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Design, Arte, Moda e Tecnologia - Universidade Anhembi Morumbi

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DAMT<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong><br />

Organização<br />

Luisa Paraguai<br />

Jofre Silva


DAMT: DESIGN, ARTE, MODA e TECNOLOGIA<br />

ORGANIZAÇÃO<br />

Luisa Paraguai<br />

Jofre Silva<br />

DESIGN DIGITAL<br />

CONCEPÇÃO GRÁFICA<br />

Paula Rodrigues<br />

Ursula Reichenbach<br />

PRODUÇÃO DIGITAL<br />

Paula Rodrigues<br />

Ursula Reichenbach<br />

Állan Toledo<br />

PROMOÇÃO<br />

<strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Pontifícia <strong>Universidade</strong> Católica do Rio Janeiro<br />

<strong>Universidade</strong> Estadual Paulista - UNESP/Bauru<br />

EDIÇÃO<br />

Edições Rosari<br />

ISBN 978-85-8050-019-6<br />

São Paulo: Novembro de 2011<br />

Número de páginas: ----<br />

Número de artigos: 30<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2011


SUMÁRIO<br />

Apresentação, 5<br />

Conselho Científico, 6<br />

DESIGN, ARTE E MODA: INTE-RELAÇÕES<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico, 8<br />

Mariano Lopes de Andrade Neto, Lívia Marsari Pereira, Marizilda dos Santos Menezes, Paula da Cruz Landim<br />

Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca, 19<br />

Ana Mae Barbosa<br />

Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal, 28<br />

Nelson Yoshiharu Kume, Isabel Cristina Italiano<br />

O projeto interdisciplinar em design de moda como troca de experiências, 47<br />

Adriana Ferreira de Martinez<br />

Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda, 58<br />

Márcia Merlo<br />

Rupturas do vestir: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo, 87<br />

Cristiane Mesquita, Juliana Teixeira Joaquim<br />

O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda, 102<br />

Marcelo Mostaro, Márcia Merlo<br />

O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem, 115<br />

Livia Marsari Pereira, Marizilda dos Santos Menezes, Lívia Laura Matté, Paloma Laura Aparecida de Almeida<br />

A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter, 134<br />

Gabriela Coutinho Pinheiro, Marta Sorélia Felix De Castro<br />

A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu, 161<br />

Nélio Pinheiro, Franciele Menegucci, Aniceh F. Neves, Abílio G. Santos Filho, Marizilda M. Santos, Luis Carlos Paschoarelli<br />

O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação, 176<br />

Mila Rabelo, Cristiane Mesquita<br />

Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte, 187<br />

Guilherme Radi Dias<br />

Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda, 200<br />

Gabriela Vieira Rebouças, Francisca Raimunda Nogueira Mendes<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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DESIGN, TECNOLOGIA E LINGUAGEM: INTERFACES<br />

Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar, 219<br />

Márcia Luiza França da Silva Batista<br />

<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações, 256<br />

Vera Bungarten<br />

O processo de design de games, 266<br />

Delmar Galisi Domingues, Rejane Spitz<br />

Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades, 278<br />

Priscilla Maria Cardoso Garone, Bianca Paneto Bernardi, Márcia Ramos do Santos.<br />

O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais, 292<br />

Berenice Santos Gonçalves, Alexsandro Stumpt, Mariana Dória<br />

O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória, 315<br />

Mayra Ferreira Mártyres, Jofre Silva<br />

O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser, 330<br />

Danusa Almeidade de Oliveira<br />

,OVO – O hibridismo no design brasileiro contemporâneo, 345<br />

Olympio José Pinheiro, Rogério Zanetti Gomes<br />

A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita, 362<br />

Pedro Shalders Porto<br />

<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais, 383<br />

Sheila Cibele Sitta Preto, Valéria Ilsa Rosa, Richard Perassi Luiz de Sousa, Luiz Fernando Gonçalves de Figueiredo<br />

Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore, 402<br />

Teresa Cristina Santos Rebello<br />

Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC, 417<br />

Thiago Reginaldo, Richard Perassi Luiz de Souza;<br />

A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento nas empresas, 438<br />

Giselle Hissa Safar, Camila Gonçalves Castro<br />

Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea, 451<br />

Ed Marcos Sarro<br />

Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera, 461<br />

Roberto Carlos Sorima, Gisela Belluzzo de Campos<br />

A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente, 471<br />

Andrea Pereira Gomes de Souza, Gisela Belluzzo de Campos<br />

Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Leonardo A. Costa Buggy, Milena Ferraz; Saulo Gusmão<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

4


APRESENTAÇÃO<br />

CONTEÚDO DA PUBLICAÇÃO<br />

A sexta edição da série busca dar continuidade<br />

a discussão em design, arte,<br />

moda e tecnologia, por meio de artigos<br />

resultantes de estudos e de pesquisas<br />

de conceitos, de materiais, de procedimentos,<br />

de formas e de produtos<br />

culturais. Este projeto resulta de uma<br />

parceria entre os Programas de Pós-<br />

Graduação Stricto Sensu em <strong>Design</strong> da<br />

Pontifícia <strong>Universidade</strong> Católica do Rio<br />

de Janeiro, da <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong><br />

<strong>Morumbi</strong> e da <strong>Universidade</strong> Estadual<br />

Paulista, de Bauru.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

5


CONSELHO CIENTÍFICO<br />

Agda Carvalho, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Ana Mae Barbosa, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Beatriz Ferreira Pires, EACH – USP<br />

Carla Mendonça, <strong>Universidade</strong> Fumec<br />

Carol Garcia, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Clarissa Ribeiro, FAU Limeira; UniNove São Paulo<br />

Claudio Lima Ferreira, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Cleomar Rocha, Faculdade de <strong>Arte</strong>s Visuais - <strong>Universidade</strong> Federal de<br />

Goiás<br />

Cristiane Mesquita, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Delmar Galisi, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Denise Portinari, PUC-RIo<br />

Dráusio Vicente Camarnado Junior, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Edgar Franco, Faculdade de <strong>Arte</strong>s Visuais - <strong>Universidade</strong> Federal de<br />

Goiás<br />

Fábio Pezzi Parode, Unisinos<br />

Gisela Belluzzo, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Hélia Vannucchi, <strong>Universidade</strong> Federal do Mato Grosso<br />

Jofre Silva, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

6


CONSELHO CIENTÍFICO<br />

José Carlos Plácido da Silva, UNESP–Bauru<br />

Luciana Coutinho Pagliarini de Souza, <strong>Universidade</strong> de Sorocaba<br />

Luciano de Abreu, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Luisa Paraguai, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Luis Antonio Coelho, PUC–Rio<br />

Luis Carlos Paschoarelli, UNESP- Bauru<br />

Márcia Merlo, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Marizilda Menezes, UNESP–Bauru<br />

Marly de Menezes, Faculdade Santa Marcelina<br />

Miriam Cris Carlos Silva, <strong>Universidade</strong> de Sorocaba<br />

Nara Silvia Marcondes Martins, Mackienze<br />

Patrícia Sant’Anna, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Rachel Zuanon, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Rejane Spitz, PUC–Rio<br />

Rita Couto, PUC–Rio<br />

Rosane Preciosa, <strong>Universidade</strong> Federal de Juiz de Fora<br />

Silvia Laurentz, <strong>Universidade</strong> de São Paulo<br />

Suzete Venturelli, <strong>Universidade</strong> de Brasília<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Mariano Lopes de Andrade Neto Doutorando em <strong>Design</strong> – NUPECAM/FAAC/UNESP<br />

mlaneto@gmail.com<br />

Livia Marsari Pereira Mestre em <strong>Design</strong> – <strong>Universidade</strong> Tecnológica Federal do Paraná<br />

liviam@utfpr.edu.br<br />

Marizilda dos Santos Menezes Doutora em Arquitetura e Urbanismo – PPG<strong>Design</strong>/FAAC/<br />

UNESP marizil@faac.unesp.br<br />

Paula da Cruz Landim Doutora em Arquitetura e Urbanismo – NUPECAM/FAAC/UNESP<br />

paula@faac.unesp.br<br />

Resumo<br />

Este trabalho traz uma análise sobre a produção científica recente de <strong>Design</strong> de<br />

<strong>Moda</strong> no Brasil. O estudo compreende um levantamento histórico sobre pesquisas<br />

acadêmicas na área da <strong>Moda</strong>, investigações bibliométricas e pesquisas de <strong>Design</strong><br />

de <strong>Moda</strong> presentes em dois dos principais eventos de <strong>Design</strong> do país. Por meio de<br />

uma metodologia adaptada da bibliometria, realizou-se a contagem das publicações<br />

nos Anais dos eventos indicados. Os dados evidenciaram as temáticas mais<br />

abordadas e as instituições e cidades que concentraram as publicações encontradas.<br />

Também foram identificadas tendências e indicadores de pesquisa de <strong>Design</strong><br />

de <strong>Moda</strong> no país.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, Bibliometria.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

1


A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Introdução<br />

Nas últimas décadas, devido à visível expansão da ciência e da tecnologia, tornou-se cada vez<br />

mais necessário organizar e avaliar as informações e os avanços trazidos pelas diversas disciplinas<br />

do conhecimento. Na área de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, em franca expansão no Brasil, não é diferente. Em<br />

razão das várias mudanças econômicas e sociais e do aumento expressivo do número de programas<br />

de graduação e pós-graduação, no país, observa-se um crescimento significativo da produção<br />

científica de <strong>Moda</strong>.<br />

A relação entre a <strong>Moda</strong> e o <strong>Design</strong>, no Brasil, recebeu respaldo oficial em 2002, quando a <strong>Moda</strong><br />

foi considerada pelo Ministério da Educação (MEC) como um conteúdo curricular específico do<br />

<strong>Design</strong>. Essa reforma propôs um ensino que compreende um núcleo básico comum de conteúdos<br />

de <strong>Design</strong>, por área de conhecimento, seguido das respectivas habilitações (gráfico, produto,<br />

interiores, moda, entre outros). De acordo com Souza, Neira e Bastian (2010, p.2), a partir desse<br />

momento, a formação em <strong>Moda</strong> “oferecida pela maioria das instituições superiores brasileiras<br />

passou a ser norteada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em <strong>Design</strong>,<br />

consolidadas na Resolução CNE/CES nº 05, de 08 de março de 2004”.<br />

Essas diretrizes provocaram mudanças na academia de <strong>Moda</strong> no Brasil, pois conhecimentos e<br />

práticas do campo do <strong>Design</strong> foram integrados às pesquisas e aos estudos da <strong>Moda</strong>, assim como o<br />

<strong>Design</strong> também se apropriou das experiências específicas dessa outra área.<br />

De acordo com Pires (2010b), em 2007, havia 40 cursos denominados <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> e, no início<br />

de 2010, o número duplicou, o que evidencia que, nos últimos anos, muitos cursos adotaram a<br />

nova denominação sugerida pelo Ministério da Educação (MEC). Tal tendência justifica o foco no<br />

<strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> nesta investigação.<br />

Como este cenário é muito recente, há necessidade de uma produção bibliográfica especializada,<br />

pertinente e de caráter científico, que ofereça suporte ao desenvolvimento tecnológico do setor e à<br />

formação de docentes e discentes. Portinari et al. (2002, p.7) consideram que houve uma ampliação<br />

da produção acadêmica, porém, embora alguns estudos sejam significativos, “não existe uma<br />

tradição [de pesquisa] nessa área do conhecimento”. Para Magnus, Hamester e Gomes (2006, p.1),<br />

a crescente busca de subsídios para o efetivo aprimoramento profissional e, consequentemente,<br />

da Academia, tornam “essencial a ampliação de estudos na área”. Neste sentido, Carneiro et al.<br />

(2010, p.306) comentam que “ainda há muito espaço para aperfeiçoamentos no desenvolvimento<br />

de estudos de caráter científico na área do design de moda, o que pode ser considerado inerente<br />

a uma área [...] que ainda traça os caminhos para sua consolidação”. Pires (2010b, p.38) concorda<br />

com essa tendência ao afirmar que “embora a pesquisa seja vital na prática do design [...], é<br />

ainda muito incipiente o número de publicações em design de moda no Brasil”.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Com base nessas observações, este trabalho tem como objetivo investigar a produtividade<br />

científica do <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, por meio da análise dos Anais de congressos de <strong>Design</strong> ocorridos no<br />

país entre os anos 2002 e 2010. Para tanto, utilizou-se uma metodologia adaptada da bibliometria,<br />

já realizada em outros estudos de <strong>Design</strong> (ANDRADE NETO et al, 2011; ANDRADE NETO et al. 2010;<br />

CARNEIRO et al., 2010; CAMPOS et al., 2010).<br />

Os resultados permitiram traçar um panorama geral das investigações da <strong>Moda</strong> em sua relação<br />

com o <strong>Design</strong>, entretanto, o estudo aqui apresentado não teve a pretensão de avaliar as pesquisas<br />

encontradas, mas divulgar os diferentes indicadores dessa produção científica no Brasil.<br />

O design de moda e a pesquisa acadêmica<br />

O campo educacional da <strong>Moda</strong> no Brasil encontra-se em processo de formação, pesquisas e projetos<br />

nesta área do conhecimento estão crescendo e se consolidando a cada ano. Caracterizados<br />

por serem de interesse acadêmico recente, os estudos de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, no país, vêm sendo<br />

desenvolvidos há pouco tempo, se comparados aos produzidos em outros países (FERRON, 1996;<br />

PIRES 2002a; 2002b; PORTINARI et al., 2002; PIRES, 2010a; 2010b; SOUZA, NEIRA, BASTIAN, 2010).<br />

O primeiro estudo sobre <strong>Moda</strong> desenvolvido no Brasil data de 1926 e foi uma tese de doutorado<br />

denominada Da mulher – proporções, beleza, deformação, hygiene e moda, hygiene e sport,<br />

produzida por Virgilio Mauricio da Rocha, na Escola de Medicina da <strong>Universidade</strong> Federal do Rio de<br />

Janeiro – UFRJ (BONADIO, 2010). Apesar do pioneirismo de Virgilio, o trabalho que se distinguiu<br />

como marco na pesquisa da <strong>Moda</strong> no Brasil foi um estudo realizado por Gilda de Mello e Souza, na<br />

década de 1950 (PIRES, 2002a; 2002b). A autora enfrentou críticas e barreiras ao tratar da <strong>Moda</strong><br />

no meio acadêmico, num estudo que articulava <strong>Moda</strong> e <strong>Arte</strong> e descrevia o vestuário do século XIX.<br />

Após essas duas produções pioneiras, inúmeras transformações ocorreram tanto no campo da<br />

produção acadêmica da <strong>Moda</strong>, como no ensino dessa área do conhecimento. Por longos anos, no<br />

Brasil, os saberes do universo da <strong>Moda</strong> foram, tradicionalmente, ensinados de forma empírica.<br />

Existiam alguns cursos de qualificação profissional para costureiras e alfaiates, mas o estudo<br />

dos processos da <strong>Moda</strong> só era possível em centros de ensino fora do Brasil, como na Europa. A<br />

expansão e o amadurecimento desse setor da economia, no país, porém, trouxeram consigo a<br />

necessidade de um profissional capacitado. Conforme Pires (2002a, p.9), um “valor assegurado no<br />

mercado veio conferir à moda, como produto, um amplo campo de trabalho, exigindo produção<br />

de qualidade, somente obtida com o ensino ofertado pelas <strong>Universidade</strong>s”. Assim, na década de<br />

1980, surgem os primeiros cursos profissionalizantes no eixo Rio/ São Paulo e em Minas Gerais.<br />

De acordo com Portinari et al. (2002), em 1984, foi iniciado um curso de extensão de Estilismo e<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Modelagem do Vestuário, na Escola de Belas <strong>Arte</strong>s da <strong>Universidade</strong> Federal de Minas Gerais, em<br />

nível técnico, que acabou por se tornar um dos mais importantes centros nacionais de criação,<br />

produção e difusão de moda. Somente em 1988, foi criado o primeiro curso superior brasileiro<br />

na área da moda, na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Segundo Pires (2002b, p.38), a<br />

“Academia [no Brasil] iniciou o ensino da criação de moda primeiro como disciplina, depois como<br />

curso de extensão e, por fim, como graduação. Atualmente, tem investido esforços para formar o<br />

docente, promovendo cursos de pós-graduação”.<br />

Atualmente, este segmento encontra-se em crescimento, pois existem 126 cursos superiores, na<br />

área de moda, em funcionamento no país e, certamente, a produção acadêmica foi impulsionada<br />

pelo surgimento e popularização destes cursos e das pós-graduações stricto sensu (BONADIO,<br />

2010).<br />

A crescente gama de cursos oferecidos e o aumento da produção de teses e dissertações nessa<br />

área, no país, ampliaram, consideravelmente, a pesquisa acadêmica de <strong>Moda</strong>. De acordo com<br />

Bonadio (2010), até 1997, a produção na área não ultrapassava a 10 títulos por ano, número<br />

excedido a partir de 1998, quando 16 trabalhos foram produzidos. A partir de 2004, a produção<br />

ultrapassa a marca dos 30 trabalhos por ano e segue crescendo nos anos posteriores, atingindo um<br />

pico em 2009, com 72 estudos.<br />

Apesar do visível crescimento do número de estudos sobre a <strong>Moda</strong> no Brasil, ainda falta uma<br />

atuação mais dinâmica e agressiva por parte dos designers de moda, no sentido de desenvolver<br />

projetos e estudos. De acordo com Pires (2002a; 2002b), ainda há grandes possibilidades e desafios<br />

para a efetivação de uma nova cultura de projetos e estudos para a pele construída do ser humano,<br />

a roupa.<br />

Os temas pesquisados e as tendências e carências do setor são temas que também devem ser<br />

objeto de estudo, no intuito de se orientar e planejar futuras investigações.<br />

Investigações bibliométricas<br />

Acompanhar a expansão da ciência e da tecnologia torna-se um desafio cada vez maior. O grande<br />

número de informações disponíveis precisa ser organizado para que se possa avaliar os avanços<br />

e as necessidades das diversas áreas do conhecimento. O estudo de um determinado ramo do<br />

conhecimento permite que se conheça as taxas de produção de trabalhos científicos e, assim, se<br />

apresente à sociedade como esse saber vem se desenvolvendo e como utilizar seus resultados para<br />

elaborar previsões e apoiar tomadas de decisões.<br />

Existem diversas formas de medição voltadas para avaliar a ciência e os fluxos de informação, dentre<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

elas, a bibliometria. A bibliometria é uma técnica quantitativa e estatística de medição dos índices<br />

de produção e disseminação do conhecimento científico. Pode-se defini-la como: um instrumento<br />

quantitativo, que permite minimizar a subjetividade inerente à indexação e recuperação das<br />

informações, produzindo conhecimento em determinada área ou assunto (GUEDES & BORSHIVER,<br />

2005). A bibliometria desenvolve padrões e modelos matemáticos para medir processos, por meio<br />

de um conjunto de leis e princípios que contribuem para estabelecer os fundamentos teóricos da<br />

contagem de documentos.<br />

As principais leis da bibliometria são: Lei de Lotka, Lei de Bradford e Lei de Zipf, que são utilizadas<br />

de acordo com o tipo de informação que se pretende obter.<br />

A Lei de Bradford está relacionada à propagação da pesquisa, pois possibilita uma estimativa<br />

da grandeza de determinada área bibliográfica e se configura como uma ferramenta estatística<br />

que permite mapear e gerar diferentes indicadores de tratamento e gestão da informação (VOO,<br />

1974).<br />

O presente estudo utilizou um método adaptado dessa lei para tratar o tema das pesquisas em<br />

<strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Neste contexto, buscou-se analisar o comportamento dos pesquisadores e suas<br />

decisões para a construção do conhecimento na área de <strong>Moda</strong>, com base na produção apresentada<br />

em dois grandes congressos de <strong>Design</strong> no Brasil.<br />

P&D <strong>Design</strong>, Congresso Brasileiro de Pesquisa em <strong>Design</strong> e CIPED, Congresso Internacional de<br />

Pesquisa em <strong>Design</strong><br />

Dentre os diversos eventos científicos relacionados ao <strong>Design</strong>, no país, o Congresso Brasileiro de<br />

Pesquisa e Desenvolvimento em <strong>Design</strong> (P&D <strong>Design</strong>) e o Congresso Internacional de Pesquisa em<br />

<strong>Design</strong> (CIPED) figuram como os principais. São importantes congressos devido às amplas temáticas<br />

apresentadas e à grande divulgação do evento no meio acadêmico do <strong>Design</strong>.<br />

O P&D <strong>Design</strong>, de periodicidade bianual e caráter interdisciplinar, promovido pela Associação de<br />

Ensino de <strong>Design</strong> do Brasil (AenD-BR), é realizado desde 1994, ano em que ocorreu na cidade de<br />

São Paulo. Suas edições posteriores aconteceram em outras cidades do Brasil: Belo Horizonte/<br />

MG (1996); Rio de Janeiro/RJ (1998); Novo Hamburgo/RS (2000); Brasília/DF (2002); São Paulo/SP<br />

(2004); Curitiba/PR (2006) e São Paulo/SP (2008 e 2010).<br />

O CIPED, que é realizado no Brasil desde 2002, é promovido pela Associação Nacional de Pesquisa<br />

em <strong>Design</strong> (ANPED). A primeira edição ocorreu de forma concomitante ao 5º P&D <strong>Design</strong>, em<br />

Brasília. O Rio de Janeiro sediou as três edições posteriores do evento, em 2003, 2005 e 2007. O 5º<br />

CIPED ocorreu em Bauru/SP, no ano de 2009, e sua última edição aconteceu em Lisboa, em 2011.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Como já citado, ambos os eventos apresentam um ampla temática relativa à área de <strong>Design</strong><br />

e suas habilitações. No Quadro 01, apresenta-se um levantamento do total de categorias ou<br />

temas de cada edição dos eventos. Foi identificado, também, o número de categorias relativas,<br />

especificamente, ao <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> em cada edição (<strong>Design</strong> Têxtil; <strong>Design</strong> Têxtil e Vestuário;<br />

<strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>; <strong>Design</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong> Têxtil).<br />

Total de categorias nas edições do P&D <strong>Design</strong><br />

Ano 2002 2004 2006 2008 2010<br />

Total de Categorias 23 19 26 06 06<br />

Categorias de <strong>Moda</strong> 01 01 02 - -<br />

Total de categorias nas edições do CIPED<br />

Ano 2002 2003 2005 2007 2009<br />

Total de Categorias 23 20 21 21 18<br />

Categorias de <strong>Moda</strong> 01 01 01 01 01<br />

Quadro 01: Número de categorias nas edições dos eventos.<br />

Fonte: Dos autores<br />

Cabe esclarecer que foram encontradas publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> nas diversas categorias<br />

dos eventos, independente do número de áreas temáticas específicas. Nas duas últimas edições<br />

do P&D <strong>Design</strong>, o temário foi reorganizado em categorias mais abrangentes (Teoria e Crítica do<br />

<strong>Design</strong>; História do <strong>Design</strong>; Metodologias do <strong>Design</strong>; Pedagogia do <strong>Design</strong>; Projetos em <strong>Design</strong>; e<br />

<strong>Design</strong> e <strong>Tecnologia</strong>), que incluem todas as habilitações do <strong>Design</strong>.<br />

A análise dos Anais desses congressos permitiu que se tivesse um panorama da produção e da<br />

pesquisa em relação ao <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. No entanto, no caso de P&D <strong>Design</strong> foram utilizados os<br />

Anais dos eventos ocorridos somente a partir de 2002, ano em que as publicações começaram a<br />

ser disponibilizadas em meio digital.<br />

Materiais e métodos<br />

Objeto de Estudo<br />

Foram analisadas as publicações das edições de 2002 a 2008, do P&D <strong>Design</strong>, e de 2002 a 2009, do<br />

CIPED, considerando-se a edição de 2002 dos dois eventos ocorreu de maneira conjunta.<br />

Critérios Avaliados<br />

Buscou-se verificar, em cada edição, o número total de trabalhos de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, em todas<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

6


A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

as divisões temáticas propostas nos eventos. Não foram considerados os trabalhos que tratavam,<br />

exclusivamente, de materiais ou tecnologias têxteis. Dentre os artigos encontrados, foram<br />

observados os seguintes dados referentes à autoria: a instituição, a cidade, a titulação do primeiro<br />

autor e a temática na qual o trabalho estava inserido, no evento. Na ausência de dados, tais como<br />

Instituição ou área, foi classificado como “não-identificado”.<br />

Procedimentos<br />

Para a coleta dos dados nos Anais, recorreu-se à leitura dos trabalhos, respeitando-se a seqüência<br />

(título, resumo, palavras-chave, corpo do texto), para selecionar apenas as pesquisas relacionadas<br />

ao <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Todos os trabalhos disponíveis nos anais foram incluídos no estudo, até mesmo<br />

os inseridos nas categorias Resumo, Iniciação Científica e Pôster, em alguns Anais, procedimento<br />

este padronizado para todas as coletas. A organização e análise os dados e os resultados obtidos<br />

foram dispostos em uma planilha. A análise baseou-se em estatística descritiva, com o agrupamento<br />

dos dados segundo critérios definidos anteriormente.<br />

Resultados<br />

Foram encontrados 2.221 trabalhos publicados nas edições do P&D <strong>Design</strong> (a partir de 2002) e 896<br />

do CIPED (a partir de 2003). Do total de publicações dos eventos, 102 artigos (4,59%) abordam o<br />

tema <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, no P&D <strong>Design</strong>, e 61 artigos (6,8%), no CIPED.<br />

Ao longo das edições dos eventos, foi possível acompanhar o crescimento do número de publicações,<br />

reflexo da recente consolidação da pesquisa na área (Quadro 02):<br />

Edições do P&D <strong>Design</strong><br />

Total<br />

Ano 2002 2004 2006 2008 2010 05 Edições<br />

Número de Publicações 08¹ 14 22 19 39 102 artigos<br />

Edições do CIPED<br />

Total<br />

Ano 2002 2003 2005 2007 2009 05 Edições<br />

Número de Publicações - 05 20 15 21 61 artigos<br />

Quadro 02: Número de publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> por ano dos eventos avaliados.<br />

Fonte: Dos autores<br />

Os resultados do estudo sobre os aspectos éticos na pesquisa de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, realizado por<br />

Carneiro et al. (2010), também indicaram um considerável crescimento da participação do <strong>Design</strong><br />

de <strong>Moda</strong> ao longo das edições dos dois eventos.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Detalhamento das publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> do P&D <strong>Design</strong> e CIPED (2002)<br />

Na edição do ano de 2002, quando o P&D <strong>Design</strong> e o CIPED ocorreram concomitantemente, foram<br />

publicados 08 trabalhos de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, distribuídos em duas áreas temáticas: 02 publicações<br />

em Ensino e Pesquisa e 06 publicações em <strong>Design</strong> Têxtil. Os outros dados levantados podem ser<br />

visualizados nas Figuras 01, 02 e 03, a seguir.<br />

A análise dos dados comprovou a grande abrangência do evento e evidenciou o caráter interdisciplinar<br />

dos trabalhos e, por conseqüência, do <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Os autores, além do <strong>Design</strong>, tinham<br />

formação em áreas como Arquitetura, Ciências Domésticas, Engenharia de Produção, História e<br />

Psicologia.<br />

Figura 01: Dados sobre a formação dos autores do P&D <strong>Design</strong> e CIPED 2002.<br />

Fonte: Dos autores<br />

Esses resultados sobre a formação refletem a própria história da implantação do ensino de <strong>Moda</strong><br />

no Brasil, que, como já citado, teve a participação de profissionais de diversas áreas, até o<br />

estabelecimento de programas de graduação e pós-graduação específicos do <strong>Design</strong>.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Todas as instituições apresentaram um número próximo de artigos publicados sobre o tema.<br />

Figura 02: Dados sobre as instituições dos autores do P&D <strong>Design</strong> e CIPED 2002.<br />

Fonte: Dos autores<br />

Atualmente, a PUC/Rio, a UDESC, a UEL e a UFC oferecem curso de graduação de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>,<br />

conforme dados² fornecidos pelos sites dessas instituições.<br />

O número de estados com publicações também é de 05 (RJ; PE; SC; PR; CE).<br />

Figura 03: Dados sobre as cidades do P&D <strong>Design</strong> e CIPED 2002.<br />

Fonte: Dos autores<br />

Esses dados parciais dos eventos revelam que, em 2002, já havia uma distribuição da pesquisa<br />

em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> em diferentes regiões do país. Entretanto, em um panorama mais próximo<br />

da realidade da pesquisa em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, na sequência, são apresentados os resultados das<br />

edições posteriores dos congressos investigados.<br />

Detalhamento das publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> das edições seguintes do P&D <strong>Design</strong><br />

No P&D <strong>Design</strong>, entre os anos de 2004 e 2010, foram encontradas 94 publicações sobre moda, em<br />

13 distintas áreas temáticas, como pode ser observado na Figura 04.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

As publicações concentraram-se em “Projetos em <strong>Design</strong>”, com 24 trabalhos; seguidas por “<strong>Design</strong><br />

de <strong>Moda</strong>”, com 19 publicações.<br />

Figura 04: Dados sobre os Temas do P&D <strong>Design</strong> (2004 a 2010).<br />

Fonte: Dos autores<br />

É interessante destacar que a temática “Projetos de <strong>Design</strong>” foi adotada nas duas últimas edições<br />

do P&D <strong>Design</strong> (2008 e 2010), e que “<strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>” foi uma categoria estabelecida apenas no<br />

evento de 2006.<br />

Em relação à área da titulação do autor (formação), predomina o <strong>Design</strong>, com 24 publicações,<br />

seguida por 10 trabalhos com o primeiro autor formado em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Quanto às instituições<br />

dos autores, como exposto anteriormente, na Figura 06, foram encontradas 15 diferentes<br />

instituições com apenas uma publicação sobre <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, as quais foram agrupadas na<br />

categoria “Outras”, no gráfico. Apenas uma, entre todas as universidades destacadas, possui<br />

mais de um artigo por edição do evento, o que confirma as indicações dos autores consultados<br />

sobre a área, quando afirmam há muito espaço para o crescimento da pesquisa acadêmica. Esses<br />

resultados estão representados na Figura 05, a seguir.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

10


A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Na grande maioria (44 trabalhos) das publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> encontradas não havia a<br />

identificação da formação do autor.<br />

A UEL apresentou o maior número de publicações sobre o tema (17 trabalhos). Também foram<br />

encontradas 05 publicações internacionais: 04 da <strong>Universidade</strong> do Minho (Portugal) e 01 da<br />

Manchester Metropolitan University (Reino Unido).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

11


A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Figura 05: Dados sobre a formação e as Instituições do P&D <strong>Design</strong> (2004 a 2010).<br />

Fonte: Dos autores<br />

Em relação às cidades, no quesito local das instituições, Londrina (PR) teve a maior representação,<br />

com 17 artigos. As publicações da cidade de São Paulo também somaram 17, entretanto, são de<br />

diferentes instituições (Figura 06).<br />

Assim como no caso das Instituições, as cidades que apresentaram apenas uma publicação foram<br />

agrupadas em “Outras”. E foram 03 as publicações cuja cidade do primeiro autor não estava<br />

identificada.<br />

Figura 06: Dados sobre as Instituições do P&D <strong>Design</strong> (2004 a 2010).<br />

