freud (1913), para as duas primeiras relações parentais as <strong>no</strong>rmas<br />

legais de cui<strong>da</strong>dos existem desde as mais remotas eras, antes mesmo <strong>da</strong>s leis, em que<br />

dois princípios fun<strong>da</strong>mentais sempre regeram a convivência entre as pessoas — a<br />

proibição do canibalismo e a proibição do incesto.<br />

Freud conferiu um lugar privilegiado à <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de na constituição do sujeito, e tal<br />

é a sua importância, que ela está na base <strong>da</strong>s perturbações psíquicas, segundo a<br />

psicanálise. Buscou-se refletir, com base na história, sobre o <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> com crianças e<br />

a sua <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, presente desde sempre. Observou-se como a prática de maus tratos<br />

com a criança, incorpora<strong>da</strong> ao cotidia<strong>no</strong> desde os tempos mais remotos, assumiu várias<br />

máscaras, sendo vista em certos momentos até mesmo como uma prática habitual.<br />

Com o advento <strong>da</strong> psicanálise, podemos <strong>no</strong>s favorecer para tornar imprescindível<br />

a construção de identi<strong>da</strong>des que não sejam a de vítima de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, fazendo o<br />

sujeito sair <strong>da</strong> posição de objeto e colocando-o como responsável pela causa de seu<br />

desejo. Assim, para concluir, afirma Freud:<br />

Para a psicanálise não existe uma aversão inata às relações<br />

incestuosas. Os primeiros desejos sexuais huma<strong>no</strong>s são sempre<br />

de natureza incestuosa e estes desejos reprimidos desempenham<br />

um papel muito importante como causa <strong>da</strong>s neuroses posteriores.<br />

(Idem, p.20).<br />

CAPÍTULO II


2. UMA VISÃO DE FREUD E O HISTÓRICO DE<br />

BERCHERIE<br />

Como observado <strong>no</strong> primeiro capítulo, o conceito de criança foi se desenvolvendo<br />

lentamente até passar a ser vista como um indivíduo com suas particulari<strong>da</strong>des. Esse<br />

processo pôde ser observado através <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> ico<strong>no</strong>grafia durante os séculos. Assim,<br />

a criança foi estu<strong>da</strong><strong>da</strong> desde os primórdios do século XI, quando ain<strong>da</strong> não se<br />

considerava a infância, e percorreu os séculos subseqüentes até chegar ao século XIX,<br />

quando nasce a criança propriamente dita, ou ain<strong>da</strong>, a criança como é vista atualmente.<br />

Ao longo <strong>da</strong> história, a criança deixou de ocupar a posição de objeto e passou a ser<br />

considera<strong>da</strong> como uma categoria e principalmente como significante, instituído pela<br />

cultura, porque até então não havia o conceito social de criança.<br />

Ao longo de sua obra, Lacan, escreve algumas vezes a palavra criança, mas<br />

quando fala do adulto se questiona: “E quando falamos do ser adulto a que referência<br />

estamo-<strong>no</strong>s referindo? Onde está o modelo do ser adulto?” (LACAN, 1959, p.37). Ele<br />

prefere usar a expressão “pessoas grandes” para falar <strong>da</strong>queles que se responsabilizam<br />

pelo seu gozo, que tomam como sua a responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s suas implicações com a<br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, sem que fiquem depositando <strong>no</strong> Outro a responsabili<strong>da</strong>de pelos atos que<br />

praticam voluntariamente através de suas escolhas. “Nesse sentido, uma pessoa grande<br />

é aquela que se deparou com a castração do pai e pode se servir melhor dele, pode se<br />

servir do pai como significante” (MIRANDA, 2003, p.32).<br />

Fazendo então a distinção entre a criança e a pessoa grande, Lacan demonstra<br />

que é somente através <strong>da</strong> “ética com a qual ca<strong>da</strong> um se responsabiliza por seu gozo”<br />

(Idem; p.33) que ela pode ser feita, ou seja, independe <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de do sujeito, podendo ter<br />

quatro ou quarenta a<strong>no</strong>s de i<strong>da</strong>de. “Nesse sentido todo neurótico é uma criança, e não<br />

uma pessoa grande” (Idem; p.32)<br />

Isso visto, pergunta-se: se hoje o sujeito criança ocupa devi<strong>da</strong>mente a posição de<br />

desejante, em que momento passa a ocupar este lugar? Estaria na posição de vítima a<br />

criança que sofre <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>?


Esta pesquisa é orienta<strong>da</strong> e fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> pela teoria psicanalítica, o que remete<br />

ao postulado de que a criança também é sujeito do inconsciente, responsável por seu<br />

desejo. O analista deve escutar esse sujeito e não aquele que ocupa a posição de vítima,<br />

como se costuma observar. A partir de Freud, sabe-se que a neurose é sempre infantil.<br />

Neste segundo capítulo será feito o estudo <strong>da</strong> obra La clínica psiquiátrica del niño:<br />

estudio histórico, de Paul Bercherie (1983), na qual pode-se também observar o quanto é<br />

recente a história <strong>da</strong> criança, e, ao mesmo tempo, tão antiga quanto a observação <strong>da</strong><br />

clínica psiquiátrica do adulto.


2.1 CRIANÇA EQUIVALENTE A ADULTO<br />

Bercherie (1983) <strong>no</strong>s descreve através de uma perspectiva antropológica a<br />

importância <strong>da</strong> clínica <strong>da</strong> criança e as dificul<strong>da</strong>des e questões particulares que foram<br />

impostas para poder surgir a clínica infantil.<br />

Até 1930, a criança participava de um campo de saber compartilhado ao do adulto,<br />

quando então surge a clínica <strong>da</strong> criança, delimitando seus próprios conceitos, e a<br />

observação pela clínica psiquiátrica clássica pediátrica, ou seja, o adulto deixa de ser<br />

exclusivo <strong>da</strong> psiquiatria. Mas o autor Bercherie se faz a pergunta: “A que se pode atribuir,<br />

(...) este atraso particular, esta auto<strong>no</strong>mia histórica <strong>da</strong> clínica infantil?” (BERCHERIE,<br />

1983, p.69).<br />

Foi necessário atravessar três momentos do estudo <strong>da</strong> criança para a estruturação<br />

<strong>da</strong> clínica existente hoje em dia, que tem presente fortes bases psicanalíticas. O primeiro<br />

momento delimitado abarca a primeira metade do século XIX, quando a maioria dos<br />

autores se limitava ao conceito de retardo mental como único transtor<strong>no</strong> infantil, rejeitando<br />

sob qualquer hipótese a loucura presente na criança.<br />

Jean–Étienne Esquirol, psiquiatra francês e discípulo de Pinel, antes de 1820,<br />

<strong>no</strong>meia o retardo mental de idiotez e faz uma distinção entre a idiotia adquiri<strong>da</strong>, ou<br />

distúrbios mentais funcionais, aquela que é curável, <strong>da</strong> idiotia congênita, ou distúrbios<br />

mentais de substrato orgânico, os quais de<strong>no</strong>mina idiotia. Para Esquirol, estes estados<br />

são impossíveis de se cambiarem. Sua <strong>no</strong>sologia apresenta um nítido progresso em<br />

relação à de Pinel. Deteve-se <strong>no</strong> trabalho <strong>da</strong> idiotia congênita, que ele de<strong>no</strong>mina idiotez:<br />

[Não se trata] de uma enfermi<strong>da</strong>de [senão] de um estado <strong>no</strong> qual<br />

as facul<strong>da</strong>des intelectuais não se manifestarão jamais ou não<br />

puderam desenvolver o suficiente como para que o idiota haja<br />

podido adquirir os conhecimentos relativos a educação que<br />

recebem dos indivíduos de sua i<strong>da</strong>de situados nas mesmas<br />

condições que ele. A idiotez começa com a vi<strong>da</strong> ou na i<strong>da</strong>de que<br />

precede o desenvolvimento completo <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des intelectuais<br />

e afetivas. (Idem; p.70).


Nesta mesma época, Philippe Pinel (1745-1826), médico francês e considerado<br />

por muitos o pai <strong>da</strong> psiquiatria, escreveu sua obra mais importante: "Traité médicophilosophique<br />

sur l’aliénation mental ou manie". Nesse tratado descreve a idiotia como:<br />

Uma anulação <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des intelectuais e afetivas do conjunto<br />

<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de mental, sendo reduzido o sujeito a uma existência<br />

vegetativa com algumas relíquias <strong>da</strong>s manifestações psicológicas:<br />

fantasias, ruídos articulados na medi<strong>da</strong>, crises de excitação.<br />

(Idem; loc cit.).<br />

O conceito de Pinel é equivalente ao que Esquirol de<strong>no</strong>mina demência<br />

agu<strong>da</strong>, a qual atribuía a um enfraquecimento geral <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des cerebrais e a<br />

supressão <strong>da</strong> atenção voluntária. Pinel defendia os seres huma<strong>no</strong>s que sofriam de<br />

perturbações mentais dizendo que, ao contrário do que acontecia na época,<br />

deviam ser tratados apenas como doentes e não de forma violenta como se<br />

fossem crimi<strong>no</strong>sos. Foi o primeiro médico que tentou descrever e classificar<br />

algumas perturbações mentais.<br />

Para Esquirol a idiotia não é uma doença, pois ele diferencia claramente a idiotia<br />

<strong>da</strong> loucura. A idiotez tem uma descrição objetiva e a idiotia é aquela que não pode<br />

adquirir os conhecimentos que se obtém <strong>no</strong>rmalmente com a educação. Pinel e Esquirol<br />

consideram a debili<strong>da</strong>de mental como global e definitiva, irreversível, ou incurável. Já para<br />

o educador Séguin, na debili<strong>da</strong>de há a possibili<strong>da</strong>de de um prognóstico mais satisfatório,<br />

isso porque ele acredita que o déficit é parcial e na maioria <strong>da</strong>s vezes compromete o<br />

desenvolvimento mental.<br />

Wilhelm Griesinger (1817-1869), <strong>no</strong>meado diretor, em 1860, do <strong>no</strong>víssimo hospital<br />

psiquiátrico de Zurique, o Burghölzli, foi um dos primeiros psiquiatras a afirmar que a<br />

maioria dos processos psicológicos decorria de uma ativi<strong>da</strong>de inconsciente. Ele elaborou<br />

uma psicologia do eu cujas distorções são ti<strong>da</strong>s como resultantes do conflito que opõe o<br />

eu às representações que não consegue assimilar. Para ele a criança não poderia ter o<br />

estatuto de louca porque não havia um eu, que era constituído ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e<br />

dependia de varia<strong>da</strong>s circunstâncias, e não uma uni<strong>da</strong>de, como postulou Freud. Em seu<br />

Tratado, cuja aparição remonta a 1845, Griesinger escreveu: “O eu nesta i<strong>da</strong>de não está<br />

ain<strong>da</strong> formado de maneira estável para apresentar uma perversão durável e radical”.<br />

(Idem; p.71). Afirmava não haver nenhuma distinção entre psicose orgânica e funcional,


assim como tem sido feito <strong>no</strong>s tempos atuais. Portanto, o primeiro passo para o<br />

conhecimento dos sintomas <strong>da</strong> insani<strong>da</strong>de mental era o <strong>da</strong> localização do órgão doente, e<br />

este não podia ser outro que não o cérebro.


2.2 APARECIMENTO DA LOUCURA NA CRIANÇA<br />

O segundo período começa somente na segun<strong>da</strong> metade do século XIX, mais<br />

precisamente <strong>no</strong> fim dos a<strong>no</strong>s de 1880, com a primeira publicação do tratado de<br />

psiquiatria infantil, em francês, alemão e inglês, que foi baseado na clínica e na <strong>no</strong>sologia<br />

do adulto. Porém, nesse tratado encontra-se a criança propriamente dita, com suas<br />

particulari<strong>da</strong>des diferencia<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s do adulto. É a partir deste momento que começa a<br />

surgir a clínica psiquiátrica <strong>da</strong> criança.<br />

Bénédict Augustin Morel (1809-1873) foi um psiquiatra franco-austríaco e o<br />

primeiro a utilizar o termo démence precoce — do latim, dementia praecox. Hoje a<br />

demência precoce se refere ao que é conhecido como esquizofrenia. Em 1857, Morel<br />

publicou o “Traité des dégénérescences physiques, intellectuelles et morales de l'espèce<br />

humaine et des causes qui produisent ces variétés maladives”, <strong>no</strong> qual argumenta que<br />

algumas doenças são causa<strong>da</strong>s por degeneração.<br />

Morel faz uma grande distinção entre as enfermi<strong>da</strong>des mentais adquiri<strong>da</strong>s, “em<br />

que as causas patológicas surgem <strong>da</strong> rubrica correspondente <strong>da</strong> medicina do corpo”, <strong>da</strong>s<br />

enfermi<strong>da</strong>des mentais constitucionais, que são “aquelas que se baseiam em um terre<strong>no</strong><br />

psicológico particular, uma degeneração mental hereditária ou adquiri<strong>da</strong> cedo na<br />

existência” (BERCHERIE, 1983, p.72). Esta sim vai favorecer a conceitualização <strong>da</strong><br />

clínica, e também o entendimento <strong>da</strong>s enfermi<strong>da</strong>des mentais seguindo o modelo <strong>da</strong><br />

idiotia. Morel surge então com seus conceitos, “orientando a atenção para a infância dos<br />

alienados e, na mesma ocasião, para a existência <strong>da</strong> criança com uma patologia mental”.<br />

(Idem; p.73)<br />

Neste momento entre os séculos XIX e XX, num primeiro momento, a psiquiatria<br />

infantil passa a ser um campo autô<strong>no</strong>mo de investigação através <strong>da</strong> complementação <strong>da</strong><br />

clínica e <strong>da</strong> teoria psiquiátrica do adulto deixando de lado a debili<strong>da</strong>de mental, que<br />

permanece apenas como uma curiosi<strong>da</strong>de. Paralelamente, Freud, em seu segundo<br />

ensaio do seu fabuloso texto Três ensaios sobre a teoria <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de (1905), descreve<br />

a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil presente desde a mais tenra infância, contrariando a opinião popular<br />

que pensava a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de estar “ausente na infância e só desperta <strong>no</strong> período <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>


designado de puber<strong>da</strong>de” (FREUD, 1905, p.163). Freud reconheceu a pulsão <strong>sexual</strong> na<br />

infância, assim como na vi<strong>da</strong> adulta:<br />

(...) restando apenas estabelecer as características,<br />

especifici<strong>da</strong>des e particulari<strong>da</strong>des <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil: seus<br />

modos de manifestação, seus processos “inter<strong>no</strong>s”, seus objetos,<br />

seus objetivos e sua forma de satisfação, em oposição diferencial<br />

às mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des “adultas” de exercício <strong>sexual</strong>”. (ELIA, 1995, p.40).<br />

Apesar de sua teoria não estar totalmente finaliza<strong>da</strong>, Freud neste início de século,<br />

com o seu texto Três ensaios sobre a teoria <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de (1905) deixa marca<strong>da</strong>s as<br />

particulari<strong>da</strong>des <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil, longe de associar a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de ao tempo<br />

cro<strong>no</strong>lógico do sujeito. Portanto, estava mais do que evidente que Freud dizia que a<br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de independia <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de cro<strong>no</strong>lógica.<br />

Para Freud a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de é infantil e o inconsciente atemporal.<br />

No entendimento do senso comum <strong>da</strong> época, a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de não poderia existir na<br />

infância devido à falta de maturação <strong>da</strong> criança, sendo incapaz de exercer função <strong>sexual</strong><br />

igual à do adulto. Porém, para Freud não havia uma distinção entre o estágio adulto e o<br />

infantil. De acordo com Lucia<strong>no</strong> Elia:<br />

(...) Freud por diversas vezes em sua obra, assinalou a sua<br />

convicção de que o homem é incapaz de atingir a de<strong>no</strong>mina<strong>da</strong><br />

“maturi<strong>da</strong>de <strong>sexual</strong>” — não apenas dizendo-o explicitamente,<br />

como através de sua reitera<strong>da</strong> afirmação de que não somos<br />

capazes de abandonar posições de prazer que foram atingi<strong>da</strong>s, e<br />

as repetimos indefini<strong>da</strong>mente. (Idem; p.56).<br />

Freud afirma que do ponto de vista <strong>da</strong> psicanálise a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de é sempre infantil,<br />

não somente porque ocorre desde a infância, mas também durante todo o percurso <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> do sujeito. Freud, que curiosamente analisou somente adultos, observou através de<br />

sua clínica que a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil está presente na fala de qualquer analisante, seja<br />

adulto ou criança.<br />

Já se encontra <strong>no</strong> texto sobre a etiologia <strong>da</strong>s neuroses uma articulação entre o<br />

infantil e o <strong>sexual</strong> quando Freud está teorizando sobre a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de em psicanálise.