Fonte: Dos autores<br />

Apesar da reduzida pesquisa, esta se mostrou bem distribuída entre as instituições e também<br />

pelos estados do país, fato que pode auxiliar no conhecimento das produções regionais e<br />

fortalecer a identidade, além de aproximar <strong>Moda</strong> e <strong>Design</strong>. Neste sentido, Moraes (2006, p.<br />

261) assinala que “após décadas de aprendizagem, o design no Brasil começa a não se submeter<br />

mais às fórmulas pré-estabelecidas, [...] assimilando os variados aspectos de sua diversidade<br />

multicultural, assemelhando-se à própria cara do país, assumindo sua identidade plural”, uma<br />

tendência inerente a todas as habilitações do <strong>Design</strong>.<br />

Detalhamento das publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> das edições seguintes do CIPED<br />

No CIPED, 61 trabalhos foram encontrados. Conforme a Figura 07, o tema de maior recorrência foi<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

12


A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

“<strong>Design</strong> Têxtil e de Vestuário”, com 30 publicações. Esse resultado era esperado já que duas das<br />

temáticas mais abordadas tratam de conhecimentos próprios de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>.<br />

As publicações concentraram-se em <strong>Design</strong> Têxtil e de Vestuário (30) e <strong>Design</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong><br />

Têxtil (19).<br />

Figura 07: Dados sobre os Temas do CIPED (2003 a 2009).<br />

Fonte: Dos autores<br />

Cabe observar que a temática “<strong>Design</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong> Têxtil” foi adotada na última edição do<br />

CIPED (2009), reunindo 86,4% das publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> encontradas.<br />

Em relação à área de titulação do autor, naturalmente, predominam <strong>Design</strong> e <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> nos<br />

resultados. No grupo identificado como Outras, onde a formação aparece apenas uma vez, foram<br />

encontradas formações as mais variadas (<strong>Arte</strong>s Visuais, Educação, Engenharia, História Social,<br />

Linguística, Psicologia, entre outras), novamente um reflexo da recente criação de programas<br />

de graduação e pós-graduação específicos. Foram encontradas 25 instituições distintas com<br />

publicações sobre <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Destas, 13 tiveram mais de um trabalho publicado nas edições<br />

do CIPED. Os detalhamentos desses resultados estão descritos na Figura 08.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

13


A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Foram encontradas 20 publicações cujo primeiro autor tinha formação em <strong>Design</strong> e 10 em <strong>Design</strong><br />

de <strong>Moda</strong>. Entre as de formação Não identificada foram 09 os trabalhos destacados.<br />

A UDESC, com 09 publicações, oferece graduação em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, porém, universidades como<br />

UFPE (06 trabalhos) e UNESP (05 trabalhos) oferecem curso superior somente em <strong>Design</strong>.<br />

Figura 08: Dados sobre a Formação de autores e Instituições do CIPED (2003 a 2009).<br />

Fonte: Dos autores<br />

Sobre as cidades, o resultado demonstrou que a distribuição das pesquisas, aqui focalizadas,<br />

estendeu-se para além do eixo Sudeste-Sul, com destaque para a produção das cidades do<br />

Nordeste, como Recife e Fortaleza. As publicações analisadas são oriundas de um total de 15<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

14


A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

cidades, sendo o estado de São Paulo o que tem o maior número de publicações (14 trabalhos),<br />

seguido do estado de Santa Catarina (11 trabalhos) e do estado do Paraná (09 trabalhos). Esses<br />

dados reforçam a discussão levantada nos resultados anteriores sobre o P&D <strong>Design</strong> e somam-se<br />

aos argumentos apresentados.<br />

O maior número de publicações é de Florianópolis, com 11, seguido por São Paulo, com 08. Apenas<br />

05 cidades apresentaram uma única publicação nas edições do evento, as quais foram agrupadas<br />

na categoria Outras.<br />

Figura 09: Dados sobre as cidades dos autores do CIPED (2003 a 2009).<br />

Fonte: Dos autores<br />

De um modo geral, os resultados obtidos, a partir dos dados levantados sobre o P&D <strong>Design</strong> e o<br />

CIPED, aproximam-se, o que reforça as questões sobre a demanda por mais investigações no setor.<br />

Entretanto, é preciso destacar que o número de pesquisas está crescendo e se consolidando.<br />

Uma das vitrinas desse crescimento é o Colóquio de <strong>Moda</strong>, o maior congresso científico de moda<br />

do país, um evento anual que acontece desde 2005 e “reúne pesquisadores de diversos locais e<br />

especialidades, caracterizando-se por sua diversidade” (CARNEIRO et al., 2010, p.299).<br />

Por se tratar de um evento específico, no qual, evidentemente, todas as publicações tratam de<br />

<strong>Moda</strong>, julgou-se que este evento merece outro tratamento, mais aprofundado, pois diverge do<br />

objetivo determinado para a presente investigação.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

15


A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Considerações finais<br />

Às vésperas de completar dez anos da regulamentação do MEC, o ensino do <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, no<br />

Brasil tem se voltado, recentemente, para as pesquisas acadêmicas. Se somadas às atenções para<br />

a formação e capacitação de profissionais que atuam na indústria, estas discussões e reflexões são<br />

cada vez mais numerosas.<br />

A produção acadêmica do <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, no país, reflete a sua recente consolidação como área<br />

de pesquisa e ensino no Brasil. Os resultados obtidos nesta investigação reforçam a evidente<br />

tendência de crescimento do número de publicações de <strong>Moda</strong> em eventos de <strong>Design</strong>. Foram<br />

analisados 3.117 artigos no total e, deste universo, 163 trabalhos eram de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, o que<br />

corresponde a 5,23% das publicações nos Anais do P&D <strong>Design</strong> e do CIPED, no período avaliado.<br />

Entre as temáticas dos eventos, a categoria <strong>Design</strong> Têxtil e Vestuário, do P&D <strong>Design</strong>, foi a que<br />

apresentou o maior número de estudos na área. Todavia, a diversidade de assuntos abordados é<br />

representada pelos 20 diferentes temas apresentados nos eventos, dos quais ao menos um era<br />

relacionado ao <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, um reflexo da multidisciplinaridade aliada ao <strong>Design</strong>.<br />

Na análise sobre a formação dos primeiros autores, como esperado, <strong>Design</strong> e <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong><br />

era a formação do maior número de autores de artigos publicados, o que pode evidenciar a<br />

consolidação de um escopo teórico nacional de moda, resultante dos esforços dos pesquisadores<br />

citados no referencial teórico, para a implantação da graduação e formação de docentes para a<br />

Área de <strong>Moda</strong>.<br />

As instituições com maior número de artigos foram respectivamente: UEL, UESDC e UFPE. Como<br />

observado nos dados do CIPED, na UFPE, o curso de graduação em <strong>Design</strong> não oferece a habilitação<br />

específica em <strong>Moda</strong>. Este fato que testemunha a aproximação entre as áreas, <strong>Design</strong> e <strong>Moda</strong>,<br />

também na pesquisa acadêmica.<br />

Entre as cidades com maiores resultados quanto ao número de produções, estão São Paulo, que<br />

apresentou publicações de várias instituições, e Londrina, cuja produção teve origem na UEL.<br />

Entretanto, como destacado na análise dos resultados dos dois eventos, os dados sobre os locais<br />

foram bem distribuídos, pois se percebeu que há uma descentralização da pesquisa de <strong>Moda</strong> no<br />

país.<br />

Por se tratar de um estudo exploratório, seus resultados podem ter diferentes interpretações,<br />

entretanto, o objetivo desta investigação foi obter um retrato inicial, não conclusivo, sobre a<br />

situação da produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

16


A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Notas<br />

[1] Total de artigos publicados na edição de 2002 dos dois eventos, os quais ocorreram de maneira<br />

conjunta.<br />

[2] ; ;<br />

, Acesso em: 20 set. 2011.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

17


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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

18


Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

Ana Mae Barbosa Professor Titular USP; <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

anamae@uol.com.br<br />

Resumo<br />

Depois de afirmar um pensamento em direção à valorização dos diálogos internacionais<br />

e rejeição pela globalização canibalesca que disfarça o colonialismo<br />

contemporâneo, passa este artigo a tecer considerações históricas com base em<br />

pesquisas em revistas e jornais que circulavam entre 1922 a 1949.<br />

Primeiramente se fará uma defesa da necessidade de história para consolidar<br />

qualquer área de estudos humanísticos e finalmente será estudado o arte/educador<br />

chileno Gerardo Seguel, que viveu no Brasil em I930. Amigo de Neruda e<br />

de Cecília Meireles foi também poeta e mais celebrado na Literatura que na Educação.<br />

Apresentaremos parte de um de seus artigos escritos no Diário de Notícias<br />

de 10/07/1930.<br />

Palavras-chave:<br />

História, ensino de arte, Gerardo Seguel.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

19


Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

Passamos no Brasil o século XX todo tentando nos aproximar e ao mesmo tempo nos afastar dos<br />

outros países Latino Americanos embora sonhando com a Europa, especialmente com Portugal e<br />

com Espanha, nos últimos anos, por serem mais accessíveis do ponto de vista lingüístico e no caso<br />

da Espanha pela política de aproximação e dominação do mercado brasileiro em diversas áreas<br />

como bancária, comunicações, editoração, educação e cultura.<br />

Foi impossível vencer a dificuldade de cortarmos o cordão umbilical com a Europa e hoje acredito<br />

que não seja desejável, sendo a atitude correta o redirecionamento para um equilíbrio intercultural<br />

de forças. Tentamos antropofagiar [1] a Europa e em muitos casos só conseguimos copiá-la<br />

e macaqueá-la. Resta-nos hoje termos consciência das relações históricas que estabelecemos de<br />

submissão, diálogo, ruptura e privilegiar as inter-relações culturais.<br />

Chega de aceitarmos deslumbrados os modelos que países ditos desenvolvidos nos impingem sob<br />

o disfarce da globalização, mas que na realidade representa uma ação de canibalização de nossa<br />

cultura e do nossos modos de vida para facilmente dominarem economicamente.<br />

Estamos convencidos de que neste momento em que somos alvo da gula de países que não souberam<br />

se comportar e controlar sua economia, só a história pode nos salvar. Acreditamos que a<br />

história é regeneradora, reveladora e válvula propulsora em direção ao futuro. Aloísio Magalhães,<br />

designer culturalista que no Brasil rompeu com a hegemonia da Escola de Ulm que importamos,<br />

usava uma metáfora interessante para defender a necessidade de história. Dizia que quanto mais<br />

puxarmos a borracha do estilingue para trás mais longe lançaremos a pedra para frente.<br />

Concordando integralmente com Alfredo Bosi (2010) quando realiza afirmações sobre o ensino da<br />

Literatura e que, são aplicáveis também ao Ensino das <strong>Arte</strong>s e das Culturas Visuais. Dizia ele<br />

Agora, de minha parte, eu continuo achando que, na história o antes<br />

vem antes do depois”. (...) Existe certa experiência cumulativa pelo<br />

tempo. E, se você não conhece esse fluxo que vem do passado, fica<br />

parecendo que cada geração, digamos, inventou a roda. Você não sabe<br />

por que certos temas voltam, e voltam de maneira diferente. Você fica<br />

sem apoios de comparação quando seu estudo é todo assim fragmentado.<br />

(BOSI, 2010, p.14)<br />

Mirzoeff (apud Dussel, 2010) [2] a quem achava eurocêntrico se redimiu numa entrevista a Inês<br />

Dussel dizendo,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

Y el otro punto es que creo que hay que enseñarles historia a los estudiantes.<br />

Los jóvenes hoy tienen una relación con la historia distinta de<br />

la que nosotros teníamos, y tiene que ver, al menos en parte, con una<br />

comprensión diferente del lugar del futuro, aunque también se predica<br />

algo distinto sobre el pasado... Hay que argumentar por qué es importante<br />

historizar, porque ya no es más evidente por sí solo. La cultura<br />

actual suele decir que, si está en el pasado, ya no importa. Tenemos<br />

que argumentar mejor que el pasado no es sólo pasado sino que sigue<br />

activo en el presente. El tema con la historia es que “no pasó”, sino que<br />

sigue aquí (MIRZOEFF, apud DUSSEL, 2010).<br />

Uma área de estudos sem História é facilmente dominada e manipulada. Revistas e jornais são<br />

fontes ambíguas de informações históricas diferentemente dos livros que buscam argumentar com<br />

improváveis certezas. A diversidade de posições políticas, criticas, ideológicas dos artigos de uma<br />

revista provoca choque de idéias, ambigüidades, incertezas.<br />

Aconteceu durante as décadas de 20 a 40, a modernização do Ensino da <strong>Arte</strong> no Brasil pós –antropofágico.<br />

Tínhamos consciência de nossa condição de colonizados e nos propúnhamos a superála<br />

através da assimilação e transformação isto é aprender com a Europa e transformar o que<br />

aprendêssemos para privilegiar nossa própria cultura que sabíamos ser bem diferente da cultura<br />

de nossos colonizadores. A dominação cultural do colonizador os empodera, submetermo-nos a<br />

cultura do colonizador nos desempodera. Como diz Humberto Maturana,<br />

A democracia é um projeto de convivência que se configura momento<br />

a momento, porém para viver isso, tem-se que dar lugar à sinceridade.<br />

Não é um âmbito de luta. Não se ascende democraticamente ao poder.<br />

Não existe poder. E enquanto pensamos que tudo o que está em jogo é<br />

uma luta pelo poder somente o que vamos criar são dinâmicas tirânicas,<br />

vamos passar de uma pequena tirania a uma outra pequena tirania [3].<br />

Nas nossas pesquisas de jornal e revistas chegamos à conclusão que o período mais rico em discussões<br />

sobre cultura e educação no Brasil foi o que transcorreu entre os anos de 1927 a 1936. Na<br />

metade da década de 30 se instalou no Brasil uma ditadura ferozmente anticomunista e segundo<br />

alguns, pró-nazismo sob o comando de Getúlio Vargas. Perseguiram educadores e instalaram a<br />

censura em todos os meios de comunicação.<br />

Foi no período de efervescência democrática (1927 a 1936) que os esforços para estabelecer<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

relações com a América Latina se agudizaram. As novas escolas construídas no Rio de Janeiro,<br />

capital do Brasil na época, tinham nomes de países Latino Americanos e os presidentes dos países<br />

homenageados vinham ao Brasil inaugurar os edifícios, fazer discursos e dar entrevistas a jornais<br />

e revistas. A relação com o México foi potencializada pelas visitas de José Vasconcelos ao Brasil<br />

quando era Reitor da universidade e o equivalente a ministro de cultura.<br />

A escritora Cecília Meireles tinha uma página de Educação no Diário de Notícias onde freqüentemente<br />

escreviam escritores latino americanos, como Gerardo Seguel, que em 1930 escreveu<br />

na página comandada por Cecília Meireles. Este, como a própria Cecília Meireles, foi um ativista<br />

da integração ibero-americana. A decisão em escrever sobre ele para esta publicação deve-se a<br />

sua circulação por onde hoje circulamos com esperanças semelhantes, desejos de integração e<br />

espírito internacionalista democrático. Através dos projetos da Organização dos Estados Ibero<br />

Americanos e de iniciativas de professores que criaram a Rede Ibero Americana estamos respeitando<br />

melhor nossas diferenças e apreciando mais nossas similaridades.<br />

Gerardo Seguel era Professor de Desenho na Escola Normal “José Abelardo Nuñez” do Chile, poeta<br />

e intelectual importante em seu país. Publicou o livro Fisonomia del Mundo Infantil [4]. Trata-se<br />

de um estudo sobre o desenho infantil. No Brasil nos anos 20 temos estudos semelhantes feitos<br />

por Nereu Sampaio [5], Sylvio Rabello [6] e Edgar Sussekind de Mendonça. Segundo L. H. Errázuriz<br />

foi o primeiro livro dedicado de forma específica ao tema no Chile. Diz ainda este mesmo autor<br />

sobre o livro de Seguel:<br />

Este pequeno livro, que foi publicado em Santiago no ano de 1929 pela<br />

Imprenta El Esfuerzo, contem, entre outros temas, referências especificas<br />

às etapas da arte infantil, suas vinculações com a arte primitiva,<br />

uma breve resenha sobre o valor educativo do cine e a reprodução de<br />

desenhos em preto e branco. Cabe destacar que na bibliografia desta<br />

obra se citam autores tais como Freud, Dewey e Ferrière. Neste sentido<br />

há que se ter presente que o interesse pela atividade artística criadora<br />

das crianças esteve fortemente influenciado pelas idéias pedagógicas<br />

da nova educação, a qual, pela sua concepção ativa de escola, privilegiou<br />

a espontaneidade e participação da criança nos processos educativos.<br />

Em consequência, as teorias de Rousseau, Ferrière, Dewey, para<br />

nomear apenas alguns, serão chaves para compreender a origem deste<br />

movimento.<br />

É curioso que a revolução educacional dos anos 20/30 ficou conhecida entre nós no Brasil por Es-<br />

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Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

cola Nova enquanto Seguel e muitos hispano americanos a chamavam de Nova Escola.<br />

Não é estranho Seguel ter colaborado no Brasil com o Diário de Notícias na página de Educação<br />

dirigida por Cecília Meireles. Ambos tinham um perfil intelectual semelhante: os dois eram poetas,<br />

críticos de literatura, professores e apaixonados pela modernização da educação especialmente<br />

pelo cinema na escola. Além disto, não apenas defendiam a integração Latino Americana, mas<br />

também tinham ação e transito cultural entre a América Latina, Portugal e Espanha publicando<br />

em revistas e jornais ibero-americanos. Ainda mais, Seguel, como Cecília era um entusiasta da<br />

Reforma Fernando de Azevedo [7] no Distrito Federal (Rio de Janeiro) e escreveu um belo artigo<br />

elogiando-a na revista Seara Nova de Portugal em 1930 intitulado Significado social da revolução<br />

brasileira.<br />

Foi seu primeiro artigo naquela revista, em 1931 escreveu mais três artigos na Seara Nova: Simon<br />

Bolívar, La accion del magisterio en la América Latina e Um congresso pedagógico em Espanha.<br />

Esta revista portuguesa era tão importante que apesar de ser republicana conseguiu sobreviver<br />

durante a ditadura. Seu primeiro editorial depois da revolução de abril foi escrito por Saramago.<br />

Mesmo assim ironicamente a democracia não tem aliviado os problemas que enfrenta para sobreviver<br />

hoje.<br />

Neste período Seguel morava na Espanha. Visitou os mais importantes centros educacionais europeus<br />

da época uma visita sua consta do livro de visitantes do Instituto de Orientação Profissional,<br />

em Portugal, dirigido pelo pedagogo Faria de Vasconcelos, que também escreveu acerca<br />

do Desenho da criança, assunto recorrente entre os pioneiros da época e deu palestras sobre o<br />

tema no Instituto Jean Jacques Rousseau em Genévè, de fama internacional.<br />

O IJJR era tão famoso naquela época quanto a Escola da Ponte de Portugal ou as escolas de Reggio<br />

Emilia o são hoje. Faria de Vasconcelos também trabalhou com grande sucesso na Bolívia tendo se<br />

casado com uma boliviana.<br />

Comprovamos que Seguel esteve no Brasil em 1930, pois consta no texto Notas de viaje a Ouro<br />

Preto de Jules Supervielle publicado na Revista Sur a seguinte frase: Sábado 12 de julio de 1930<br />

“Sin embargo mañana dejaré esta ciudad que conozco tan mal todavía (referia-se ao Rio de Janeiro)...”.<br />

“Rumbo a Ouro Preto con mi amigo Gerardo Seguel, amigo de Neruda y de Díaz Casanueva,<br />

notables poetas chilenos los tres” (SUPERVIELLE, 1931, p.74-75).<br />

Alem disto Seguel entrevistou Claparede na chegada dele ao Rio, ainda no navio no dia 14 de<br />

setembro de 1930. Quando Seguel voltou da Espanha havia se tornado comunista. Não há confir-<br />

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Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

mação de sua participação na Guerra Civil Espanhola. Morreu cedo, em 1950 [8], aos 48 anos e<br />

deixou duas obras sobre poetas chilenos citadas até hoje e livros de poesia. Portanto a Educação<br />

Artística o esqueceu, mas a Literatura guarda sua memória e o comemora.<br />

Encontramos dois artigos dele sem data no livro de recortes de Fernando de Azevedo no Instituto<br />

de Estudos Brasileiros da <strong>Universidade</strong> de São Paulo (IEB/USP). Posteriormente, no Diário de Notícias,<br />

mais um artigo assinado por ele datado de 13 de julho de 1930. Supomos que os três artigos<br />

também tenham sido publicados na década de 30 pois não foi encontrado nenhum outro datado de<br />

outros anos. Curiosamente, encontramos também no IEB/USP uma carta de Cecília Meireles para<br />

Fernando de Azevedo de 20 de julho de 1931 que diz,<br />

Junto com esta carta envio a pedido de meu amigo Prof. Gerardo Seguel<br />

um número da Revista Pedagógica de Madrid em que vem um artigo<br />

sobre sua reforma. Isto servirá para lhe demonstrar mais uma vez que<br />

não houve, apenas, mas continuará a haver um grupo de criaturas dispostas<br />

a defender essa obra que o Sr. quis oferecer ao Brasil.<br />

Acrescentava ainda o endereço de Gerardo Seguel, Españoleto, 12, Madrid, numa delicada sugestão<br />

para Fernando Azevedo responder a ele. Contudo Seguel já era conhecido de Fernando de<br />

Azevedo pelo menos através dos artigos que encontrei nos riquíssimos livros de recortes que Fernando<br />

de Azevedo legou para a posteridade. Transcreveremos a seguir pequenos textos de um dos<br />

artigos de Seguel (1930),<br />

A escola tem sido sem dúvida uma das mais acentuadas preocupação<br />

humanas destes últimos tempos, talvez porque nela vemos refletir-se<br />

toda uma época. Apesar das hesitações naturais que sofre, hoje já podemos<br />

extrair a substância espiritual que a anima, buscar seu denominador<br />

comum. É por isso mesmo que já podemos evitar as confusões<br />

prejudiciais ou as subordinações interessadas.<br />

(...) Sem dúvida de muito longe vem a Nova Educação, elaborando-se a<br />

cada passo que dava, até encher sua medida ideal. Por isso, em todas<br />

as formas da nova educação encontramos algo que nos fala das outras<br />

preocupações da vida atual. Do ponto de vista histórico, a zona onde<br />

começa a ser visível o espírito da educação ativa, é Pestalozzi, nele,<br />

apesar do caráter marcadamente finalista da “Casa de Educação para<br />

os Pobres”, se salva pela abundância fervorosa da alma desse educador;<br />

continua-se com Froebel o mesmo sentido educativo.<br />

(...) Depois deles ninguém manteve os verdadeiros tributos pedagógi-<br />

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Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

assim tão puros, até a época atual, quando uma imensa quantidade de<br />

preocupações afins lhe emprestam sua solidariedade. A atual educação,<br />

mais do que um corpo metodológico, significa um novo conceito da<br />

vida infantil e da vida total, sobretudo representa uma esperança da<br />

humanidade.<br />

Esta atitude é francamente solidária com a Escola Intuitiva de Pestalozzi.<br />

Dessa aspiração e do ambiente de atividade nasce agora com Bovet<br />

o nome de Escola Ativa, com Claparede o de Educação Fundamental:<br />

na Itália com Lombardo Radice, denominando-se Escola Serena, e na<br />

Alemanha, com Kerchensteiner, Escola do Trabalho, e posteriormente,<br />

na Rússia, Escola Produtiva.<br />

No fundo inicial todos estes nomes obedecem ao mesmo princípio de<br />

constante atividade criadora que deve proporcionar a escola e é só em<br />

algumas particularidades que eles se diferenciam, particularidades que<br />

às vezes, não passam de simples nomes diversos mas que, em outras,<br />

obedecem a interesses estranhos à educação que penetraram o campo<br />

desta. Mas já é hora de assinalá-los para manter íntegro o prestígio da<br />

intenção essencial.<br />

Ao novo sentido da atividade, associa-se o conceito já expresso por<br />

Locke: “Nada existe no intelecto que não tenha passado antes pelos<br />

sentidos. E Dewey, nos Estados Unidos dizia: “Não existe nenhum trabalho<br />

manual que não precise de um complexo exercício psíquico”.<br />

Neste setor da escola do trabalho, encontramos agora os pedagogos<br />

russos Bolskij e Pistrak [10]. Eles respeitam o processo educativo no<br />

seu sentido de extensão ou seja em fases sucessivas: mas o saturam de<br />

preocupações industrialistas. Obedecem ao desejo de fazer predominar<br />

na sociedade o tipo de produtor manual. As idéias de Dewey, embora<br />

mais amplas, pertencem na sua intenção a este conceito, dominante<br />

também nos Estados Unidos.<br />

Não pode ser estranha, a quem penetrar, sem partidarismo, interessado<br />

no estado psicológico da América do Norte e da Rússia, essa fraternização<br />

básica dos seus sistemas educativos, porque ambos os países<br />

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Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

obedece a um exercício de predomínio materialista na vida humana.<br />

Trata-se de duas sociedades de diferentes orientações, mas dentro do<br />

mesmo plano psíquico. (Assim se explicam facilmente os elogios de<br />

Dewey, quase sem reservas, à escola soviética)....Sem ir mais longe,<br />

na Reforma do Distrito Federal, encontram-se ligeiros rasgos neste sentido<br />

que através de Dewey se deixaram ver. Igualmente na organização<br />

mexicana. “A nova educação não compreende o direito de fazer das<br />

crianças o que se quiser. A educação, como diz Wineken [11] pertence<br />

ao domínio do espírito e não aos acidentes políticos” (Diário de Notícias<br />

10/07/1930).<br />

Seguel termina um de seus artigos com a citação do pedagogo espanhol Domingo Barnes, que<br />

foi Ministro da Educação do período republicano, impulsionador de experiências educacionais<br />

admiráveis. Até hoje há na Espanha uma certa nostalgia pela perda da vitalidade educacional<br />

que dominava a segunda Republica (1931-1939). Estive em 2008 em um evento que finalizou um<br />

curso de atualização de professores em Madri e todos que falaram se referiam com entusiasmo ao<br />

modelo educacional da Republica. É, pois com a fala apreendida por Gerardo Seguel de um herói<br />

educacional da Republica espanhola que termino este trabalho desejando que se intensifique os<br />

diálogos interculturais na <strong>Arte</strong>/Educação ibero-americana resignificando nossa relação para além<br />

do neo-colonialismo.<br />

A vida está tecida de sonhos e muitos deste sonhos foram sonhados<br />

na infância. A criança espreita para reviver no homem enfraquecido;<br />

no homem melancólico ou nostálgico; no homem cansado; quando<br />

sobrevém o medo e também quando florescem sentimentos novos<br />

(BARNES, apud SEGUEL, 1930).<br />

Notas<br />

[1] Referência ao movimento Antropofágico deflagrado por Oswald de Andrade nos anos 20.<br />

[2] DUSSEL, Ines. Entrevista con Nicholas Mirzoeff. La cultura visual contemporánea: política y<br />

pedagogía para este tiempo. Buenos Aires: Propuesta Educativa 31, 2009, p.69-79.<br />

[3] Texto enviado por e-mail por Hélio Rôla do Ceará sem referências bibliográficas.<br />

[4] Luís Hernán Errázuriz. Historia de um área marginal: la enseñanza artística em Chile,1797-1993.<br />

Santiago: Ediciones Universidad Católica de Chile,1994, p.126.<br />

[5] Ver em Ana Mae Barbosa. John Dewey e o ensino da <strong>Arte</strong> no Brasil, São Paulo: Cortez, 2001.<br />

[6] Ver Rejane Coutinho em Ana Mae Barbosa (org) Ensino da <strong>Arte</strong>: memória e história. SP: Perspectiva,<br />

2008.<br />

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Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

[8] O diario chileno “La Hora em 7 de julio de 1950, con el título “Gerardo Seguel: Elegía y adiós”<br />

dedica um tributo a este escritor que foi vice presidente da Aliança de Intelectuais do Chile.<br />

[10] Trata-se de pedagogo russo cuja obra só foi traduzida no Brasil em 1981 pela necessidade de<br />

resolver os problemas educacionais propostos ao país pelo movimento dos sem terra.<br />

[11] WINEKEN, Gustav. (1875-1964). Escreveu o livro Escola e cultura juvenil. (1912)<br />

Referências<br />

BOSI, A. Entrevista. In Revista É. São Paulo: SESC, janeiro de 2010, n.7, ano16, p.14.<br />

DUSSEL, I. Entrevista con Nicholas Mirzoeff. In La cultura visual contemporánea: política y<br />

pedagogía para este tiempo. Buenos Aires: Propuesta Educativa 31, p.69-79.<br />

ERRÁZURIZ, L. H. (1994) Historia de um área marginal: la enseñanza artística em<br />

Chile,1797-1993. Santiago: Ediciones Universidad Católica de Chile.<br />

PISTRAK, M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1981.<br />

ROS, R. María Cardá; CAPELL, Heliodoro Carpintero. Domingo Barnés: biografia de um educador<br />

avanzado. In Boletín de la Institución Libre de Enseñanza, n.12, 1991, p.63-74.<br />

SEGUEL, Gerardo. Rio de Janeiro, Diário de Notícias 10/07/1930. Arquivos de Fernando de<br />

Azevedo , IEB, USP<br />

SUPERVIELLE, J. Notas de viaje a Ouro Preto. In Revista Sur, Verano, 1931, ano 1, Buenos Aires,<br />

p.74-75.<br />

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Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal<br />

Nelson Yoshiharu Kume Mestrando em Têxtil e <strong>Moda</strong>: Escola de <strong>Arte</strong>s, Ciências e Humanidades<br />

da <strong>Universidade</strong> de São Paulo nelsonk@usp.br<br />

Isabel Cristina Italiano Profa. Dra. do curso de Pós-Graduação em Têxtil e <strong>Moda</strong>: Escola<br />

de <strong>Arte</strong>s, Ciências e Humanidades da <strong>Universidade</strong> de São Paulo isabel.italiano@usp.br<br />

Resumo<br />

Os plissados são configurações de dobras feitas no tecido. Prega, pregueado e plissado,<br />

são termos utilizados de modos equivalentes, mas merecem investigação.<br />

Característica dos plissados, a textura, é um dos elementos essenciais do design,<br />

que por sua vez constituem seus princípios, importantes ferramentas estéticas e o<br />

meio pelo qual os estilistas podem sutilmente ajustar o foco e os efeitos da roupa.<br />

Sua obtenção pode ser feita por técnicas manuais e industriais, e seus padrões ou<br />

módulos, vão do simples até os elaborados, como a tesselação. As inspirações e<br />

influências têm origens dedicadas à história e às tradições.<br />

Palavras-chave:<br />

moda, plissado, tesselação.<br />

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Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal<br />

Introdução<br />

Os plissados pertencentes ao campo da moda e do vestuário serão tratados aqui, sob o ponto de<br />

vista do design, seus princípios e a matéria do tecido. Segundo Treptow (2007),<br />

os tecidos são a matéria-prima de moda. É por meio dos tecidos que<br />

as ideias do designer são transformadas em produtos de vestuário.<br />

Christian Dior afirmou que ‘os tecidos não apenas expressam o sonho<br />

de um designer, mas também estimulam suas ideias. Eles podem ser<br />

uma fonte de inspiração. Muitos de meus vestidos nasceram a partir (da<br />

inspiração) do tecido’. Logo, é importante que o designer conheça suas<br />

características, suas classificações e suas propriedades de caimento e<br />

de adequação (TREPTOW, 2007, p.115).<br />

Jones (2005, p.103) afirma que, “o tecido ou os materiais com que a roupa é feita podem fazer<br />

o sucesso ou o fracasso de um estilo que parecia bom no papel”. É o elemento ao mesmo tempo<br />

visual e sensual de um modelo (de roupa). De fato, muitos estilistas escolhem o tecido antes de<br />

fazer o desenho do modelo. Eles preferem se inspirar na textura e no manuseio do material para<br />

depois procurar algo que tenha o caimento perfeito para o seu desenho. Um estilista precisa ter<br />

experiência sobre o comportamento dos tecidos. O tecido é escolhido por sua compatibilidade<br />

com parâmetros como a estação, as linhas e as silhuetas desejadas, o preço para o mercadoalvo<br />

e a cor. A cor pode ser ajustada em uma etapa posterior, mudando-se as especificações de<br />

tingimento, mas a textura e as demais propriedades permanecem constantes.<br />

Sob o olhar do pensamento complexo de Morin (2011), a desordem é a ideia de dispersão e a<br />

ordem, constrangimento imposto. Sob aspecto físico e material, no design, a ordem e desordem<br />

são elementos essenciais para as texturas, intrínseco aos plissados, pregueados e suas variações.<br />

Mais adiante será abordada a equivalência, na terminologia, entre pregas e plissados.<br />

Dior (2009) compartilhou sua visão sobre o tema:<br />

Há anos as pregas são, e vão continuar a ser, um ponto alto da moda.<br />

Eu as adoro porque são femininas, eficazes, e dão movimento. Sempre<br />

proporcionam um visual de simplicidade e que admiro muito. São muito<br />

joviais. Com as pregas, você consegue colocar o maior volume em um<br />

vestido sem torná-lo estufado. São muito emagrecedoras e ficam bem<br />

em quase todas as mulheres. São muito versáteis também – você pode<br />

ter pregas tipo box, sanfona, não prensadas, invertidas e raio-de-sol – e<br />

todas têm seu uso (DIOR, 2009, p.89).<br />

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Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal<br />

Os plissados merecem ser utilizados, explorados e extrapolados. Para a potencialização, torna-se<br />

fundamentalmente importante considerar os aspectos de <strong>Design</strong>. Para contextualização, partimos<br />

do princípios do design e o grande conjunto dos elementos do design. Os princípios, contêm as<br />

texturas, onde os plissados e suas variações se inscrevem.<br />

Os princípios do design para a criação em moda, segundo Treptow (2007, p.115), significa gerar novos<br />

arranjos para elementos conhecidos. O talento do designer reside em utilizar estas ferramentas<br />

para combinações originais que estimulem o consumo. Segundo Jones (2005, p102-110) “são uma<br />

parte importante do conjunto de ferramentas estéticas e o meio pelo qual os estilistas podem,<br />

sutilmente, ajustar o foco ou os efeitos de um modelo... são a chave para entender porque um<br />

modelo deu certo ou não”. Acrescenta, ainda, que a utilização rigorosa, assim como o deliberado<br />

desprezo desses princípios são igualmente válidos se a mensagem for compreendida.<br />

Jones (ibid, p.108-109) estabelece nove princípios de design: repetição, ritmo, gradação,<br />

radiação, contraste, harmonia, equilíbrio, proporção e sensação corporal. Alguns destes princípios<br />

merecem ser aqui destacados. A repetição, refere-se ao uso de elementos de estilo, detalhes ou<br />

acabamentos, na mesma roupa, repetidos de modo regular ou irregular. “A repetição pode ser parte<br />

da estrutura da roupa, como as pregas... de uma saia... Quebrar o padrão tem o efeito de chocar<br />

e atrair olhares” (IBIDEM). O ritmo, tal como a música, pode criar efeitos marcantes por repetição<br />

regular de características da roupa ou desenhos das estampas. A radiação compreende o uso de<br />

linhas que se abrem em forma de leque a partir de um eixo central. “Uma saia plissada rodada é<br />

um bom exemplo” (IBIDEM). O contraste constitui um dos mais úteis princípios de criação; faz com<br />

que o olhar reavalie a importância de uma área focal em relação à outra. O efeito contrastante<br />

pode ser dado pelo tipo de superfície – fosca, brilhante, rústica e outras - ou pelas cores e ainda,<br />

os “contrastes de texturas aumentam o efeito de cada tecido” (IBIDEM). A sensação corporal<br />

proporciona a experiência tátil. “Contrastes de texturas enfatizam as diferenças entre roupa e as<br />

formas corporais e a própria pele, e acrescentam estilo, clima e charme à roupa” (IBIDEM).<br />

Os principais elementos do design, na criação de moda são: silhueta, linha e textura. A silhueta é<br />

o contorno geral da roupa, que se altera de acordo com o ângulo de observação, assim como pelos<br />

movimentos do corpo. A linha, usada em infinitas variedades, em várias direções, duras ou suaves,<br />

promove reações emocionais, psicológicas e estéticas, enfatizando ou disfarçando os traços do<br />

corpo.<br />

A textura<br />

A relação da roupa com o corpo não é apenas visual, é, também,<br />

sensorial. Por isso as texturas são de imensa importância. O designer<br />

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Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal<br />

deve estar familiarizado com as propriedades dos diferentes tecidos.<br />

O caimento de um traje será determinado pelo tecido no qual ele for<br />

confeccionado. O designer pode transferir muitas ideias para o papel<br />

ou para a tela do computador, mas se não souber escolher a textura<br />

adequada (gramatura, toque, composição do tecido), não chega ao<br />

resultado desejado (TREPTOW, 2007, p. 133).<br />

Para Castellani (2003, p.673), textura é o aspecto da superfície do tecido; às vezes o termo se e<br />

refere ao próprio toque.<br />

Os termos: plissados, pregas e outros<br />

Em Dior (2009, p.89) pleats é traduzido como pregas. Seguindo esta tradução, para Wolff (1996,<br />

p.88), pregas/pleats “são dobras medidas, formadas na borda de um pedaço de tecido onde<br />

são seguros por costura”. Abaixo dos pontos de costura, as pregas tornam-se dobras soltas que<br />

continuam naturalmente ao longo do tecido. Na borda, as pregas são elevadas ou manipuladas<br />

para se projetarem dando novas e atraentes configurações. Para Castellani (2003, p.604), prega<br />

é “dobra do tecido de largura variável... dobrada para dar corpo a uma peça” e preguear é o<br />

“ato de fazer pregas.” Segundo Ferreira (1988, p.524) prega é “parte do tecido ou outro material<br />

propositalmente dobrada sobre si mesma, e que serve para dar maior folga ao mesmo ou para<br />

ornamentá-la”. De acordo com Jones (2005, p.230), “as pregas podem ser feitas por meio da<br />

manipulação do tecido em uma pala ou tira ou por processos industriais de passar a ferro”.<br />

O plissado ou plissê, segundo Ferreira (1988, p.512), “são série de pregas feita num tecido, em<br />

geral com máquina para marcá-las e que, graças à ação do calor, não se desmancham”. O plissado<br />

ou plissê, conforme Castellani (2003, p.604) é o “tecido que apresenta pregas fixadas por calor<br />

ou processo químico”. No Grande Livro da Costura (1988, p.182-183), coloca como parâmetro<br />

de classificação, o desenho. Assim, o plissado trata-se de “pregas muito estreitas” ou “muito<br />

elaboradas”, que “deve ser executado por um profissional especializado”.<br />

Autores e tradutores utilizam os termos plissado e pregas como equivalentes, em pleats, da<br />

língua inglesa. Na indústria de confecção, pregas equivalem a dobras em menor número, feitos no<br />

processo de costura. Os plissados referem-se a dobras em maior número, de dimensões menores,<br />

em maiores quantidades de tecido, com fixação permanente por calor, e geralmente, são realizados<br />

por empresas especializadas.<br />

Passadoria<br />

A passadoria é feita uma ou mais vezes durante a formação dos tecidos plissados, com o ferro<br />

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de passar, uma ferramenta essencial. Na execução dos efeitos pelas manipulações de tecidos,<br />

“algumas vezes o calor, o vapor e a compressão são tão parte da preparação do plissado quanto<br />

a agulha e a linha (de costura)” (WOLFF, 1996, p.89). Outras vezes o vapor termina o trabalho,<br />

preservando o arranjo de dobras. Tal operação está mais ligada ao fato de passar as dobras de<br />

plissados planos ou parcialmente planos em vincos definidos e permanentes. Após o alinhavo do<br />

arranjo das dobras, uma leve passadoria a vapor fixa os vincos preliminares. Em escala industrial,<br />

ou em empresas especializadas, são utilizadas outras técnicas de aquecimento, com equipamento<br />

específico.<br />

Um fator diferencial da prega é a passadoria, sendo uma operação opcional. Para Fresia (2011,<br />

p.130), as pregas, com a passadoria, têm vincos definidos nas dobras, dando uma aparência<br />

ajustada ao corpo e, sem passadoria, “adiciona leve volume ao vestuário sem muitos franzidos”.<br />

Pregas planas<br />

São dobras paralelas elevadas da superfície do tecido e tombadas para o lado, representadas na<br />

figura 1. As dobras, organizadas de modo sistemático, quando realizadas manualmente, são fixadas<br />

por pontos de costura no topo e soltas abaixo. As variações das pregas planas são componentes<br />

de design que possibilitam as diferentes configurações, sendo: pregas-faca, pregas-box e pregas<br />

invertidas.<br />

Pregas-faca (knife pleats) ou pregas tombadas: dobras são deitadas ou viradas para a mesma<br />

direção (WOLFF, 1996, p.91).<br />

Pregas-box (box pleats): nome dado a prega que tem “duas dobras internas, adjacentes, de mesma<br />

profundidade, viradas direções opostas” (WOLFF, 1992, p.91). Ainda, é a “prega que tem as duas<br />

dobras idênticas e viradas para dentro, como se fossem formar uma caixa. Também chamadas<br />

pregas-macho. É o oposto da prega fêmea” (CASTELLANI, 2003, p.604). É mais esclarecedor ao se<br />

afirmar que “as (bordas das) dobras se encontram (juntando-se) no lado avesso da peça”, como<br />

afirmado por Domingo (2008, p.114).<br />

Pregas invertidas (inverted pleats) ou pregas fêmeas são o oposto das pregas-macho; são dobras<br />

adjacentes de profundidades iguais voltadas para se encontrarem no centro. Ou segundo Castellani<br />

(2003, p.604), “é a prega que tem as duas dobras idênticas e viradas para fora, uma para o lado<br />

direito e outra para o lado esquerdo” e as bordas das “dobras se encontram (juntando-se) no lado<br />

direito da peça” (DOMINGO, 2008, p.114).<br />

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Figura 1: Pregas Planas<br />

Fonte: (WOLFF,1996).<br />

Pregas Parciais ou Fendas<br />

As pregas parciais ou fendas são pregas planas que se abrem abaixo do topo do tecido com a<br />

camada da dobra interna, retirada acima dos pontos do início da fenda, como na figura 2.<br />

Figura 2: Pregas parciais ou fendas.<br />

Fonte: (WOLFF, 1996).<br />

Pregas Projetadas<br />

Nestas, as dobras que se projetam da superfície do tecido e estruturado no topo ou cabeça, em<br />

estruturas roliças que se salientam para fora do tecido em si. Abaixo, deles, as pregas caem em<br />

dobras profundas, regulares e arredondadas na borda livre. Um exemplo deste tipo de pregas<br />

pode ser visto na figura 3.<br />

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Figura 3: Pregas projetadas.<br />

Fonte: http://www.threadsmagazine.com/assets/uploads/posts/14259/pleats79_lg.jpg<br />

Acessado em 10/10/2011.<br />

Pregas e plissados Acordeão ou Sanfona<br />

Neste tipo, o tecido é dobrado alternadamente para dentro e para fora com espaços iguais entre<br />

dobras paralelas. Esse arranjo lembra a aparência das dobras de um acordeão, que podem ser<br />

vistas na figura 4. O plissado raio-de-sol é uma variação desta, onde as linhas convergem para um<br />

único ponto.<br />

Figura 4. Pregas acordeão, de Amaya Arzuaga, inspirada nas asas e vôo das mariposas. Madrid<br />

Fashion Week 2009, coleção Primavera-Verão 2010.<br />

Fonte: (ARROYO, 2011).<br />

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Plissados enrugados ou amassados<br />

São formadas por cristas e sulcos irregulares amontoados e amassados a úmido, segurando-se<br />

firmemente e deixando secar. Um exemplo criado por Issey Miyake está representado na figura 5.<br />

Figura 5. Plissados amassados, de Issey Miyake, coleção Outono 1994.<br />

Fonte: (PALOMO-LOVINSKI, 2010).<br />

Pregas de duplo controle<br />

Pregas confinadas nas duas extremidades, com dobras soltas ao centro..As pregas estabilizadas ou<br />

fixas, podem ser viradas para qualquer direção.<br />

Texturizando a vida: os plissados e a influência nipônica<br />

Para McCarty (2000, p.11-15) os têxteis estão entre as mais antigas e persuasivas formas de<br />

arte. Devido ao fato de se integrarem às vidas das pessoas de inúmeras maneiras e de poderem<br />

ser feitos de qualquer material, continuam a dar aos artistas e designers, oportunidades para<br />

imaginação e inspiração. Este empenho é reafirmado pelos têxteis japoneses contemporâneos,<br />

com alguns dos mais engenhosos e dinâmicos artefatos sendo feitos hoje. Sua beleza e qualidades<br />

misteriosas e intrigantes estão enraizadas, não somente nas tradições asiáticas, mas, também,<br />

em surpreendentes inovações técnicas que apresentam descobertas inesperadas. Sua faixa de<br />

materiais inclui desde a etérea seda, cuja atmosfera de fios vaporosos lembram feixes de ar, até<br />

os imutáveis fios de aço inoxidável.<br />

<strong>Arte</strong>, design de interiores e moda são áreas primárias da atividade têxtil. Muitos dos artistas,<br />

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empregando tear e métodos de tingimento tradicionais e materiais naturais ou sintéticos, formam<br />

obras únicas, que são planas ou esculturais. Em contraste, os designers têxteis colaboram com<br />

tintureiros, tecelões e fabricantes, usando tecnologias complexas e técnicas de manipulação<br />

complexas para criar novas texturas, processos de acabamento e efeitos visuais extraordinários<br />

que são, então, produzidos industrialmente. Seus têxteis são usados para interiores residenciais e<br />

comerciais, moda e aplicações práticas. Todas estas obras, entretanto, são conseqüência natural<br />

das ricas tradições japonesas em fiação, tingimento, tecelagem, manipulação e acabamento de<br />

tecido.<br />

Ao longo de sua história, os japoneses têm mostrado sua grande sensibilidade em relação à<br />

natureza e amor por sua beleza. A religião indígena japonesa, Shinto, centra-se na adoração e<br />

comunhão com o espírito da natureza. Isto, unido à escassez de recursos naturais, tem inculcado<br />

em seu povo um elevado respeito por todos os materiais, naturais ou sintéticos. Uma habilidade<br />

para maximizar recursos limitados e reverenciar a característica inerente de cada material é um<br />

aspecto firmado profundamente da cultura japonesa.<br />

Apesar das grandes fábricas serem tecnicamente modernas e automatizadas, a maioria é composta<br />

por pequenas e simples. Muitas destas fábricas antes manufaturavam quimonos e outros artigos de<br />

vestuário, e têm existido por gerações. Cada uma delas tende a se especializar em uma técnica<br />

– corte, gravura química, tear de liço, plissado ou flocagem, por exemplo – mas eles se orgulham<br />

do desafio do desenvolvimento de um novo processo ou textura.<br />

A maioria destes têxteis se origina como novas extensões de poliéster. Tal como uma folha em<br />

branco, o poliéster oferece praticamente possibilidades ilimitadas. Uma vez considerada uma<br />

fibra inferior para vestuário e mobiliário, seu status foi elevado por meio de uma constante<br />

reinvenção e com visão de futuro. Este tecido prosaico tem sido avivado pela texturização de sua<br />

superfície, uma abordagem frequentemente usada para esconder defeitos, em graus menores,<br />

em plásticos e vidro. Aquecimento, vaporização, agulhagem, dissolução em ácido, polimento,<br />

aparagem, navalhagem – tratamentos abusivos associados com materiais duráveis como pedra,<br />

cerâmica ou vidro – transforma poliéster em tecido que desafia nossa noção do que os têxteis<br />

podem ser. Dobras ordenadas, pregas ou texturas enrugadas são indelevelmente ‘cozidas’ nestes<br />

tecidos sintéticos, cujas propriedades termoplásticas apresentam ‘memória’ por calor. Suas<br />

texturas diversificadas são características prediletas da cultura japonesa, por sua assimetria e<br />

imperfeição elegantes, encontradas na maioria de suas formas de arte.<br />

Muitos designers com sede em Tóquio têm se superado na transformação destes materiais<br />

prosaicos, como poliéster, em superfícies mágicas com grande finesse. Eles os experimentam<br />

com várias fibras e processos de acabamento para explorar as características físicas do material,<br />

frequentemente dando novas interpretações a técnicas antigas. Assim como seus homólogos das<br />

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áreas rurais, eles também buscam inspiração em seus arredores, mas seu meio ambiente é a<br />

paisagem urbana bruta. O caráter de seus têxteis reflete frenesi, brilho, movimento, agitação da<br />

vida urbana, carregado de energia.<br />

<strong>Design</strong>ers visionários incorporam ambos, métodos antigos e tecnologias experimentais, nos modos<br />

atípicos de trabalho com têxteis. Eles transfiguram tecido plano em baixo-relevo por manipulação<br />

química ou queima; fios com características opostas são justapostos para criarem o equivalente<br />

à renda; ácidos são usados para esticar ou encolher tramas separadas de linhas, criando uma<br />

textura empolada. Eles tecem janelas e orifícios em tecido e aquecem a vapor, criando tecidos<br />

distorcidos, superfícies filtradas e perfuradas. Em alguns casos, este tratamento revolucionário de<br />

têxteis e moda não só tem reformulado a aparência do corpo e o modo das pessoas se vestirem,<br />

mas também, redefinem o modo delas andarem e movimentarem-se.<br />

Transformações<br />

O processo e a técnica nos têxteis japoneses contemporâneos são descritos por McCarty e McQuaid<br />

(2000, p.17-28).<br />

A mudança e a acomodação de nova tecnologia aos métodos criativos tradicionais impõem um<br />

desafio para a vida contemporânea. A maioria das culturas do mundo tem se confrontado com uma<br />

fusão de técnicas antigas e a indústria do século XX. Os têxteis não têm sido isentos deste fenômeno;<br />

como eles estão ligados inseparavelmente às atividades e linguagem diárias, fornecem um meio<br />

exemplar desta integração do velho com o novo. No Japão, uma tradição têxtil particularmente<br />

rica tem transformado em uma das indústrias mais inovadoras no campo. As fábricas com cinco ou<br />

mais gerações, que se acostumaram à especialização em algum aspecto da produção de quimonos,<br />

agora desenvolvem materiais e tecnologias que contribuem significantemente para a cultura têxtil<br />

contemporânea. Técnicas ancestrais não têm sido substituídas, mas adaptadas e expandidas.<br />

Assim o quimono, por exemplo, tem permanecido uma unidade simbólica de medida de tecido,<br />

tal como tatami para a arquitetura japonesa.<br />

Tecido Esculpido<br />

Segundo McCarty e McQuaid (2000, p.25-28) qualquer material que tenha a propriedade de ser<br />

moldado ou perfilado em um modo particular pode ser esculpido – pedras são cinzeladas, metal<br />

é fundido, argila é sovada ou moldada. Quando superfícies têxteis são esculpidas e altamente<br />

articuladas, paisagens individuais são formadas pela manipulação e revelação do comportamento<br />

interior dos fios. O calor tem papel instrumental e muitos tecidos esculpidos são, na verdade,<br />

cozidos. Eles são frequentemente impressos com, ou aderidos a uma substância que responde ao<br />

calor que determinará o resultado da textura.<br />

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O Jellyfish (ver figura 6) de Sudo usa um processo no qual um policloreto de vinil industrial,<br />

originalmente desenvolvido para a indústria de estofamento automobilístico e com uma razão<br />

preestabelecida de cinquenta por cento de encolhimento térmico, recebe, parcialmente, camadas<br />

sobre o tecido de poliéster por meio de serigrafia. É, então, aquecido. Isto causa ao poliéster<br />

enrugamento onde o vinil adere. Por causa dos sintéticos como poliéster terem características<br />

termoplásticas, ou a habilidade ser moldados permanentemente por calor, cada tecido retém a<br />

superfície irregular depois do cloreto de vinil ser removido. Este design, conduzido industrialmente,<br />

produz planos ondulados de cor e textura que imita o efeito de pregas frequentemente produzido<br />

pelo tingimento do shibori.<br />

Figura 6: Jellyfish.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

Há três tipos de plissados – pregas prensadas manualmente com ferro; plissado à máquina – pregas<br />

paralelas são feitas pela passagem de um rolo de tecido entre cilindros aquecidos e criando uma<br />

prega em faca; e plissado a mão – o tecido pré-cortado é colocado entre duas folhas de papel<br />

dobrado em padronagens, quimicamente tratado, que é aquecido para formar as pregas. Inoue<br />

Pleats foi a primeira empresa a produzir plissados em larga escala no Japão. Eles e ainda mais,<br />

Issey Miyake, popularizaram os plissados na moda contemporânea mundial. Há muitas variações,<br />

tal como em Wrinkle P, representado na figura 7. Desenvolvida pela Inoue Company e produzida<br />

pelo amassamento aleatório de tecido de poliéster num pequeno contenedor, colocando-o em<br />

uma máquina de termo-fixação onde as pregas são fixadas permanentemente.<br />

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Figura 7: Wrinkle P.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

A plissagem manual e à máquina são combinadas para criar Crystal ∑ (ver figura 8). Pregas verticais<br />

são feitas num primeiro estágio, seguido de um método manual especial que comprime o tecido<br />

plissado a uma largura que é, aproximadamente, um terço do tamanho original. O resultado é uma<br />

transformação de um poliéster anônimo para uma pele texturizada ou, como Sudo descreve Mica,<br />

um tecido ‘ouro dos tolos’ de múltiplas camadas. Este tecido é mostrado na figura 9.<br />

Figura 8: Crystal ∑.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

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Figura 9: Mica.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

Os plissados podem também ser produzidos usando máquina de impressão transfer (por calor) como<br />

Fluctuation (ver figura 10) de Junichi Arai, e criando um tecido tipo crinolina, ou combinando<br />

processo à máquina com processo de plissado à mão como se vê no movimento de dobra e desdobra<br />

de Origami pleat scarf, mostrado na figura 11.<br />

Figura 10: Fluctuation.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

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Figura 11: Origami pleat scarf.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

Este trabalho, desenvolvido por Sudo e Mizue Okada, abre para uma construção tridimensional<br />

e torna-se completamente plano com um toque. O tecido Harmony, criado pela Urase Company<br />

e mostrado na figura 12, também contém o elemento surpresa, que requer a interação humana<br />

para revelar seu segredo. Como um pedaço estático de tecido, parece elegantemente enrugado;<br />

entretanto, quando as rugas são abertas como para endireitar o tecido, uma outra cor interior é<br />

revelada. A impressão por transfer, térmico, sobre a superfície já enrugada é parte do processo.<br />

A Urase Company é uma grande empresa têxtil, que produz bilhões de metros de poliéster, mas,<br />

também, trabalha de forma independente e com designers externos para criar texturas e estruturas<br />

inovadoras.<br />

Figura12: Harmony.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

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Tesselações<br />

Segundo Rutzky e Palmer (2010, p.11) “um tipo especial de motivo composto por formas colocadas<br />

juntas, sem espaços entre eles, é chamado de tesselação.” Exemplos conhecidos incluem<br />

muitos módulos antigos usados no ornamento de paredes, pisos e tetos. “Módulo é a unidade da<br />

padronagem, isto é, a menor área que inclui todos os elementos visuais que constituem o desenho”<br />

(RUTHSCHILLING, 2008, p.64). Quadrados costurados juntos, tais como blocos de patchwork,<br />

também formam a tesselação. Mosaicos cerâmicos, em particular, são feitos de uma variedade<br />

impressionante de formas encaixadas juntas para formar uma composição. Apesar das tesselações<br />

poderem ter bordas curvas, os módulos feitos de pregas dobradas são feitas com linhas retas.<br />

Estes polígonos, então, se encaixam para preencher uma determinada área, conforme exemplo<br />

mostrado na figura 12.<br />

Figura 13: Tesselação translúcida shadowfold.<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

Muitas formas de arte usam módulos e tesselações para decorar e ornamentar, frequentemente<br />

expressando um estilo específico de uma determinada região geográfica ou cultura. Exemplos são<br />

os anéis que fazem motivos repetidos na cerâmica asiática, blocos cerâmicos do centro-oeste<br />

europeu que formam vastos mosaicos e as colchas americanas com a união de blocos de tecido.<br />

Exemplos mais específicos estão nos palácios e mesquitas no meio-oeste e sul da Espanha, na<br />

região da Andaluzia, na cidade de Granada e no palácio Alhambra, mostrados na figura 14.<br />

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Figura 14: Painéis perfurados do Palácio Alhambra.<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

As tesselações de Rutzky e Palmer (2010, p.13) são chamadas shadowfolds, conforme mostram<br />

as figuras 15, 16 e 17. A translucidez dos tecidos é a única propriedade que faz esses plissados<br />

diferentes dos demais materiais. Inicialmente, eles produziam blocos independentes que eram,<br />

então, costurados uns aos outros, como no patchwork. Depois passaram a fazê-los em uma única<br />

folha de tecido. O mentor dessa ideia é o “pai” da tesselação em papel plissado, o japonês Shuzo<br />

Fujimoto. Seu trabalho tem uma aparência classicamente nipônica, pelo uso de módulos em<br />

hexágonos, quadrados e triângulos.<br />

Figura15: Tesselação shadowfold translúcida (esquerda) e vista através da luz (direita).<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

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Figura 16: Zillij Twelvefold, seda, 48x30 pol, translúcido e visto através da luz.<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

Figura17: Dodecágono em seda, 72x15 pol, translúcido e visto através da luz.<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

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Plissados de padrões complexos<br />

Os tecidos plissados têm a característica de se moverem mais livremente que os tecidos. Segundo<br />

Rutzky e Palmer (2010, p.16), “os exemplos mais altamente desenvolvidos de plissados em tecidos<br />

foram feitos, no século passado, pelos artesãos franceses utilizando molde sanduíche”. Neste<br />

método utilizam-se pares de tesselações em papelão plissado em cada lado do tecido. Quando os<br />

moldes de papelão se encaixam, o tecido é forçado a dobrar-se, conforme as camadas externas.<br />

Este conjunto é, então, aquecido para fixar o motivo no tecido. O molde é desdobrado e retirado<br />

e o tecido retém o motivo plissado que pode ser usado em uma variedade de aplicações. A figura<br />

18 mostra um exemplo deste tipo de plissado.<br />

Figura 18: Gérard Lognon em Paris. O tecido é colocado entre dois moldes de papelão.<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

Considerações Finais<br />

Sob o aspecto do design voltado para o vestuário, os plissados em configurações simples, como os<br />

descritos por Christian Dior, agregam valor em diversos aspectos. Funcionalmente, dão amplidão e<br />

conforto. Esteticamente, mantêm a silhueta feminina alongada e proporciona linhas elegantes ao<br />

movimento do corpo. Culturalmente, para seus usuários, os plissados tradicionais estão associados<br />

a características fora da tendência, desagregada da imagem de juventude tão cultuada no presente.<br />

As características têxteis dos plissados, guardando, porém, a técnica tradicional como identidade<br />

diferencial das empresas, são mantidas por especialistas como os de Gérard Lognon em Paris, a<br />

serviço da alta-costura francesa. Esta categoria da moda, pelos valores associados ao aspecto<br />

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ético do produto, pelo aspecto estético da beleza incontestável e intrínseca do trabalho manual<br />

de altíssimo nível, pelo aspecto cultural da herança de uma história desde Worth, é mantida<br />

viva, com uma aura de idealidade e de unicidade controversa ao contemporâneo. Entre outros<br />

possíveis valores e emoções associadas, é reconhecida como um patrimônio, assim, mantê-la, tem<br />

significação de dimensões extensas.<br />

O futuro pode ser a maior disseminação do enigmático e hipnótico efeito das tesselações e suas<br />

configurações geométricas complexas. Ou, em contraste a essa possibilidade, há a pureza na<br />

releitura das outras tradições orientais. Ambas cultuam o passado, mas se apropriam ou podem<br />

se apropriar ainda mais dos materiais e tecnologias presentes, para disseminarem uma beleza<br />

atemporal, onde vale ousar dizer, eterna.<br />

Referências<br />

ARROYO, Natalio Martín. Secretos de Atelier. Barcelona: Maomao, 2011.<br />

BRADDOCK, Sarah E., O’MAHONY, Marie. Techno textiles 2 – revolutionary fabrics for fashion<br />

and design. London: Thames and Hudson, 2007.<br />

CASTELLANI, Regina Maria. Dicionário ilustrado de A a Z. Barueri: Editora Manole, 2003.<br />

DIOR, Christian. O pequeno dicionário da moda. Trad. de Luciana Garcia. São Paulo: Martins<br />

Fontes, 2009.<br />

DOMINGO, Jesús (ed.). Manual completo de costura. Madrid: Drac, 2008.<br />

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio básico da língua portuguesa. Rio de<br />

Janeiro: Nova Fronteira, 1988.<br />

FISCHER, Anette. Construção do vestuário. Trad. de Camila Bisol Brum Scherer. Porto Alegre:<br />

Bookman, 2010.<br />

O grande livro da costura. Porto: Reader’s Digest, 1980.<br />

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Cosac Naify, 2005.<br />

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Sulina, 2011.<br />

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dos eternos ícones da moda. Trad. de Rodrigo Popotic. Barueri: Girassol, 2010.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O Projeto Interdisciplinas em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> como Troca de Experiências<br />

Adriana Ferreira de Martinez Mestre, UAM<br />

adriana_prof2004@yahoo.com.br<br />

Resumo<br />

O presente artigo exibe propostas educacionais que possam estimular a atividade<br />

criativa dentro do curso de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> da <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