Afinal, a psicanálise li<strong>da</strong> com o que é <strong>da</strong> ordem do <strong>sexual</strong>. Com a descoberta de Freud,<br />

começamos a tomar conhecimento de que a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de não é privilégio somente do<br />

adolescente ou do adulto, mas que também está presente <strong>no</strong> mundo <strong>da</strong>s crianças<br />

pequeninas, desde a primeira relação mãe / bebê. Para a teoria psicanalítica, a criança<br />

possui uma <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de ativa, decorrente <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> pulsional e <strong>da</strong> estimulação <strong>da</strong>s<br />

zonas corporais. Lacan em seu retor<strong>no</strong> a Freud afirma:<br />

Não ver que a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de está aí, na jovem criança, desde a<br />

origem, e mesmo, ain<strong>da</strong> muito mais, durante a fase que precede o<br />

período de latência, é ir <strong>no</strong> sentido contrário a to<strong>da</strong> aspiração e<br />

descobertas freudianas. (LACAN, sem 7 p.195).<br />

Para desenvolver a teoria sobre a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, Freud inicialmente verificou que<br />

havia territórios corporais eleitos, as chama<strong>da</strong>s zonas erógenas: a boca, o ânus e os<br />

órgãos genitais. É <strong>no</strong> início <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, através dos cui<strong>da</strong>dos mater<strong>no</strong>s que se introduz o<br />

bebê na <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, libidinizando seu corpo, para deixar de ser um ‘Ser vivo’ para ser<br />

um ‘Ser <strong>da</strong> linguagem’.<br />

De início existe um vazio, um corpo pulsional que vai se organizar em tor<strong>no</strong> dele.<br />

Este pe<strong>da</strong>ço de carne que nasce ou, segundo Lacan o sujeito na sua ‘estúpi<strong>da</strong> e inefável<br />

existência’, com suas sensações físicas, como a dor, a fome e a sede, não sabe que o pé<br />

é dele, que aquela mão que morde é dele, que o peito que chupa é <strong>da</strong> mãe, é tudo muito<br />

confuso, porque não tem uma separação <strong>da</strong> imagem do Outro, ele não tem essa idéia. O<br />

que existe é o desconforto e a sensação de desprazer e prazer, visando saciar a<br />

sensação de fome, sede e dor. São os primeiros prazeres e desprazeres que o sujeito<br />

vive.<br />

A todo o momento, o grande Outro é responsável por humanizar e erogeneizar o<br />

corpo do bebê, com os cui<strong>da</strong>dos mater<strong>no</strong>s, como o toque e a limpeza necessária.


A relação de uma criança com quem quer que seja responsável<br />

por seu cui<strong>da</strong>do proporciona-lhe uma fonte infindável de excitação<br />

<strong>sexual</strong> e de satisfação de suas zonas erógenas. Isto é<br />

especialmente ver<strong>da</strong>deiro, já que a pessoa que cui<strong>da</strong> dela, que,<br />

afinal de contas, em geral é sua mãe, olha-a ela mesma com<br />

sentimentos que se originam de sua própria vi<strong>da</strong> <strong>sexual</strong>: ela a<br />

acaricia, beija-a, embala-a e muito claramente a trata como um<br />

substitutivo de um objeto <strong>sexual</strong> completo (FREUD, 1905, p.229-<br />

30).<br />

O Outro fornece significantes a tudo que o bebê está vivendo e <strong>no</strong>meia as partes<br />

do seu corpo, para que este ser tão pequeni<strong>no</strong> comece a se organizar. Esses<br />

significantes vão sendo aceitos pelo bebê, a partir <strong>da</strong>s sensações corpóreas vivencia<strong>da</strong>s,<br />

que ficam marca<strong>da</strong>s como traço mnêmico, como registros fixados de percepções, que vão<br />

formando o inconsciente para se organizar em tor<strong>no</strong> deste vazio inicial. Assim, o sujeito<br />

vai percebendo e <strong>da</strong>ndo sentido a qualquer coisa que venha deste Outro, construindo um<br />

corpo para fazer a separação, porque até então não existia separação alguma.<br />

O recalcado primordial é um significante, e o que se edifica por<br />

cima para constituir o sintoma, podemos considerá-lo como um<br />

an<strong>da</strong>ime de significantes. (LACAN, sem. 11, p. 167).<br />

No texto Três ensaios sobre a teoria <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de (1905), Freud deixa marca<strong>da</strong><br />

a existência do sujeito inconsciente de forma indireta, pois é <strong>no</strong> subtítulo amnésia infantil<br />

que ele supõe um sujeito. Para ele a amnésia é inerente a qualquer sujeito e acometi<strong>da</strong><br />

<strong>no</strong>s primeiros a<strong>no</strong>s <strong>da</strong> infância, até os seis ou oito a<strong>no</strong>s de i<strong>da</strong>de e deste período “(...) só<br />

preservamos na memória algumas lembranças incompreensíveis e fragmenta<strong>da</strong>s (...)”<br />

(Idem; p.164). Diz ain<strong>da</strong>:


(...) as mesmas impressões por nós esqueci<strong>da</strong>s deixaram, ain<strong>da</strong><br />

assim, os mais profundos rastros em <strong>no</strong>ssa vi<strong>da</strong> anímica e se<br />

tornaram determinantes para todo o <strong>no</strong>sso desenvolvimento<br />

posterior. Não há como falar, portanto, em nenhum declínio real<br />

<strong>da</strong>s impressões infantis, mas sim numa amnésia semelhante à que<br />

observamos <strong>no</strong>s neuróticos em relação às vivências posteriores, e<br />

cuja essência consiste num mero impedimento <strong>da</strong> consciência<br />

(recalcamento). Mas quais são as forças que efetuam esse<br />

recalcamento <strong>da</strong>s impressões infantis? (Idem; p.165).<br />

O analista com o uso do discurso analítico dirige-se ao sujeito do inconsciente<br />

acometido de amnésia infantil, para tratar do que é <strong>da</strong> ordem <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil, ou<br />

ain<strong>da</strong>, de sua época pré-histórica.<br />

A amnésia infantil é, portanto, equivalente ao processo de<strong>no</strong>minado por Freud de<br />

recalcamento, ou seja, tudo que vivemos em <strong>no</strong>ssa infância <strong>da</strong> ordem do <strong>sexual</strong> é<br />

recalcado, de forma que há uma per<strong>da</strong> de investimento naquele dito objeto libidinizado<br />

originalmente. Lucia<strong>no</strong> Elia esclarece:<br />

Trata-se de uma barreira epistemológica: o sujeito não pode saber,<br />

senão pela mediação do recalque e, portanto, do modo de saber<br />

próprio ao inconsciente, de sua <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, infantil e neurótica.<br />

Barreira intransponível, insuperável por todo e qualquer avanço <strong>da</strong><br />

Ciência, constitutiva do saber psicanalítico. (ELIA, 2005, p.71).<br />

Freud, então aponta duas principais características <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>sexual</strong> infantil: o fato<br />

de ela ser essencialmente auto-erótica, ou seja, seu objeto de prazer encontra-se <strong>no</strong><br />

próprio corpo, e a outra, que as pulsões parciais são inteiramente independentes dos<br />

esforços pela obtenção de prazer. Assim, a saí<strong>da</strong> sadia do sujeito seria a vi<strong>da</strong> <strong>sexual</strong><br />

<strong>no</strong>rmal do adulto, na qual a obtenção de prazer fica a serviço <strong>da</strong> função reprodutora, e as<br />

pulsões parciais, sob o primado de uma única zona erógena.<br />

Fazendo tal distinção, entre <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, sexo e reprodução, Freud então coloca a<br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de <strong>no</strong> campo <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de. Segundo Freud (1905) <strong>no</strong>s Três ensaios:<br />

Ninguém que já tenha visto um bebê reclinar-se saciado do seio e<br />

dormir com as faces cora<strong>da</strong>s e um sorriso feliz pode fugir à


eflexão de que este quadro persiste como protótipo <strong>da</strong> expressão<br />

<strong>da</strong> satisfação na vi<strong>da</strong> ulterior. (FREUD, 1905, p.186).<br />

Para Freud, a criança tem uma disposição perversa polimorfa. Ela tem o gozo<br />

auto-erótico <strong>da</strong>s pulsões parciais que são satisfações liga<strong>da</strong>s às zonas erógenas, que por<br />

sua vez correspondem aos orifícios do corpo. A libido investe nas margens dos orifícios e<br />

as crianças gozam. Apesar <strong>da</strong>s crianças terem uma disposição <strong>sexual</strong> bem ampla, a<br />

concentração <strong>da</strong>s pulsões parciais e sua subordinação ao primado <strong>da</strong> genitália não são<br />

consegui<strong>da</strong>s na infância, ou só o são de maneira muito incompleta. Assim, o seu gozo<br />

genital está longe de ter o seu futuro assegurado, já que só acontece depois que passa a<br />

organização <strong>sexual</strong>.<br />

Entre os a<strong>no</strong>s 1910 e 1925, surge a segun<strong>da</strong> geração de tratados <strong>da</strong> psiquiatria<br />

infantil quando se separa o conceito de idiotia do de debili<strong>da</strong>de. Paul Eugen Bleuler<br />

(1857-1939), nascido em Zollikon, uma pequena ci<strong>da</strong>de perto de Zurique, na Suíça, foi um<br />

psiquiátra <strong>no</strong>tável por <strong>no</strong>mear e contribuir para o entendimento <strong>da</strong> esquizofrenia, doença<br />

que era anteriormente conheci<strong>da</strong> como dementia praecox. Ele entendeu que a doença<br />

não era uma demência ou exclusivi<strong>da</strong>de de indivíduos jovens, <strong>no</strong>meando-a com um termo<br />

me<strong>no</strong>s estigmatizante, porém controverso, de origem grega schizo (dividi<strong>da</strong>) e phrene<br />

(mente), esquizofrenia. Em 1911, com sua obra fun<strong>da</strong>mental sobre a esquizofrenia,<br />

Bleuler diferencia a síndrome esquizofrênica <strong>da</strong>s demências orgânicas.<br />

Emil Kraepelin (1856-1926), psiquiatra alemão, é comumente citado como sendo o<br />

criador <strong>da</strong> moderna psiquiatria, <strong>da</strong> psicofarmacologia e <strong>da</strong> genética psiquiátrica. Ele fez<br />

referência às doenças psiquiátricas como sendo causa<strong>da</strong>s principalmente por desordens<br />

genéticas e biológicas. Suas teorias psiquiátricas dominaram o campo <strong>da</strong> psiquiatria <strong>no</strong><br />

início do século XX e, em sua essência, prevalecem até os dias de hoje. Kraepelin<br />

contrariava a abor<strong>da</strong>gem de Sigmund Freud, quem tratava e considerava as doenças<br />

psiquiátricas como causa<strong>da</strong>s por fatores psicológicos.<br />

O trabalho de Kraeplin foi importante, pois classificou em duas as formas distintas<br />

de psicoses, o que antes era considerado um conceito unitário: Psicose maníacodepressiva<br />

e a esquizofrenia. Foi de Kraepelin que surgiu o conceito de psicose infantil:


Em todo caso a idéia de existência de psicoses autistas e<br />

dissociativas na criança, a distinguir <strong>da</strong> debili<strong>da</strong>de mental como<br />

<strong>da</strong>s diversas manifestações de tipo caracterial e constitucional,<br />

começa a impor-se e a chamar a atenção de um número crescente<br />

de observadores. Deste período <strong>no</strong>s vem a <strong>no</strong>ção moderna <strong>da</strong><br />

psicose infantil e os problemas que se ligam a isso. (BERCHERIE,<br />

1983, p. 74).


2.3 SURGIMENTO DA CLÍNICA PSIQUIÁTRICA INFANTIL<br />

O terceiro período, baseado na constituição de uma ver<strong>da</strong>deira psicologia <strong>da</strong><br />

criança e de seu desenvolvimento, de<strong>no</strong>minado de período pedopsiquiátrico começa em<br />

1930 e continua se desenvolvendo <strong>no</strong>s dias de hoje. Acaba-se com a investigação clínica<br />

<strong>da</strong> criança compara<strong>da</strong> à clínica psiquiátrica do adulto, surgindo desta forma a<br />

investigação através <strong>da</strong>s bases teóricas <strong>da</strong> psicanálise, levando em conta particularmente<br />

o sujeito do inconsciente. A psicanálise surge fortemente estruturando e caracterizando o<br />

período:<br />

O descobrimento de que to<strong>da</strong> manifestação psicopatológica é o<br />

resultado do conflito psíquico, e que esse conflito em sua<br />

expressão atual do adulto repete a historia infantil do sujeito, toma<br />

<strong>no</strong> quadro <strong>da</strong> clínica infantil uma ressonância muito particular,<br />

posto que é de uma situação conflitual atual, ou pelo me<strong>no</strong>s<br />

recente, que dependem então as perturbações psicológicas.<br />

(Idem; p.75).<br />

Neste início de déca<strong>da</strong>, o saber <strong>da</strong> psicanálise se presentifica na clínica<br />

psiquiátrica <strong>da</strong> criança, com as contribuições de Freud (1905), principalmente através de<br />

seu texto Três ensaios sobre a teoria <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, em que ficou nítido que o saber <strong>da</strong><br />

psicanálise é constituído em tor<strong>no</strong> do eixo <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de.<br />

Segundo Bercherie (1983), neste momento algumas manifestações patológicas<br />

que não eram considera<strong>da</strong>s pela clínica psiquiátrica infantil passam a ser chama<strong>da</strong>s de<br />

histeria “como formas de conversão ou de expressão substitutiva <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des que<br />

encontra a criança em sua vi<strong>da</strong> interior e em suas relações com o meio ambiente” (p.75).<br />

Freud faz então sua brilhante descoberta e colabora com a clínica<br />

pedopsiquiátrica. Segundo Miran<strong>da</strong> (2002):<br />

Freud, a partir <strong>da</strong> clínica, rejeita a classificação de sujeitos<br />

rotulados pelos fenôme<strong>no</strong>s que expõem. Sua descoberta de que<br />

to<strong>da</strong> manifestação psicopatológica é resultado de um conflito<br />

psíquico que, em sua expressão atual <strong>no</strong> adulto, repete a história<br />

infantil do sujeito, revoluciona a clínica infantil de uma forma muito


particular, pois se passa a pensar que, na criança, se poderia<br />

observar uma perturbação psicológica causa<strong>da</strong> por um conflito<br />

psíquico atual ou recente. (p.6).<br />

A partir deste momento, <strong>da</strong>ndo seqüência à etapa precedente, surge uma clínica<br />

com <strong>no</strong>vas aquisições e que vem sendo estu<strong>da</strong><strong>da</strong> e discuti<strong>da</strong> até hoje: “transtor<strong>no</strong>s com<br />

expressão somática”. (BERCHERIE, 1983; p.75).<br />

A medicina do século XIX descreve um montão de neuroses de<br />

órgão, e diz perturbações somáticas funcionais de um órgão ou de<br />

uma função sobre a base de um disfuncionamento do sistema<br />

nervoso local: se trata claramente de uma concepção puramente<br />

somática. (Idem; p.76).<br />

A integração <strong>da</strong>s <strong>no</strong>ções que emergem <strong>da</strong> psicanálise vai efetuar-se ao longo dos<br />

a<strong>no</strong>s tais como as de Enrique Pichon-Riviére (1907-1977). Nascido em Genebra, estudou<br />

psiquiatria como autodi<strong>da</strong>ta e teve todo um cui<strong>da</strong>do em abor<strong>da</strong>r o paciente integrando os<br />

dois pontos de vista: o físico e o psíquico, ou seja, desarticulava a separação <strong>da</strong> mente e<br />

do corpo.<br />

Também nessa perspectiva, Leo Kanner (1894-1981), psiquiátra austríaco que se<br />

especializou por seu próprio esforço em psiquiatria pediátrica, em 1930. Na Escola de<br />

Medicina <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Johns Hopkins University (E.U.A.), foi selecionado pelos<br />

diretores de psiquiatria e de pediatria para desenvolver o primeiro serviço de psiquiatria<br />

infantil em um hospital pediátrico. Em 1943, Leo Kanner, descreveu um grupo de crianças<br />

gravemente lesa<strong>da</strong>s que tinham certas características comuns, a mais <strong>no</strong>ta<strong>da</strong> era a<br />

incapaci<strong>da</strong>de de se relacionar com pessoas. Neste mesmo a<strong>no</strong>, 1943, Kanner publica<br />

seu primeiro tratado - "Autistic Disturbance of Affective Contact" (Distúrbio Autístico do<br />

Contato Afetivo) e é referência fun<strong>da</strong>mental até hoje na clínica psiquiátrica infantil.<br />

Neste momento, a partir <strong>da</strong> integração, surge o funcionalismo america<strong>no</strong> — sendo<br />

“mais um pensamento que um corpo doutrinário” (Idem; p.76). Adolf Meyer (1866-1950),<br />

inglês, formado em psiquiatria na Suíça, emigrou para os Estados Unidos após ter sido


treinado como neuropatologista na Europa e adotou um método para o estudo de<br />

transtor<strong>no</strong>s mentais enfatizando o inter-relacionamento de sintomas e funções<br />

psicológicas, além de apoiar o tratamento psicoterapêutico <strong>da</strong> esquizofrenia. Meyer opôsse<br />

fortemente à visão de Kraepelin de que a doença mental teria uma trajetória prédetermina<strong>da</strong>.<br />

Ele foi alu<strong>no</strong> de Forel e fundou a escola psiquiátrica americana inspira<strong>da</strong> <strong>no</strong><br />

pensamento funcionalista:<br />

O organismo é um todo espírito e corpo, e que este todo está<br />

comprometido em uma tarefa permanente e vital de a<strong>da</strong>ptação ao<br />

meio ambiente. Neste quadro, o psiquismo é uma função, função<br />

útil de mediação entre o meio ambiente e as necessi<strong>da</strong>des do<br />

organismo. (Idem; p.76).<br />

Meyer participa dos auditórios de Freud, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1909, e apesar de não<br />

concor<strong>da</strong>r plenamente com seus conceitos fun<strong>da</strong> a Associação Americana de Psicanálise<br />

(APA), <strong>da</strong>ndo a Kanner a possibili<strong>da</strong>de de abrir o primeiro serviço de psiquiatria infantil e<br />

compor a primeira edição de seu tratado.<br />

Em segui<strong>da</strong> ao funcionalismo emerge o conducionismo e é Ar<strong>no</strong>ld Gesell (1880-<br />

1961), quem observa e investiga sistematicamente diversas crianças, através de sua base<br />

funcionalista e conducionista, oferecendo aos clínicos um exame mais preciso. É ele<br />

quem faz a diferença entre a criança autista precoce e a esquizofrenia tardia.<br />

Pode-se dizer que ao longo do processo histórico a clínica psicopatológica <strong>da</strong><br />

criança demonstrou ser completamente diferencia<strong>da</strong> <strong>da</strong> clínica que existia do adulto, pois<br />

a clínica <strong>da</strong> criança apesar de ter surgido depois <strong>da</strong> do adulto, era liga<strong>da</strong> aos estudos dos<br />

psicanalistas, enquanto que a clínica do adulto foi constituí<strong>da</strong> por influência do<br />

pensamento médico, por se tratar de um período pré-psicanalítico.<br />

Durante os três períodos que se iniciam <strong>no</strong>s primeiros a<strong>no</strong>s do século XIX e<br />

terminam <strong>no</strong>s dias de hoje, observamos o desenvolvimento <strong>da</strong> criança, quando, segundo<br />

Bercherie (1983):<br />

(...) <strong>no</strong>s dois primeiros períodos, a criança é concebi<strong>da</strong><br />

essencialmente como um adulto em potencial, <strong>no</strong> sentido<br />

aristotélico: o adulto não é somente o térmi<strong>no</strong> de seu


desenvolvimento senão que também é seu único conteúdo e seu<br />

sentido último. (p.78).<br />

A psicologia <strong>da</strong> criança começa a surgir como campo independente somente <strong>no</strong><br />

final do século XIX, pois antes foi preciso resgatá-la <strong>da</strong>s concepções pe<strong>da</strong>gógicas,<br />

presentes <strong>no</strong>s dois períodos anteriores:<br />

Ao inverso, a clínica moderna <strong>da</strong> criança, tal como se estruturou<br />

ao longo de um meio século sobre bases autô<strong>no</strong>mas, oferece<br />

atualmente à psicopatologia um modelo de uma trajetória e de<br />

uma conceitualização amplamente separa<strong>da</strong>s dos paradigmas<br />

médicos que continuam marcando a clínica do adulto, e fortemente<br />

impregnados dos métodos psicanalíticos. (Id: 80).<br />

Ao se aproximar do século XX, ca<strong>da</strong> vez mais o desenvolvimento psicológico <strong>da</strong><br />

criança vai sendo relacionado ao psico–fisiológico: “a integri<strong>da</strong>de de seus órgãos<br />

cerebrais depende <strong>da</strong> aparição de suas facul<strong>da</strong>des mentais” (Idem;p.79). Para justificar a<br />

primeira clínica psiquiátrica <strong>da</strong> criança, surgi<strong>da</strong> <strong>da</strong> conceitualização elabora<strong>da</strong> pela<br />

psicanálise e principalmente por contribuições de Freud, foi necessário romper a<br />

correlação <strong>da</strong>s doenças do século vincula<strong>da</strong>s somente ao físico, ao corpo do sujeito,<br />

fazendo aparecer manifestações “somato-psíquicas”, ou seja, considerando que para<br />

além de um corpo físico há também e, principalmente, um sujeito do inconsciente.<br />

Como conclusão, este capítulo pode aju<strong>da</strong>r a perceber o contraponto entre Freud<br />

e Bercherie, pois este demonstra através de sua pesquisa que a clínica <strong>da</strong> criança só<br />

começa a surgir e ter suas particulari<strong>da</strong>des a partir do a<strong>no</strong> de 1930. Antes disso, a criança<br />

não tinha seu espaço e não era diferencia<strong>da</strong> do adulto. Para a psicanálise a pulsão é<br />

<strong>sexual</strong> em todos os sujeitos. O inconsciente é atemporal. Em 1905, <strong>no</strong> texto Três ensaios<br />

sobre a teoria <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, Freud, trazendo a “peste” para o mundo, postula<br />

diferentemente de todos os teóricos de sua época, que a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de está presente<br />

desde a mais tenra infância.


CAPÍTULO III<br />

DO SINTOMA À FANTASIA E AO ABUSO SEXUAL<br />

Neste terceiro capítulo propomos falar sobre o percurso de Freud a partir de sua<br />

Teoria <strong>da</strong> sedução ou Teoria do trauma até chegar à sua grande descoberta - a<br />

transformação <strong>da</strong> teoria, a chama<strong>da</strong> - Teoria <strong>da</strong> Fantasia, já <strong>no</strong> final do a<strong>no</strong> de 1897. Em<br />

1905, depois de consagra<strong>da</strong> essa <strong>no</strong>va teoria, e em decorrência dela, Freud produz os<br />

Três ensaios sobre a teoria <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de trazendo um <strong>no</strong>vo olhar ao tema <strong>da</strong><br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de que, até então, estava permea<strong>da</strong> por um contexto de investigação, vigilância,<br />

censura e rotulação.<br />

Para ilustrar a passagem <strong>da</strong> teoria do trauma à teoria <strong>da</strong> fantasia, vamos recorrer<br />

ao caso Katharina, legado por Freud e também ao caso Joana, de minha experiência<br />

clínica, em atendimento <strong>no</strong> Ambulatório de Apoio à Família.<br />

Ao longo de suas pesquisas, Freud causou algumas desavenças <strong>no</strong> movimento<br />

psicanalítico, isto porque sempre se questionava do que podia saber sobre a teoria <strong>da</strong><br />

sedução, e foi certamente o que defendeu e se questio<strong>no</strong>u ao longo de alguns a<strong>no</strong>s.<br />

Inicialmente, Freud passou a<strong>no</strong>s pesquisando e se dedicando à sua teoria,<br />

principalmente através dos casos clínicos por ele atendidos. Ele afirmava que seus<br />

fun<strong>da</strong>mentos eram sólidos porque sempre estavam apoiados <strong>no</strong>s estudos de seus casos<br />

clínicos, mas também afirmava que só falaria sobre a teoria <strong>da</strong> sedução, mediante a<br />

finalização de algum caso, onde poderia constatar suas hipóteses, pois ain<strong>da</strong> estava<br />

construindo sua teoria, e, portanto borbulhando em enigmas e dúvi<strong>da</strong>s.<br />

Na carta envia<strong>da</strong> a Fliess, em oito de Fevereiro de 1897, Freud descreve suas<br />

observações a respeito de seus casos clínicos, onde estavam sempre presentes as<br />

confissões <strong>da</strong>s histórias de sedução feitas por seus pacientes em tratamento psíquico. O<br />

relato era de que a criança havia sido seduzi<strong>da</strong> por seu pai, ou seja, que todo pai era<br />

pervertido, e que este era o grande abusador e causador <strong>da</strong> neurose <strong>da</strong>quele sujeito.<br />

Cito Lacan:


Freud denunciou inicialmente, na origem dos sintomas, quer uma<br />

sedução <strong>sexual</strong> que o sujeito teria sofrido precocemente por<br />

ma<strong>no</strong>bras mais ou me<strong>no</strong>s perversas, quer uma cena que, em sua<br />

primeira infância, o teria iniciado pelo espetáculo ou pela audição<br />

nas relações sexuais dos adultos. (LACAN, 2003, p. 75).<br />

De qualquer forma, segundo Lacan, se esses fatos revelaram-se traumáticos por<br />

desviarem a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de para tendências a<strong>no</strong>rmais, por outro lado, eram próprios <strong>da</strong><br />

primeira infância por terem sua satisfação <strong>no</strong>rmal por via auto-erótica.<br />

Freud, então, percebe inicialmente que a sedução <strong>sexual</strong> advin<strong>da</strong> do pai, estava<br />

sendo convergi<strong>da</strong> para o primeiro período de vi<strong>da</strong>, mais ou me<strong>no</strong>s até os três a<strong>no</strong>s, isto é,<br />

antes que o aparelho psíquico estivesse concluído em sua forma primária; estas<br />

experiências, que aconteciam numa fase tão tenra <strong>da</strong> infância, ficavam ocultas atrás <strong>da</strong>s<br />

experiências posteriores, aparecendo muito pouco devido ao recalcamento. Assim, só<br />

era possível ter acesso a essas lembranças através de uma re-atualização, que só é<br />

permiti<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> adulta e após o amadurecimento <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de.<br />

...um evento <strong>sexual</strong> de uma fase atua na fase seguinte como se<br />

fosse um evento atual e, por conseguinte, não é passível de<br />

inibição. O que determina a defesa patológica (recalcamento),<br />

portanto, é a natureza <strong>sexual</strong> do evento e sua ocorrência numa<br />

fase anterior (FREUD, 1986, p. 210).<br />

Freud em sua carta do dia seis de dezembro de 1896 para Fliess descreve o<br />

conceito de recalcamento como uma falha na tradução. E diz que o motivo é sempre a<br />

liberação do desprazer, gerado por uma tradução.<br />

Ora, qualquer cena vivi<strong>da</strong> pelo sujeito e que seja passível de ser traduzi<strong>da</strong>, e<br />

depois recalca<strong>da</strong>, poderá ser reativa<strong>da</strong> através de uma cena semelhante e gerando um<br />

<strong>no</strong>vo desprazer, não podendo ser mais recalca<strong>da</strong> e vivi<strong>da</strong> pelo sujeito como um evento<br />

atual.