Mostra-se o papel do educador como agente impulsionador na construção de ideias<br />

autônomas com o propósito de gerar criações singulares. Pela vivência na orientação<br />

de projetos interdisciplinares foi possível identificar em cada etapa a<br />

demanda de processos diferenciados para conquistar a materialização e as dificuldades<br />

que precisam ser superadas em cada período. A sala de aula concebida como<br />

espaço de constantes trocas de saberes e laboratório de experiências proporciona<br />

oportunidades para incentivar reflexões e encontrar soluções originais.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong>, moda, educação, experiências.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O Projeto Interdisciplinas em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> como Troca de Experiências<br />

Experimentações (sobre educação)<br />

“... o pensar deve ser aprendido como deve ser aprendido o dançar”<br />

F. Nietzsche (2001)<br />

Abordar o tema educação é transitar pela historia da formação de ideias, desde os gregos à contemporaneidade,<br />

do ensino disciplinar ao libertário. O papel do educador, muitas vezes confundido<br />

pelos estudantes como protetor, autoritário, amigo ou confidente é um dos mais complexos.<br />

Esse emaranhado de atribuições decorre porque ele (o professor) cumpre um pouco cada uma<br />

dessas concepções, porém, sem se formatar a nenhuma delas. A sua responsabilidade repousa<br />

em contribuir com a formação de seres capazes de gerar novas experiências na vida profissional,<br />

pessoal e coletiva.<br />

A autoridade que um educador detém, provém tanto do saber adquirido mediante estudos<br />

acadêmicos, quanto da vivência como docente. Cabe aqui esclarecer que autoridade não pode<br />

ser confundida com imposição. A autoridade está intimamente relacionada ao domínio de conhecimentos<br />

cultivados que precisam despertar a vontade de ampliar saberes nos estudantes e<br />

propiciar caminhos para criar. Já na imposição, o professor coloca-se de maneira hierárquica e<br />

verticaliza suas informações carregadas de valores que prejulgam e predeterminam; reduzindo,<br />

assim, as possibilidades de produções intelectuais autônomas.<br />

Para o filósofo Gilles Deleuze (2004), na contemporaneidade, pode-se dizer que as sociedades<br />

disciplinares estudadas por Foucault e caracterizadas por espaços de confinamentos (como as<br />

escolas), nos quais se praticavam técnicas de vigilância sobre os corpos individuais e coletivos<br />

com o intuito de moldar seres adestrados para ampliar sua utilização e aperfeiçoar a extração do<br />

trabalho, foram perdendo sua força. Não obstante, ainda encontramos resquícios dessa prática<br />

dentro de sala de aula, seja porque o estudante se acostumou com o treinamento comandado,<br />

seja porque o professor exige apenas a submissão e cumprimento de normas.<br />

Desse modo, como ultrapassar essas barreiras e despertar o entusiasmo? Ao retomar o percurso da<br />

educação, deparamo-nos inicialmente com Sócrates. Seu discípulo Platão assinala que o diálogo<br />

era a principal atividade de seu mestre, uma prática direcionada para que o interlocutor reconhecesse<br />

como aquilo que achava saber de fato não conhecia. Segundo Pessanha (1991), o filósofo<br />

grego andava pelas ruas e mercados de Atenas indagando às pessoas sobre alguma área de interesse;<br />

suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, confusos, indignados.<br />

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Seu método estava composto de dois momentos. Numa primeira instância utilizava a ironia, partiado<br />

princípio de querer saber sobre um assunto qualquer e forçava o interlocutor a expressar<br />

suas idéias. Conduzindo com habilidade o diálogo provocava no participante o reconhecimento da<br />

própria ignorância daquilo que supunha ter certeza. Era uma espécie de catarse “(...) uma purificação<br />

da alma por via da expulsão das idéias turvas, das ilusões e dos equívocos que distanciavam<br />

a alma de si mesma” (PESSANHA, 1991, p.18).<br />

A segunda parte consistia em recapitular o debate e dirigir a pessoa, paulatinamente, para que<br />

elaborasse suas próprias ideias, com isso, o interlocutor, agora já discípulo, percebia que até esse<br />

momento só tinha reproduzido concepções de outros.<br />

Esse método ele denominou de maiêutica, que significa “dar a luz uma ideia”. Filho de parteira<br />

considerava que o papel do filósofo era justamente colaborar para que as ideias fossem geradas,<br />

elas não podiam vir de fora ou serem aceitas sem nenhum questionamento. Significava, portanto,<br />

encontrar-se a si mesmo ou fazer do seu pensamento o ponto de partida. Daí a célebre frase de<br />

Sócrates “conhece-te a ti mesmo”.<br />

Entretanto, o filósofo francês Michel Foucault (2004) em seus estudos sobre os gregos evidenciou<br />

que conhecer-se a si estava estreitamente ligado a “cuida-te a ti mesmo”, como princípio racional<br />

ético e de liberdade.<br />

Longe de ser uma ação egocêntrica, o cuidado de si é também uma maneira de cuidar dos outros,<br />

porquanto aquele que sabe governar livre e adequadamente a sua vida saberá como cuidar dos<br />

demais. Desse modo, o mestre, o conselheiro, o guia, devia ensinar esse preceito.<br />

Tomemos o exemplo de Sócrates: é precisamente ele quem interpela<br />

as pessoas na rua, os jovens no ginásio perguntando: ‘Tu te ocupas de<br />

ti?’ (...) é sua missão, e ele não a abandonará, mesmo no momento<br />

em que for ameaçado de morte. Ele é certamente o homem que<br />

cuida do cuidado dos outros: esta é a posição particular do filósofo<br />

(FOUCAULT, 2004, p.271).<br />

Ensinar a lapidação constante da própria existência não é incutir um sistema de regras a serem<br />

obedecidas com vista a um sucesso futuro, trata-se de um esforço para transformar a vida em uma<br />

obra de arte, na qual seja possível “se reconhecer [e] ser reconhecido pelos outros” (FOUCAULT,<br />

2004, p. 290).<br />

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Experiências (o curso)<br />

“A educação não pode ser um simples adestramento, ela deve desenvolver nos estudantes a<br />

capacidade de criadores.”<br />

I. Beltrão (2000)<br />

Muitas vezes, como educadores nos perguntamos de que maneira devemos agir para despertar<br />

vontades nos estudantes que estamos preparando, ou melhor, estimular as vontades que estão<br />

contidas em cada um deles. Barrué (2001) ao discorrer sobre Stirner assinala que o Saber não deve<br />

mais ser considerado o objetivo supremo da educação, mas o Querer.<br />

A partir do momento que a educação se tornou massificada é muito difícil identificar quais são os<br />

quereres individuais e como fazer para que eles venham à tona. “Onde se formam indivíduos que<br />

criam e não indivíduos que aprendem? Onde o mestre se transforma em companheiro de trabalho<br />

e reconhece que o Saber deve tornar-se Vontade?” (STIRNER, 2001, p.78)<br />

No curso de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> da <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, ao desempenhar o papel de orientadora<br />

em projetos interdisciplinares, encontrei brechas que possibilitaram experimentações<br />

plausíveis de materializar criações livres.<br />

Cada um desses projetos oferece um tema e uma série de subtemas que os estudantes precisam<br />

desenvolver para atingir, após o processo, a concretização de uma ideia. Percebi, por meio da<br />

vivência, que cada etapa demanda um andamento distinto no procedimento e, justamente, o<br />

amadurecimento deste processo conquista o desejo de realização. Não pretendo deter-me em<br />

todos os semestres, nem efetuar um detalhamento de cada um dos projetos, o que interessa<br />

neste momento é apresentar os períodos contidos do início até a metade do curso e suas particularidades.<br />

Quando um estudante ingressa à universidade se depara com uma realidade diferente ao que está<br />

habituado, porém quer ainda manter atitudes de seu estágio anterior. É um período de transição,<br />

entre aquilo que lhe era exequível e, para o que deve desembrenhar; da passagem do conhecido<br />

para o estranho.<br />

Soma-se a isso uma cultura obstinada em difundir a ideia de ser a carreira universitária a única<br />

saída viável para um destino triunfal, há séculos que a universidade é subordinada à economia e<br />

seus derivativos: conforto, reconhecimento, conquistas. Entretanto, abordar em sala de aula o<br />

estudo de todos os problemas que a vida impõe sugere uma tarefa insensata, querer alcançar esse<br />

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absolutismo iria extenuar-nos (educadores e estudantes), porque o fardo é pesado demais. O que<br />

podemos então é preparar seres singulares aptos para pensar diferentemente do que se pensa, a<br />

fim de transformar e recriar.<br />

Desse modo, o primeiro contato deve ser lúdico, deixar livre a imaginação, incentivar a curiosidade,<br />

promover a brincadeira, estimular a criança que pouco tempo atrás deixaram em algum<br />

canto do quarto. Não há nada mais sério que uma brincadeira de criança, nenhuma delas entra<br />

no jogo para perder, ela diz SIM à vida, sem medo, nem anteparos: ARRISCA. “Sim, para o jogo da<br />

criação (...)” (NIETZSCHE, 2006, p.32).<br />

Isso não significa deixar a orientação à deriva, pelo contrário, nesta fase é necessário ser integrante<br />

da brincadeira, e, como criança, perguntar os porquês, inventar artimanhas juntos, demonstrar<br />

desagrado quando o jogo foge dos princípios combinados.<br />

E se uma criança diz SIM à vida ela sabe (ou neste caso precisa saber) que esta é cheia de percalços<br />

e desencantamentos, mas é inevitável o confronto. Nisto consiste a segunda etapa do curso. Novas<br />

experiências requerem ser desbravadas, territórios pantanosos – dos quais os jovens querem fugir<br />

– defrontam-se como muralhas a serem transpostas. Cabe a mim, orientadora, mostrar que devem<br />

ser fortes o suficiente para ultrapassar qualquer obstáculo: aprender a voar. Trata-se da confiança<br />

em si mesmo, da valorização de suas potencialidades.<br />

A dedicação do orientador precisa ser redobrada, não para conduzir pela mão por caminhos já<br />

percorridos, mas com o propósito de enveredar por trajetos desconhecidos, desbravar com coragem<br />

as dificuldades muitas vezes herdadas de um ensino tecnicista que abandonou a reflexão e<br />

a inventividade.<br />

Fortalecidos, os alunos atingem a próxima fase com passo mais firme e amadurecimento intelectual/criativo.<br />

Chega o momento de perceberem a sua importância como seres sociais capazes de<br />

interferir no âmbito coletivo.<br />

Saber que toda criação pressupõe uma construção sobre o plano da comunidade humana é primordial<br />

no entendimento da ética. Isto significa igualmente dizer que desde o início deve haver a<br />

compreensão de que toda materialização da ideia (que lhes é própria) não se esgota nela mesma,<br />

mas abriga passados e se projeta para futuros nos quais outros personagens irão cultivá-las. Ao<br />

pensar desse modo, atina-se para a questão da utilidade ou mesmo do inadequado da materialização,<br />

e como esta pode ser constantemente modificada.<br />

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Encerra-se esse período e desabrocha outro no qual concepções do universo mercadológico<br />

começam a se interpor entre a inovação e a reprodução do mesmo. Muitos dos estudantes nesta<br />

fase ingressam em estágios ou empresas da área. Fato totalmente válido para que comecem a<br />

ensaiar o futuro, entretanto, nota-se um desânimo e enrijecimento das competências até então<br />

estimuladas.estimuladas.<br />

Aquilo que incita qualquer atividade criativa está contido no repertório e nas subjetividades sensíveis,<br />

dotadas da capacidade de perceber facilmente as impressões ou sensações externas, em<br />

outras palavras, talento para realizar produções singulares.<br />

Ousar inovar, contra o hábito, é produção do desejo de resistir (...).<br />

Assim, a resistência re-cria o desejo e este produz artefatos, saberes,<br />

modos de ser. A produção, se marcada pela singularidade, faz a diferença.<br />

E aí nada mais permanece o mesmo (BELTRÃO, 2000, p.21).<br />

Estes jovens, assim como todo ser, não sabem como será o porvir, ninguém possui esse privilégio,<br />

contudo, quando solidificadas as bases do conhecimento e encorajadas as faculdades criativas,<br />

podem afirmar-se ímpares fora dos muros da <strong>Universidade</strong>.<br />

Sendo assim, torna-se primordial mostrar que, longe de aceitar condicionamentos e opiniões<br />

prontas, é necessário não deixar escapar as ideias mesmo que sejam, nesse momento, apenas<br />

esboços. “Perdemos sem cessar nossas idéias. É por isso que queremos tanto agarrarmo-nos a<br />

opiniões prontas” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p.259).<br />

Duas vertentes, a meu ver, são meritórias. A primeira consiste em evidenciar o sinuoso caminho<br />

da pesquisa. Para tanto, é indispensável suscitar o prazer pela leitura de saberes considerados por<br />

eles complexos; provocar o exercício de reflexão e compreensão; despertar o debate argumentativo<br />

que desafia qualquer clichê. “é importante a familiarização com as idéias alheias, com o que<br />

já foi feito ou investigado (...). Dessa maneira, garante-se que o (...) produto, quando vier a ser<br />

concebido, seja original (...)” (WECHSLER, 1998, p.51).<br />

A segunda versa em incentivar a originalidade e a paixão pelo experimental. Essa conquista radica<br />

em espreitar para além do que é dado no mercado, “é preciso de início apagar, limpar, laminar,<br />

mesmo estraçalhar para fazer passar uma corrente de ar (...)” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p.262).<br />

Aprender a utilizar a pesquisa e a aprendizagem, não como um mero cumprimento de tarefas que<br />

tem como moeda de troca a nota e o título. Porém, conseguir desfrutar do domínio alcançado pelo<br />

esforço individual e associativo quando a finalização do projeto e da carreira.<br />

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Abalos afetivos sem preguiça de recomeçar; algo que contamine a vontade de sentir/criar irá<br />

gerar materializações surpreendentes para os próprios autores. E é dessa forma que estarão verdadeiramente<br />

preparados para o futuro, porque farão toda a diferença.<br />

Espaço de trocas (criar)<br />

“... quando arde a chama do espírito, a madeira deve pegar fogo.”<br />

M. Stirner (2001)<br />

A sala de aula deve ser o espaço de trocas entre estudantes e educador, uma prática de mão dupla,<br />

em que os dois lados necessitam estar receptivos para aprender e ensinar. Mais precisamente,<br />

o papel que nos tange como educadores é assinalar como podem construir o próprio pensamento<br />

criativo para além daquilo que lhes foi legado, descobrir uma linguagem própria materializada no<br />

término de cada semestre.<br />

Segundo Cragnolini e Kaminsky (1996), é primevo e crucial ensinar que nada é permanente e que<br />

tudo pode mudar. Destacar como o permanente provoca o uniforme e incita a ausência do diferente.<br />

O medo dessa mudança e a vontade de se ater àquilo que proporciona segurança não podem<br />

sobrepor-se ao aprimoramento das habilidades particulares.<br />

A transformação precisa introduzir soluções diferentes capazes de resistir a concepções de sistemas<br />

cristalizados que engessam o ato de pensar. Sentir segurança ante trajetos aparentemente<br />

desordenados, fortalece a vontade de se expressar como singular.<br />

Desse modo, quais as destrezas educativas a serem aplicadas no decorrer das orientações para<br />

alcançar a ação desejada na concretização do projeto? Isso contando com um tempo exíguo para<br />

ponderar e desenvolver compreensão e criatividade. O processo inicia-se pela pesquisa do referencial<br />

teórico que fornecerá subsídios pertinentes para as futuras formas, volumes, cores, texturas,<br />

harmonia no conjunto.<br />

Os estágios do processo criativo amadurecem de formas diferenciadas para cada um, mas nenhuma<br />

“criatividade aparece subitamente, como se fosse um estalo, uma inspiração divina ou um<br />

momento de sorte” (WECHSLER, 1998, p.50). Há nesse quesito o inevitável esforço intelectual<br />

dirigido a um tema e seu desdobramento.<br />

Investigar, ler, anotar, explorar, questionar são tarefas supostamente fáceis para os jovens acos-<br />

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tumados a terem acesso às enxurradas de informações proporcionadas pelo desenvolvimento da<br />

informática e comunicação. Entretanto, como saber selecioná-las, entendê-las e ainda gerar uma<br />

ação criativa? No programa Café Filosófico veiculado no dia 02/10/2011 a professora Marilena<br />

Chauí discorreu precisamente sobre este assunto, alertando que se vive um momento de transição<br />

no qual o exercício do pensar ficou comprometido.<br />

Não se trata de negar a tecnologia, porém, diferentemente do que falam os entusiastas, muitos<br />

destes jovens não conseguem perceber como o uso indiscriminado desta ferramenta impede a<br />

iniciativa pessoal de formar ideias próprias. Desde quando o fato de realizar diferentes atividades<br />

ao mesmo tempo é sinônimo de refletir?<br />

Apertar botões, recortar textos e colar, comunicar-se com centenas de pessoas em simultâneo,<br />

repetir infinitamente as mesmas coisas veiculadas em todos os sites; tudo isso não equivale a<br />

elaborar uma pesquisa e muito menos um pensamento autônomo, em todo caso diríamos que<br />

se forma um autômato. Portanto, longe de curvar-se sobre si para esmiuçar o absorvido, dar-se<br />

o devido tempo para descobrir e elaborar, reproduzem e imitam de maneira imediatista. Ante<br />

esta situação não se formam argumentos consistentes e tropeçam em respostas esteriotipadas e<br />

chavões relativizantes [1], como por exemplo, “é minha opinião ou meu ponto de vista”.<br />

O processo criativo demanda um esforço mental dirigido a um tema qualquer com o propósito<br />

de encontrar soluções inovadoras. É preciso no início que os estudantes sintam inquietação, procurem<br />

leituras sobre o assunto sugerido. Nesta etapa de preparação precisam deter-se sobre os<br />

dados, saber o porquê dessas informações. Orientar tal fase requer parcimônia, encontrar tempo<br />

suficiente para forçar a reflexão. Perguntar o que foi entendido, qual é a importância dentro do<br />

contexto profissional e pessoal, ler conjuntamente para perceber a coerência textual, discutir os<br />

argumentos. Este exercício precisa ser sólido para que se possa optar sobre o desdobramento do<br />

projeto, começar a focar o objetivo de interesse e eleger, entre as inúmeras alternativas, aquela<br />

que será o alicerce da criação.<br />

Neste ponto, a sensação de estagnação se manifesta tanto para os estudantes quanto para o orientador,<br />

trata-se do tempo para incubar o tema pesquisado. Por vezes os estudantes não apresentam<br />

nenhum comportamento de interesse relativo à preferência de assuntos, seja porque lhes é<br />

difícil perceber como prosseguir, seja porque escolher lhes causa a impressão errônea de exaurir o<br />

repertório. Uma etapa arriscada e até desalentadora a ponto de poder perder o alvo pretendido.<br />

Insistir novamente em que a complexidade caracteriza a particularidade, bem como, assinalar<br />

que estreitar a pesquisa enriquece o resultado, torna-se fundamental.<br />

Sendo assim, uma vez efetuada a escolha, o afunilamento irá atingir o foco que promoverá o elo<br />

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entre a investigação e a concepção. É o momento de provocar o aumento de leituras concernentes<br />

à eleição. Explicar a importância de perscrutar minuciosa e rigorosamente o estudo do objeto selecionado,<br />

como se deve olhá-lo de todos os ângulos, envolver-se e dominá-lo. Inchá-lo, deixá-lo<br />

grávido de informaçõesgrávido de informações porque nele está contido o conceito de criação.<br />

O conceito nasce de uma percepção aparentemente espontânea, mas na realidade a preparação<br />

anterior forneceu inconscientemente elementos que serviram de base para o processo cognitivo.<br />

Esse conceito precisa transitar nas veias, pulsar, ser o oxigênio de todos os componentes do grupo,<br />

pois ele deve contaminar cada parte constituinte da materialização. Todavia, isto não garante o<br />

desenvolvimento dos recursos projetuais, porque entre o objeto pesquisado e o conceito de criação<br />

está o ato de saber interpretar.<br />

Ensinar a interpretar deve ser uma das tarefas mais árduas para qualquer orientador. Como explicar<br />

a necessidade de desvelar o contido nas entrelinhas, que o conceito não é uma suposição infundada,<br />

voltar ao objeto selecionado e entender, pelo viés do conceito encontrado, os significados.<br />

A ação interpretativa envolve a unificação daquilo que é pesquisado com a multiplicidade sensorial<br />

própria da imaginação. Logo, a racionalidade imaginativa é capaz de operar em itinerários já<br />

traçados para refazê-los diferentes. Para os autores Cragnolini e Kaminsky (1996), versar sobre<br />

uma construção de interpretações de caráter provisório abre possibilidades para desconstruir e<br />

construir incessantemente o tangível. Isto assegura que não haja um único estilo, mas copiosas<br />

maneiras de criar.<br />

Nesse sentido, o conteúdo adquirido no referencial teórico, necessariamente, irá expressar-se<br />

naquilo que foi solicitado, porém, entre a divisão forma/conteúdo encontra-se o modo singular<br />

contido nos próprios sentidos, que não são um mero acidente da forma. Dito de outra maneira,<br />

quando o processo foi devidamente registrado em anotações soltas, imagens, desenhos e referências,<br />

os sentidos permitem aventurar-se em formas originais. Desse modo, caderno de registros<br />

e painel semântico são pilares da criação, pois colaboram na decodificação, releituras coesas e<br />

materializações peculiares.<br />

A interpretação também faz parte da identificação do usuário das peças ou coleção que irão<br />

desenvolver. Reconhecer códigos e símbolos, “ler” atitudes, compreender as escolhas alheias e<br />

contextualizar essas realidades antecedem qualquer metodologia aplicada. Operação difícil para<br />

estudantes que não são das áreas das ciências sociais ou psicologia e, portanto, sem recursos específicos<br />

para tal tarefa. Nesta instância, para além da pesquisa de campo, o estímulo a leituras<br />

conjunturais e o questionamento das percepções precisam ser práticas habituais.<br />

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A partir deste momento, exercitar os laboratórios criativos colabora sobremaneira com a finalização<br />

do projeto. Pintar e repintar com diversos materiais para investigar cores; desenhar de modo<br />

aleatório formas para descobrir as mais apropriadas;aleatório formas para descobrir as mais apropriadas;<br />

incentivar a atividade de desenvolver volumes para aprimorar os mais adequados, enfim,<br />

excitar os sentidos e deixá-los à flor da pele.<br />

Neste estágio, alguns conseguem encontrar soluções rápidas, enquanto outros deixam questões<br />

em aberto. O importante é que não abandonem a motivação. Por isso, às vezes, resolver de forma<br />

imediata não significa envolvimento, mas querer encerrar o ciclo e cumprir burocraticamente o<br />

solicitado. Sendo assim, a junção de processos que proporcionem a intensidade persistente, em<br />

direção ao desenvolvimento das próprias atividades individuais, precisa estar latente até o fim do<br />

processo.<br />

Por conseguinte, a satisfação final se dá por essas trocas conjuntas que brindam a oportunidade de<br />

compartilhar saberes e aprendizagens, mostrando como aquilo que está no mundo do porvir já não<br />

é mais circunscrito só à criação, senão que são laços constitutivos da construção de experiências<br />

e vivências.<br />

Notas<br />

[1] Não se trata do relativo diante do todo, mas colocar o relativo como o próprio todo.<br />

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Paulo: Editora Imaginário. 2001.<br />

BELTRÃO, Ieracê R. Corpos dóceis, mentes vazias, corações frios: o discurso científico do disciplinamento.<br />

São Paulo: Editora Imaginário, 2000.<br />

CRAGNOLINI, M.B./ KAMINSKY, G. De la risa disolvente a la risa constructiva: Una Indagacion Nietzscheana.<br />

In: Nietzsche actual e inactual, Vol II, Buenos Aires: Oficina de Publicaciones del CBC,<br />

1996.<br />

DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004.<br />

DELEUZE, G. GUATTARI, F. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 2000.<br />

FOUCAULT, Michel. Ética, Sexualidade, Política. Ditos & Escritos V. Rio de Janeiro: Forense Uni-<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O Projeto Interdisciplinas em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> como Troca de Experiências<br />

versitária, 2004.<br />

NIETZSCHE, Friedrich W. Assim falava Zaratustra: o livro para todos e para ninguém. São Paulo:<br />

Ed. Escala, 2006. Col. Grandes Obras do Pensamento Universal 1<br />

PESSANHA, José Américo M. Sócrates. 5ª ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1991. Col. Os pensadores.<br />

STINER, Max. O falso princípio da nossa educação. São Paulo: Editora Imaginário, 2001.<br />

Ed. Escala, 2006. Col. Grandes Obras do Pensamento Universal 1<br />

PESSANHA, José Américo M. Sócrates. 5ª ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1991. Col. Os pensadores.<br />

STINER, Max. O falso princípio da nossa educação. São Paulo: Editora Imaginário, 2001.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

Profa. Dra. Márcia Merlo PPG em <strong>Design</strong> da <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> mmerlo@anhembi.br<br />

Resumo<br />

Pensar o conceito de identidade, apesar da polêmica que este gera, está na ordem<br />

do dia. Por mais que se debata sobre usar ou não este conceito, hoje precisamos<br />

refletir acerca de sua história e consequências, em função da contemporaneidade<br />

- das antíteses e das sínteses que certas mudanças vêm ocasionando nas relações<br />

interpessoais, no plano da cultura e da sociedade em geral. Neste capítulo trataremos<br />

de pensá-lo dentro de sua abrangência cultural e de sua expressividade (especificidade)<br />

na moda. Desta forma, iniciaremos com pinçamentos teóricos para<br />

assim pensar em situações vividas e realizar algumas conexões com a moda, no<br />

sentido de contribuir, de alguma maneira, com o debate em torno da construção<br />

de identidades hoje.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Moda</strong>, antropologia, política das identidades.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

Introdução<br />

É sempre em relação ao outro que se coloca a questão da identidade.<br />

(AUGE, 1998)<br />

Se a identidade se constrói no plano do social, podemos, então, perceber que mudanças no plano<br />

da cultura não deixam de ser (ou apoiar) formas de afirmar identidades. Isto fica claro quando<br />

pensamos em alguns grupos de estilo que promoveram a chamada “contracultura” – negação de<br />

uma imposição cultural que oprime e reprime outras formas de expressão sócio-cultural que não<br />

sejam as padronizadas ou do que se quer hegemônico. Os adeptos da contracultura passam a ser<br />

vistos como os que negam o que está instituído, negam se identificar com o que é convencional<br />

e aceito socialmente, e, tendem a criar outros modos, estilos, padrões e até mesmo chegam a<br />

inventar “novas identidades”, ou expressões diferenciadoras delas. Porém, um rápido olhar sobre<br />

a história revela que em uma sociedade baseada na mercantilização de qualquer forma de<br />

produção, distribuição e consumo aquilo ou aquele de que compunha a diferença logo se transforma<br />

no mesmo, no desejado, no consumível, ou melhor, ele se torna diferente porque se torna<br />

exótico, mas também, estranho, bizarro, ou “contrário”. Não que seja o mesmo necessariamente,<br />

mas passa a ser reconhecido dentro do que o torna idêntico e estes elementos rapidamente são<br />

reproduzidos. Este é um movimento captado e captável no universo da moda como sistema.<br />

Por outro lado, podemos captar outra faceta deste pertencimento/reconhecimento, às vezes ser<br />

contrário a algo que se apresenta como padrão comportamental aceito socialmente, pode transformar<br />

o diferente em outro, aberrante, podendo ser rejeitado, excluído ou tornado indiferente,<br />

o que o encerra em sua situação que não o representa em sua completude. E, aqui não se coloca<br />

somente a questão da diferença, mas também a das desigualdades. Segundo Godelier (2001),<br />

existe inegavelmente no coração do capitalismo um fonte permanente<br />

de desigualdades sociais, e isto significa que nesse sistema, como em<br />

todos os outros, há coisas a serem recalcadas, coisas sobre as quais “é<br />

preciso” silenciar ou que “é preciso” travestir de “interesse comum.<br />

(GODELIER, 2001, p.310)<br />

Nesses movimentos da identidade o processo de tornar igual o diferente, por vezes, ocorre rapidamente,<br />

em outras o silenciamento de tal diferença se coloca de formas sutis, dependendo do<br />

que está em jogo. Por isso pode-se dizer que<br />

Não existe afirmação identitária sem redefinição das relações de al-<br />

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teridade, como não há cultura sem criação cultural. A própria referência<br />

do passado é um ato de criação e, pode-se dizer, de mobilização.<br />

(AUGE, 1998, p.28)<br />

Em outras palavras, identidades e cultura são construções, processos. Assim, a questão da identidade<br />

está ligada, ao mesmo tempo, ao sentimento individual de pertencimento e de reconhecimento,<br />

a uma autocompreensão e autodefinição do lugar que se ocupa e do quem somos, mas<br />

também do contexto coletivo onde indivíduo e grupo participam e se relacionam no processo de<br />

construção, negociação, negação e defesa das identidades.<br />

É muito comum a interpretação de que a identidade representa uma resposta para algo externo e<br />

diferente dela – um outro. E este movimento da identidade de fato ocorre e precisa ser pensado.<br />

Quem somos, então? O que nos define? O que nos iguala e/ou nos diferencia?<br />

O poder da Identidade.<br />

Para Castells (1999) a identidade pode ser entendida como fonte de significado e experiência de<br />

um povo. Inclusive inicia a temática sobre a construção da identidade citando Calhoun, que diz:<br />

Não temos conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas ou<br />

culturas em que alguma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e<br />

eles, não seja estabelecida... O autoconhecimento – invariavelmente<br />

uma construção, não importa o quanto possa parecer uma descoberta<br />

– nunca está totalmente dissociado da necessidade de ser conhecido,<br />

de modos específicos, pelos outros. (CALHOUN apud CASTELLS, 1999,<br />

p.22)<br />

Castells (1999) define identidade partindo da distinção entre identidade e papéis sociais. Em suas<br />

palavras:<br />

No que diz respeito a atores sociais, entendo por identidade o processo<br />

de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda<br />

um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o (s) qual (is)<br />

prevalece (m) sobre outras fontes de significado. Para um determinado<br />

indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas.<br />

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No entanto, essa pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto<br />

na auto-representação quanto na ação social. Isso porque é necessário<br />

estabelecer a distinção entre a identidade e o que tradicionalmente os<br />

sociólogos têm chamado de papéis, e conjunto de papéis. Papéis (por<br />

exemplo, ser trabalhador, mãe, vizinho, militante socialista, sindicalista,<br />

jogador de basquete, freqüentador de uma determinada igreja e fumante,<br />

ao mesmo tempo) são definidos por normas estruturadas pelas<br />

instituições e organizações da sociedade. A importância relativa dos<br />

papéis no ato de influenciar o comportamento das pessoas depende de<br />

negociações e acordos entre os indivíduos e essas instituições e organizações.<br />

Identidades, por sua vez, constituem fontes de significado para<br />

os próprios atores, por eles originadas, e construídas por meio de um<br />

processo de individuação. Embora, [...] as identidades também possam<br />

ser formadas a partir de instituições dominantes, somente assumem tal<br />

condição quando e se os atores sociais as internalizam, construindo seu<br />

significado com base nessa internalização. (CASTELLS, 1999, p.22-23)<br />

Em sua conceituação o autor aponta uma distinção básica; enquanto identidades organizam significados,<br />

papéis organizam funções.<br />

Também, pensar a identidade como construção é valer-se do repertório constituído de elementos<br />

fornecidos pela<br />

história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas,<br />

pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder<br />

e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados<br />

pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam<br />

seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais<br />

enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/<br />

espaço. (IBID, p.22-23)<br />

Outro autor, Jacques d’Adesky (2001), inicia sua tese sobre Pluralismo Étnico e Multiculturalismo,<br />

onde enfatiza a questão dos racismos e anti-racismos no Brasil, com a conceituação de identidade<br />

buscando apoio em outros autores e enriquece o debate. A partir de Malek Chebel, aparece<br />

a identidade como uma estrutura subjetiva marcada por uma representação do “eu” oriunda da<br />

interação entre o indivíduo, os outros e o meio. Ou seja, é,<br />

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ao mesmo tempo, um estado da pessoa, em um dado momento de sua<br />

existência, no qual uma das vertentes, negativa ou positiva, pode predominar,<br />

sendo que a harmonia está sempre em projeto. Ao longo da<br />

existência, acrescenta ele, a identificação do indivíduo aos ideais que<br />

lhe são propostos constitui o elemento dominante de uma marca que<br />

é, ao mesmo tempo, subjetiva e objetiva. Dessa forma, a identidade<br />

remete a um estado, uma estrutura ou uma disposição caracterizada<br />

e definível externamente à referência temporal. A identificação evoca<br />

o processo que leva a esse estado. (CHEBEL apud ADESKY, 2001, p.40)<br />

Dando continuidade às idéias de diversos autores, temos as abordagens de Raymond Ledrut que se<br />

inspira na unidade matemática, assim,<br />

o que é idêntico é o que dotado de identidade, o que permanece idêntico<br />

é o que é e assim permanece. [...] O que é o mesmo pode ser um ou<br />

múltiplo. Mas a identidade, ressalta ele, é em sua essência relacional,<br />

uma vez que implica a relação do mesmo e do outro, bem como daqueles<br />

que são os mesmos em suas diferenças, sujeitos que são semelhantes e<br />

constituem um mesmo conjunto, um mesmo todo. A ausência completa<br />

de unidade exclui toda identidade. Assim, a identidade introduz as relações<br />

entre a diferença e a universalidade, supondo a presença de um<br />

ou diversos fatores de unificação. (LEDRUT apud ADESKY, 2001, p.40)<br />

Nessa interação com os outros, a imagem de identidade que é transmitida pode ser aceita ou não,<br />

e neste sentido, se percebe a força do olhar sobre o outro. Esse olhar faz aparecer as diferenças<br />

e, desta forma, a consciência de uma identidade como em um jogo de espelhos, como acrescenta<br />

o autor Erik Erikson quando diz que esse o olhar individual ao mesmo tempo que o olhar crítico<br />

ou lisonjeiro dos outros identificado como um jogo de espelhos permite sucessivos ajustamentos<br />

nesse processo de identificação, mas acrescenta que o “fenômeno da identificação social é de<br />

uma complexidade extraordinária.” Já que esse processo é “em sua maior parte, inconsciente,<br />

exceto nos casos em que condições internas e circunstâncias externas se combinam para reforçar<br />

uma consciência de identidade dolorosa ou exaltada” (ERIKSON apud ADESKY, 2001, p.40-41).<br />

Ainda em Jacques d’Adesky citando Chebel, a noção de identidade em interação entre o indivíduo<br />

e o grupo evidencia-se, já que<br />

cada indivíduo participa de diversas almas coletivas que são as da sua<br />

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raça, da sua classe, da sua comunidade confessional, de seu país. O<br />

ideal do“eu” tem um grande papel na compreensão da psicologia do<br />

grupo, pois paralelamente ao seu aspecto individual, possui também<br />

um caráter social. (CHEBEL apud ADESKY, 2001, p.41)<br />

Mas a identidade coletiva não pode ser resumida como um simples sentimento de pertencimento,<br />

pois é, também, o produto de um processo de identificação. Ledrut observa que<br />

a identificação social é um conjunto de processos pelos quais um indivíduo<br />

se define socialmente, isto é, se reconhece como membro de<br />

um grupo e se reconhece nesse grupo. Pertencimento e sentimento<br />

de pertencimento são, portanto, ligados à identificação, sem com ela<br />

confundir-se. [...] Mas a identidade coletiva é também a presença do<br />

“mesmo” nos outros. Nessa interação, o grupo torna-se realmente uma<br />

coletividade cujas estruturação e unificação permitem o acesso, de alguma<br />

forma, a um nível mais seguro de existência. De agregado, o<br />

grupo passa a um estado mais consciente de si próprio. (LEDRUT apud<br />

ADESKY, 2001, p.41)<br />

Todavia, não podemos esquecer o papel da cultura no processo de identificação, mas também<br />

dentro de um contexto marcado por relações de poder. Já que quando pensamos em cultura, logo<br />

vem em mente o conjunto de todas as ordens (normas, conceitos, símbolos e valores) que pode<br />

ser vivido pelo indivíduo de forma harmoniosa ou conflitante, se, dentro de um contexto de interação,<br />

esta (cultura) aparecer como uma perda de identidade ou aculturação. Segundo d’Adesky<br />

(2001) a perda de identidade pode ocorrer no seio do grupo onde coexistem diversas culturas, mas<br />

uma se sobressai mantendo uma hegemonia sobre as demais e, no caso, de sociedades pluriétnicas,<br />

as minorias étnicas ou os grupos subalternos sofrerão mais perdas. Neste sentido, também as<br />

reivindicações por direito à diferença demonstram o repúdio à tentativa de uniformização e homogeneização<br />

dos Estados-Nações, mas podemos acrescentar que, também, apontam para formas<br />

de inserção no contexto da democratização colocada pelas sociedades globais hoje de indivíduos<br />

e grupos étnico-raciais que em nome da diferença lutam pelo direito de pertencimento e reconhecimento<br />

pela exclusão sofrida.<br />

Complementando esta idéia, guardadas as devidas proporções, Castells (1999), propõe uma distinção<br />

entre três formas e origens de construção de identidades – identidade legitimadora; identidade<br />

de resistência e identidade de projeto.<br />

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De forma sucinta, a identidade legitimadora está relacionada a um conjunto de organizações e<br />

instituições, bem como uma série de atores sociais estruturados e organizados dentro de uma sociedade<br />

civil, ou seja, há uma continuidade, mesmo que haja conflitos, da relação entre as instituições<br />

da sociedade civil e os aparatos de poder do Estado, organizados em torno de uma identidade<br />

semelhante (cidadania, democracia, politização da transformação social, confinamento do<br />

poder ao Estado, etc..).<br />

A “identidade de resistência” caminha na contramão da legitimadora criando o que autor denomina<br />

de trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes daqueles que<br />

permeiam as instituições da sociedade. Geralmente, os indivíduos ou grupos que se encontram<br />

nesse processo são estigmatizados ou desvalorizados dentro de uma lógica de dominação sóciopolítico-econômica<br />

e cultural. Segundo Castells (1999), o<br />

fundamentalismo religioso, as comunidades territoriais, a auto-afirmação<br />

nacionalista ou mesmo o orgulho de denegrir-se a si próprio, invertendo<br />

os termos do discurso opressivo (como na cultura das “bichas<br />

loucas” de algumas tendências do movimento gay), são todas manifestações<br />

do que denomino exclusão dos que excluem pelos excluídos,<br />

ou seja, a construção de uma identidade defensiva nos termos das instituições/ideologias<br />

dominantes, revertendo o julgamento de valores<br />

e, ao mesmo tempo, reforçando os limites da resistência. Nesse caso,<br />

surge uma questão quanto à comunicabilidade recíproca entre essas<br />

identidades excluídas/excludentes. A resposta a essa questão, que somente<br />

pode ser empírica e histórica, determina se as sociedades permanecem<br />

como tais ou fragmentam-se em uma constelação de tribos,<br />

por vezes renomeadas eufemisticamente de comunidades. (CASTELLS,<br />

1999, p.25-26)<br />

A “identidade de projeto” consiste em um projeto de uma vida diferente. Partindo de uma identidade<br />

oprimida, como no caso das mulheres em sociedades patriarcais e a luta pela liberação feminina<br />

que ocasiona uma transformação social expandindo a condição identitária anterior. Tais projetos<br />

estão ligados, todavia, a um contexto social situado historicamente. Aqui podemos pensar,<br />

por exemplo, o que significaram os anos 20 e 30 para a moda e, sobretudo, para a mulher e para o<br />

homem. Transformações de caráter político-econômico impulsionaram outros tantos movimentos<br />

identitários que remexeram nas estruturas das sociedades e culturas da época, inclusive abrangendo<br />

classes sociais distintas. O que quer dizer que, segundo Castells (1999), uma identidade de<br />

resistência pode se transformar em projeto e ser legitimada com o tempo.<br />

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A história da indumentária acompanhou e acompanha alguns desses movimentos sociais e apresenta,<br />

em geral, o forte vínculo entre o vestuário, os acessórios e o comportamento com a identidade<br />

que se constrói nesse processo de escolhas, que, também, passa pelas transgressões e pela busca<br />

de pertencimento social. Todavia, os movimentos da moda marcam a história social e são marcados<br />

por esta, em relação ao duplo movimento de imitação e distinção e suas variáveis analíticas,<br />

assim como o repensar tais movimentos na atualidade a partir do que Lipovetsky (1989) aponta<br />

como uma tripla operação: a sedução, a efemeridade e o desejo de indiferenciação marginal,<br />

evidenciando outras relações dentro da forma-moda e dos novos processos identitários.<br />

E como ficam as escolhas nos dias atuais quando se coloca em pauta, na contemporaneidade, a<br />

crise de identidades ou de sentidos?<br />

Na tentativa de responder a questão, recorremos a uma argumentação de Hall (2000), acerca das<br />

transformações ocorridas nas sociedades modernas no final do século XX e como isto vem afetando<br />

as identidades culturais. As identidades modernas estão sendo “descentradas”, isto é, deslocadas<br />

ou fragmentadas e, neste sentido, estão entrando em colapso. Uma mudança estrutural está<br />

modificando as sociedades modernas e este fenômeno está fragmentando as paisagens culturais<br />

de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no passado, nos tinham fornecido<br />

sólidas localizações como indivíduos sociais. Hoje, no entanto, esses processos de mudança,<br />

tomados em conjunto, representam um processo de transformação tão<br />

fundamental e abrangente que somos compelidos a perguntar se não é<br />

a própria modernidade que está sendo transformada. [...] a afirmação<br />

de que naquilo que é descrito, algumas vezes, como nosso mundo pósmoderno,<br />

nós somos também “pós” relativamente a qualquer concepção<br />

essencialista ou fixa de identidade – algo que, desde o Iluminismo, se<br />

supõe definir o próprio núcleo ou essência de nosso ser e fundamentar<br />

a nossa existência como sujeitos humanos. (HALL, 2000, p.10)<br />

Hall (2000) distingue três concepções de identidade: a do sujeito do Iluminismo; a do sujeito sociológico<br />

e a do sujeito pós-moderno. Quando se refere ao sujeito do Iluminismo, aponta para um<br />

indivíduo centrado, unificado, dotado das capacidades da razão, da consciência e da ação, cujo<br />

centro consistia em um núcleo interior que emergia ao nascimento e permanecia com o sujeito –<br />

contínuo e idêntico. “O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa” (IBID, p.11). Esta<br />

era uma concepção individualista do sujeito e de sua identidade.<br />

A identidade do sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a<br />

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consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era<br />

formado na relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os<br />

valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitava. Trata-se de uma concepção<br />

interativa da identidade e do eu e que já conota a identidade como aquilo que vem do<br />

meio e dos outros na minha formação. Assim o sujeito tem um núcleo ou essência interior que é<br />

o “eu real”,<br />

mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos<br />

culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem.<br />

A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o<br />

“interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o mundo público. O<br />

fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais,<br />

ao mesmo tempo em que internalizamos seus significados e valores,<br />

tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos<br />

subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e<br />

cultural. (HALL, 2000, p.11-12)<br />

Então, se a identidade costura o indivíduo à estrutura, no sentido de criar uma estabilidade ao<br />

sujeito e ao mundo que ele habita, tornando-os mais previsíveis e unificados, está em franca mudança,<br />

pois o que se projeta na atualidade é exatamente uma variação, provisória e problemática<br />

das identidades. E, aqui entramos, no sujeito pós-moderno. Este é conceituado como não tendo<br />

uma identidade fixa, essencial ou permanente,<br />

A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada<br />

continuamente em relação às formas pelas quais somos representados<br />

ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (IBID,<br />

p.12-13)<br />

A identidade é definida histórica e não biologicamente. O sujeito assume identidade diferentes<br />

em diferentes momentos, que não são unificadas em torno de um “eu” coerente.<br />

Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes<br />

direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente<br />

deslocadas. (IBID, p.13)<br />

Podemos até afirmar que a identidade é relacional por excelência, desde que aceitemos que também<br />

neste campo há uma negociação, a que podemos denominar como uma política de identidade<br />

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como bem esclarece Montero (1997)<br />

a identidade não é mais definida como um modo de ser cuja natureza<br />

profunda é preciso revelar, mas como um jogo simbólico no qual<br />

a eficácia depende do manejo competente de elementos culturais. No<br />

contexto da cena contemporânea, a identidade cultural e a diversidade<br />

se carregam pois de significados simbólicos capazes de mobilizar<br />

poderosamente e criar, à sua imagem, os grupos que elas designam.<br />

(MONTERO, 1997, p.63)<br />

Em Bauman (2005) encontramos uma análise digna de reflexão, que nos posiciona a pensar que se<br />

há um “jogo de identidades” este não é uma invenção da “pós-modernidade” ou de outro grupo<br />

que tenha e venha revolucionando os costumes, mas é algo intrínseco à modernidade. Diz<br />

A natureza provisória de toda e qualquer identidade e de toda e qualquer<br />

escolha entre a infinitude de modelos culturais à disposição não é uma<br />

descoberta das feministas, muito menos invenção delas.<br />

A idéia de que nada na condição humana é dado de uma por todas ou<br />

imposto sem direito de apelo ou reforma – de que tudo que é precisa<br />

primeiro ser “feito” e, uma vez feito, pode ser mudado infinitamente<br />

– acompanhou a era moderna desde o início. De fato, a mudança obsessiva<br />

e compulsiva (chamada de várias maneiras: “modernização”,<br />

“progresso”, “aperfeiçoamento”, “desenvolvimento”, “atualização”)<br />

é a essência do modo moderno de ser. Você deixa de ser “moderno”<br />

quando pára de “modernizar-se”, quando abaixa as mãos e pára de<br />

remendar o que você é e o que é o mundo a sua volta. (BAUMAN, 2005,<br />

p. 90)<br />

Dentro desse “modernizar-se”, posicionar-se como “ser moderno”, ainda algo para pensar a<br />

identidade se coloca em relação à cultura da aparência tão presente no universo da moda. Para<br />

Bauman (2005), a<br />

liberdade de alterar qualquer aspecto e aparência individual é algo que<br />

a maioria das pessoas considera prontamente acessível, ou pelo menos<br />

vê como uma perspectiva realista para o futuro próximo.<br />

Selecionar os meios necessários para conseguir uma identidade alternativa<br />

de sua escolha não é mais um problema (isto é, se você tem<br />

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dinheiro suficiente para adquirir a parafernália obrigatória). Está à sua<br />

espera nas lojas de traje que vai transformá-lo imediatamente no personagem<br />

que você quer ser, quer ser visto sendo e quer ser reconhecido<br />

como tal. (IBID, p.91)<br />

Mas aqui também e de novo aparece um problema: Se posso “escolher” qual personagem quero<br />

ser, ou melhor, qual das identidades alternativas escolher, até quando ser isto ou aquilo diante de<br />

outras experimentações dá coerência e consistência ao meu eu real? Qual é o meu projeto e o que<br />

está em processo na construção de minha identidade, ou melhor, do meu ser no mundo? Tal incerteza<br />

gera conflitos. O sociólogo polonês nos coloca diante de outra problemática da construção<br />

da identidade na contemporaneidade. Diz:<br />

Se no passado a “arte da vida” consistia principalmente em encontrar<br />

os meios adequados para atingir determinados fins, agora se trata de<br />

testar, um após o outro, todos os (infinitamente numerosos) fins que se<br />

possam atingir com a ajuda dos meios que já se possui ou que estão ao<br />

alcance. A construção da identidade assumiu a forma de uma experimentação<br />

infindável. Os experimentos jamais terminam. Você assume<br />

uma identidade num momento, mas muitas outras, ainda não testadas,<br />

estão na esquina esperando que você as escolha. Muitas outras identidades<br />

não sonhadas ainda estão por ser inventadas e cobiçadas durante<br />

a sua vida. Você nunca saberá ao certo se a identidade que agora exibe<br />

é a melhor que pode obter e a que provavelmente lhe trará maior satisfação.<br />

(IBID, p. 91-92)<br />

Nesta corrida desvairada, ensandecida, ansiosa e esperançosa por satisfação, o sujeito pode estar<br />

revelando, sem dúvida, o desejo de diferenciação e/ou de indiferenciação social e/ou marginal,<br />

assim como a busca de pertencimento e reconhecimento, porque não... Ou simplesmente, o desejo<br />

do desejo de satisfação que nunca ocorre, pois o próprio Bauman (1999) aponta para a questão<br />

de que o azar do desejo é a satisfação, já que o desejo deseja o desejo. Hoje o desejo não tem<br />

limite, principalmente ao retratar o movimento dos consumidores na sociedade do consumo. Ao<br />

referir-se a tal busca, diz que não é tanto<br />

a avidez de adquirir, de possuir, não o acúmulo de riqueza no seu sentido<br />

material, palpável, mas a excitação de uma sensação nova, ainda<br />

não experimentada – este é o jogo do consumidor. Os consumidores são<br />

primeiro e acima de tudo acumuladores de sensações; são coleciona-<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

dores de coisas apenas num sentido secundário e derivativo. (BAU-<br />

MAN, 1999, p.91)<br />

E em relação às novas tribos ou “tribos urbanas” [1]?<br />

Os anos pós-guerras nos faz pensar naqueles jovens rebeldes de algumas décadas atrás, sobretudo<br />

em alguns de seus ideários e em imagens marcantes que apoiam a análise dos acontecimentos e<br />

recaio na questão da identidade. Como a <strong>Moda</strong> atua na mobilização de novos agrupamentos em<br />

torno de novas imagens e plásticas do corpo e da moda, enfim, na cena contemporânea, a questão<br />

que fica é de como isto vem acontecendo com as tais “tribos urbanas”, ou como esses jovens dos<br />

anos 80 e 90 se inseriram no consumo e na procriação do mix de estilos?<br />

Outra abordagem a ser feita e que está em total relação com a <strong>Moda</strong> refere-se ao termo “tribos<br />

urbanas” e que se relaciona com os conceitos e contemporaneidade tratados anteriormente, é<br />

claro. Mas para pensar em tribo urbana é preciso começar por quem é este sujeito urbano e se<br />

cabe denominar os agrupamentos entre os “urbanos” de tribos? Vamos começar pela vida na cidade<br />

e isto nos remete ao século XIX [2]. Para Simmel,<br />

a vida na metrópole é caracterizada por um relativo crescimento na<br />

estimulação mental. A existência rural ou a vida numa pequena comunidade<br />

é mais emocional e estável, ainda que falte a ela a liberdade<br />

pessoal. A superestimulação da vida metropolitana, porém, paradoxalmente<br />

ameaça o indivíduo em busca da identidade. (SIMMEL apud<br />

EDGAR & SEDGWICH, 2003, p.354)<br />

Pensamento correspondente, também, nos primeiros anos do séc. XX e explicitado por outros autores<br />

que conceituaram esse indivíduo das metrópoles em relação aos não-urbanos:<br />

O excesso de estímulo e a ameaça dos outros levam a uma atitude<br />

reservada, ou indiferente, expressa na busca eterna por novidade e<br />

excentricidade. A análise de Benjamin sobre Paris do século XIX proporciona<br />

uma impressionante gama de leituras fragmentárias sobre a cidade,<br />

sendo a mais famosa delas a imagem do flâneur. O flâneur passeia<br />

anonimamente pela cidade (como em O homem da multidão, de Edgar<br />

Alan Poe), contemplando-a numa sucessão de impressões efêmeras.<br />

(IBID, p.354)<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

No entanto, o flâneur é um amante da cidade, ele se lança na multidão, no anonimato, mas esta<br />

não passa despercebida por ele.<br />

Mas, qual a relação entre esse sujeito anônimo em meio à multidão e a formação de tribos urbanas?<br />

Que conceito é este?<br />

No conceito etnológico, a tribo aparece com fronteiras bem definidas e, geralmente, apresenta<br />

poucas mudanças internas ao longo dos anos, comparativamente aos padrões da modernidade.<br />

Outro aspecto que merece ser dito é que tribo remete a uma organização político-administrativa<br />

maior e, geralmente, corresponde a uma associação política entre sociedades com finalidade mais<br />

amplas e não restritivas como se lê no termo, via de regra. Por isto mesmo é que as novas abordagens<br />

em torno da pós-modernidade, a partir da revisitação e alargamento dos conceitos de etnia,<br />

raça, nação, etc., colocam-nos impertinências nesta conceituação.<br />

O antropólogo Magnani, em um artigo intitulado Tribos Urbanas: Metáfora ou Categoria?, chamanos<br />

a atenção para alguns paradoxos no uso do conceito e que merecem ser pensados.<br />

E o que é que vem à mente quando se fala em “tribos urbanas”? Exatamente<br />

o contrário dessa acepção: pensa-se logo em pequenos grupos<br />

bem delimitados, com regras e costumes particulares em contraste<br />

com o caráter homogêneo e massificado que comumente se atribui ao<br />

estilo de vida das grandes cidades. Não deixa de ser paradoxal o uso<br />

de um termo para conotar exatamente o contrário daquilo que seu<br />

emprego técnico denota: no contexto das sociedades indígenas “tribo”<br />

aponta para alianças mais amplas; nas sociedades urbano-industriais<br />

evoca particularismos, estabelece pequenos recortes, exibe símbolos e<br />

marcas de uso e significado restritos.<br />

Por isso é que não se pode tomar um termo de um contexto e usá-lo<br />

em outro, sem mais - ou ao menos sem ter presente as reduções que<br />

tal transposição acarreta. Como categoria, tribo quer dizer uma coisa;<br />

enquanto metáfora, é forçada a dizer outras, até mesmo contra aquele<br />

sentido original. Sendo metáfora, “tribo” evoca, mais do que recorta.<br />

E evoca o quê? Primitivo, selvagem, natural, comunitário – características<br />

que se supõe estarem associadas, acertadamente ou não, ao modo<br />

de vida de povos que apresentam, num certo nível, a organização tribal.<br />

O fato de substituir a precisão do significado original por imagens<br />

associadas de forma livre (e algumas delas incorretamente) é que dá ao<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

termo “tribo” seu poder evocativo, permitindo-lhe designar realidades<br />

e situações bastante heterogêneas. (www.n-a-u.org/Magnani.html) [3]<br />

Dito isto, o antropólogo nos apresenta de forma clara como o uso de uma classificação fora do<br />

contexto histórico e social do grupo, altera o entendimento, assim como pode estabelecer visões<br />

negativas acerca dos indivíduos associados por inúmeros motivos a um certo grupo urbano, que<br />

nem sempre representa o grupo social ao qual ele pertencente, de fato. Desta forma, ser visto e<br />

classificado dentro de um contexto que não abrange a sua existência social pode ser prejudicial<br />

às relações sociais, políticas e econômicas estabelecidas ou em o que em potencial poderia vir a<br />

acontecer. Dito de outra forma, tal tipologia marca o indivíduo e o grupo.<br />

Mira (1997) refletindo sobre a relação entre o local e o global aponta, também, algumas possibilidades<br />

para pensarmos o conceito de tribo aqui. Diz:<br />

os antropólogos sabem que para uma tribo o centro do mundo é o centro<br />

da aldeia. Mas a aldeia global possui muitos centros e um indivíduo<br />

doravante descentrado, que pode construir sua identidade vinculada a<br />

lugares distantes, da mesma maneira pode mudar de identidade. A idéia<br />

de muitos centros descarta a noção de uma realidade e, portanto, de<br />

uma identidade absoluta, total e fechada em si mesmo. Às tribos urbanas<br />

não se é fiel para sempre, como nas sociedades primitivas. Porém,<br />

a separação entre espaço e lugar não exclui os lugares: sejam os de<br />

raiz, sejam os pontos de encontro, lojas, danceterias, templos, centros<br />

de cultura e tradição, onde a comunidade se materializa. (MIRA, 1997,<br />

p.147-148)<br />

Nota-se assim que o conceito de “tribos urbanas” para definir o comportamento da juventude<br />

contemporânea, a princípio é um conceito que apresenta um limite.<br />

O limite aqui apresentado revela a necessidade de compreendermos a dinâmica social dos grupos<br />

sociais hoje. Estamos vivendo outros tempos, onde tudo ocorre de forma instantânea, sobretudo<br />

quando se está no âmbito do urbano, pois neste sentido é onde mais se apresenta os paradoxos<br />

do global e do local. Nesta busca de um lugar reconhecido é que o não lugar vira um ponto de<br />

encontro e a apropriação de um espaço que não era o meu, mas passa a ser nos defronta com<br />

novas abordagens. O que nos coloca a necessidade de ampliarmos nossas visões sobre as coisas, as<br />

pessoas, os conceitos, a vida.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

Torna-se perceptível o esforço intelectual em melhor definir comportamentos dentro dos termos:<br />

tribos urbanas, supermercado de estilos [4], grupos de estilo, novos agrupamentos sociais e/<br />

ou urbanos. Culturas juvenis, linguagens juvenis, jovens urbanos, estilos... Ou estamos falando<br />

simplesmente de indivíduos em busca de pertencimento social (a tão desejada aceitação e visibilidade)?<br />

Uma busca de estilos próprios? Mas, se está associada à tribo um estilo próprio que, inclusive,<br />

contribui ou define-a perante comparações, o que vem a ser estilo? O que significa ter um?<br />

De antemão, podemos dizer que é uma palavra carregada de significados ou nuances de significados.<br />

Consideremos, em um primeiro momento, a associação de estilo com a moda, ou com um<br />

estilo de vestimenta (seja ele um estilo na moda ou não); o que temos? Há diferença em dizer:<br />

Apresentar-se com estilo ou num estilo distinguível de outros estilos?<br />

Se por um lado, o termo estilo aparece carregado de valores, estes, sem dúvida alguma, são de<br />

ordem estética, significados dentro de um tempo e espaço. Dessa forma, os estilos podem ser<br />

compreendidos como expressão dos valores e da identidade de grupos sociais.<br />

Por outro lado, quando associamos ao “estilo” a sua legitimidade sócio-cultural,<br />

os estilos de vida podem ser entendidos como um foco de identidade<br />

individual ou de grupo, desde que o indivíduo expresse-se valendo-se<br />

de escolha significativa de determinados itens ou padrões de comportamento,<br />

como códigos simbólicos, de uma pluralidade de possibilidades.<br />

A escolha de um estilo de vida pode ser vista como uma forma de resistência<br />

à ordem social dominante. Entretanto, a análise de estilos de<br />

vida também tem de se voltar ao problema de até onde a escolha do<br />

estilo de vida representa uma escolha genuinamente livre e criativa, e<br />

até onde ela representa a influência da propaganda e de outras mídias<br />

de massa sobre a vida cotidiana, e, portanto, sobre a incorporação do<br />

indivíduo na ordem social dominante. (EDGAR & SEDGWICK, op. cit.,<br />

p.110)<br />

Outro ponto interessante desse conceito é o de como ele foi colocado por alguns membros de<br />

movimentos de contracultura em oposição à moda vigente.<br />

<strong>Moda</strong> é a antítese de estilo. <strong>Moda</strong> é o que é seguido por pessoas que não<br />

sabem quem são, pessoas que dependem de revistas de moda para criar<br />

uma identidade para elas. Estilo é decidir quem você é e perpetuar<br />

essa decisão. Ou, dizendo de outro modo, ter estilo é ser você mesmo<br />

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mas com propósito. (CRISP apud BIVAR, 1982, p.77)<br />

Dito desta forma, estilo aparece como um modo de diferenciar-se e de ser reconhecido pela diferença;<br />

ou seja, o indivíduo passa a ser identificado pela diferença que apresenta em relação ao<br />

mesmo que se coloca pela cultura (ou modos) em geral. Mas nem sempre se trata de indivíduo,<br />

mas de indivíduos que passam a se apropriar de estilos próprios e serem identificados como um<br />

grupo. Segundo Carmo (2003),<br />

cria-se a ilusão de que há uma escolha intencional e pessoal, que distingue<br />

do padrão, do lugar-comum. O uso de peças fora de seu contexto<br />

original e recolocadas num novo e inusitado conjunto, semelhante a um<br />

processo de colagem (pendurar gilete como brinco, por exemplo), permitiria<br />

criar significações novas e identidade única de pertencimento<br />

grupal.<br />

O grupo e o indivíduo passam a ser reconhecidos pelos adereços e vestimentas<br />

que usam, e o estilo torna-se importante expressão da identidade<br />

do grupo e dos ideais por ele adotado. Enquanto a moda aparece<br />

como cópia de um conjunto de traços já aceitos, o estilo supostamente<br />

envolveria um processo de criação em que um grupo social explicitaria<br />

sua identidade, suas formas de atuação e seus questionamentos.<br />

(CARMO, 2003, p.203)<br />

No mais, como explicar as explosões dos movimentos que surgem e ressurgem e que representam<br />

forças que nos empurram para cá ou para lá no jogo das identidades que são constantemente negociadas<br />

social e politicamente? Como compreender os anos rebeldes e olhar para os dias atuais,<br />

em que a rebeldia juvenil aparece na quebradeira da Av. Paulista em um dia de comemoração de<br />

final de campeonato de futebol? Quem são os novos rebeldes que quebram estabelecimentos comerciais,<br />

aparentemente sem uma causa social, o que transparece violência por violência? É claro<br />

que eles estão dizendo algo? Serão essas as novas “tribos urbanas”?<br />

Também não é novidade para ninguém o papel dos meios de comunicação no sentido de ditar<br />

modas (modismos) e interferências no comportamento em geral e é claro que isso não ocorre sem<br />

interesses, e na maior parte das vezes de grupos econômicos. No entanto, Carmo (2003) enfatiza<br />

a idéia de que se alguns jovens caem na tentação midiática e consomem para se tornar mais um<br />

entre tantos, nem todos os jovens agem (ou agiam) da mesma maneira. E ao associar à roupa uma<br />

forma de contestação, diz<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

O crescimento de grupos de jovens reunidos em torno de um ideal ou<br />

organizados em tribos e gangues e, juntamente com eles, uma preocupação<br />

maior com o vestuário tiveram incremento no início dos anos<br />

50. Essa época marca não apenas a ampliação do consumo de massa,<br />

mas também maior liberdade do jovem em relação à sociedade e ao<br />

meio familiar. Certa independência financeira lhe possibilitou consumir<br />

para diferenciar-se, bem como para criar espaços próprio para seus<br />

encontros e lazer. (IBID, p. 192)<br />

Mas também de consumo, apontando para novas relações, que geraria novos comportamentos,<br />

rapidamente aproximados e reproduzidos pelo sistema- moda. O autor continua:<br />