Ain<strong>da</strong> na carta de seis de dezembro de 1896, Freud <strong>no</strong>s diz que não são to<strong>da</strong>s as<br />

experiências sexuais que causam desprazer e que muitas delas causam o prazer. Tais<br />

experiências sexuais prazerosas estão liga<strong>da</strong>s a um prazer impossível de ser inibido.<br />

Desta forma, a descarga de prazer aparece acompanha<strong>da</strong> por uma compulsão em repetir<br />

a mesma cena vivi<strong>da</strong> anteriormente. Mas sabemos que o inconsciente funciona sob a<br />

influência do princípio do prazer, ou seja, ele evita o desprazer para que o recalcado não<br />

surja, assim Freud se faz a pergunta e ele mesmo responde:<br />

Mas, como se acha a compulsão à repetição – a manifestação do<br />

poder do reprimido – relaciona<strong>da</strong> com o princípio de prazer? É<br />

claro que a maior parte do que é reexperimentado sob a<br />

compulsão à repetição, deve causar desprazer ao ego, pois traz à<br />

luz as ativi<strong>da</strong>des dos impulsos instintuais reprimidos. (FREUD,<br />

1920, p. 31).<br />

Conceito essencial <strong>da</strong> teoria psicanalítica, a compulsão à repetição faz parte <strong>da</strong><br />

própria definição do inconsciente, ou seja, do lado do inconsciente só há tendência a<br />

repetir.<br />

A repetição é, <strong>no</strong> sentido estrito, tentar fazer surgir o mesmo, porém condenado ao<br />

fracasso. Assim como Lacan ensina, repetir tem por fim fazer ressurgir esse unário<br />

primitivo, o traço unário, impossível de ser alcançado. Esse unário primitivo é esse Um<br />

inaugural que permite que uma ordem seja possível, que haja a possibili<strong>da</strong>de de uma<br />

contagem. É essa marca que está na origem <strong>da</strong> função <strong>da</strong> repetição. Citamos Freud:<br />

Quando uma experiência <strong>sexual</strong> é recor<strong>da</strong><strong>da</strong> numa fase diferente,<br />

a descarga de prazer é acompanha<strong>da</strong> pela compulsão, e a<br />

descarga de desprazer, pelo recalcamento. (FREUD, 1986, p.<br />

210).<br />

Freud, ao longo do tempo de seus estudos, passa por períodos de desânimo, mas<br />

também de prazer e euforia. E é <strong>no</strong> decorrer de seus casos atendidos e <strong>da</strong>s observações<br />

<strong>no</strong>s relatos <strong>da</strong>s pacientes, principalmente as histéricas, que começa a adquirir mais


confiança na etiologia paterna, acreditando que a sedução <strong>sexual</strong> pelo pai era ca<strong>da</strong> vez<br />

mais o fator traumático, e era isto que estaria <strong>no</strong> cerne <strong>da</strong> neurose.<br />

Nesta pesquisa, Freud então conclui com seus pacientes que o principal sedutor<br />

era o pai, e assim o objetivo primordial <strong>no</strong>s atendimentos clínicos era alcançar as cenas<br />

mais primitivas de sedução real. A partir desta cena, que chega à consciência, podemos<br />

observar a reprodução do passado, tendo assim um dos mais importantes achados – a<br />

estrutura <strong>da</strong> histeria ou a arquitetura <strong>da</strong> histeria, como Freud <strong>no</strong>meou <strong>no</strong> Rascunho L<br />

(anexo à carta de 02 de maio de 1897).<br />

Acerca <strong>da</strong>s cenas de sedução vivi<strong>da</strong>s pelo sujeito <strong>no</strong> passado, Freud verificou que<br />

em alguns casos o sujeito conseguia acessá-las diretamente, elas chegavam à<br />

consciência e eram trata<strong>da</strong>s como tal, e outras eram acessa<strong>da</strong>s somente através <strong>da</strong><br />

fantasia fun<strong>da</strong>mental, fantasia esta, que rege o aparelho psíquico.<br />

Lacan se utiliza <strong>da</strong> <strong>no</strong>vela ‘O diabo enamorado’, de Jacques Cazotte, para ilustrar<br />

o Che Vuoi? (uma expressão italiana), - o que queres de mim, dirigi<strong>da</strong> ao enigma que o<br />

desejo <strong>da</strong> mãe suscita. A fantasia fun<strong>da</strong>mental é uma ficção que o sujeito constrói a partir<br />

de uma falta marca<strong>da</strong> para <strong>da</strong>r uma resposta ao enigma que a não resposta do Outro<br />

causou. A fantasia fixa a pulsão, porém imutável.<br />

Segundo o Dicionário Priberam – On Line, o termo fantasia, vem do Latim<br />

Phantasia e do Grego Phantasía, que significa imagem, ou seja, algo inventado, criado e<br />

imaginado. Diferentemente do sentido apresentado <strong>no</strong> dicionário <strong>da</strong> língua portuguesa<br />

On-Line, descrito acima, Freud descreve a fantasia inerente ao sujeito e de extremo valor,<br />

servindo também como estruturas protetoras para o sujeito, e como facha<strong>da</strong>s psíquicas<br />

para impedir o acesso às recor<strong>da</strong>ções, que causaram desprazer e conseqüentemente<br />

foram recalca<strong>da</strong>s.<br />

Tais cenas vivencia<strong>da</strong>s pelo sujeito como desprazerosa são recalca<strong>da</strong>s de tal<br />

forma que, <strong>no</strong> momento de uma análise, o que emerge na consciência primeiro é o que<br />

está mais levemente recalcado, isto porque na instância do recalque, o registro é feito em<br />

ordem crescente de resistência. Como aduz Freud:<br />

O caminho percorrido pelo trabalho analítico desce em volteios,<br />

primeiro, até as cenas ou suas imediações; depois, desce de um


sintoma até um ponto um pouco mais profundo, e depois, de um<br />

sintoma até um ponto ain<strong>da</strong> mais profundo. (FREUD, 1986, p.247).<br />

Assim, as fantasias histéricas emergem para o sujeito de uma combinação<br />

inconsciente de coisas que foram ouvi<strong>da</strong>s e vivencia<strong>da</strong>s, porém, não podem ser<br />

compreendi<strong>da</strong>s, somente <strong>no</strong> a posteriori, na vi<strong>da</strong> adulta, isto porque foram vivencia<strong>da</strong>s<br />

<strong>no</strong>s primórdios <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do sujeito, quando não podiam permanecer como lembranças.<br />

Freud diz que a fantasia, quando determina<strong>da</strong> por uma intensi<strong>da</strong>de, pode chegar a<br />

tal ponto, que é obriga<strong>da</strong> a forçar sua entra<strong>da</strong> na consciência, e então é submeti<strong>da</strong> ao<br />

recalcamento e um sintoma é gerado. Assim, o sintoma é uma forma desvaneci<strong>da</strong> de a<br />

pulsão atingir seu objetivo.<br />

E é ao recalcamento <strong>da</strong> fantasia <strong>no</strong> inconsciente que o sintoma se identifica e se<br />

forma. Freud considera o sintoma uma realização de desejo, ou seja, é necessário<br />

satisfazer os requisitos <strong>da</strong> defesa inconsciente para que um sintoma seja gerado e<br />

funcione em forma de punição. Já na formação do sintoma por identificação, o que está<br />

em questão são as fantasias, isto é, ao recalcamento delas <strong>no</strong> inconsciente.<br />

Com a descoberta <strong>da</strong> histeria e <strong>da</strong> fantasia histérica, seu procedimento passa a<br />

ser sempre trabalhar em busca <strong>da</strong> origem do sintoma histérico, pois acha inútil tentar<br />

extrair o trauma <strong>da</strong> infância interrogando-o fora <strong>da</strong> psicanálise; os vestígios do trauma<br />

causadores do sintoma nunca estão presentes na memória consciente, eles aparecem<br />

apenas <strong>no</strong>s sintomas que são sempre encontrados na vi<strong>da</strong> <strong>sexual</strong> do sujeito. O sintoma<br />

neurótico, propriamente dito, é produzido pela recusa <strong>da</strong> coerção exigi<strong>da</strong> pelo acesso à<br />

vi<strong>da</strong> <strong>sexual</strong>, <strong>da</strong> pe<strong>no</strong>sa renúncia que ela impõe.<br />

O que se busca numa análise, portanto, é a lembrança inconsciente que está<br />

relaciona<strong>da</strong> ao trauma de uma experiência precoce de relações sexuais com excitação<br />

real dos órgãos genitais (processos semelhantes à copulação), resultante de um <strong>abuso</strong><br />

<strong>sexual</strong>, que afetou o próprio corpo do sujeito, antes que a criança tenha atingido a<br />

maturi<strong>da</strong>de <strong>sexual</strong>. Com isso, foi então entendido que não são as experiências em si, tais<br />

como são, que agem de modo traumático, mas sim sua revivescência como lembrança<br />

depois que o sujeito ingressa na maturi<strong>da</strong>de <strong>sexual</strong>.


Com isso Freud se faz a pergunta:<br />

... Afinal, as experiências infantis de conteúdo <strong>sexual</strong> só poderiam<br />

exercer efeito psíquico através de seus traços mnêmicos, não<br />

seria essa concepção uma ampliação bem vin<strong>da</strong> <strong>da</strong> descoberta<br />

que <strong>no</strong>s diz que os sintomas histéricos só podem emergir com a<br />

cooperação de lembranças? (FREUD, 1896, p.199).<br />

No início dos seus estudos, déca<strong>da</strong> 1890, Freud trabalhava seus casos a partir <strong>da</strong><br />

fisiologia e <strong>da</strong> química. Ao longo dos a<strong>no</strong>s e com os resultados <strong>da</strong>s observações clínicas,<br />

Freud iniciou sua percepção na importância dos fatores sexuais na causação <strong>da</strong> neurose<br />

de angústia <strong>da</strong> neurastenia, e <strong>da</strong>s psiconeuroses, e assim, mais tarde, iniciou-se uma<br />

investigação geral do tema <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, à luz de seu texto Três ensaios sobre a teoria<br />

<strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de (1905).<br />

O trabalho produzido por Freud <strong>no</strong>s Três Ensaios sobre a teoria <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de<br />

(1905) contém contribuições mais significativas e originais para o conhecimento huma<strong>no</strong>,<br />

além de ser uma obra que avança à medi<strong>da</strong> que Freud caminha na experiência analítica<br />

e, desta forma, podemos entender que ca<strong>da</strong> ensaio vem ressignificar o anterior,<br />

caracterizando um trabalho que se esclarece <strong>no</strong> a posteriori.<br />

Freud então produz os Três Ensaios sobre a Teoria <strong>da</strong> Sexuali<strong>da</strong>de (1905), ca<strong>da</strong><br />

um com suas peculiari<strong>da</strong>des, sendo o primeiro intitulado (não à toa) de As aberrações<br />

sexuais, <strong>no</strong>tamos, desde o título, uma indicação do estranho, do patológico, do avesso do<br />

<strong>no</strong>rmal.<br />

Talvez, para alguns, possa parecer que Freud estivesse tratando de <strong>no</strong>vas<br />

de<strong>no</strong>minações para o até então considerado comportamento perverso. No entanto, o que<br />

o autor faz é precisamente o contrário. Ele utiliza-se do sentido dessas palavras para<br />

transcender o saber <strong>da</strong> ciência, já vigente <strong>no</strong> senso comum, e assim, introduzir uma <strong>no</strong>va<br />

configuração, a partir <strong>da</strong> ótica psicanalítica.<br />

Freud traz um <strong>no</strong>vo olhar ao tema <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de que, até então, era rotula<strong>da</strong><br />

seriamente pelo olhar repressor <strong>da</strong> igreja que, a partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade do século XIX,<br />

uniu forças com as ciências médicas e a política.


Assim, a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de tor<strong>no</strong>u-se alvo de especulação científica, medicamentosa e por fim,<br />

policialesca; onde o importante era classificar os chamados ‘desvios’, com base em uma<br />

‘<strong>no</strong>rma <strong>sexual</strong>’.<br />

Logo, a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de dita ‘<strong>no</strong>rmal’, restringia a vi<strong>da</strong> <strong>sexual</strong> do ser huma<strong>no</strong> ao<br />

modelo do casamento mo<strong>no</strong>gâmico, onde o sexo tinha como intuito final: a procriação.<br />

Em essência, neste momento, implantaram uma moral <strong>sexual</strong> que realçava o<br />

casamento e a vi<strong>da</strong> em família, ou seja, o ‘sexo-por-prazer’ fora transformado em ‘sexopara-procriação’.<br />

Se observarmos o desenvolvimento dos conceitos apontados por Freud <strong>no</strong> texto<br />

dos Três Ensaios, privilegiando o conceito de pulsão e a escolha do desejo inconsciente,<br />

verificaremos uma manifestação freudiana contra a censura, a coibição e a rotulação <strong>da</strong><br />

época, que vem, justamente, apontar para a diversi<strong>da</strong>de <strong>sexual</strong> do ser huma<strong>no</strong>.<br />

Neste ensaio, o que Freud demonstra é que na reali<strong>da</strong>de somos todos aberrantes,<br />

e que a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de humana é altamente inventiva e não natural, pois não há base<br />

instintiva, e sim pulsional.<br />

A pulsão, conceito de extrema importância e descrito por Freud em seu texto<br />

Pulsões e desti<strong>no</strong>s <strong>da</strong> Pulsão (1915), é um estímulo que vai em direção ao psíquico,<br />

porém ele distingue o estímulo pulsional do estímulo fisiológico. De parti<strong>da</strong>, o estímulo<br />

pulsional não provém do mundo exter<strong>no</strong> e sim do interior do próprio organismo. Para<br />

Freud a pulsão tem uma força que é constante e irremovível e seu objeto é o que há de<br />

mais variável na pulsão, podendo ser até mesmo uma parte do próprio corpo.<br />

O que importa para a psicanálise é o sujeito desejante, sujeito este presente com<br />

sua pulsão <strong>sexual</strong>; ser de linguagem que, por si só, aponta e afirma o desvio.<br />

O segundo ensaio, A <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil, descrito por Freud e o que tem maior<br />

relevância em <strong>no</strong>sso trabalho tem como finali<strong>da</strong>de, sustentar que, em psicanálise; genital<br />

é diferente de <strong>sexual</strong>. E para isso temos a organização <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil a partir <strong>da</strong><br />

disposição perverso-polimorfa, aberrante. O encanto de uma pretensa i<strong>no</strong>cência infantil<br />

havia sido rompido. Citamos Lacan <strong>no</strong> Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos<br />

fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> psicanálise: “Que a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil não é um bloco de gelo errante


arrancado do grande banco <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de do adulto, intervindo como sedução sobre um<br />

sujeito imaturo...” (LACAN, 1964, p. 167).<br />

Freud demonstra que as ativi<strong>da</strong>des infantis são fontes de prazer e auto-erotismo,<br />

as quais, não conhecem lei nem proibição, levando em conta todos os objetos e alvos<br />

possíveis para a satisfação. Diz-<strong>no</strong>s Freud:<br />

O alvo <strong>sexual</strong> <strong>da</strong> pulsão infantil consiste em provocar a satisfação<br />

mediante a estimulação apropria<strong>da</strong> <strong>da</strong> zona erógena que de algum<br />

modo foi escolhi<strong>da</strong>. Essa satisfação deve ter sido vivencia<strong>da</strong><br />

antes para que reste <strong>da</strong>í uma necessi<strong>da</strong>de de repeti-la. (FREUD,<br />

1905, p.173).<br />

Podemos pensar que, a partir <strong>da</strong> introdução desses <strong>no</strong>vos conceitos, Freud marca,<br />

<strong>no</strong>vamente, uma ruptura na moral <strong>sexual</strong> vigente; pois a criança, até então nega<strong>da</strong> como<br />

sujeito e controla<strong>da</strong> pelos pais, passa a ser coloca<strong>da</strong> em discurso, ou seja, sujeito ser de<br />

linguagem.<br />

Desta forma, não seria possível pensarmos que é justamente a recusa em<br />

reconhecer a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil uma forma eficiente de negarmos os <strong>no</strong>ssos próprios<br />

impulsos sexuais infantis?<br />

Certamente, e foi por este viés, que Freud apontou para os ‘esquecimentos’ na<br />

vi<strong>da</strong> adulta como manifestações <strong>da</strong> própria infância perversa do sujeito.<br />

É deste jeito, que Freud inicia suas investigações a partir <strong>da</strong> reconstrução do que<br />

seus pacientes adultos traziam em análise, certamente apontando para a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de<br />

infantil.<br />

Lembremos que, primeiramente, Freud levanta a hipótese de que as crianças<br />

eram abusa<strong>da</strong>s <strong>sexual</strong>mente por adultos, e principalmente pelo próprio pai, até que<br />

concluiu que a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil era permea<strong>da</strong> pela fantasia, fantasia esta de cunho<br />

<strong>sexual</strong> e cujo objeto é privilegia<strong>da</strong>mente o pai.