No fim dos anos 50 consolidava-se a percepção da juventude de que<br />

pertencia a uma camada mais autônoma com características próprias.<br />

Surgiam as primeiras modas ou antimodas minoritárias. Na França, os<br />

jovens se destacavam por sua paixão pelo jazz e pela elegância espalhafatosa;<br />

nos Estados Unidos, pelo despojamento dos beatniks; na<br />

Inglaterra, os mods, teddy boys e rockers rivalizavam entre si em suas<br />

vestes.<br />

Nos anos 50, o blusão de couro preto tornou-se uma marca dos motociclistas,<br />

símbolo da vida em bando, de união e até mesmo de identificação<br />

entre alguns grupos, chamados “blusões negros”. Já nos anos<br />

60, os jovens europeus, com maior disponibilidade financeira, exerciam<br />

seu poder de decisão na compra e adoção de certos produtos de interesse<br />

próprio. “Essa geração cresceu em uma sociedade prospera, a primeira<br />

deste século a ter dinheiro para gastar”, diz o historiador inglês<br />

Eric Hobsbawm. (IBID, p.192)<br />

E ainda, em relação ao poder da roupa como um elemento contestador e o papel do consumo triunfando<br />

na época, Carmo (2003) comenta:<br />

Num ato mágico, a juventude européia acreditava que o poder e a virtude<br />

da América do Norte estavam presentes no jeans Levis e que seriam<br />

automaticamente transferidos para ela. Hoje, cada tribo se identifica<br />

por sua roupa e adereços; a marca da roupa, com ou sem grife,<br />

vale como carteira de identidade grupal. A partir dos anos 60, ganharão<br />

maior abrangência as ondas hippie, skinhead, punk, new wave, ras-<br />

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tafári, surfista, gótico, skatista, grunge, clubber, rapper. (IBID, p.192)<br />

Dessa forma reitera-se uma questão: a de que não é novidade alguma, hoje no próprio world fashion,<br />

que a Antropologia com o seu arcabouço teórico e experiência etnográfica, guardadas as devidas<br />

proporções, para a captação de tais comportamentos. O que se faz cada vez mais necessário,<br />

uma vez que podemos dizer que as identidades plurais apresentadas dentro desse “supermercado<br />

de estilos” tornam-se cada vez menos reveladoras, pois o que se apresenta em termos da aparência<br />

não corresponde ou abarca todos os significados contidos no ato de vestir ou na leitura simplificada<br />

dos trajes, já que se trata de expressões humanas e inserção social. Polhemus (2004) em uma<br />

entrevista, deixa transparecer sua visão de antropólogo nesta relação entre moda e visualidade:<br />

WF: “O que é mais essencial, intelectualmente falando, para um relato<br />

antropológico sobre a moda? A visão da ‘atualidade vivenciada’ e/ou o<br />

mergulho histórico?”<br />

TP: “O essencial para uma abordagem antropológica de estilo – prefiro<br />

esse termo ao mais limitado ‘moda’ – é uma apreciação dos extraordinários<br />

poderes da comunicação visual e um sentido da importância<br />

vital – mesmo hoje – dessa forma de expressão humana.”<br />

WF: “<strong>Moda</strong> e comportamento são palavras que se interagem e coexistem?<br />

Como o sr. vê essa inter-relação?<br />

TP: “O estilo visual é parte do comportamento humano e na minha<br />

concepção, é uma parte vital. Tanto no nível individual como no social,<br />

ambos o estilo e a aparência (e isso vale para todas as culturas e<br />

eras históricas) refletem outros comportamentos e (é defensável que o<br />

fazem mais perfeitamente do que outros meios, incluindo a expressão<br />

verbal) os expressam.” (POLHEMUS, 2004, p.16)<br />

Mesquita (2004) reflete sobre os movimentos da moda contemporânea e nos dá outras pistas para<br />

interpretarmos a moda como linguagem no sentido de lermos, interpretarmos novos códigos de<br />

estilos ou de <strong>Moda</strong>, ao afirmar que:<br />

A insistente idéia de se considerar a <strong>Moda</strong> como linguagem deve ser<br />

constantemente encarada sob a ótica de uma rede complexa de mensagens,<br />

nada simples de serem identificadas. Por exemplo, se considerarmos<br />

o mix de referências comum à <strong>Moda</strong> contemporânea, as influências<br />

que o processo de globalização produz, e até mesmo a apropriação que<br />

o consumidor faz dos códigos de <strong>Moda</strong>, devemos ter extremo cuidado<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

ao “rotular” estilos ou interpretar mensagens. A <strong>Moda</strong>, especialmente<br />

a partir da década de 1990, confunde muito mais que revela. Mistura<br />

códigos sociais, econômicos, geográficos, além de exaltar a linguagem<br />

individual em detrimento da coletiva, o que torna ainda mais particularmente<br />

complicado o exercício de decifração. (MESQUITA, 2004, p.77)<br />

E aí aparece uma resposta, ainda que esteja na ponta do iceberg, àquela pergunta inicial sobre o<br />

que nos diriam os jovens dos anos rebeldes e que nós somos alguns deles hoje, de que acontecimentos<br />

de uma década levaram a outros em outra época, sem que fossem apagados totalmente,<br />

pois um fato esteve (está) tecido a outro, assim como uma década se interpõem a outra, mesmo<br />

que seja para não “reproduzi-la”... Os fios emaranhados de um tempo em outro foram (vão) tecendo<br />

outras possibilidades a partir do que não se queria mais idêntico, mas ainda assim o outro<br />

estava repleto daquilo que ele tanto repugnava, pois, no fundo, passou a existir para apagar um<br />

passado que se continuava carregando e que desejava mudar, mas também, por vezes, carregava<br />

para conservar.<br />

E na atualidade, como isso acontece? Como este sujeito dos tempos presentes aparece nas linguagens<br />

da <strong>Moda</strong> e é por ela refletido, representado?<br />

O sujeito da atualidade é colocado diante de uma infinidade de informações e de uma complexidade<br />

de valores, sentidos e significados, por vezes, contraditórios. Como diz a antropóloga Mira,<br />

a partir do momento em que as pessoas são colocadas diante de um<br />

número de informações tão grande, de um circuito de trocas culturais<br />

tão amplo, cria-se o contexto que propicia a construção de identidades<br />

plurais e transitórias. Para o sujeito ‘pós-moderno’, é possível transitar<br />

entre diferentes identidades. (MIRA, 1997, p.145)<br />

Assim, no próprio indivíduo se refletem as contradições do sentir pertencendo e o jogo das identidades<br />

se faz em momentos oportunos em que a afirmação da identidade se dá de múltiplas formas,<br />

e se torna “necessária” no momento em que se deixa de ser igual e se precisa firmar o ser<br />

– eu sou perante o outro para não deixar de ser, para não morrer, no sentido mais amplo do termo.<br />

A velocidade com que as imagens e informações chegam até nós hoje qualifica nossas relações<br />

com os outros sujeitos, bens e saberes. A aceleração da história nos desloca assim como altera<br />

nossas relações pessoais e interpessoais. Desejamos o novo, desejamos consumi-lo. Desejamos<br />

possuir os objetos e os qualificamos como possuidores de uma magia que nos proporcionará algo a<br />

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mais, como um feitiço, somos atraídos pelo fetiche da mercadoria e, principalmente, por tudo o<br />

que depositamos (transferimos, projetamos, esperamos) neles (sentimentos, sentidos, memórias),<br />

mas nem sempre pensamos nas reais dimensões de tudo o que adotamos e consumimos. Nós<br />

possuímos nossos bens ou eles nos possuem?<br />

Contudo, podemos perceber o quanto a efemeridade nos embriagou (embriaga), porque através<br />

dela desejamos ter para ser,<br />

(...) a sede de imagens e de espetáculos, o gosto pela autonomia, o culto<br />

ao corpo, a embriaguez das sensações e do novo. Consome-se cada<br />

vez menos para ofuscar o Outro e ganhar consideração social e cada vez<br />

mais para si mesmo. Consome-se pelos serviços objetivos e existenciais<br />

que as coisas nos prestam, por seu self-service; assim caminha o individualismo<br />

narcísico, que não corresponde apenas ao desenvolvimento<br />

do furor psi e corporal, mas também a uma nova relação com os outros<br />

e com as coisas. (LIPOVETSKY, 1989, p.173)<br />

Essa relação neo-narcísica, segundo Lipovetsky (1989),<br />

reduz nossa dependência e nosso fascínio em relação às normas sociais,<br />

individualiza nossa relação com o standing; o que conta é menos<br />

a opinião dos outros do que a gestão sob medida de nosso tempo, de<br />

nosso meio material, de nosso próprio prazer. (IBID, p.173)<br />

O que Lipovetsky aponta aqui pode ser encarado como um prenúncio dos anos 90 e primórdios do<br />

século XXI, nos tais “tempos hipermodernos”? Sébastien Charles pensando Lipovetsky (2005) diz:<br />

O sistema final da moda sacraliza a felicidade privada das pessoas e<br />

destrói em benefício de reivindicações e preocupações pessoais as solidariedades<br />

e consciências de classe. E, de certa maneira, o maio de 68<br />

pode ser visto como a aplicação da lógica da moda à Revolução. Esse<br />

acontecimento ilustra bem a oposição entre um individualismo hedonista<br />

declarado e os conservadorismos sociais de outra época, que davam<br />

continuidade a diferenciações hierárquicas e autoritárias, sobretudo no<br />

plano sexual. (LIPOVETSKY, 2005, p.30)<br />

Pensando esse sistema que “deglute e assimila”, apoiando-se nas palavras de Carmo (2003), para<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

refletir a referência que Lipovetsky (2005) faz ao sistema final da moda e à aplicação de maio de<br />

68 a uma lógica da <strong>Moda</strong>, o autor escreve:<br />

Se, nos anos 60, uma vanguarda colocou em xeque toda a sociedade,<br />

modificando seus valores, modos e até mesmo objetos, as décadas seguintes<br />

promoveram uma espécie de “filtragem” dessa revolução, ou<br />

melhor, um “assentamento” dos exageros.<br />

O chamado sistema absorveu e incorporou os que queriam transformar<br />

e destruir, ou os transformou em produto e dinheiro para ficar ainda<br />

mais forte e poderoso. A criação contestadora foi absorvida e expandida<br />

para fora dos grupos de onde primeiramente se originou e assim<br />

desagregou-se ou diluiu-se (CARMO, 2003, p. 203).<br />

E aqui é possível captarmos mais um movimento de descentramento do sujeito pós-moderno. Sua<br />

identidade não se multiplica necessariamente, ela pode entrar em um movimento de diluição, o<br />

que faz este indivíduo sofrer incertezas, inseguranças e lançar-se a novas investidas que o mercado<br />

capta e passa a oferecer em forma de produtos culturais consumíveis em massa. Este também<br />

é um movimento captado pela moda pensada como sistema, mas que contribui para o esvaziamento<br />

de sentidos, sobretudo dos significados iniciais daqueles que propunham novas abordagens<br />

em relação à constituição de estilos, e por vezes, os significados eram contestadores aos padrões<br />

estabelecidos. O autor continua:<br />

Nesse processo de diluição, os agentes do mercado exercem importante<br />

papel, no sentido de que passam a se apropriar das inovações a<br />

fim de dar continuidade à ininterrupta e lucrativa produção de novidades.<br />

Diante disso, os grupos contestadores passam a preocupar-se<br />

em tentar evitar a transformação do seu estilo em modismo, já que isso<br />

diluiria seu propósito expressivo. Mas estão em permanente perigo de<br />

ser novamente apropriados e digeridos pela indústria cultural e, assim,<br />

padronizados e devolvidos à normalidade como produtos da moda. A<br />

vanguarda logo vê ser esvaziado o significado original de seus gestos e<br />

estilos.<br />

Mesmo os grupos mais radicais enfrentam o problema. Os punks criaram<br />

sinais repugnantes, como a suástica nazista e o lixo do consumo<br />

como seus símbolos de identidade, na crença de escapar à incorporação<br />

pelo mercado. Mas, passado o primeiro impacto, a indústria e a mídia<br />

começaram a perceber a possibilidade de tirar proveito do espaço aberto<br />

por eles. (IBID, p.203-204)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

t Um exemplo disto é a rapidez com que se reproduzem esteticamente em produtos as formas<br />

criadas por estes grupos originais e nem sempre correspondem ao consumo do próprio grupo que<br />

“ofereceu” a referência inicial, pois também entra em debate a questão da acessibilidade dos<br />

bens e da imaterialidade inspiratória de suas criações. Sem purismos, entramos no mundo dos<br />

negócios da moda e assim ele se revela,<br />

A joalheria H. Stern, por exemplo, criou uma coleção denominada new<br />

wave, reproduzindo fielmente as formas e desenhos inventados pelos<br />

punks como seus adornos originais. O que fora objeto de agressão<br />

acabou se convertendo em jóia cara. Brincos, pulseiras e broches, colares<br />

que se assemelhavam a uma corrente de prender cachorro foram<br />

produzidos com platina, um dos metais mais valiosos.<br />

Como se vê, o uso da roupa incorporada como estilo não consegue se<br />

manter por muito tempo como manifestação genuína que visa provocar<br />

reações; logo se torna apenas travessura ou mania juvenil, esvaziada de<br />

seu significado original. O preço da difusão de movimentos vanguardistas<br />

é a diluição estética e a perda de seu vigor inventivo. (IBID, p.204)<br />

Pensando moda como sistema, à medida que integra aparentemente nivelando indivíduos e produzindo,<br />

de forma geral, uma sensação de pertencimento, uma vez que a roupa demarca padrão de<br />

vida e transmite informações, mesmo que esta não corresponda à realidade social do indivíduo<br />

que a veste, ela [5] se torna o lugar do desejo de inovar, imitar, renovar, ou seja, ela reitera dialeticamente,<br />

por um lado, a competição de prestígio entre grupos que pretendem distinguir-se<br />

e por outro, reforça através da própria imagem sinais que possam assegurar ou trazer um sentimento<br />

de pertencimento por definir identidade, ou no mínimo qualificá-la.<br />

Isto porque o sistema de moda está diretamente relacionado ao sistema de produção e transmissão<br />

de significados culturais aos bens e destes aos indivíduos, segundo McCracken (2003)<br />

O sistema de moda, em uma de suas capacidades, opera uma transferência<br />

de significado do mundo culturalmente constituído para os bens<br />

de consumo notavelmente similar em caráter e em efeito à transferência<br />

feita pela publicidade. Na mídia de uma revista ou de um jornal,<br />

evidencia-se o mesmo esforço em conjugar o bem a aspectos do<br />

mundo, com o objetivo de chegar ao mesmo processo de entrever similaridades.<br />

O sistema de moda, nesta capacidade, toma novos estilos<br />

de se vestir ou de mobiliar a casa e os associa a categorias e princípios<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

culturais estabelecidos. Assim, o significado transporta-se do mundo<br />

culturalmente constituído para o bem. Este é o aspecto mais simples<br />

desta capacidade do sistema de moda de disponibilizar significado [...].<br />

Uma segunda capacidade do sistema de moda é que ele realmente inventa,<br />

de modo modesto, novos significados culturais. Esta invenção é<br />

empreendida por “lideres de opinião”, que ajudam a moldar e a refinar<br />

o significado cultural existente, encorajando a reforma de categorias e<br />

princípios culturais. Estes são lideres de opinião “distantes”: indivíduos<br />

que, em virtude de seu nascimento, beleza, celebridade ou façanhas,<br />

são tidos em alta conta. Esses grupos e indivíduos são fontes de significado<br />

para os de posição mais baixa. (McCRACKEN, 2003, p.190-191)<br />

E ainda expõe uma terceira capacidade do sistema de moda,<br />

a de se engajar não apenas na invenção de significados culturais, mas<br />

também em sua reforma radical. Parte do significado cultural das sociedades<br />

industriais ocidentais está submetida a mudanças constantes<br />

e profundas. [...] Com efeito, não é exagerado dizer que as sociedades<br />

quentes (as sociedades ocidentais na expressão de Claude Lévi-Strauss)<br />

demandam tais mudanças e dependem delas para conduzir certos setores<br />

econômicos, sociais e culturais do mundo ocidental. O sistema de<br />

moda funciona como um dos canais de captura e de movimento desta<br />

categoria de significado altamente inovador.<br />

Os grupos responsáveis por esta reforma radical do significado são, normalmente,<br />

aqueles que vivem à margem da sociedade: hippies, punks<br />

ou gays. (IBID, p.110-111)<br />

O autor se estende um pouco mais nessa terceira capacidade de inovação do sistema de moda,<br />

principalmente ao contemplar os grupos responsáveis pela reforma radical e como se tornam grupos<br />

“provedores de significado”, reafirmando o caráter institucionalizante da moda de engendrar<br />

as invenções culturais praticadas por grupos a margem do sistema capitalista, mas que passam a<br />

ser fonte inspiradora e de inovação para “fazer caminhar” o consumo como uma fonte inesgotável<br />

de novas possibilidades, mesmo que esvaziando os sentidos, sentimentos, significados individuais/<br />

grupais de seus reais valores. Em outras palavras, “se as fontes de significado são mais dinâmicas<br />

e numerosas, assim também o são os agentes que apanham esse significado e realizam sua transferência<br />

para os bens de consumo” (McCRACKEN, 2003, p.111).<br />

Também, nesse sentido, os consumidores se apropriam do produto realizado de transferências e<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

ao consumi-lo ainda projetam tantas outras histórias [6]. Dito isto, podemos tomar como exemplo<br />

o debate em torno do luxo emocional, do luxo e a festa, dos sentidos do luxo trazido por Lipovetsky<br />

(2005) que o aproxima da Antropologia. O que podemos pensar, todavia, do processo de criação<br />

dos produtos de luxo da moda? O filósofo argumenta que<br />

o management do luxo não se reduz a promover produtos raros e caros,<br />

pois ele tem de orquestrar o fator tempo. Por um lado, é preciso inovar,<br />

criar, espetacularizar, rejuvenescer a imagem da marca: é o tempo<br />

curto, o da moda, que é convocado. Mas, por outro lado, é necessário<br />

dar tempo ao tempo, perpetuar uma memória, criar um halo de intemporalidade,<br />

uma imagem de “eternidade” da marca: as estratégias<br />

empregadas são, então, de capitalização e de sedimentação do tempo.<br />

Ora um tempo de atualidade, o tempo rápido e versátil da moda; ora o<br />

imóvel, o que não está sujeito a sair de moda, a temporalidade longa<br />

da memória: uma marca de luxo não pode ser edificada sem esse trabalho<br />

paradoxal que mobiliza exigências temporais de natureza oposta.<br />

(LIPOVETSKY, 2005, p.84)<br />

O ser humano sempre se relacionou com o luxo. A criação do luxo também se relaciona com o existir,<br />

pois seria insuportável ver a realidade nua e crua e assim as sociedades e culturas humanas<br />

(re)inventam sua existência através de uma construção simbólica da realidade vivida, presente<br />

e também assim projetam o futuro. Nesta perspectiva atemporal colocada em um tempo e lugar<br />

onde se explora a relação do individuo com a materialidade/imaterialidade contida nos bens além<br />

de suas utilidades, temos ai a consagração do luxo moderno, que permeia nossa cultura e consumo,<br />

portanto nos identifica com nossa ancestralidade em busca de marcar sua existência através<br />

dos tempos pelas obras, objetos, heróis sacralizados para exprimir o desejo de imortalidade tão<br />

almejada pelas humanidades em sua diversidade e nas palavras de Lipovetsky (2005), desvela-se,<br />

ainda hoje, nas culturas mercantis dessacralizadas redimensionadas aos objetos e nossas relações<br />

com eles, que estão muito aquém de serem concretas, no sentido, de altamente objetivas. Diz<br />

Em conseqüência de sua relação com a continuidade e com o “fora do<br />

tempo”, o luxo de hoje não deixa de ter analogia com o pensamento<br />

mítico imemorial. Se essa comparação é legítima, é pelo fato de que<br />

tanto um como o outro fazem referência a acontecimentos passados<br />

fundadores e que, além disso, exigem ser reatualizados por ritos cerimoniais.<br />

Nos dois casos são afirmados “heróis”, atos criadores e o<br />

que Éliade chama “o prestígio dos primeiros passos”, uma eternidade<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

sempre atual, um “eterno presente” a ser venerado, do qual provém a<br />

ordem das coisas. É assim que um dos princípios que fundam a consagração<br />

do luxo moderno – a origem prestigiosa – é o mesmo que alimentava<br />

os sistemas de crenças selvagens. Considerado sob esse aspecto,<br />

o luxo apresenta-se como o que perpetua uma forma de pensamento<br />

mítico no próprio coração das culturas mercantis dessacralizadas. (IBID,<br />

p.84)<br />

A moda entra nesse mecanismo e brinca (brinda) os sentidos, sentimentos, transcendendo-os. E o<br />

mercado (lê-se, também, indústria da <strong>Moda</strong>) utiliza-se, aliado ao delírio publicitário, na busca de<br />

cifras fenomenais, de movimentos que se alicerçam em jogos identitários, revestidos de prestígio,<br />

imitação, sedução, efemeridade, desejo de diferenciação e, também, de indiferenciação<br />

[7], da lógica do humano aqui pensado como um complexo sócio-cultural, assim como político e<br />

econômico.<br />

O antropólogo Sahlins (1979), em Cultura e Razão Prática, compõe esta ideia com o pensamento:<br />

“o que vestimos e do que nos vestimos, talvez”; portanto, outro dilema reaparece e contradiz a<br />

suposta linearidade do fio que se tece. Mais uma fonte inesgotável para se pensar o humano.<br />

Kuper (2002) ao analisar Marshall Sahlins levanta mais um aspecto aqui tecido ao se discutir de<br />

onde vêm nossas vontades. Em uma sociedade baseada na “livre iniciativa” e no consumo, a exemplo<br />

da norte-americana, e aqui cabe pensarmos, sobretudo, a nossa realidade. Assim,<br />

‘Necessidades’ vem entre aspas porque são culturalmente construídas,<br />

e o que os americanos produzem para satisfazer essas necessidades culturalmente<br />

especificas não são coisas úteis, mas símbolos. Os Estados<br />

Unidos [8] são uma cultura de consumo, em que as relações aparecem<br />

vestidas de objetos manufaturados. Esses são os totens americanos,<br />

mas eles representam simplesmente posições na sociedade (jeans como<br />

uniforme dos trabalhadores ou dos jovens). Novas mercadorias estão<br />

permanentemente sendo lançadas no mercado, e elas evocam novas<br />

identidades. (KUPER, 2002, p. 221)<br />

Resta-nos refletir hsobre as nossas necessidades pessoais e culturais, tecendo novas considerações<br />

acerca de nós mesmos, o porquê de nos identificarmos e também o de, por vezes, desejarmos a<br />

indiferenciação, para além do movimento da imitação e distinção social.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

Considerações finais<br />

Considerando que a relação com o belo, a vaidade, a inovação, o consumo, o luxo estão presentes<br />

em todas as humanidades nos mais diversos universos culturais imaginados expõe-se a intrínseca e<br />

não tão recente relação entre a antropologia e a moda. A preocupação em compreender o homem,<br />

sua vida, seus hábitos e costumes, seus comportamentos, seus modos e modas, seus sonhos, mitos<br />

e possibilidades está no centro das questões antropológicas.<br />

O antropólogo Carvalho (2003, p.18), explicita tal pensamento ao nos revelar que “cabe ao Antropólogo<br />

transcender o estreito limite de manifestação da diversidade das regras culturais, para<br />

atingir o homem em sua inteireza, mesmo que ela seja sempre indeterminada e provisória”. Sendo<br />

assim, estamos falando de pensamentos e situações complexas em que se inserem os antropólogos<br />

e as modas. <strong>Moda</strong> pensada aqui como inserção social e expressão humana e, portanto, em estreita<br />

relação com os estudos antropológicos no pensar a vida social em sua totalidade.<br />

Por isto, este texto apresenta uma discussão conceitual em torno de identidade, identidades,<br />

diferença ou consumo?, e, algumas conexões com a moda, aproximando experiências diversas das<br />

chamadas novas tribos urbanas para refletir a busca de pertencimento social e também da tentativa<br />

de individualização de estilos. Estilos estes que, uma vez aproximados e apropriados pelo<br />

sistema moda tomam uma forma e se transformam em discursos e produtos de moda.<br />

Em um sistema que clama pelo novo em um processo de sedução constante, a diferença torna-se<br />

o fator identificador de novos estilos. Tendências viram estilos e produtos consumíveis, se agradar<br />

aos olhos, corações, mentes e bolsos. Esvaziamento de sentidos, sim, mas movimento permanente<br />

em busca de novos pertencimentos e reconhecimentos, portanto, criação e recriação de identidades,<br />

pois ninguém, parece, quer passar completamente despercebido em meio à multidão. Em<br />

tais manifestações encontram-se a busca pela inteireza ainda que em um processo variável, provisório,<br />

fragmentado e emblemático.<br />

Entre o imaginado e o vivido, o visto e o fato, o visível e o invisível, o poder denotativo e conotativo<br />

de expressar situações e mensagens perpassa a complexidade exposta por todos os autores<br />

aqui trabalhados. Diante da contemporaneidade em que vivemos nos vemos sendo contextualizados,<br />

de uma forma ou de outra, em uma internacionalização de códigos e costumes e dentro do<br />

paradoxo da globalização, em uma aparente e latente oposição ao global, representado na volta<br />

idílica a um passado harmonioso, nostálgico de tempos vividos em abundância e liberdade, ou na<br />

contraposição de que tudo o que passou não serve, é velho, arcaico ou não é “moderno”; retornos<br />

tantos e outros que pretendem marcar posições diante de perdas, antíteses e também das novas<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

sínteses. Ao antropólogo se levanta o que é ainda um desafio para os estudiosos do homem e que<br />

se coloca a qualquer área de estudo que se propõe compreender ou, no mínimo, atingir o humano.<br />

A Antropologia na <strong>Moda</strong> torna-se necessária para repensarmos também o nosso lugar na produção<br />

humana em geral, incluindo a do conhecimento, das assimilações e novas sínteses construídas a<br />

partir de saberes diversos, tendo em foco o próprio homem, pensando particularidades, similaridades<br />

e diferenças – diversidades e adversidades, pertinências e impertinências. Diverso, diferente,<br />

desigual, tolerante e intolerante – também aqui há muito que se pensar e discutir. Questões<br />

que não se encerram neste artigo, mas que nos fazem iniciar, simplesmente, com elas tantas e<br />

novas possibilidades de refletir sobre o lugar que ocupamos e quem somos afinal.<br />

Notas<br />

[1] O uso aqui do termo “tribos urbanas” não aparece em concordância com a autora, mas pelo<br />

uso e abuso dentro de mídias diversas e até pouco tempo muito presente em textos jornalísticos<br />

de moda e em geral. Tal conceituação é ampliada pela Antropologia e hoje já compreendida dentro<br />

do universo da <strong>Moda</strong>, nos estudos de comportamento.<br />

[2] Outra leitura indispensável é o trabalho da historiadora social Maria do Carmo Teixeira Rainho<br />

sobre as transformações ocorridas no Rio de Janeiro, no processo de modernização, no século XIX<br />

e sua relação com a <strong>Moda</strong>. A obra é: RAINHO, Maria do Carmo Teixeira (2002). A cidade e a moda:<br />

novas pretensões, novas distinções – Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Editora <strong>Universidade</strong><br />

de Brasília.<br />

[3] Artigo originalmente publicado em “Cadernos de Campo - Revista dos alunos de pós-graduação<br />

em Antropologia”. Departamento de Antropologia, FFLCH/USP, São Paulo, ano 2, nº 2, 1992.<br />

[4] Para saber mais ler o trabalho do antropólogo Ted Polhemus - THAMES AND HUDSON. Ted Polhemus,<br />

Streetstyle. 1994. London. Só há referência em inglês, o autor não traduziu o livro.<br />

[5] Ela aqui se refere à moda que se torna uma entidade, uma poderosa instituição social aliada,<br />

ainda, a um conteúdo mágico, quase mítico no sentido mais ideológico (fetichista no sentido dado<br />

por Karl Marx) do que tradicional, diga-se de passagem. Também, pode-se traduzir ela à roupa,<br />

pensada aqui como elemento arquetípico da moda.<br />

[6] Esta análise aponta um caminho para se pensar a relação consumidor/objeto (bens) de consumo<br />

da anteriormente abordada por Zigmunt Bauman, mas que se apresenta neste livro como<br />

uma idéia complementar diante da complexidade do debate da criação e recriação de identidades<br />

na contemporaneidade e mesmo da questão em torno de <strong>Moda</strong> e Consumo. Mais do que distintas<br />

são análises necessárias para ampliarmos nossas visões.<br />

[7] Aqui também tomo por referência o trabalho de Gilles Lipovetsky em O Império do Efêmero.<br />

[8] Lê-se mundo hoje, nota da autora.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo [1]<br />

Cristiane Mesquita Dra. em Psicologia, PUC/SP cfmesquita@anhembi.br<br />

Juliana Teixeira Joaquim Graduanda em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, UAM/SP<br />

j.juteixeira@gmail.com<br />

Resumo<br />

O presente artigo tem como intuito investigar o movimento feminista, identificar<br />

ideologias e propostas de ruptura e evidenciar alguns de seus questionamentos na<br />

moda. A breve investigação da história do feminismo articulada à moda do século<br />

XX aponta para a recriação da identidade feminina a partir do discurso feminista.<br />

Esta articulação entre o contexto social e modos de vestir é produtiva para a<br />

compreensão do campo do design de moda como um fenômeno social e como uma<br />

linguagem que carrega em si valores individuais, políticos e sociais. Para tanto,<br />

Alves e Pitanguy, Goldenberg e Toscano, e Baudot são os principais referenciais<br />

teóricos e iconográficos.<br />

Palavras-chave:<br />

Movimento feminista, <strong>Design</strong> de moda, Gênero.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

Introdução<br />

No desenvolvimento deste artigo, apresentaremos uma abordagem do movimento feminista ao<br />

longo de sua evolução, enfocaremos os principais momentos do feminismo na segunda metade do<br />

século XX. Na sequência, investigaremos brevemente a silhueta e a moda feminina ao longo do<br />

século XX e delinearemos alguns aspectos do feminismo ligados à questão da moda.<br />

O feminismo é definido discursivamente como uma teoria de igualdade política, econômica e<br />

social. Para Ergas (1991) é mais uma questão histórica do que uma questão de definição [2],<br />

ou seja, não é tal como um substantivo cujas propriedades possam ser determinadas de forma<br />

precisa e definitiva. O discurso feminista surgiu a partir da conscientização de uma opressão<br />

que atingia as mulheres, articulado por conjuntos variados de teorias e discursos centrados na<br />

constituição e legitimação dos interesses femininos. Para se contraporem, as mulheres passaram a<br />

elaborar discursos políticos próprios e a se definir como um grupo social com identidade própria: as<br />

feministas. Sendo assim, é preciso identificar o feminismo tanto como teoria que busca analisar as<br />

relações entre os sexos, quanto como movimento social que luta pela superação das desigualdades,<br />

e a equiparação dos direitos das mulheres aos dos homens.<br />

A proliferação do feminismo no século XIX esteve intimamente ligada às mudanças concretas na<br />

organização da sociedade, pode ser associada a vários fenômenos, principalmente à Revolução<br />