Reconstruindo essas fantasias infantis a partir <strong>da</strong>s análises dos adultos, Freud vai<br />

reconhecer traços do erotismo anal, uretral, escópico e então concluir que a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de<br />

infantil é composta dessas pulsões parciais.<br />

Freud assinala que essas pulsões não são inatas, surgem após o nascimento. Ao<br />

nascer, a criança tem necessi<strong>da</strong>des, sendo a satisfação <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> criança que<br />

proporcionam entre mãe e filho (a) o emergir <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de.<br />

Ao nascer, o bebê se apóia na primeira e maior função somática vital – a<br />

amamentação do lactente – onde há uma fonte, uma direção e um objeto específico.<br />

Inicialmente, a satisfação <strong>da</strong> zona erógena liga-se à necessi<strong>da</strong>de de se alimentar, ou seja,<br />

estamos falando <strong>da</strong> pura necessi<strong>da</strong>de do alimento para sobreviver, de ingestão de leite<br />

para satisfazer a fome, liga<strong>da</strong> à conservação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Mais tarde, a necessi<strong>da</strong>de de repetir<br />

a satisfação <strong>sexual</strong> dissocia-se então <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de absorção de alimento e então a<br />

criança se utiliza do próprio corpo, tornando-o independente do mundo exter<strong>no</strong>, que não<br />

conseguiu dominar. Ou seja, a pulsão <strong>sexual</strong> deixa de ir ao mundo exter<strong>no</strong>, ao outro, para<br />

ser auto-erótica.<br />

Com isso a estrutura do desejo está implica<strong>da</strong> nessa inacessibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pulsão ao<br />

objeto, fazendo com que o desejo sempre exista, sempre persista porque o que se tem de<br />

mais variável; é o objeto.<br />

Aqui, fica claro que, para Freud, o objeto <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de é o alimento, enquanto o<br />

objeto <strong>da</strong> pulsão é o seio mater<strong>no</strong>.<br />

Freud então propõe que a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil não conhece lei nem proibição,<br />

levando em conta para se satisfazer, todos os objetos e todos os alvos possíveis.<br />

A <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil é perversa e polimorfa, pois as zonas erógenas são fontes<br />

<strong>da</strong>s pulsões parciais que <strong>no</strong>s indicam uma organização pré-genital.<br />

Assim, está determinado o fun<strong>da</strong>mento do campo <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil. Apenas<br />

quando esse objeto é abandonado, podemos considerar o auto-erotismo. Enquanto a<br />

necessi<strong>da</strong>de é uma tensão de ordem biológica que encontra sua satisfação em um objeto<br />

específico e real, o desejo, de<strong>no</strong>minado por Freud de desejo inconsciente, só pode ser<br />

pensado na relação com o desejo do Outro que aponta para a falta e implica uma relação<br />

com a fantasia.


Portanto, o inconsciente enquanto linguagem e a pulsão enquanto <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de<br />

referi<strong>da</strong> à falta de objeto apontam para a fantasia enquanto articulador entre linguagem e<br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de; ou seja, a fantasia é uma saí<strong>da</strong> do sujeito para regular o pedido <strong>da</strong> pulsão.<br />

O terceiro ensaio As transformações <strong>da</strong> puber<strong>da</strong>de é dedicado, como o próprio<br />

<strong>no</strong>me sugere, ao estudo <strong>da</strong> puber<strong>da</strong>de e, portanto, <strong>da</strong> passagem <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil<br />

para a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de adulta, através do complexo de Édipo e <strong>da</strong> instauração de uma<br />

escolha de objeto do homem e <strong>da</strong> mulher.<br />

Neste ensaio, verificamos que Freud analisa as transformações <strong>da</strong> puber<strong>da</strong>de,<br />

enfatizando o primado <strong>da</strong> zona genital e deixando de lado as pulsões parciais presente na<br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil. Sigamos suas palavras:<br />

Escolheu-se o que mais se destaca <strong>no</strong>s processos <strong>da</strong> puber<strong>da</strong>de<br />

como o que constitui sua essência: o crescimento manifesto <strong>da</strong><br />

genitália externa, que exibira, durante o período de latência <strong>da</strong><br />

infância, uma relativa inibição. Ao mesmo tempo, o<br />

desenvolvimento dos genitais inter<strong>no</strong>s avançou o bastante para<br />

que eles possam descarregar produtos sexuais ou, conforme o<br />

caso recebê-los para promover a formação de um <strong>no</strong>vo ser vivo.<br />

Assim ficou pronto um aparelho altamente complexo, à espera do<br />

momento em que será utilizado. (FREUD, 1905, p.197).<br />

Portanto, podemos concluir que Freud, ao examinar as questões <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de,<br />

se destacou de qualquer posição pré-estabeleci<strong>da</strong>, apontando para o fato de que, <strong>no</strong><br />

<strong>sexual</strong>, o comando que se exerce <strong>no</strong> sujeito não tem na<strong>da</strong> a ver com a moral ou com<br />

aquilo que ‘devemos seguir como <strong>no</strong>rma prescrita’; pelo contrário, Freud assinala outro<br />

comando que abre uma <strong>no</strong>va dimensão: o desejo.<br />

Logo, é a partir <strong>da</strong> dimensão do desejo que o sujeito toma suas posições tratandose<br />

de algo que o causa.<br />

É esta causa e o desejo inconsciente que Freud demonstra <strong>no</strong> seu caso Katharina.


3.1 CASO CLÍNICO: KATHARINA<br />

Freud então deixa-<strong>no</strong>s escrito o caso <strong>da</strong> paciente Katharina, atendido <strong>no</strong> final do<br />

século XIX onde podemos observar a teoria <strong>da</strong> sedução. Este caso é atendido somente<br />

uma única vez, de maneira informal, dentro do próprio estabelecimento que a moça<br />

trabalhava por se tratar de um pedido de aju<strong>da</strong> de Katharina à Freud. Ele estava de<br />

férias, nas montanhas mais altas <strong>da</strong>s cordilheiras dos Alpes Orientais numa tentativa de<br />

esquecer por um tempo a medicina e a neurose de que tanto se ocupava; quando uma<br />

moça, de talvez dezoito a<strong>no</strong>s, o serve a refeição e pergunta: “O senhor é médico?”<br />

Katharina afirma estar com os nervos ruins e ter procurado anteriormente um médico,<br />

mas ain<strong>da</strong> não se sente boa. Sua queixa é que há dois a<strong>no</strong>s sente muita falta de ar, acha<br />

sempre que vai ficar sufoca<strong>da</strong>, uma e<strong>no</strong>rme pressão <strong>no</strong>s olhos, a cabeça fica pesa<strong>da</strong>, um<br />

zumbido e muitas tonturas, achando sempre que vai morrer. E diz: “em geral, sou<br />

corajosa e ando sozinha por to<strong>da</strong> a parte, desde o porão até a montanha inteira. Mas, <strong>no</strong><br />

dia em que isso acontece, não ouso ir a parte alguma; fico o tempo todo achando que há<br />

alguém atrás de mim que vai me agarrar de repente.”<br />

Freud logo pensa não parecer um sintoma nervoso, mas uma descrição de uma<br />

crise de angústia provoca<strong>da</strong> por um ataque histérico.<br />

Freud continua sua conversa com perguntas diretas a Katharina e se questiona se<br />

deveria fazer uma tentativa de análise.<br />

Eu havia constatado com bastante freqüência que, nas moças, a<br />

angústia era conseqüência do horror de que as mentes virginais<br />

são toma<strong>da</strong>s ao se defrontarem pela primeira vez com o mundo <strong>da</strong><br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de. (FREUD, 189.., p.153).<br />

A paciente em segui<strong>da</strong> conta que sempre vê um rosto medonho, que olha de uma<br />

maneira terrível, ficando muito assusta<strong>da</strong>.<br />

Freud então diz: “você deve ter visto ou ouvido algo que muito a constrangeu e<br />

que teria preferido muitíssimo não ver”. Então pede que a moça fale.


A paciente afirma surpreendentemente que foi quando viu seu tio com uma moça –<br />

Franziska, sua prima. Neste dia, estava à procura de sua prima, que era a cozinheira, e<br />

ninguém a achava, nem tampouco seu tio, quando resolveu procurar <strong>no</strong> quarto; a porta<br />

estava tranca<strong>da</strong>, mas rapi<strong>da</strong>mente acharam uma janela e Katharina foi a primeira a subir<br />

para olhar; lá estava seu tio deitado em cima de Franziska, num quarto um pouco escuro.<br />

Ao se deparar com esta cena, Katharina afastou-se <strong>da</strong> janela e ficou sem ar, com um<br />

zumbido na cabaça e suas pálpebras fecharam à força. No relato do acontecido, fala não<br />

ter compreendido na<strong>da</strong> <strong>no</strong> momento, e diz: “Não compreendi na<strong>da</strong> naquela ocasião. Tinha<br />

apenas dezesseis a<strong>no</strong>s. Não sei por que me assustei.”<br />

Freud faz a associação <strong>da</strong> cabeça que Katharina sempre vê quando fica sem ar; à<br />

de Franziska, <strong>no</strong> momento <strong>da</strong> cena.<br />

Katharina associa a cabeça não à de Franziska, mas à de seu tio.<br />

Este primeiro relato <strong>da</strong> paciente, Freud marca como o momento do trauma ou<br />

traumático. No decorrer, Katharina leva sua fala para outra história, que aconteceu dois<br />

ou três a<strong>no</strong>s antes do momento traumático. Referia-se ao fato deste mesmo tio ter feito<br />

investi<strong>da</strong>s sexuais contra ela, quando tinha apenas quatorze a<strong>no</strong>s; estava dormindo e<br />

acordou de repente “sentindo o corpo dele” na cama. Nas perguntas de Freud, fica claro<br />

que ela não reconheceu a investi<strong>da</strong> como sendo de ordem <strong>sexual</strong>, somente num segundo<br />

momento. A paciente declara que sentia falta de ar, pressão <strong>no</strong>s olhos e <strong>no</strong> peito em<br />

to<strong>da</strong>s estas situações considera<strong>da</strong>s de investi<strong>da</strong>s sexuais por parte do tio, mas na<strong>da</strong><br />

comparado à cena <strong>da</strong> descoberta.<br />

Segundo Freud, após relatar estas lembranças, Katharina parecia uma moça<br />

diferente, um olhar alegre e aparentemente leve e exultante.<br />

Então, Freud pôde entender tal comportamento de Katharina na cena <strong>da</strong><br />

descoberta, ou seja, havia vivenciado dois momentos que recor<strong>da</strong>va, mas não conseguia<br />

compreender.<br />

Ao assistir a cena do ato <strong>sexual</strong> entre o tio e Franziska, Katharina<br />

estabeleceu de imediato uma ligação entre a cena vista e as lembranças vivencia<strong>da</strong>s,<br />

podendo re-atualizar o não entendido.<br />

Freud diz:<br />

Sei agora o que foi que você pensou ao olhar para dentro do<br />

quarto: “agora ele está fazendo com ela o que queria fazer comigo


naquela <strong>no</strong>ite e nas outras vezes.” foi disso que você sentiu<br />

repulsa, porque lembrou-se <strong>da</strong> sensação de quando despertou<br />

durante a <strong>no</strong>ite e sentiu o corpo dele. (REUD, 189.., p. 157).<br />

Freud acreditava que estava li<strong>da</strong>ndo com uma histeria e que fora ab-reagi<strong>da</strong> num<br />

grau considerável, porém tudo que foi introduzido a paciente, ela considerava como<br />

ver<strong>da</strong>deiro, mas não estava em condições de reconhecer como algo que houvesse<br />

experimentado. Na histeria é comum não ter um trauma isolado, e sim algumas causas<br />

desencadeadoras.<br />

Neste caso e em outros, Freud procura incessantemente um Pater como<br />

originador <strong>da</strong> neurose, para desse modo, por um fim às dúvi<strong>da</strong>s reitera<strong>da</strong>s, sobre sua<br />

teoria, mas ao mesmo tempo, se questionava e achava estranha a freqüência <strong>da</strong><br />

situação, deste pai abusador, para com seus filhos. E percebeu; ao escutar as histéricas<br />

contando repeti<strong>da</strong>mente as histórias de sedução, que havia algo de estranho, então ele<br />

começou a desconfiar de sua teoria <strong>da</strong> sedução.<br />

Foi quando, <strong>no</strong> verão de 1897, Freud se viu forçado a abandonar sua teoria<br />

traumática <strong>da</strong> neurose, anunciando numa carta a Fliess de 21 de Setembro de 1897<br />

(Carta 69): “E agora quero confiar-lhe, de imediato, o grande segredo que foi despontado<br />

lentamente em mim nestes últimos meses. Não acredito mais em minha neurótica (teoria<br />

<strong>da</strong>s neuroses).” (FREUD, 1986, p. 265).<br />

Freud, diante desta carta, anuncia inevitavelmente o reconhecimento <strong>da</strong> atuação<br />

<strong>no</strong>rmal <strong>da</strong>s moções sexuais nas crianças de mais tenra i<strong>da</strong>de, sem que necessitasse de<br />

qualquer estimulação externa.<br />

Nesta carta envia<strong>da</strong> a Fliess que constatava a mu<strong>da</strong>nça na sua teoria, Freud<br />

explica e dá algumas satisfações de sua descrença na teoria <strong>da</strong> sedução que perdurou ao<br />

longo de muitos a<strong>no</strong>s: em primeiro lugar, Freud não conseguia entender o porquê <strong>da</strong> falta<br />

de sucessos absolutos e o porquê de não conseguir finalizar os seus casos, onde sempre<br />

seus pacientes deban<strong>da</strong>vam antes de seu térmi<strong>no</strong>; depois, de como poderia na totali<strong>da</strong>de<br />

dos casos, todos os pais serem perversos, sem mesmo excluir o dele; em terceiro, de que


não havia indicações de reali<strong>da</strong>de <strong>no</strong> inconsciente, ou seja, não se podia distinguir entre<br />

ver<strong>da</strong>de e ficção, isto é, não há diferença entre ver<strong>da</strong>de e ficção <strong>no</strong> inconsciente.<br />

Neste momento, sua descoberta - a teoria <strong>sexual</strong> estava realmente completa.<br />

Freud descobre sua teoria fun<strong>da</strong>mental, a Teoria <strong>da</strong> Fantasia, onde a reali<strong>da</strong>de que foi<br />

vivi<strong>da</strong> não se pode saber na<strong>da</strong> na medi<strong>da</strong> em que os fatos são sempre a interpretação<br />

dos fatos, pois o que importa é a reali<strong>da</strong>de psíquica, a fantasia fun<strong>da</strong>mental que está<br />

relaciona<strong>da</strong> ao Édipo.<br />

Concluímos então, que o que se pode saber, é que na<strong>da</strong> podemos saber a não<br />

ser, através <strong>da</strong> fantasia fun<strong>da</strong>mental do sujeito, que rege a reali<strong>da</strong>de psíquica e que se<br />

tem acesso somente através <strong>da</strong> psicanálise, por estar recalcado. Portanto, ele percebe<br />

que quando uma análise é direciona<strong>da</strong> e conduzi<strong>da</strong> sistematicamente, independente do<br />

caso ou do sintoma que tomemos de início, sempre chegaremos infalivelmente ao campo<br />

<strong>da</strong> experiência <strong>sexual</strong>, sendo esta a pré-condição etiológica dos sintomas histéricos. A<br />

fantasia fun<strong>da</strong>mental tem sempre a ver com os pais, com a co<strong>no</strong>tação <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de, do<br />

sexo, porque a questão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>sexual</strong> do inconsciente é sempre traumática.<br />

Deste modo, descreveremos um caso clínico atendido <strong>no</strong> ambulatório, já citado<br />

anteriormente, para demonstrarmos que nem sempre um ato de<strong>no</strong>minado de <strong>abuso</strong><br />

<strong>sexual</strong>, se pode considerá-lo como tal.


3.2 CASO CLÍNICO: JOANA 5<br />

Este caso prima pela história do relato de uma mãe num suposto pedido de<br />

‘aju<strong>da</strong>’, para um <strong>abuso</strong> que se repete em sua família, envolvendo seus filhos e<br />

companheiros. A <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de nesta família está sempre presente sob a forma de<br />

denúncia.<br />

Para uma melhor compreensão <strong>da</strong> constituição familiar de Joana, descreveremos<br />

a breve história <strong>da</strong> composição desta família, a partir do primeiro filho, que sua mãe teve<br />

aos quatorze a<strong>no</strong>s, após um breve romance.<br />

A mãe <strong>da</strong> paciente, Vanusa, procura pela segun<strong>da</strong> vez e após quatro meses do<br />

ocorrido, o serviço do Ambulatório de Apoio à Família, depois de ter sido encaminha<strong>da</strong><br />

pela própria equipe para relatar o ocorrido com sua filha, Joana.<br />

A<strong>no</strong>s antes, Vanusa já havia estado <strong>no</strong> ambulatório para inscrever o filho mais<br />

velho, Ricardo, que também havia sofrido <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>.<br />

Joana é uma menina de 11 a<strong>no</strong>s, que chega ao ambulatório, trazi<strong>da</strong> por sua mãe.<br />

Ao entrarem na sala <strong>da</strong> psicologia, trazem uma lata de refrigerante para a analista e sua<br />

mãe inicia o seu discurso. Vanusa diz estar muito angustia<strong>da</strong> e relata precisar de aju<strong>da</strong>.<br />

Joana diferentemente de sua mãe, coloca-se numa outra posição, demonstrando não<br />

estar compactuando com o que a mãe está falando, e se mantém durante todo o tempo<br />

cala<strong>da</strong>.<br />

A este pedido de ‘aju<strong>da</strong>’, significante trazido fortemente pela própria mãe <strong>da</strong><br />

paciente, podemos observar que era somente direcionado à psicologia, já que o<br />

ambulatório tem uma equipe multidisciplinar, onde os usuários <strong>no</strong>rmalmente se utilizam<br />

de todos os profissionais. Esta mãe, embora tenha passado pela assistente social na<br />

época em que levou seu filho, desta vez procura diretamente e somente a psicologia ao<br />

longo dos atendimentos.<br />

Vanusa relata que agora seus dois filhos tinham sido abusados e diz: “não sei,<br />

tenho medo que aconteça <strong>da</strong> próxima vez com a minha filha mais <strong>no</strong>va também...”<br />

5 Todos os <strong>no</strong>mes mencionados neste caso clínico são fictícios.


Este dito <strong>da</strong> mãe parece apontar para um possível desejo inconsciente, desejo<br />

este que está além do seu querer, explícito na vi<strong>da</strong>, e durante o seu relato.<br />

Ricardo já havia sido abusado por um tio (pater<strong>no</strong>), que segundo relato <strong>da</strong> mãe,<br />

era doente mental e não sabia o que estava fazendo. Ricardo é o filho mais velho, hoje<br />

com quatorze a<strong>no</strong>s. Foi abusado dos seis aos oito a<strong>no</strong>s e Vanusa diz que não denunciou<br />

o tio por pena <strong>da</strong> sogra.<br />

A mãe relata que Ivan, o pai de Joana, a<strong>no</strong>s antes do <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, pegou<br />

Ricardo com brincadeiras sexuais com o primo <strong>da</strong> mesma i<strong>da</strong>de, e outros meni<strong>no</strong>s <strong>da</strong><br />

escola, e Joana tendo brincadeiras sexuais com Tatiana, sua filha mais <strong>no</strong>va. Nesta<br />

época, em que foi descoberto o <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> de Ricardo, Vanusa pergunta a ele sobre<br />

essas brincadeiras, <strong>no</strong> qual confirma que teve relação anal e refere já ter feito “trocatroca”<br />

com meni<strong>no</strong>s. Citamos Freud:<br />

... a criança, afinal de contas, só foi capaz de repetir sua<br />

experiência desagradável na brincadeira porque a repetição trazia<br />

consigo uma produção de prazer de outro tipo, uma produção mais<br />

direta. (...) Por outro lado, porém, é óbvio que to<strong>da</strong>s as suas<br />

brincadeiras são influencia<strong>da</strong>s por um desejo que as domina o<br />

tempo todo: o desejo de crescer e poder fazer o que as pessoas<br />

cresci<strong>da</strong>s fazem. (FREUD, 1920, p. 27).<br />

Continua Vanusa: “Agora estou vindo falar <strong>da</strong> minha filha do meio, que também<br />

sofreu <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, mas desta vez fiz a denúncia com boletim de ocorrência e foi feita a<br />

<strong>no</strong>tificação compulsória de maus tratos”.<br />

A mãe conta ter sabido através do filho Ricardo, que o padrasto Walter, seu<br />

segundo marido, e que neste momento já não era mais, há cerca de dois a<strong>no</strong>s vinha<br />

tendo relações sexuais com Joana. Ricardo disse: “mãe, quero te contar uma coisa, mas<br />

não sei se posso e se você vai acreditar... minha irmã está tendo relacionamento <strong>sexual</strong><br />

com Walter, eu os vi transando pelo buraco <strong>da</strong> fechadura e através <strong>da</strong> janela, mas eles<br />

não me viram.”<br />

Ela então pergunta: “E você sabe disso há quanto tempo, porque não me contou<br />

antes?” “Já desconfiava há muito tempo, mais ou me<strong>no</strong>s há dois a<strong>no</strong>s, mas eles nunca


desconfiaram.” Vanusa sem saber como falar com a filha, resolve dizer para Joana que<br />

teve um sonho: “tive um sonho que Walter estava fazendo ruin<strong>da</strong>de com você, é<br />

ver<strong>da</strong>de?” Joana arregala os olhos e se surpreende com a pergunta, mas confirma, sem<br />

<strong>da</strong>r muitos detalhes. Ela continua questionando Joana, querendo saber o que realmente<br />

havia acontecido entre os dois.<br />

Ricardo ao relatar a cena <strong>da</strong> relação <strong>sexual</strong> vista entre sua irmã Joana e seu<br />

padrasto Walter, <strong>no</strong>s remete à cena de horror vista pela paciente de Freud – Katharina, –<br />

ao assistir seu tio e sua prima num ato <strong>sexual</strong>. E Ricardo delata sua irmã, tal como fez<br />

Katharina.<br />

A mãe ao saber do ocorrido pelo filho, pega seus três filhos e alguns pertences em<br />

casa, inclusive alguns documentos pessoais de Walter, que servissem para denunciá-lo,<br />

deixa apenas um bilhete, pedindo-o que deixasse a casa, sem qualquer explicação. Foi<br />

diretamente à delegacia para registrar queixa, e prestar depoimento, foi solicitado o<br />

exame de corpo delito, a mãe fez questão de fazê-lo, para comprovar se havia ocorrido de<br />

fato a relação <strong>sexual</strong>, ou seja, se havia rompido o hímen para denunciá-lo, mesmo já<br />

tendo havido a confirmação verbal pela própria filha, Joana. Ficou durante um período<br />

sem voltar para casa, dormia na casa de parentes; com receio de que Walter aparecesse<br />

e Joana tivesse algum contato físico com ele.<br />

A analista percebe que o medo <strong>da</strong> mãe, juntamente com o querer saber a respeito<br />

do ocorrido, não estava relacionado apenas à questão do <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> ou do que havia<br />

se passado entre sua filha e o padrasto, e sim, o que eles poderiam ter de relacionamento<br />

amoroso e / ou <strong>sexual</strong>, ou seja, entre a outra e o seu marido. Pois ela, em seu primeiro<br />

relato, verbaliza uma preocupação com relação à filha mais <strong>no</strong>va. Como se este pedido<br />

de ‘aju<strong>da</strong>’, na ver<strong>da</strong>de, fosse para ajudá-la a não disputar com a outra, a filha Joana. Que<br />

questão é essa que vai para além do <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, e também para uma disputa? Será<br />

essa, uma disputa fálica <strong>da</strong> histeria?<br />

Walter não volta mais na casa de Vanusa, e desaparece. Mantém por algum<br />

tempo apenas contato telefônico porque ela havia ficado com alguns documentos dele<br />

para denunciá-lo. Vanusa diz: “Durante estas conversas ele ain<strong>da</strong> me disse ao telefone<br />

que Joana estava apaixona<strong>da</strong>, e que já tinha namorado.” A mãe fica indigna<strong>da</strong> e relata: “é<br />

claro que é muito difícil imaginar que minha filha possa ter tido algum relacionamento<br />

<strong>sexual</strong> com Walter, afinal nunca pensei nesta possibili<strong>da</strong>de, pois ele sempre foi muito bom


para mim e para meus filhos; com ele me sentia uma rainha. E é claro que ela deve ter<br />

tido um prazer e<strong>no</strong>rme nesta relação, do contrário, não ficaria tanto tempo nesta situação,<br />

acho que ela teria pedido aju<strong>da</strong>; sei disso porque já passei por esta experiência, e na<br />

i<strong>da</strong>de dela, já sentia prazer. Será que minha filha sentiu prazer com ele? Afinal de contas,<br />

ele era muito bom de cama.”<br />

Mas uma vez esta fala traz uma forte rivali<strong>da</strong>de entre mãe e filha, onde ela coloca<br />

a filha <strong>no</strong> lugar <strong>da</strong> outra mulher.<br />

Vanusa muito confusa, e sem entender onde estava o seu erro, ou melhor, onde<br />

havia errado, conta que até certo momento todos conviviam muito bem, havia um respeito<br />

muito grande por Walter, principalmente de Ricardo, mas, passado algum tempo, ele<br />

começou a brigar demais e seriamente com Walter, ela diz: “comecei a não entender mais<br />

na<strong>da</strong>, Ricardo não mais obedecia e o agredia verbalmente, chegando a dizer que ele<br />

tinha que morrer. Eu ficava revolta<strong>da</strong> com meu filho, sem saber o que estava acontecendo<br />

e o porquê de tanta rebeldia, já que Walter era tão bom para as crianças. Hoje me<br />

arrependo <strong>da</strong> raiva que tive do meu filho.”<br />

Continua: “Agora minha filha está apaixona<strong>da</strong> por ele, não sei mais o que fazer,<br />

achei uma foto de Walter embaixo do travesseiro dela, e resolvi até desligar o telefone <strong>da</strong><br />

minha residência, pois acho que ele andou ligando para lá, e Joana atendeu o<br />

telefone.Tenho medo dela sair para encontrar com ele e desta forma eles ficam sem<br />

contato. Pedi que Ricardo tomasse conta dela.”<br />

Segundo relato <strong>da</strong> mãe, após Walter ter saído de casa, Joana ficou muito<br />

revolta<strong>da</strong> com tudo e com todos, principalmente com o irmão. Vanusa diz que precisa<br />

sair para trabalhar, e tem muito receio de acontecer algum acidente mais sério entre os<br />

dois. Ela diz: “Joana está sem limite, com uma raiva e um ódio mortal muito grande do<br />

irmão, arremessa qualquer coisa que vê pela frente, costuma jogar ferro, ventilador, e<br />

diariamente joga copo de vidro e prato <strong>no</strong> irmão; batem-se constantemente até ficarem<br />

machucados e eu preciso trabalhar para ter dinheiro para comer, não sei mais o que<br />

faço.”<br />

Vanusa apesar de inicialmente pedir ‘aju<strong>da</strong>’ somente para a filha, <strong>no</strong> final,<br />

deman<strong>da</strong> atendimento para seus dois filhos: Ricardo e Joana.


Anteriormente, na época do fato ocorrido com Ricardo, ele teve por pouco tempo<br />

alguns atendimentos psicológicos, mas a analista, não teve acesso aos <strong>da</strong>dos anteriores.<br />

A analista aceita a deman<strong>da</strong> <strong>da</strong> mãe de atender ambos os filhos, pelo laço<br />

transferencial percebido desde início. Nas entrevistas preliminares com Joana e Ricardo,<br />

estabeleceu-se, logo de início, uma aliança entre a analista e os irmãos.<br />

A analista começa a atendê-los, e se presentifica uma e<strong>no</strong>rme disputa e<br />

agressivi<strong>da</strong>de de quem seria atendido primeiro. Foi estabelecido que a ca<strong>da</strong> semana<br />

alternaria a ordem dos atendimentos, para que não houvesse preferência, o que<br />

concor<strong>da</strong>ram sem nenhuma objeção, cessando as brigas após o início do primeiro<br />

atendimento.<br />

Durante os primeiros atendimentos, a analista observa que por muitas vezes,<br />

Joana chega bastante machuca<strong>da</strong>.<br />

Após dois atendimentos consecutivos, a mãe é convoca<strong>da</strong> para uma segun<strong>da</strong><br />

entrevista, desta vez sozinha, onde Vanusa relata sua vi<strong>da</strong>. A analista observa uma<br />

grande deman<strong>da</strong> <strong>da</strong> mãe em falar de si, neste momento para fortalecer o vínculo<br />

transferencial, percebendo sua necessi<strong>da</strong>de de falar de sua dor de existir e de suas<br />

inseguranças; apenas a escutamos.<br />

Ela inicia sua história relatando que perdeu sua mãe aos oito a<strong>no</strong>s de i<strong>da</strong>de,<br />

subi<strong>da</strong>mente após um ataque cardíaco. Sem poder escolher, foi morar com um tio, irmão<br />

de seu pai. Diz: “meu pai era muito covarde, depois que perdi minha mãe, apoiava-se nas<br />

doenças que tinha para não me assumir e nem meus irmãos.” Este tio ficou cui<strong>da</strong>ndo<br />

apenas de Vanusa durante três a<strong>no</strong>s, ele tinha duas filhas e dois filhos. Ela diz que<br />

quando morava na casa deste tio “se sentia um peixinho fora d’água”.<br />

Aos onze a<strong>no</strong>s, o pai lhe arrumou um emprego de emprega<strong>da</strong> doméstica e, assim,<br />

ela saiu <strong>da</strong> casa deste tio. Relata que aceitou trabalhar porque era uma maneira de sair<br />

<strong>da</strong> casa do tio; “não agüentava mais, e achava que ia ganhar um dinheirinho para pagar<br />

minhas coisas, depois de um mês percebi que as coisas não eram como tinha imaginado,<br />

o pagamento era em prato de comi<strong>da</strong>, ou seja, não recebia o pagamento, era trata<strong>da</strong><br />

como uma escrava e a patroa ain<strong>da</strong> por algumas vezes, me bateu. Fiquei nesta casa<br />

durante dois a<strong>no</strong>s, isso porque tinha um meni<strong>no</strong> que se chamava Ricardo, de um a<strong>no</strong> e<br />

meio, que eu adorava ficar com ele e cui<strong>da</strong>r. Desse emprego, o que ganhei foi um


acidente onde cortei o pé e precisei fazer uma cirurgia, minha patroa me deixou <strong>no</strong><br />

hospital e não mais voltou”.<br />

Relata que após retornar do hospital, foi morar na casa do pai, mas por pouco<br />

tempo.<br />

Neste caso clínico, a palavra abusar tem várias co<strong>no</strong>tações, e algumas delas<br />

fazem sentido com o seu significante presente em sua história: Prevalecer-se, aproveitarse<br />

de; usar mal ou inconvenientemente de; exceder-se ou exorbitar <strong>no</strong> emprego ou<br />

exercício de.<br />

Nesta família, podemos observar que em to<strong>da</strong>s as relações havia presente o ato<br />

de “abusar”, todos se abusavam, de várias maneiras.<br />

O <strong>abuso</strong>, para esta jovem mãe, já estava presente desde quando seu pai a<br />

emprega e ela aceita trabalhar como emprega<strong>da</strong> doméstica, onde trabalhou durante<br />

alguns a<strong>no</strong>s com afazeres exagerados que era obriga<strong>da</strong> a fazer sem nenhuma retribuição<br />

financeira.<br />

Com a mesma i<strong>da</strong>de, ela conheceu Ivan, um rapaz bem mais velho, que diz ter<br />

tido sua primeira relação <strong>sexual</strong>. É interessante ressaltar que a<strong>no</strong>s depois ele virá a ser o<br />

pai de Joana. Durante o seu relato, Vanusa chorando diz: “fui abusa<strong>da</strong> pelo pai de Joana,<br />

era uma menina de apenas 11 a<strong>no</strong>s, e ele bem mais velho, mas gostava dele porque<br />

cui<strong>da</strong>va de mim. Eu já havia menstruado, mas ele se cui<strong>da</strong>va para eu não engravi<strong>da</strong>r”<br />

Nesta época, Ivan viaja para visitar sua família <strong>no</strong> Nordeste, e Vanusa começa a<br />

freqüentar bailes “funks”. Encontra um rapaz, tem um relacionamento passageiro, e<br />

engravi<strong>da</strong> aos 14 a<strong>no</strong>s de seu filho Ricardo, <strong>no</strong>me do meni<strong>no</strong> que cui<strong>da</strong>va quando fora<br />

emprega<strong>da</strong> doméstica. Este rapaz não assume o filho e some. Vanusa diz: “durante este<br />

período que engravidei, e tive o meu filho; Ivan que estava viajando, retorna quando já<br />

estava com Ricardo <strong>no</strong> colo.”<br />

Aos 15 a<strong>no</strong>s após o reencontro, Ivan resolve casar com Vanusa. Ele assume,<br />

registrando legalmente Ricardo como sendo seu filho. Vanusa viveu junto com Ivan<br />

durante dez a<strong>no</strong>s, mas diz: “nunca fui apaixona<strong>da</strong> por ele, nunca o vi como homem, não<br />

tinha “tesão” algum por ele, mas gostava de estar ao seu lado porque sabia cui<strong>da</strong>r de<br />

mim”


Aos dezesseis a<strong>no</strong>s, ela engravi<strong>da</strong> <strong>no</strong>vamente, (sem planejar) de Joana e depois<br />

de sete a<strong>no</strong>s, outra filha nasce; Tatiana, hoje com oito a<strong>no</strong>s. Vanusa após o terceiro filho<br />

faz ligadura de trompas.<br />

Durante o casamento, Vanusa conhece Walter, motorista do ônibus do condomínio<br />

em que trabalhava, e se apaixona. Pede a separação de Ivan e terminado este<br />

relacionamento com o pai de suas duas filhas, vai morar junto com Walter (logo depois de<br />

se conhecerem) e leva seus três filhos. Esta união durou quatro a<strong>no</strong>s.<br />

Hoje é separa<strong>da</strong>, e está namorando há sete meses, mas na<strong>da</strong> muito sério. “Não<br />

quero homem algum na minha casa, de jeito nenhum, somente quando eu estou em casa<br />

presente, chega!”<br />

Durante o período de atendimento, Joana e Ricardo têm muitas faltas, alegando<br />

diversos motivos. Após um longo período de faltas, a analista entra em contato com a<br />

mãe de Joana, que retorna na semana seguinte, após faltar um mês.<br />

Ricardo não mais aparece <strong>no</strong>s atendimentos sem <strong>da</strong>r qualquer esclarecimento.<br />

Joana fala que seu irmão está morando com um tio, e que não mais precisa vir aos<br />

atendimentos.<br />

Num determinado dia, Vanusa e Joana vão ao hospital para realizar um exame<br />

laboratorial. Ao encontrar a analista <strong>no</strong> ambulatório, Vanusa solicita um atendimento para<br />

Joana, <strong>no</strong> qual foi atendi<strong>da</strong> e ela pede para entrar junto. A mãe demonstrava uma<br />

e<strong>no</strong>rme ansie<strong>da</strong>de ao perceber a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> filha estar grávi<strong>da</strong>, porque a<br />

menstruação estava atrasa<strong>da</strong> há quinze dias. E diz: “fiquei indigna<strong>da</strong> com o atendimento<br />

de uma médica do ambulatório em que estive com Joana para uma consulta ginecológica,<br />

pois em conversa particular com a médica, falei do medo que tinha <strong>da</strong> minha filha<br />

engravi<strong>da</strong>r, pedi que ela prescrevesse algum tipo de anticoncepcional para Joana. Ela foi<br />

muito grosseira comigo, dizendo que eu estava induzindo a minha filha a transar. É claro<br />

que não é isso, tenho medo que ela repita a minha história.”<br />

Diante <strong>da</strong> preocupação <strong>da</strong> mãe, a analista encaminha ao atendimento médico para<br />

que possa ser solicitado exame do hormônio gravídico Beta HCG.<br />

Ao retornar para seu atendimento, Joana diz que seu exame deu negativo.<br />

A analista questiona a possibili<strong>da</strong>de de Joana estar grávi<strong>da</strong>.


Relata que “brincou” com seu primo de quatorze a<strong>no</strong>s, mas que não houve<br />

penetração.<br />

Após mais ou me<strong>no</strong>s três meses de ausência e sem conseguir nenhum contato, a<br />

analista enfim consegue falar com a mãe de Joana para marcar uma entrevista.<br />

Vanusa chega sozinha ao ambulatório e diz: “não sei mais o que faço com Joana,<br />

estava <strong>da</strong>ndo o dinheiro <strong>da</strong> passagem to<strong>da</strong>s as semanas, e a ca<strong>da</strong> semana ela inventava<br />

uma desculpa, e outras vezes dizia que havia comparecido ao atendimento, mas que<br />

havia perdido o cartão <strong>da</strong> marcação. Não entendo, ela sempre disse gostar de vir aos<br />

atendimentos, não sei o que está acontecendo, Joana está muito mal, tem enfrentado<br />

seriamente o irmão e voltou a jogar tudo que vê pela frente e sem motivo algum. Tenho<br />

muito medo que Ricardo faça alguma coisa, porque vai chegar uma hora que ele não vai<br />

suportar mais, e vai acabar batendo com força podendo machucá-la.”<br />

Quando a analista questiona o que ela pensa em fazer, Vanusa diz que resolveu<br />

então pedir aju<strong>da</strong> ao pai de Joana, para que fique com algum dos dois filhos, para poder<br />

separá-los, e evitar as brigas. Ivan se recusa a ficar com qualquer um dos filhos, e então<br />

ela resolve procurar aju<strong>da</strong> <strong>no</strong> Conselho Tutelar. Este Conselho fez um documento,<br />

intimando que Ivan assumisse a responsabili<strong>da</strong>de de qualquer um dos filhos, já que<br />

estavam correndo perigo de vi<strong>da</strong> ao ficarem juntos, <strong>no</strong> momento em que a mãe precisava<br />

sair para trabalhar.<br />

Vanusa diz: “assim, acho que vou ficar mais tranqüila, com um em ca<strong>da</strong> lugar,<br />

morria de medo de voltar para casa e encontrar Joana <strong>no</strong> hospital, depois de uma briga<br />

com Ricardo. Ao perguntar qual dos dois queria ir, Joana rapi<strong>da</strong>mente se prontificou e<br />

adorou a <strong>no</strong>vi<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>r para casa do pai, pois por muitas vezes ameaçava fugir de<br />

casa. Há algum tempo atrás, Joana efetivamente fugiu para a casa do pai, sem comunicar<br />

a ninguém, ficamos como loucos atrás dela”.<br />

Vanusa relata que a primeira audiência <strong>da</strong> denúncia contra Walter, seu excompanheiro,<br />

sobre o <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, será dentro de quatro meses, quando pela primeira<br />

vez ela e a filha irão ficar frente a frente com Walter depois do ocorrido e diz: “estou com<br />

muito medo, não sei qual será a reação de Joana, tenho muito medo que eles se falem”<br />

Ela diz ain<strong>da</strong>, que o laudo <strong>da</strong> perícia saiu, e constatou não ter prova alguma, pois<br />

o hímen de Joana é complacente, ou seja, não pôde ser comprovado o <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> pela


perícia, então ela teve que passar por uma entrevista psicológica jurídica para ser<br />

avalia<strong>da</strong>. O resultado desta entrevista, (apesar de saber que Joana faz acompanhamento<br />

<strong>no</strong> ambulatório), é de que faça atendimento <strong>no</strong> Projeto Sentinela, onde eles possam<br />

explorar e investigar a questão do <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, para realmente avaliar se houve ou não<br />

<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>.<br />

Vale a pena mencionar que o Projeto Sentinela em parceria com o Gover<strong>no</strong><br />

Federal, é um conjunto de ações sociais especializa<strong>da</strong>s e multiprofissionais dirigi<strong>da</strong>s às<br />

crianças, aos adolescentes e às famílias envolvi<strong>da</strong>s com a violência <strong>sexual</strong>, criando<br />

condições para garantir direitos fun<strong>da</strong>mentais aos serviços públicos existentes <strong>no</strong><br />

município.<br />

O atendimento envolve: assistentes sociais e psicólogos; entrevistas com usuários<br />

e familiares; identificação dos casos, com levantamento <strong>da</strong>s informações familiares e<br />

sobre a situação específica de ca<strong>da</strong> caso; apoio psicossocial; manutenção de equipe de<br />

educadores para acompanhamento e abor<strong>da</strong>gem junto às crianças e aos adolescentes<br />

vitimados <strong>sexual</strong>mente e violados em relação aos seus direitos.<br />

Embora este projeto tenha uma relevância social, é importante ressaltar que se<br />

trata de um programa de atendimento totalmente invasivo a essas crianças, <strong>no</strong> qual o<br />

sujeito não é escutado como sujeito desejante, ou seja, não há sujeito do inconsciente,<br />

apenas objeto. Objeto mais uma vez vitimado.<br />

Retornando ao relato <strong>da</strong> mãe, esta diz que tem vários problemas sérios com<br />

Joana porque tem freqüentado diariamente “Lan Houses”, embora tenha proibido.<br />

A analista pergunta como Joana arruma dinheiro para ficar diariamente nessas<br />

casas de internet.


Ela responde que “esta mesma pergunta a fez para Joana e esta lhe disse que<br />

estava ganhando dinheiro de um velho, porque varria a casa para ele. Logo depois dessa<br />

conversa, a escola me chamou para falar de Joana, pois haviam descoberto que ela e<br />

outras meninas estavam ganhando dinheiro para varrer a casa do tal velho, que fica perto<br />

<strong>da</strong> minha residência. É claro que ela não varre na<strong>da</strong>, não sei o que acontece lá, mas boa<br />

coisa não é. Já mandei recado para o velho não permitir que Joana entre mais na casa<br />

dele.”<br />

Ao longo dessas ausências <strong>no</strong> atendimento, Joana arruma um namorado e<br />

Vanusa fica desespera<strong>da</strong> porque não sabe quem é. Ela diz: “já falei para Joana que<br />

prefiro que ela namore em casa a ficar na rua, mas na<strong>da</strong> adiantou”. Dias passaram e<br />

Vanusa descobre algumas coisas em relação ao rapaz. Este havia acabado de sair <strong>da</strong><br />

cadeia, era um dos chefões do morro e usuário de drogas. Imediatamente Vanusa proíbe<br />

o namoro e principalmente dentro de sua casa, apesar de ser um dos seus princípios.<br />

Dois dias depois, Vanusa fica sabendo que o rapaz foi preso <strong>no</strong>vamente.<br />

Ela diz: “não sei mais o que fazer, acho que minha filha tem ódio de mim, ela<br />

nunca teve to<strong>da</strong> esta agressivi<strong>da</strong>de, ela sempre foi a que me<strong>no</strong>s deu trabalho. Será que<br />

é pela raiva do irmão tê-la denunciado e eu ter tirado o Walter dela? Só pode ser, tudo<br />

isso aconteceu depois que ela teve relação <strong>sexual</strong> com ele. Será que todos os meus filhos<br />

vão ser abusados?”<br />

Esta pergunta se faz presente desde o início, quando a mãe foi buscar ‘aju<strong>da</strong>’ <strong>no</strong><br />

ambulatório para um atendimento psicológico. A questão <strong>da</strong> compulsão à repetição em<br />

Freud aponta para algo que neste caso está presente desde sempre, pois é algo<br />

vivenciado por esta mãe em sua história, em seu mito familiar, que é transmitido em ca<strong>da</strong><br />

geração, pois há um gozo, porém não <strong>subjetiva</strong>do, que precisa ser barrado, o que a faz<br />

questionar este saber não sabido.<br />

Ao final deste último atendimento, a analista faz o encaminhamento desta mãe à<br />

psicóloga do Posto de saúde. A paciente não retorna mais, apesar desta ter confirmado o<br />

retor<strong>no</strong> de sua filha.<br />

Algumas questões permearam esta articulação teórica e clínica durante este<br />

trabalho. Algumas delas se perderam pelo caminho e outras insistem, porém ain<strong>da</strong> há<br />

outras que <strong>no</strong>s parecem pertinentes: Será que o ‘<strong>abuso</strong>’ de que se trata, <strong>no</strong> qual se vela


por trás deste significante ‘aju<strong>da</strong>’, seria de outra ordem? Qual seria o lugar de Joana,<br />

neste pedido de sua mãe? Joana estaria sim, sendo abusa<strong>da</strong> neste contexto familiar,<br />

repetindo o significante mater<strong>no</strong> e cumprindo o vaticínio mater<strong>no</strong>?<br />

Nesta relação mãe/filha observa-se, a repetição <strong>da</strong> história <strong>da</strong> mãe <strong>no</strong> desejo<br />

dirigido à filha – somos abusa<strong>da</strong>s, mas por outro lado há a rivali<strong>da</strong>de histérica cujo objeto<br />

causa é: o homem / marido / pai.<br />

A clínica <strong>da</strong> psicanálise com criança é uma valiosa clínica, pois sabemos o quanto<br />

exige <strong>da</strong> transferência, e conseqüentemente <strong>da</strong> colaboração dos pais manterem o<br />

tratamento. Apesar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s, a singulari<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> caso <strong>no</strong>s<br />

enriquece. Lembramos do ensi<strong>no</strong> de Lacan (1969) <strong>no</strong> texto Nota sobre a criança assevera<br />

que: “... o sintoma <strong>da</strong> criança acha-se em condição de responder ao que existe de<br />

sintomático na estrutura familiar” (LACAN, 1969, p.369).<br />

Mas ao <strong>no</strong>s dedicarmos a uma clínica ambulatorial <strong>da</strong> psicologia, o envolvimento<br />

tanto do profissional quanto <strong>da</strong> Instituição envolvem outras questões que deman<strong>da</strong>m uma<br />

sutileza para além de um simples desejo, mas de um envolvimento que abarca to<strong>da</strong> uma<br />

questão ética, ou seja, fazer existir o sujeito com seus valiosos significantes trazidos<br />

durante o atendimento.<br />

A clínica institucional é tão importante quanto a clinica em consultório, pois onde<br />

há um desejo, existe a clínica, tanto para o paciente quanto para o analista, mas aliar<br />

psicanálise a um atendimento ambulatorial de apoio à família requer uma acui<strong>da</strong>de nas<br />

questões que surgem, pois a preocupação do ambulatório é em sua essência institucional<br />

e também burocrática, e a prática <strong>da</strong> psicanálise trata de outra, do sujeito em questão.<br />

Esperamos com este exemplo clínico poder contribuir para ampliar o estudo neste<br />

contexto.


APÊNDICE<br />

AVALIAÇÃO DAS ACUSAÇÕES DE ABUSO SEXUAL<br />

ATRAVÉS DA DIFERENCIAÇÃO DO SUJEITO ABUSADO<br />

FRENTE À PSICANÁLISE E AO DIREITO<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Este projeto tem como proposta capacitar profissionais que trabalham na área de<br />

direito e paralelamente aos profissionais que atuam fornecendo suporte aos magistrados,<br />

tais como: psicanalistas, psicólogos, assistentes sociais e médicos.<br />

O curso visa à importância de ressaltar aos profissionais envolvidos <strong>no</strong>s casos de<br />

<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, quanto à possibili<strong>da</strong>de do uso de falsas acusações como forma de<br />

vingança e revanchismo na disputa de poder entre as partes envolvi<strong>da</strong>s. A idéia <strong>da</strong><br />

realização desse curso foi devido aos diversos casos clínicos que chegam ao consultório.<br />

Os laudos encaminhados a <strong>no</strong>ssa clínica, de pacientes que dizem ter sido abusado<br />

<strong>sexual</strong>mente, não apresentam um critério de avaliação rigorosa, não apresentam<br />

fun<strong>da</strong>mentação teórica e são baseados somente em poucas avaliações <strong>da</strong>s partes<br />

envolvi<strong>da</strong>s. É fun<strong>da</strong>mental que os profissionais tenham em mente que os laudos emitidos<br />

serão instrumentos fidedig<strong>no</strong>s, utilizados judicialmente através <strong>da</strong>s varas de famílias para<br />

a acusação de um caso de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>. Os casos de utilização <strong>da</strong>s acusações de <strong>abuso</strong><br />

<strong>sexual</strong> como motivo de afastamento de um dos cônjuges, estão tornando-se fatos<br />

corriqueiros e preocupantes <strong>no</strong>s tribunais (<strong>da</strong>dos clínicos, não publicados).<br />

O Tribunal de Justiça de Pernambuco/TJPE, 2007, relata um aumento<br />

considerável <strong>no</strong> percentual de falsas acusações de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> na disputa judicial entre<br />

pais separados. Principalmente quando o genitor acusador tem motivo para se vingar ou<br />

afastar o outro genitor do convívio do filho.


De acordo com APASE (Associação de Pais e Mães Separados) foi possível<br />

demonstrar que os relatórios sem vali<strong>da</strong>de, ou seja, denúncias errôneas ou falsas de<br />

<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> superavam os números dos casos constados de <strong>abuso</strong>s em uma relação de<br />

2:1.<br />

Na busca de um respaldo teórico que justifique os laudos emitidos pelos<br />

profissionais e/ou instituições sobre os casos de <strong>abuso</strong>s sexuais é fun<strong>da</strong>mental que os<br />

mesmos estejam embasados nas teorias de Freud, sendo possível, desta forma, entender<br />

as implicações do sujeito do desejo.<br />

Através <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação teórica de Freud sobre a <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil, a<br />

passagem pelo Complexo de Édipo propicia estruturar a organização psíquica do sujeito.<br />

Segundo a teoria do Complexo de Édipo proposta por Freud (1924), todos os sujeitos<br />

estão destinados a passar por esse processo.<br />

A <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de tem grande importância <strong>no</strong> desenvolvimento e na vi<strong>da</strong> psíquica do<br />

sujeito, pois está relaciona<strong>da</strong> com o prazer, que é uma necessi<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental do<br />

sujeito. A obra pioneira de Freud (1905) intitula<strong>da</strong> “Três ensaios sobre a teoria <strong>da</strong><br />

<strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de” abordou o conceito de <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de em to<strong>da</strong> sua extensão e compreensão,<br />

através de textos referentes às teorias sexuais infantis e sobre a disposição perversopolimorfa.<br />

Este conceito psicanalítico do comportamento <strong>sexual</strong> na infância sobre a libido<br />

como a expressão anímica <strong>da</strong> pulsão <strong>sexual</strong>, remete à construção de uma <strong>no</strong>va proposta<br />

<strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de humana.<br />

Freud (1924) em sua obra “A dissolução do complexo de Édipo” descreveu o<br />

fenôme<strong>no</strong> central do período <strong>sexual</strong> <strong>da</strong> primeira infância, através do comportamento<br />

distinto do desenvolvimento <strong>da</strong> <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de entre meni<strong>no</strong>s e meninas.<br />

Freud em 1896, não usou termos como <strong>abuso</strong>, estupro, ataque, entre<br />

outros, para se referir às crianças que ele supunha terem sido seduzi<strong>da</strong>s<br />

<strong>sexual</strong>mente por um adulto. Preferiu substituí-los por sedução o que implicava, na<br />

visão de alguns autores, alguma forma de participação de um outro.<br />

É importante ressaltar que o <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> existe, sendo cometido por<br />

familiares ou pessoas próximas a criança. No entanto, todos os casos de<br />

acusação de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> devem ser investigados levando-se em conta duas<br />

alternativas: sua veraci<strong>da</strong>de ou sua falsi<strong>da</strong>de. Outro fator relevante durante o


processo de avaliação dos casos é o profissional manter seu distanciamento sem<br />

julgamentos prévios e possuir conhecimento específico e especializado para atuar<br />

<strong>no</strong> caso.<br />

2. JUSTIFICATIVA<br />

A decisão de elaborar um projeto de capacitação voltado aos profissionais que<br />

trabalham com a função de auxiliar os juristas em seus pareceres em casos de <strong>abuso</strong><br />

<strong>sexual</strong> é de contribuir na formação dos mesmos para que sejam capazes de<br />

desempenhar seus trabalhos com as devi<strong>da</strong>s competências. O curso visa que os<br />

profissionais adquiram uma melhor reflexão em busca de estratégias de intervenção, que<br />

venham a somar esforços, <strong>no</strong> sentido de evitar que situações como falsas denúncias de<br />

<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> se repitam e causem maiores <strong>da</strong><strong>no</strong>s às suas vítimas.<br />

Estudos <strong>no</strong> Brasil comprovam que há um aumento considerável e epidêmico <strong>no</strong><br />

percentual de falsas acusações de <strong>abuso</strong>s sexuais (TJPE, 2007, Yates e Musty, 1988;<br />

Gardner, 1992). Esse fato requer dos profissionais que trabalham com crianças vítimas de<br />

<strong>abuso</strong>s, uma atuação eficaz e comprometi<strong>da</strong> com a política de proteção integral à infância<br />

e à adolescência e principalmente com a psicanálise.<br />

A análise e a avaliação <strong>da</strong> prática profissional faz parte de um processo contínuo<br />

de reflexão, devendo-se proceder à determinação de propostas de trabalho, visando à<br />

implementação de <strong>no</strong>vas ações, respal<strong>da</strong><strong>da</strong>s pela experiência acumula<strong>da</strong>, que contribua


para com o constante aprimoramento atrelado ao movimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e suas<br />

conseqüentes modificações, tendo como respaldo teórico, os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> psicanálise.<br />

Assim, constatamos que a problemática vem crescendo a ca<strong>da</strong> dia e, com isso,<br />

requerendo dos profissionais que atuam neste tipo de situação, o máximo de atenção,<br />

compromisso e qualificação profissional, especialmente, <strong>da</strong>queles que trabalham com<br />

famílias em situação de conflito.<br />

3. OBJETIVO GERAL<br />

Qualificar e capacitar os profissionais que trabalham <strong>no</strong>s casos de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>,<br />

tendo como suporte teórico a psicanálise.<br />

3.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS<br />

- Fornecer subsídios teóricos que permitam diferenciar o sujeito vítima de <strong>abuso</strong><br />

<strong>sexual</strong>, frente a psicanálise e ao direito;<br />

- Proporcionar aos profissionais <strong>da</strong> área uma atualização do tema, minimizando as<br />

falsas acusações de <strong>abuso</strong>s sexuais, evitando prejuízos aos sujeitos;<br />

- Promover e incentivar o intercâmbio com profissionais que estejam engajados<br />

com o tema do <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>.


4. ESTRUTURA DO PROGRAMA<br />

O programa está estruturado em tor<strong>no</strong> de uma capacitação profissional através de<br />

um conjunto de Oficinas que o instrumentaliza.<br />

A estrutura do curso de capacitação pode ser representa<strong>da</strong> como descrita abaixo:<br />

Módulo I – Introdução à Psicanálise<br />

Duração: 47 horas<br />

PROJETO AÇÕES EDUCATIVAS MODALIDADES DURAÇÃO<br />

A história <strong>da</strong> criança Oficina – Juliana Rezende 12 horas<br />

Passagem <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> se Oficina – Juliana Rezende 10 horas<br />

dução à fantasia<br />

INTRODUÇÃO<br />

À<br />

PSICANÁLISE<br />

A <strong>sexual</strong>i<strong>da</strong>de infantil, Oficina - Juliana Rezende 13 horas<br />

segundo a Psicanálise<br />

O que é <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>? Oficina – Symone Fialho 12 horas


Módulo II – O direito e a psicanálise<br />

Duração: 24 horas<br />

PROJETO AÇÕES EDUCATIVAS MODALIDADES DURAÇÃO<br />

O que o direito fala do<br />

Oficina-Symone<br />

Fialho<br />

10horas<br />

<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong><br />

O DIREITO E A<br />

ECA: O estatuto com a<br />

Oficina -<br />

Symone Fialho<br />

8horas<br />

PSICANÁLISE<br />

Visão<br />

psicanalítica<br />

O segredo familiar<br />

Oficina –<br />

Symone Fialho<br />

6 horas<br />

Módulo III – O <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>: mito ou reali<strong>da</strong>de?<br />

Duração: 25 horas


PROJETO AÇÕES EDUCATIVAS MODALIDADES DURAÇÃO<br />

Criança, sujeito do seu<br />

Oficina –<br />

Juliana<br />

Rezende<br />

10<br />

horas<br />

desejo<br />

O ABUSO SEXUAL: MITO<br />

OU REALIDADE?<br />

O <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> para a<br />

Oficina –<br />

Symone Fialho<br />

8 horas<br />

psicanálise e para as leis<br />

do direito<br />

Desmistificando o <strong>abuso</strong><br />

Oficina –<br />

Symone Fialho<br />

7 horas<br />

<strong>sexual</strong><br />

Duração total do curso de capacitação: 96 horas<br />

Este projeto de pesquisa “Avaliação <strong>da</strong>s acusações de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> através <strong>da</strong><br />

diferenciação do sujeito abusado frente à psicanálise e ao direito” foi elaborado pelas<br />

mestran<strong>da</strong>s Symone Machado Pinto Fialho e Juliana Bezerra Dias de Rezende.<br />

Tal tema foi escolhido e abor<strong>da</strong>do pelas mestran<strong>da</strong>s Symone Machado Pinto Fialho<br />

e Juliana Bezerra Dias de Rezende através de diferentes eixos em suas dissertações.<br />

Juliana Rezende deu enfoque em sua pesquisa à posição <strong>subjetiva</strong> <strong>da</strong> criança <strong>no</strong><br />

<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>; e Symone Fialho abordou a cumplici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mãe <strong>no</strong> <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>,<br />

utilizando como uma <strong>da</strong>s ferramentas de estudo, minha experiência profissional na área<br />

do direito em casos de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>.


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