Francesa [3] e ao processo de implementação e consolidação do capitalismo [4].<br />

Por meio da luta por seus direitos, as mulheres romperam o silêncio e projetaram suas reivindicações<br />

na esfera pública. Como resultado, o século XIX caracterizou-se pela existência de dois movimentos<br />

paralelos: de um lado, a luta por melhores condições de trabalho, centrada na desigualdade de<br />

direitos trabalhistas e na exploração da mão de obra feminina; de outro, a luta pela conquista<br />

de direitos civis, como o direito ao voto e à participação política. Esses movimentos, apesar de<br />

diferirem na origem e nos objetivos, foram organizações que questionaram o papel social da<br />

mulher e lutaram pela emancipação feminina (ALVES e PITANGUY, 1982, p.41-42).<br />

O feminismo de 1960 a 1980: identidades e relações de gênero<br />

Embora não se possa estabelecer uma relação direta entre as primeiras feministas, que atuaram<br />

no decorrer do século XIX e no início do século XX, e os movimentos feministas que se iniciam<br />

na década de 1960, foi a partir das manifestações das primeiras intelectuais que lutaram pela<br />

emancipação da mulher que se começou a questionar e desestruturar as relações de gênero<br />

vigentes. Alguns fatores contribuíram, no decorrer do século XIX e princípios do século XX, para<br />

se formular novos questionamentos nas relações entre homens e mulheres: o acesso a atividades<br />

remuneradas, a crescente escolarização, a participação política feminina, a expansão de uma<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

produção intelectual e a divulgação das ideias feministas através de periódicos e outras publicações<br />

(MÉNDEZ, 2005, p.56).<br />

O período da Segunda Grande Guerra foi um momento crucial no processo de incorporação das<br />

mulheres ao mercado de trabalho, durante o qual se valorizou não só o trabalho feminino, mas<br />

também a inclusão da mulher na esfera social. A necessidade de mão de obra levou as mulheres a<br />

ocuparem espaços estritamente masculinos na esfera do trabalho.<br />

A manipulação da participação pública feminina se deu por uma ideologia aparentemente<br />

progressista para incorporar a mulher ao mercado de trabalho. No entanto, com o fim do conflito<br />

e o retorno da força de trabalho masculina, uma contraideologia, que valorizava a diferença<br />

sexual dos papéis sociais e atribuía à condição feminina o espaço doméstico, foi fortemente<br />

reativada com o intuito de retirar as mulheres da esfera pública. Novamente a inserção da mulher<br />

no mercado de trabalho foi desvalorizada, e as mulheres voltaram ao cotidiano doméstico. Assim,<br />

a afirmação de igualdade entre os sexos se confundiu com a necessidade econômica daquele<br />

período. Esse processo ocorreu com maior intensidade nos países diretamente envolvidos no<br />

conflito, em particular nos EUA e na Inglaterra. Desse modo, o modelo normativo de mulher que<br />

exaltava as virtudes “naturais” do sexo feminino, que cobrava sua permanência no lar e associava<br />

a imagem de mulher ideal ao casamento e aos cuidados dos filhos constituía ainda um obstáculo<br />

para a emancipação feminina.<br />

No fim da década de 1940, Simone de Beauvoir (1980) lança o livro intitulado O segundo sexo, nele<br />

a autora apontou para a necessidade de se romper com o papel tradicional feminino, para que<br />

então a mulher pudesse libertar-se das obrigações impostas pela sua condição sexual:<br />

Em verdade, a natureza, como realidade histórica, não é um dado<br />

imutável. Se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca<br />

retorna ao essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno.<br />

[...] Os homens dizem ‘as mulheres’, e elas usam essas palavras para<br />

se designarem a si mesmas: mas não se põem autenticamente como<br />

Sujeito (BEAUVOIR, 1980, p.13).<br />

A libertação feminina só seria possível se as mulheres tomassem consciência de que sofriam<br />

uma opressão específica gerada pela sua condição de sexo, e passassem a se reconhecer como<br />

sujeito, com uma identidade social própria. Essa análise de Simone de Beauvoir foi essencial na<br />

fundamentação do discurso feminista que ressurgiu a partir dos anos 1960. Foi nesse momento<br />

histórico que o feminismo incorporou novos discursos, além das reivindicações voltadas para as<br />

desigualdades políticas e econômicas que já estavam presentes desde seus primórdios; consolidouse<br />

um discurso que também questionava as raízes culturais dessas desigualdades.<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

Na luta pela emancipação da mulher e pela consolidação da identidade feminina, nasceu um<br />

contradiscurso feminista, que utilizou do conceito de gênero para desnaturalizar as identidades<br />

atribuídas às mulheres, evidenciando a diferença entre sexo e gênero. Enquanto a palavra sexo<br />

faz referência às diferenças biológicas entre machos e fêmeas, pelo contrário, gênero é um termo<br />

que diz respeito à classificação social em masculino e feminino, remete a um produto cultural e<br />

histórico. Oakley (apud TILLY, 1994, p.42) afirma que “deve-se admitir a invariância do sexo tanto<br />

quanto deve-se admitir a variabilidade do gênero”.<br />

Assim, compartilhar o mesmo sexo biológico não significa compartir do mesmo estado social, pois<br />

o sexo biológico não determina o gênero, mas também não pode ser isolado completamente em<br />

sua construção.<br />

A identidade de gênero, ou seja, o masculino e o feminino são considerados como construções<br />

culturais adquiridas pelo processo de socialização. A diferença sexual que inferioriza um dos<br />

sexos é construída pelos discursos que a fundam e a legitimam. Stolke (apud GIFFIN, 1991, p.194)<br />

afirma que “expressar as relações sociais em termos biológicos é um mecanismo ideológico para<br />

tornar fatos que são sociais, naturais e, deste modo, imutáveis”. A natureza da mulher legitimava<br />

a assimetria sexual, e este reducionismo biológico camuflava as raízes de opressão feminina, que<br />

é resultado de relações sociais e não de uma natureza imutável.<br />

Há uma construção cultural da identidade feminina que é evidenciada pelo questionamento<br />

da divisão tradicional dos papéis sociais, e nesse sentido Rago (1998, p.7) afirma que “(...) há<br />

um aporte feminista específico, diferenciador, libertário, que rompe com um enquadramento<br />

conceitual normativo”.<br />

Os principais fatores constitutivos dessa mudança são decorrentes da entrada da mulher no<br />

mercado de trabalho e da separação entre a sexualidade e a reprodução. Com o advento da pílula<br />

anticoncepcional a mulher pode exercer maior controle de sua sexualidade, o que possibilitou o<br />

livre arbítrio sobre a função biológica de seu corpo e o acesso a uma sexualidade não reprodutiva.<br />

Esses fatores provocaram uma crise nas referências simbólicas organizadoras da sociedade, a<br />

partir do deslocamento das fronteiras entre homem e mulher.<br />

A partir de então, o padrão tradicional de ser mulher passa a ser questionado, e aquele ideário<br />

que busca a igualdade sexual entre homens e mulheres passa a ser difundido, em detrimento<br />

do modelo que exigia da mulher a negação de sua sexualidade e a contenção de seu exercício<br />

sexual com fins de procriação. Deste modo, o feminismo propõe que o exercício da sexualidade se<br />

desassocie da função biológica de reprodução da mulher.<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

O contradiscurso feminista que emerge na segunda metade do século XX teve como característica<br />

a transgressão de padrões de valores pré-estabelecidos, não no sentido de uma negação absoluta<br />

dos limites estabelecidos, mas de um movimento que afirma novos valores, outros limites.<br />

O movimento feminista constituiu-se em um dos casos expressivos do<br />

processo de assimilação que foi lentamente depurando os aspectos<br />

de contestação e sobretudo obscurecendo o caráter de movimento<br />

cultural, até ficar reduzido a algumas conquistas usufruídas hoje<br />

normalmente pelas novas gerações, mas sem que elas possam ter a<br />

dimensão histórica desses comportamentos como resultados de amplos<br />

movimentos de natureza política e cultural. (HAUG, apud CARDOSO,<br />

2005, p.194).<br />

Nesse sentido, Haug aponta que as transformações que os movimentos feministas tinham produzido<br />

durante séculos eram absorvidas mais como produto inevitável do progresso tecnológico e da<br />

expansão econômica do que como resultado de uma luta contra a hierarquia entre os sexos. Os<br />

anos 1980 se caracterizaram por uma profunda indiferença manifestada pela nova geração de<br />

lutas feministas. Esse momento, denominado por Ergas (1991) de “pós-feminismo”, é marcado<br />

por uma desmobilização política muito grande, um retraimento de todos os movimentos sociais<br />

organizados que, aos poucos, perderam o peso político-social que tiveram nas décadas anteriores.<br />

Breve histórico do movimento feminista no Brasil<br />

No Brasil, o feminismo apresentou-se desde o seu surgimento, como um reflexo do que acontecia<br />

na Europa e nos Estados Unidos. Contudo, esse movimento apresentou particularidades que só<br />

podem ser entendidas no contexto da formação cultural e econômica da sociedade brasileira. A<br />

situação de dependência em relação ao colonizador, atrelada à escravidão, e a influência da igreja<br />

católica como força política e instrumento de controle social são fatores diretamente responsáveis<br />

pelo patriarcalismo, conservadorismo e machismo brasileiros, elementos que permitem entender<br />

as especificidades do feminismo no Brasil (GOLDENBERG e TOSCANO, 1992, p.25).<br />

O feminismo como movimento organizado no Brasil se expressou na reivindicação pelo direito ao<br />

voto e pela conquista dos direitos civis, no final do século XIX e no decorrer da segunda década do<br />

século XX. Nesse sentido, pode ser associado à consolidação do capitalismo, ao crescente processo<br />

de industrialização e urbanização que provocou mudanças significativas nas estruturas sociais,<br />

políticas e econômicas da sociedade brasileira. O ingresso da mulher no mercado de trabalho<br />

explicitou para o âmbito público os antagonismos de gênero presentes na sociedade brasileira,<br />

que estruturada pelo patriarcalismo e pelos conceitos pregados pela religião consolidou papéis<br />

sociais desiguais.<br />

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No entanto, mesmo em meio ao intercâmbio de ideias feministas que vieram da frequência das<br />

relações internacionais com intelectuais estrangeiros, durante o período da Primeira Guerra<br />

Mundial, o direito ao voto da mulher encontrava resistência entre os mais conservadores. A tese<br />

que justificava a posição do congresso contra o voto feminino pode ser exemplificada pelo discurso<br />

do senador Muniz Freire:<br />

Estender o voto à mulher é uma ideia imoral e anárquica, porque no dia<br />

em que for convertido em lei, ficará decretada a dissolução da família<br />

brasileira. A concorrência dos sexos nas relações da vida ativa anula<br />

os laços sagrados da família. (FREIRE, apud GOLDENBERG e TOSCANO,<br />

1992, p.27).<br />

O reconhecimento do direito da mulher ao voto encontrava resistência na moral burguesa, no<br />

ideal de família. Este seria afetado pela presença feminina na esfera pública, uma vez que<br />

significava uma ruptura com a antiga divisão mulher/privado, homem/público [5], logo a família<br />

seria ameaçada pela emancipação feminina.<br />

Por maior que fossem as resistências masculinas, fundamentadas no conservadorismo e nos<br />

discursos autoritários, a influência dos padrões de comportamento importados dos países do<br />

centro do sistema capitalista contribuiu para mudanças, mesmo que de forma lenta e gradual, em<br />

diferentes âmbitos da sociedade. Entre essas mudanças destaca-se a concessão do direito ao voto<br />

feminino de 1932 (GOLDENBERG e TOSCANO, 1992, p.28).<br />

O período de maior expressão do movimento de mulheres no Brasil foi na década de 1970.<br />

O feminismo no Brasil foi mais diluído, não foi tão intenso e radical quanto no exterior, e as<br />

reivindicações e organizações das mulheres ocorreram dez anos depois, se comparado aos<br />

movimentos que se desenvolveram na Europa e nos Estados Unidos.<br />

No Brasil, o feminismo pode ser classificado, à semelhança do ocorrido no exterior, em dois<br />

principais momentos. O primeiro momento do feminismo organizado e atuante no Brasil esteve<br />

articulado a outros movimentos socioeconômicos do período, como movimentos populares por<br />

melhores condições de vida e movimentos políticos contra a ditadura militar. A participação da<br />

mulher na resistência à ditadura durante a fase de repressão política iniciada em 1964 contribuiu<br />

não apenas para insurgir contra a política vigente, mas caracterizou uma transgressão ao espaço<br />

tradicionalmente feminino, estabelecendo um conflito com padrões tradicionais de valores.<br />

Segundo Toscano (1992), este foi um período de ampla conscientização a respeito da situação da<br />

mulher na sociedade brasileira [6].<br />

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Em um segundo momento, o feminismo brasileiro foi marcado por questionamentos específicos à<br />

condição feminina. Denominada de “o novo feminismo”, a organização das mulheres no Brasil a<br />

partir desse período tem como ponto de partida a tese de Simone de Beauvoir de que “não se nasce<br />

mulher, torna-se mulher”. As teorias feministas defenderam a igualdade de direitos, mas com a<br />

preservação das diferenças de gênero, porque, segundo Saffioti (GOLDENBERG e TOSCANO, 1992,<br />

p.63) “o que distingue, de um lado, a desigualdade e, de outro, a diferença é que a diferença não<br />

é fonte de discriminação, enquanto a desigualdade o é”. Esse segundo momento do feminismo<br />

caracteriza-se por uma liberação da sexualidade feminina, a luta pela igualdade entre homens e<br />

mulheres se estende para o campo da sexualidade, e grandes transformações ocorrem em função<br />

da dissociação entre o livre exercício da sexualidade feminina e a procriação.<br />

O feminismo foi impondo-se e questionando a relação homem-mulher. Logo, foram criadas<br />

organizações de mulheres que propunham análise e reflexão sobre a condição estereotipada da<br />

mulher brasileira. Entre encontros e publicações, algumas séries de jornais feministas circulavam<br />

no decorrer da década de 1970 e 1980; entre eles, o Brasil Mulher (1975-1979), Nós Mulheres<br />

(1975-1978) e o Mulherio (1981-1988). Aos poucos a sociedade assimilou as reivindicações e<br />

questões levantadas pelo movimento feminista.<br />

O fim dos anos 1980 se caracterizou no Brasil por uma desmobilização política intensa, um<br />

retraimento dos movimentos sociais organizados. Após a luta contra o regime militar, as campanhas<br />

pelas eleições diretas marcam uma nova fase de reestruturação político-partidária do país; o<br />

feminismo deixou de ser específico e tornou-se difuso com a dissolução de muitas das organizações<br />

de feministas, que passaram a militar em partidos políticos e organizações não governamentais.<br />

O movimento feminista é associado a mudanças sociais em outras esferas, tais como o surgimento<br />

e o crescimento dos movimentos políticos, a expansão dos meios de comunicação de massa e o<br />

próprio processo de redemocratização do Brasil. Todos eles tiveram influência determinante nas<br />

mudanças dos comportamentos de homens e mulheres no país. O feminismo suscitou discussões<br />

sobre questões específicas da mulher e criou fatos políticos que não podem ser ignorados e que,<br />

aos poucos, foram assimilados, tornando essas mudanças parte do cotidiano.<br />

A moda e a silhueta feminina no século XX<br />

A moda como sistema é uma formação essencialmente sócio-histórica, circunscrita a um tipo de<br />

sociedade e delimitada em sua extensão histórica.<br />

É verdade que a moda, desde que está instalada no Ocidente, não tem<br />

conteúdo próprio; forma específica da mudança social, ela não está<br />

ligada a um objeto determinado, mas é, em primeiro lugar, um dispositivo<br />

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social caracterizado por uma temporalidade particularmente breve,<br />

por reviravoltas mais ou menos fantasiosas, podendo, por isso, afetar<br />

esferas muito diversas da vida coletiva. Mas até os séculos XIX e XX foi<br />

o vestuário, sem dúvida alguma, que encarnou mais ostensivamente o<br />

processo de moda. (LIPOVETSKY, 2004, p.6).<br />

Nesse sentido, a moda pode ser reconhecida como um processo de metamorfoses incessantes,<br />

associada à inconstância e à renovação de formas e linguagens. O vestuário, como setor inserido<br />

no processo da moda, consiste em uma linguagem constituída de significantes cujas conotações<br />

mudam constantemente, desvinculadas de seu contexto social específico.<br />

A moda que antecedeu o período da primeira guerra mundial conservava uma silhueta longilínea<br />

que, em forma de ampulheta, dividia o corpo feminino acentuando a cintura pelo uso do rígido<br />

espartilho. O período de 1910 a 1914 caracterizou-se pelo primeiro conflito mundial. Como<br />

qualquer conflito preside a uma mudança de costumes, naturalmente a moda do período sofreu<br />

algumas mudanças. A necessidade de a mulher assumir espaços tradicionalmente ocupados por<br />

homens estimulou a transformação radical da moda. Libertar o corpo feminino do espartilho foi<br />

inevitável, uma vez que a necessidade de a mulher ocupar o mercado de trabalho exigia o uso de<br />

roupas adequadas para o desempenho de atividades industriais. Dessa forma, Braga (2005) aponta<br />

que as principais características da moda dos anos de 1920 já estavam definidas em fins da década<br />

de 1910.<br />

Chamados de “anos loucos”, a segunda década do século procedeu a rupturas. A silhueta curta e<br />

tubular caracterizou o aspecto dessa moda associada à simplificação de formas, negando qualquer<br />

referência curvilínea. As saias e vestidos encurtaram ficando logo abaixo dos joelhos, e logo, a<br />

mulher mostrou as pernas. O corpo mudou, o deslocamento da cintura para a altura do quadril,<br />

os achatadores de seios usados para manter a silhueta reta, e as cintas que anulavam o volume do<br />

quadril deixaram a mulher desse período andrógina.<br />

O aniquilamento das formas curvilíneas foi contestado pela moda dos anos 1930. Momento em<br />

que os padrões tradicionais de feminilidade são revalorizados. A cintura levemente acentuada por<br />

uma cinta ou espartilho volta para evidenciar as formas femininas, negando o corpo andrógino<br />

característico da década anterior.<br />

Entretanto, o vestuário feminino do fim dos anos 1930 e começo da década de 1940 foi marcado<br />

por certa masculinização, sobretudo nas formas. Com o prenúncio da Segunda Guerra Mundial, e o<br />

regresso das mulheres ao trabalho na indústria, as roupas femininas passaram a ser influenciadas<br />

especialmente pelos uniformes masculinos, o que originou ombros marcados e modelagens<br />

estruturadas.<br />

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Essa feminilidade perdida durante o período bélico foi resgatada por Christian Dior nos últimos<br />

anos da década de 1940 [7]. A silhueta de cintura marcada e saias volumosas da mulher no pósguerra<br />

remete a um modelo clássico de beleza feminina. No fim da década a moda tornou-se<br />

novamente feminina, a cintura voltou a ser afinada e as saias em godê guarda-chuva traziam<br />

volume aos quadris, verdadeiro gosto daquele momento.<br />

A moda da segunda metade do século XX marcou-se por inúmeras mudanças, de 1960 a 1980 a<br />

transformação da moda ocidental foi radical. A partir desse período não houve mais uma proposição<br />

de moda unívoca, mas uma diversificação de estilos como referências de moda.<br />

De maneira geral, os anos de 1960 foram caracterizados por um período de inúmeras transformações<br />

na sociedade, no qual a juventude se manifestou e se impôs. O visual de contestação dos jovens<br />

expressou-se em uma moda autônoma, própria das camadas jovens da sociedade (BAUDOT,<br />

2002, p.188). A moda passou a se concentrar na juventude e a ser associada a determinados<br />

comportamentos, por meio dela os jovens buscavam uma identidade própria. Probert (2006)<br />

aponta que essas mudanças foram consequências de uma incerteza quanto ao futuro e de um<br />

desejo de se rebelar; assim, os jovens foram firmando seus valores e suas modas (LAVER, 2006,<br />

p.261).<br />

Essa rebeldia manifestou-se em uma espécie de popularização na maneira de se vestir de modo que<br />

a semelhança da roupa impedia classificar as diferentes classes sociais. Outro fator que favoreceu<br />

a popularização da moda, bem como a multiplicação de seus discursos foi o desenvolvimento de<br />

uma nova maneira de produzir roupas, o ready to wear [8], com a produção de moda em escala<br />

industrial, o que possibilitava a reprodução de um mesmo modelo em numeração variada.<br />

As roupas da década de 1960, em relação à silhueta, estabeleceram uma nova tendência. Descritas<br />

por Laver (2006, p.261) como “duras e geométricas, eram eróticas no quanto desnudavam (ou<br />

quase) o corpo”. Em meados da década as saias chegaram à altura das coxas, eram mais curtas<br />

do que haviam sido durante o século, mesmo nos “anos loucos”, na década de 1920 quando pela<br />

primeira vez as saias encurtaram e as mulheres mostraram de fato as pernas. A moda de ruptura<br />

simbolizou os anos 1960, do corpo revelado sob a minissaia [9] junto com o visual de menina. De<br />

modo geral, Mendes e Haye (2003) apontam para Twiggy como o ideal de modelo da década de<br />

1960; ela difundiu um corpo adolescente, uma aparência de menina com cílios postiços nos olhos,<br />

além do uso de cabelos penteados para o lado como os de um garoto.<br />

Mais para o fim da década Yves Saint Laurent introduz em suas coleções elementos do vestuário<br />

formal masculino. Apropriou-se do smoking para criar uma alternativa ao vestido de noite, com<br />

calças, o Le smoking. Uma versão feminina do traje clássico masculino, adaptada das técnicas da<br />

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alfaiataria masculina.<br />

Orientada pela juventude, a moda da década de 1970 tornou-se cada vez mais diversificada,<br />

e essa pluralidade de opções proporcionou sua grande democratização. Houve dois elementos<br />

marcantes nesse período: a substituição da silhueta rígida e geométrica da minissaia por linhas<br />

longas e desestruturadas, e a crescente masculinização visual da mulher, que almejava se firmar<br />

como independente e trabalhadora, fazendo, assim, o uso constante de calças e roupas de cortes<br />

masculinos. O corpo é novamente revelado pelas roupas que o cobriam, como na década de 1950,<br />

ao invés de o ser pela roupa que havia sido retirada conforme ocorreu nos anos 1960.<br />

Durante os anos 1980, houve uma tendência de vestuário que foi reflexo de um posicionamento<br />

feminino no mercado de trabalho, paletós, jaquetas e calças apresentaram cortes masculinos<br />

ao longo de toda a década e início dos anos 1980. Os empréstimos entre o vestuário feminino e<br />

masculino tornaram-se frequentes a partir de 1960, a moda unissex que surgiu na segunda metade<br />

da década consolidou-se nos anos 1970, quando a mesma moda passou a ser usada por ambos os<br />

sexos. Nesse sentido, Braga (2005, p.97) aponta que “todas as tribos (urbanas) eram compostas<br />

por ambos os sexos e as características visuais pertenciam a todos com sutis peculiaridades do que<br />

era do masculino e do que pertencia ao feminino”. Não havia mais tanta diferença de linguagens<br />

entre o vestuário masculino e feminino. Cada vez mais aquilo que foi a moda unissex caminhava<br />

para o aspecto de androginia, uma das características da década de 1980.<br />

Para as mulheres, o power suit com ombreiras que acentuavam os ombros, típico de meados<br />

da década de 1980, tornou-se afirmação de autoridade, símbolo de confiança e ambição que<br />

projetava a ideia de uma mulher de negócios, os cabelos curtos penteados para trás completavam<br />

o visual de poder.<br />

A década de 1980 propiciou uma proliferação de múltiplas formas, uma profusão de linguagens e<br />

contrastes, em que os opostos começaram a conviver em harmonia.<br />

Articulações entre moda e feminismo<br />

O vestuário, sendo uma das formas mais significantes inserida no sistema da moda, adquire<br />

fundamental importância na construção social do sujeito. A moda, como portadora de significados<br />

ideológicos, determina em contextos históricos e culturais específicos, aspectos das relações<br />

sociais de poder e gênero. Favorável, segundo Crane (2006, p. 21), para manter ou subverter<br />

fronteiras simbólicas entre os sexos.<br />

Ainda segundo a autora: “nas décadas de 1920 e 1960, a pauta da moda revelou-se mais progressista<br />

para as mulheres ao reformular sua aparência em consonância com as mudanças ocorridas em<br />

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seus papéis sociais e no restante da sociedade” (CRANE, 2006, p.53). O uso do vestuário foi um<br />

dispositivo social que estabeleceu o que o autor define como pauta social, o vestir motivado pelo<br />

contexto social em que foi inserido.<br />

Thébaud define o século XX como delineado por imagens de mulheres[10] que “tomaram o<br />

controle de suas identidades visuais, sublinhando o desafio político da representação, quebraram<br />

o estereótipo e propuseram múltiplas vias de representação social” (THÉBAUD, apud DUBY e<br />

PERROT, 1991). Nesse sentido, o modo de vestir nesse momento histórico assumiu um caráter<br />

eminentemente político. Seu potencial crítico, subversivo e desestabilizador rompeu com padrões<br />

de representação feminina, particularmente os que têm fortes associações de gênero, propondo,<br />

assim, múltiplas concepções de subjetividade.<br />

Apesar de os anos 1920 serem classificados como anos de ruptura, foi somente após a Segunda<br />

Guerra Mundial que houve uma verdadeira modificação nas relações masculino/feminino.<br />

O período das duas guerras mundiais contribuiu para desestabilizar os papéis sociais de gênero,<br />

uma vez que possibilitou integrar a mulher à sociedade pela necessidade de substituir a mão de<br />

obra masculina na indústria. Entretanto, esse fenômeno era mais uma necessidade econômica<br />

gerada pela guerra, do que uma afirmação de igualdade entre os sexos; assim, com o fim da guerra,<br />

restaurou-se uma perspectiva profundamente conservadora em relação aos gêneros, atribuindose<br />

novamente à mulher o espaço doméstico.<br />

Até a década de 1950, acreditava-se na ideologia que valorizava a diferenciação de papéis sociais,<br />

e na crença de identidades de gênero fixas fundamentada em fatores biológicos. Dessa forma,<br />

o vestuário apresentava-se como um elemento de controle social por meio do qual a ideologia<br />

dominante se impunha. A moda feminina constituía-se um dos mecanismos que reforçava a distinção<br />

de gênero, ao acentuar os atributos simbólicos de feminilidade [11] e limitar para homens e<br />

mulheres posições sociais distintas e opostas.<br />

A silhueta feminina e a moda que permearam os anos de 1960 e 1970 foram símbolo de uma<br />

mudança no comportamento da mulher. A roupa libertava o corpo e a silhueta magra e esguia<br />

afrontava a feminilidade padronizada dos anos pós-guerra. Esse comportamento pertinente às<br />

mulheres emancipadas pode ser associado ao advento do feminismo, especificamente do discurso<br />

de gênero. Desse modo, as mulheres romperam padrões e a incorporação de alguns elementos no<br />

vestuário, como a calça, pode ser vista como forma de protesto à sociedade conservadora.<br />

O uso generalizado da calça comprida, bem como a apropriação de blazers, jaquetas masculinas e<br />

smokings (figura 1), significava sutilmente a apropriação de elementos anteriormente restritos ao<br />

masculino. Pode ser visto como uma reivindicação de igualdade para além do âmbito econômico<br />

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e social, uma forma de resistência às fronteiras de gênero, a partir do questionamento do papel<br />

tradicional da mulher, visando à liberdade e igualdade.<br />

Figura 1: A linha homem.<br />

Fonte: (VEJA,1983, p.80)<br />

A imagem acima deixa perceber que a incorporação de calças, camisas, ternos e gravatas,<br />

tradicionalmente associados ao universo do homem, possibilitou mesmo que visualmente, uma<br />

certa diluição dos papéis sexuais. Nota-se pelo modo de vestir o corpo, bem como pela sua<br />

expressão, uma proposta de concepção de beleza e feminilidade que rompe com padrões de<br />

subjetividades tradicionalmente ligadas ao feminino. Nesse sentido, segundo Prost<br />

o desaparecimento dos papéis sexuais pode ser lido com clareza na<br />

diminuição do uso de saias: em 1965, é a primeira vez que a produção<br />

de calças de mulher supera a de saias, e em 1971 são fabricados 14<br />

milhões de calças, num total de 15 milhões de roupas (PROUST, apud<br />

KLANOVICZ, 2008, p.184).<br />

A popularização do uso da calça entre as mulheres foi incorporada principalmente pelo uso do<br />

unissex (figura 2). A demarcação das fronteiras entre os sexos parecia irrelevante, contribuindo<br />

para diminuir as distâncias entre a moda masculina e a moda feminina.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

Figura 2: Sonny and Cher.<br />

Fonte: (BAUDOT, 2008, p.227)<br />

De modo geral, a perspectiva de igualdade de papéis sociais fez com que a mulher começasse<br />

a impor um vestir que procurava questionar, e até certo ponto eliminar as diferenças entre os<br />

vestuários femininos e masculinos. As noções fixas de identidade de gênero foram gradualmente<br />

desaparecendo, e a diversidade de linguagens de vestuário, ao final do século XX, aponta para<br />

uma multiplicidade de identidades femininas.<br />

Considerações finais<br />

A investigação da história do feminismo articulada à moda do século XX aponta para a recriação<br />

do feminino por meio da elaboração de um contradiscurso feminista. Este afrontou uma cultura de<br />

unanimidade e conformidade, questionou normas e papéis pré-estabelecidos, subverteu modelos<br />

e padrões.<br />

A partir da percepção do feminino como uma construção social, o discurso feminista promoveu<br />

uma recriação da identidade da mulher que negava o determinismo biológico. Os campos do<br />

design de moda e da imagem de moda são capazes de revelar a complexidade das relações de<br />

gênero e das subjetividades surgidas a partir de seu reconhecimento como cenário de construções<br />

culturais, ao longo da história. Alguns dos aspectos dessas construções caracterizam modas que<br />

podem ser identificadas à emancipação da mulher.<br />

Nesse sentido, podemos considerar que a moda desfigurou algumas das fronteiras simbólicas entre<br />

o masculino e o feminino, sendo motor e reflexo das mudanças da condição feminina.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

Notas<br />

[1] Este artigo apresenta parte de uma pesquisa de iniciação científica realizada sob orientação da<br />

Profa. Dra. Cristiane Mesquita, e com apoio da pró-reitoria acadêmica <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

[2] Ergas aponta não para um movimento feminista, mas para uma série de teorias feministas<br />

que desencadearam movimentos particulares e adquiriram significados diferentes para contextos<br />

diferentes. O termo feminismo traduz um processo, e como todo processo contém transformações<br />

e contradições. (ERGAS, 1991, p.587-588).<br />

[3] A mulher participou junto ao homem na defesa dos princípios da Revolução Francesa. Os<br />

ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade serviram de apoio para as reivindicações<br />

das mulheres que buscavam seus direitos sociais e políticos que até então eram exclusivamente<br />

masculinos.<br />

[4] A necessidade de mão de obra no processo da revolução industrial possibilitou a inserção<br />

feminina no mercado de trabalho e a ampla participação da mulher na esfera pública. O capitalismo<br />

contribuiu para desestabilizar os papéis sociais. A relação capitalismo, trabalho e feminismo é<br />

abordada por MÉNDEZ (2005).<br />

[5] Alves e Pitanguy apontam que o feminismo, com maior intensidade a partir dos anos 1960,<br />

questionava a ideia de que homens e mulheres estariam predeterminados, por natureza, a cumprir<br />

papéis sociais opostos. Enquanto a mulher estaria predestinada ao mundo interno, devido a sua<br />

função de procriação, o mundo externo estaria reservado ao homem. (ALVES e PITANGUY, 1982,<br />

p.54-55).<br />

[6] O Movimento Feminino pela Anistia, organização criada em 1975, tinha como objetivo a ação<br />

organizada de mulheres contra prisões, torturas, cassações de mandato e assassinatos provocados<br />

pelo governo militar.<br />

[7] Christian Dior lançou em 1947 uma proposta de moda feminina, denominada New Look, inspirada<br />

nas cinturas marcadas e saias volumosas da segunda metade do século XIX. (BRAGA, 2005, p.82).<br />

[8] Os franceses se apropriaram do termo transformando o ready to wear, pronto para uso, em<br />

prêt-à-porter.<br />

[9] A difusão da minissaia pode ser associada a André Courrèges, designer de moda francês que deu<br />

aspecto de dinamismo e modernidade com seus minivestidos, saias muito curtas. Na Inglaterra,<br />

a influência foi de Mary Quant, que difundiu a minissaia Saint-Tropez: modelo de saia cujo corte<br />

era feito de forma que a peça ficasse justa nos quadris, logo abaixo da cintura. (O’HARA, 1993,<br />

p.242).<br />

[10] As imagens a que Thébaud se refere são: a garçonne consequencia do movimento feminista<br />

do começo do século e da primeira grande guerra, a “mulher emancipada”, produto da pílula<br />

anticoncepcional, e a superwoman, resultado do feminismo nos anos 1980.<br />

[11] O que é entendido por tipicamente feminino e tipicamente masculino não são imagens que<br />

correspondem a valores universais e atemporais. São construções culturais que foram naturalizadas<br />

historicamente. “As feministas veem a feminilidade hegemônica como um conceito de feminilidade<br />

baseado em padrões masculinos de aparência feminina, os quais enfatizam atributos físicos e<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

sexualidade e estimulam as mulheres a olhar para si mesmas como os homens as olhariam”.<br />

(CRANE, 2006, p.51).<br />

Referências Bibliográficas<br />

ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Brasiliense, 1982.<br />

BAUDOT, François. <strong>Moda</strong> do século. São Paulo: Cosacnaify, 2008.<br />

BEAUVOIR. Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.<br />

BRAGA, João. História da <strong>Moda</strong>: uma narrativa. São Paulo: <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2005.<br />

CARDOSO, Irene. A geração dos anos de 1960: o peso de uma herança. Disponível em: http://<br />

www.scielo.br/pdf/ts/v17n2/a05v17n2.pdf. Acesso em:17/03/2011.<br />

CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo:<br />

Senac, 2006.<br />

DUBY, Georges; PERROT, Michelle (org.). Histórias das mulheres no ocidente: O século XX. Porto:<br />

Edições Afrontamento, 1991.<br />

ERGAS, Yasmine. O sujeito mulher: O feminismo dos anos 1960-1980. In DUBY, Georges; PERROT,<br />

Michelle (org.). Histórias das mulheres no ocidente: O século XX. Porto: Edições Afrontamento,<br />

1991, p.587-588.<br />

GOLDENBERG, Mirian; TOSCANO Moema. A revolução das mulheres: Um balanço do feminismo<br />

no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1992.<br />

LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.<br />

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São<br />

Paulo: Companhia das Letras, 2004.<br />

MENDES, Valerie; HAYE, Amy de la. A moda do século XX. São Paulo: Martins Fontes, 2003.<br />

MESQUITA, Cristiane. <strong>Moda</strong> contemporânea: quatro ou cinco conexões possíveis. São Paulo:<br />

<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2007.<br />

O´HARA, Georgina. Enciclopédia da moda. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.<br />

GIFFIN, Mary Karen. Nosso corpo nos pertence: a dialética do biológico e do social. Rio de<br />

Janeiro: Cadernos de saúde pública, 1991. Disponível em: GIFFIN, Mary Karen. Nosso corpo nos<br />

pertence: a dialética do biológico e do social. Acesso em: 17/03/2011.<br />

KLANOVICZ, Luciana Rosar Fornazari. <strong>Moda</strong> na saia justa. Disponível em: http://ufsc.academia.<br />

edu/LucianaKlanovicz/Papers/165736/<strong>Moda</strong>_na_Saia_Justa. Acesso em: 28/03/2011.<br />

MÉNDEZ, Natalia Pietra. Do lar às ruas: Capitalismo, trabalho e feminismo. Disponível em:<br />

http://www.fee.tche.br/sitefee/download/mulher/2005/artigo3.pdf. Acesso em: 13/06/2010.<br />

RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. Disponível em: http://www.<br />

nutead.org/gde/downloads/epistemologia_feminista.pdf. Acesso em: 17/03/2011.<br />

TILLY, Louise A. Gênero, história das mulheres e história socia. Disponível em: http://www.ifch.<br />

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VEJA. A linha homem. São Paulo: Abril, n.769, p.80, 01 jun. 1983.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Marcelo Mostaro Mestre em <strong>Design</strong> - PPG em <strong>Design</strong> da <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> Coordenador do<br />

Curso Superior de <strong>Tecnologia</strong> em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> CES/JF lmostaro@ig.com.br<br />

Márcia Merlo Doutora em Antropologia – Pesquisadora e professora do PPG em <strong>Design</strong> da<br />

<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> mmerlo@anhembi.br<br />

Resumo<br />

O capítulo propõe uma articulação entre o design, a moda e trabalho do stylist e<br />

ou do produtor de moda, partindo das abordagens teóricas de Garcia e Miranda<br />

(2010) e Castilho e Martins (2008). Observaremos os editoriais de moda das revistas<br />

Elle Brasil, no editorial intitulado de “Em Algum Lugar do Passado”, de 22 de<br />

Maio de 2010 e a Mag!, número 25 de 2011, por meio dos quais podemos reconhecer<br />

uma peça da coleção do designer João Pimenta no editorial com o tema “<br />

Almas Pagãs: A anunciação”, para refletirmos a recriação de novas combinações<br />

de looks, pelo meio da estilização no campo do design de moda, a partir da leitura<br />

de Cardoso (2008).<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong>, Styling, Editoriais de <strong>Moda</strong>.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

O <strong>Design</strong> e a <strong>Moda</strong><br />

O design, segundo Cardoso (2008, p.20), pode ser pensado como uma “atividade que gera projetos,<br />

no sentido de planos, esboço ou modelos”; porém, no repertório da vestimenta poderemos dizer<br />

“que o design é a forma que surge entre o corpo e o contexto, já que a roupa é um elemento<br />

relativo, cuja proposta surge de uma relação: porque veste, cobre, descobre e modifica o corpo<br />

em função de um contexto específico” (SALTZMAN, 2008, p.305). Justamente no contexto e no<br />

corpo é que o produtor e o stylist operam o seu ofício de configurar futuros looks, onde o próprio<br />

reelabora peças de roupas advindas de várias coleções de moda, dando-as uma nova proposta de<br />

look.<br />

Observar ou entender o look no contexto da moda, segundo o sociólogo francês Lipovetsky (1989,<br />

p.128), é perceber a “embriaguez dos artifícios, do espetáculo, da criação, correspondem a uma<br />

sociedade em que os valores culturais primordiais são o prazer e a liberdade individual”. Isto<br />

agregado à valorização da liberdade de expressão proporcionada por meio da vestimenta, leva à<br />

reflexão de que se trata, também, de pensar a “organização na construção de uma determinada<br />

roupa, associada à postura corporal, à atitude, cabelo etc.”. (GARCIA e MIRANDA, 2005, p.37).<br />

A essa organização de combinação de peças, de atitude, de expressão individual, de postura, de<br />

cabelo e da maquiagem é que poderemos chamar de look.<br />

A combinação de peças fica reconhecida como o produto final de uma coleção de moda e entre<br />

vários possíveis meios de divulgação dessa proposta, que pretende transmitir ao público, via de<br />

regra, uma nova tendência de moda, encontra-se o desfile de moda. Esses desfiles são divididos<br />

em primavera/verão e outono/inverno.<br />

A moda tem como um dos seus ápices os desfiles, segundo Castilho e Martins (2008), que<br />

descrevem essa trajetória em um quadro onde a reflexão aponta o percurso do estilista/marca<br />

[1] e o percurso do consumidor/usuário. Para a nossa leitura elaboraremos um breve resumo das<br />

trajetórias descritas pelos autores, conforme quadro 1 e quadro 2.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

O estilista e ou marca percorrem os seguintes cronograma:<br />

Manipulação O estilista elabora uma coleção; Processo de desenvolvimento;<br />

<strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>.<br />

Competência Pesquisas de tecnologia, material e pesquisa de tendências.<br />

Performance Desfile<br />

Sanção<br />

Será dividida em duas:<br />

Cognitiva<br />

Compradores e mídia<br />

reconhecem o valor da<br />

coleção<br />

Pragmática<br />

Após o reconhecimento<br />

cognitivo o consumidor adere<br />

à moda proposta<br />

Esse cronograma está completo e o estilista retornará a Manipulação<br />

Quadro 01: Cronograma da relação estilista e/ou marca.<br />

Fonte: Do autor.<br />

O cronograma do consumidor começa na performance do estilista e ou marca:<br />

Manipulação<br />

Na apresentação ou propriamente dito desfile o consumidor<br />

deseja comprar.<br />

Competência<br />

O sujeito comprador tem dinheiro para comprar o objeto<br />

desejo.<br />

Performance<br />

Aquisição do bem e apresentação do mesmo ao seu meio<br />

social.<br />

Sanção<br />

Novamente dividida por duas:<br />

Cognitiva<br />

O sujeito é reconhecido por<br />

ser portador de um objeto de<br />

desejo.<br />

Pragmática<br />

É aceito por estar usando este<br />

objeto de desejo.<br />

Este ciclo completa-se e o consumidor retorna a sua manipulação<br />

Quadro 02: Cronograma do consumidor.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Poderemos considerar, por meio dessa demonstração, que o cronograma do design de moda<br />

termina onde começa o cronograma do consumidor. A partir da performance do desfile, e inseridos<br />

no mesmo, encontraremos o produtor e o stylist de moda.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

O Produtor e o Stylist de <strong>Moda</strong><br />

Conforme o exemplo demonstrado nos quadros, a performance tem um papel importante, sendo<br />

o primeiro contato com a manipulação do cronograma do consumidor. Na sanção do cronograma<br />

do percurso do estilista-criador/marca percebemos que o produtor e o stylist de moda, por meio<br />

da estilização, poderão reelaborar o look proposto do estilista-criador/marca.<br />

Para distinguir a função do produtor e do stylist de moda, conceituaremos a produção de moda<br />

como o “captar a atmosfera desejada pela editora de moda ou diretor de arte”. (SABINO, 2007,<br />

p.503). Portanto, ele não confere à produção a linguagem final do desfile e ou editorial, essa será<br />

a função do stylist de moda.<br />

O stylist é a pessoa que tem como ofício a profissão de styling e sendo que o “styling ou estilização<br />

[...] consiste em dar a qualquer objeto um tratamento superficial de reformulação estética – ou<br />

seja, de reduzir a uma questão de projetar novas embalagens para velhos produtos” (CARDOSO,<br />

2008, p.146). Pelo conceito de styling apresentado na obra de Cardoso (2008), poderemos definir<br />

que o stylist projeta novas formas de combinações de peças e dessa recombinação cria novos<br />

looks. Ao citar ambas as forma de trabalho – produtor e stylist – procuraremos relacioná-los ao<br />

desempenho de seus papéis na produção de moda, tanto para desfiles quanto editoriais.<br />

Para a realização da leitura dos looks observados, utilizaremos como referência um look de um<br />

desfile de moda e outra advinda de um editorial. Por não ter encontrado no site oficial do evento,<br />

o São Paulo Fashion Week a referência da ficha técnica do desfile de Lourenço, o estudo abordará<br />

as duas temáticas: a do produtor e a do stylist, para chegarmos a uma provável conclusão do<br />

artigo. Deduzimos por esse motivo, que ambos os desfiles contaram com um ou outro profissional<br />

na elaboração do look apresentado nas respectivas performances.<br />

A estilização dos produtos criados pelo design de moda por intermédio do stylist, que se valeu de<br />

seu processo de criação para reelaborar futuros looks, agrega uma postura criativa e inovadora.<br />

A postura inovadora apoia-se na fotografia de moda, para transmitir uma linguagem única a ser<br />

divulgada nos editoriais de moda.<br />

O stylist é um super-produtor de moda. É aquele que vai definir a imagem<br />

final do trabalho. No caso de um desfile, trabalha com o estilista e<br />

com os diretores de criação – e muitas vezes o de arte também – para<br />

resolver como será o look. Conversa com o chefe dos maquiadores, fala<br />

com o cabeleireiro e faz a ponte entre os envolvidos.<br />

O stylist (ou a stylist) deve conhecer a história da arte e história da moda<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

e acompanhar o mundo da música e cinema. Deve ter grande referência<br />

visual, que possibilite criar um look original e único, se possível nunca<br />

visto, ou então inspirado – de modo criativo – no passado. É permitido<br />

trazer à tona lembranças familiares, do imaginário coletivo ou mesmo<br />

do imaginário fashionista, mas tudo isto deve ser feito de maneira nova,<br />

fresca (PALOMINO, 2003, p.40).<br />

Ao optamos em trabalhar com dois exemplos de editoriais de moda, conforme apontado<br />

anteriormente, para entendermos o ofício do stylist e o seu papel no design de moda.<br />

Um olhar sobre os editoriais de moda das revistas Elle Brasil e Mag<br />

O resultado da criação do stylist será um look processado, advindo do sistema da moda. É por essa<br />

combinação que o consumidor orientará suas futuras combinações de peças de roupas. Para ilustrar<br />

esse processamento usaremos como recurso metodológico a observação e leitura de editoriais de<br />

moda das revistas de moda Elle Brasil e a Mag! e o website para relacioná-los com os desfiles de<br />

dois designers brasileiros: Reinaldo Lourenço e João Pimenta.<br />

Para a primeira leitura, articularemos a criação do designer Reinaldo Lourenço para a coleção<br />

outono/inverno 2010 dentro do exposto na revista de moda Elle Brasil, que na edição de número<br />

22, em 5 de maio de 2010, página 265, traz o editorial intitulado “Em Algum Lugar do Passado”. No<br />

editorial encontramos o look proposto, formado por cinco peças: vestido de Reinaldo Lourenço,<br />

colar de Gloria Coelho, colar usado na cabeça da Iódice, pulseira de Marco Apollonio e meia<br />

arrastão da Fogal. (Figura 01).<br />

Dispondo da produção referente ao look produzido na revista Elle Brasil, faremos uma reflexão<br />

sobre o look elaborado, no desfile do designer de moda Reinaldo Lourenço. O desfile ocorreu<br />

na semana de moda do São Paulo Fashion Week, para a edição de outono/inverno 2010, sendo<br />

realizado no dia 18 de janeiro, na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo -<br />

capital. (Figura 01).<br />

A editora de moda Erika Palomino, confere ao desfile os seguintes comentários:<br />

Reinaldo Lourenço opõe os rigores do militarismo com roupas de<br />

inspiração elevada, com pontos de luz como alegorias para a busca da<br />

espiritualidade. A primeira parte, como se pode prever, mais fácil de<br />

materializar.<br />

O que se espreme dessas referências, entretanto, é mais uma sorte de<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

libertação estilística, entre aspas, numa coleção mais solta do que as<br />

anteriores (a do café, por exemplo, mais monotemática). Os blocos da<br />

edição são bem definidos, entretanto, unificados pelo cabelo à lá anos<br />

40, sobrancelha fininha redesenhada.<br />

O desfile começa com a poética série de coletes e “visitas”, contidos<br />

nas mangas que se abrem somente à altura da bainha, arrematadas por<br />

golas de pele e botas pontudas, com uma meia longa preta conferindo<br />

certa bossa e contemporaneidade aos looks.<br />

O aspecto nobre se reforça com a organza bordada em flores com paetês,<br />

desdobrada nos vestidos de comprimento 40’s, abaixo do joelho.<br />

E zap. Entra uma blusa transparente com escritos em aramaico (em<br />

cada letra do alfabeto mora um anjo, parece). E assim o desfile segue,<br />

sem proporcionar muito no que o espectador se segurar. Quando uma<br />

ideia fixa em nossa mente, logo ela se esvai. Claro que isso na loja<br />

pouco importa. E daí que quem se identifica com o estilo de Reinaldo<br />

Lourenço vai poder comemorar e comprar os espertos looks em couro;<br />

as peças de ombros pontudos; os difíceis verdes que na mão do designer<br />

crescem e passam a ser ‘certos’.<br />

Os dois últimos blocos do desfile, com os exóticos “vestidos-comenda”,<br />

aparentemente precisariam mais tempo para ser afinados, retrabalhados<br />

no ateliê, e nem de longe estão entre os melhores momentos da<br />

trajetória do estilista. Fiquemos, então, com o militarismo streetwise<br />

lá do miolo do desfile. Esses são Reinaldo Lourenço at his Best [2]<br />

(PALOMINO, 2010).<br />

Todas as referências citadas por Palomino serão destituídas no editorial de moda da revista Elle<br />

Brasil, onde o tema abordado é a década de 1920. O editorial conta com quatorze páginas, sendo<br />

que o look observado encontra-se na página 265. A chamada do editorial transmite-nos como será<br />

a ambientação a ser vista. O tema “Em Algum lugar do Passado” conta com o seguinte subtexto:<br />

“Com pitadas subjetivas, o glamour dos anos 1920 encontra a rebeldia de 2010 em looks prontos<br />

para a festa” (ELLE BRASIL, 2010, p.256).<br />

A ficha técnica que acompanha o editorial é composta por: Fotos de Fábio Bartelt (Abá MGT);<br />

Edição: Susana Barbosa; Cabelo e maquiagem: Ricardo dos Anjos; Coordenação de <strong>Moda</strong>: Patrícia<br />

Emi Kurati; Produção de <strong>Moda</strong>: Luana Nigro e Beatriz Perotti; Produção Executiva: Heitor Lima<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

(Abá MGT); Tratamento de Imagem: Alex Wink (foto).<br />

Para uma melhor compreensão do tema abordado no editorial de moda da revista ELLE Brasil,<br />

mencionaremos alguns dos elementos que constituem o look com referências dos anos de 1920. A<br />

década de 1920 foi marcada por:<br />

Um hábito que se tornou grande na moda foi a maquiagem acentuada<br />

sobre a pele. Pó-de-arroz no rosto e batom vermelho sobre os lábios<br />

em pequenas e evidenciadas bocas, chamadas “boquinha de coração”,<br />

além da acentuação dos cílios; não esquecendo dos cabelos, que se<br />

tornaram bem curtos, à altura do queixo, um reflexo da emancipação<br />

feminina e, mais curtos ainda com o famoso corte `a la garçonne, ou<br />

seja, “à maneira dos meninos (BRAGA, 2008, p.77).<br />

Figura 01: Da direita para a esquerda. Looks propostos: revista Elle Brasil e foto do desfile de<br />

Reinaldo Loureço.<br />

Fonte: (ELLE BRASIL, 2010, p.265)<br />

Finalizada a pesquisa da primeira fonte, voltaremos nosso olhar para compilar outras fontes<br />

referentes ao trabalho de João Pimenta. Trata-se de olhar para a coleção outono/inverno 2011,<br />

desfilada no dia 02 de fevereiro , na Semana de <strong>Moda</strong> do São Paulo Fashion Week.<br />

Na descrição do site do evento, encontramos a seguinte ficha técnica do desfile, onde também<br />

não foi encontrado o crédito pelo comentário:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Direção criativa: João Pimenta; Beleza: Ricardo dos Anjos; Trilha: Roque<br />

Castro e Kbeça. Tema: Estudos sobre a forma trapézio para a moda<br />

masculina, aplicados aos universos ambientes militares e litúrgicos<br />

(religiosos). Cartela de cores: Cinza, preto, branco, off-white e pitadas<br />

de azul marinho e vinho. Materiais: Veludo, sarja emborrachada e<br />

lã. Formas: Trapézio nas partes de cima (quase sempre acinturadas)<br />

e arredondadas nas de baixo, principalmente na região do quadril.<br />

Acessórios: Sapatos e botas de pegada militares e bicos levemente<br />

torcidos para cima. Highlights: A limpeza visual que João Pimenta se<br />

propõe trabalhar nessa temporada. A melhor parte vem na alfaiataria.<br />

Mais afiada do que nunca. O aspecto feminino que continua sempre<br />

presente, agora permeado por um aspecto religioso bem interessante<br />

[3] (FFW, 2011).<br />

A partir deste comentário acerca do desfile de Pimenta, confeccionaremos um olhar para o<br />

editorial da revista Mag! nº 25 de 2011, que traz em um dos seus editoriais o próximo enfoque<br />

desse ensaio. O editorial com o tema “Almas Pagãs: A anunciação” ocupa cinquenta e nove páginas<br />

e o look observado encontra-se na página 74. (Imagem 02). O texto de abertura traz a seguinte<br />

descrição: “Santificados sejam os lances do inverno; O antídoto para os entraves eclesiásticos vem<br />

das entrelinhas do livro; O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós; E que os deuses iluminem à<br />

moda. Por: Bob Wolfenson; Edição de moda: Paulo Martines”. (MAG!, 2011, p.69).<br />

Na ficha técnica, encontramos para a formação do look, as seguintes peças: casaco Bonker, camisa<br />

Lacoste, Gravata Petulan, saia e bota João Pimenta, colar Otávio Giora. A ficha técnica do editorial<br />

traz os seguintes nomes:<br />

Beauty: Catia Marques (Capa Mgt); Produção de <strong>Moda</strong>: Júlia Cosentino<br />

e Larissa Lucchese; Assistente de fotografia: Pedro Bonacina, Renata<br />

Terepins, Caiuá Franco e Aecio do Amaral; Assistente de Camarim: Maura<br />

Soares (Camarim SP); Cenografia: Luis Rossi (FCR Produções Artísticas)<br />

e tratamento de imagem: RG Imagem (Mag!, 2011, p.128).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Figura 02: Da direita para a esquerda. Look propostos: revista Mag! e foto do desfile de João<br />

Pimenta.<br />

Fonte: Da direita para esquerda: (MAG!, 2011, p.69) e (http://ffw.com.br/wp-content/themes/<br />

ffw/popup-desfile.php?d=3778&t=1&p=20).<br />

Conforme o cronograma de Castilho e Martins (2008), onde após a performance do desfile de moda<br />

do estilista-criador, encontramos inseridos nos intermediários da sanção cognitiva (quadro 01 e 02),<br />

os produtores e stylist de moda. Estes profissionais, pelo meio de seu ofício, destituem o conceito<br />

do look gerado pelo estilista-criador/marca, originando novos looks para serem apresentados ao<br />

consumidor na sanção cognitiva.<br />

Podemos perceber que as peças (a de Lourenço - um vestido na cor preta; a de Pimenta - uma saia<br />

plissada na cor branca) são as mesmas desfiladas em seus respectivos desfiles, porém, por meio da<br />

produção e de stylist de moda dos editoriais de moda, as peças foram combinadas de outra forma<br />

e, por meio dessa nova formatação, destituíram os looks propostos pelos seus estilistas-criador/<br />

marca em sua apresentação ao público através da performance.<br />

Ambas as leituras têm como premissa as recombinações dos elementos já citados que constituem<br />

o look. Não abordaremos as prováveis interseções que possam ser feitas nas peças de roupa e<br />

ou acessório, para as próprias terem sua função trocada, mesmo que em um dos exemplos - na<br />

coleção de Lourenço – observarmos um colar sendo usado na cabeça, conforme sua ficha técnica<br />

descreve.<br />

Para fins comparativos e de melhor visualização dos looks propostos, foram construídos esses dois<br />

quadros abaixo:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Quadro 3: Reinaldo Lourenço<br />

Estilista Criador/Marca Stylist e ou Produtor de <strong>Moda</strong><br />

Luna Nigro e Beatriz Perotti<br />

Look da Performance<br />

Look do Editorial<br />

Revista Elle Brasil<br />

Cabelos anos de 1940 com sobrancelhas finas.<br />

Comprimento do vestido muito utilizado nos<br />

anos de 1940<br />

Meias 3/4 preta e scarpin<br />

Nenhuma ornamentação de acessórios<br />

Postura da modelo fria transmitindo firmeza<br />

Quadro 03: Reinaldo Lourenço referente figura 01.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Cabelos e maquiagem dos anos de 1920<br />

Esmalte nas unhas de cor preto<br />

Comprimento do vestido muito utilizado nos<br />

anos de 1940 – Marca Reinaldo Lourenço<br />

Meias calça estilo arrastão – Marca Folga<br />

Colar usado na cabeça – Marca Gloria Coelho<br />

Pulseira – Estilista Marco Apollonio<br />

Postura da modelo leve transmitindo doçura<br />

Quadro 4: João Pimenta<br />

Estilista-Criador/Marca<br />

Stylist e ou Produtor de <strong>Moda</strong><br />

Júlia Cosentino<br />

Look da Performance Look do Editorial<br />

Revista Mag!<br />

Saia plissada na cor branca<br />

Sapatos e botas militares<br />

Bordados militares na parte da sobreposição<br />

da camisa branca com colarinho alto.<br />

Nenhuma ornamentação de acessórios<br />

Postura da modelo fria transmitindo firmeza<br />

Maquiagem e cabelos limpos, sem excesso.<br />

Quadro 04: João Pimenta referente figura 02.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Saia plissada na cor branca – Estilista João<br />

Pimenta<br />

Casaco estilo militar – Marca Bonker<br />

Camisa listrada – Marca Lacoste<br />

Gravata – Marca Pelulan<br />

Colar crucifixo usado na mão como terço –<br />

Estilista Otávio Giora<br />

Postura da modelo leve transmitindo doçura<br />

Maquiagem e cabelos limpos, sem excesso.<br />

Por intermédio dos quadros que descrevem as possíveis leituras dos looks proporcionados pelos<br />

Estilista-Criador/Marca e aos que foram concebidos pelos produtores de moda de ambas as revistas.<br />

Observamos que: na ELLE Brasil as produtoras Luna Nigro e Beatriz Perotti, para produzirem o seu<br />

look, contaram com quatro peças criadas por diferentes Estilista-Criador/Marca; já Júlia Cosentino<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

da revista Mag!, necessitaram de cinco peças para elaborar o look apresentado no editorial de<br />

moda. Todas as produtoras utilizaram entre para a formatação dos looks, as peças que foram<br />

observadas para a realização de nossa leitura. As peças são as mesmas, porém, na construção do<br />

look, foram modificadas a postura, a maquiagem dos modelos e, também, a ambientação. A partir<br />

desse arranjo proporcionaram uma nova leitura do look em relação àquele proposto pelo Estilista-<br />

Criador/Marca.<br />

Conclusão<br />

No decorrer do texto, levantamos algumas possíveis articulações sobre o design, a moda e como<br />

o stylist e ou produtor de moda utiliza a estilização para recriar novas combinações de looks.<br />

Por meio da estilização, esses profissionais acarretam uma construção notória de looks na mídia<br />

contemporânea.<br />

Nas abordagens decorrentes de Lourenço e Pimenta podemos chegar à conclusão de que o look<br />

proposto pelo estilista-criador/marca é reelaborado para transmitir uma nova maneira de usar as<br />

roupas; esse conceito é pertinente ao produtor e ao stylist. Vale lembrar que com a falta da ficha<br />

técnica do desfile de Loureço e Pimenta para objetivar o presente estudo, escolhemos somente<br />

como fonte de pesquisa o website oficial do São Paulo Fashion Week (http://www.ffw.com.br).<br />

Determinada a premissa de fonte de dados, podemos relatar que chegamos a mesma conclusão<br />

de Dingemans (1999), em seu estudo sobre o styling, quando o autor confere a esse profissional<br />

os seguintes fatores:<br />

Se você olha para as páginas de moda de uma revista ou jornal,<br />

você verá que as roupas, cabelos e maquiagem são assessorados e<br />

estilizados em um modo particular. Este é o trabalho do stylist, criar<br />

uma imagem que os leitores possam almejar, retratar roupas que<br />

eles querem comprar e mostrar a eles modos de usá-las, assim como<br />

informá-los onde encontrá-las e quanto custam. Os stylists de roupas<br />

serão os instigadores da imagem, trabalhando com fotógrafos, modelos<br />

e cabeleireiros/maquiadores, para criar a imagem. [...] (DINGEMANS,<br />

1999, p.1).<br />

Os instigadores organizam o look que será fotografado e registrado por meio da fotografia de<br />

moda, sendo esse registro confirmador do conceito gerado pelo estilista-criador/marca ou não,<br />

que pode ser percebido nos dois casos apresentados nas figuras 01 e 02. A figura 01 referente a um<br />

look de Lourenço recriado pelo stylist, que descaracteriza a linguagem do conceito gerado pelo<br />

estilista-criador /marca. Em nosso outro exemplo, podemos confirmar que a imagem confirma o<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

conceito criativo do look de Pimenta, utilizando de outros agrupamentos de peças para gerar o<br />

look a ser fotografado. A imagem 02 confirma o conceito da fotografia, porém elabora um look<br />

diferente daquele apresentado pelo estilista-criador/marca em sua performance.<br />

Feitas as leituras relatadas, poderemos refletir que o estilista-criador/marca serve como fonte<br />

embasadora para o produtor e o stylist reinventa novas formatações de recentes produtos de<br />

moda, valendo-se de um plausível “design de estilização”, que em nosso olhar, confere ao<br />

produtor e ao stylist de moda fazê-lo. Essa articulação é um desdobramento de Cardoso (2008),<br />

sendo o design referente “tanto à ideia de plano, desígnio, intenção, quanto à de configurar,<br />

arranjo e estrutura” (CARDOSO, 2008, p.20). Todos esses tópicos referentes ao que seria o design,<br />

podem ser identificados na estilização promovida pelo produtor e o stylist pelo meio de novas<br />

combinações de look, utilizando para tal feito, recentes produtos lançados no mercado pelos<br />

designers de moda.<br />

Notas<br />

[1] Estamos nos referindo ao estilista em nosso texto como design/designer. O estilista será<br />

mantido quando o autor citado assim se referir e para dar continuidade ao contexto advindo do<br />

autor.<br />

[2] Disponível em: http://www.ffw.com.br/desfiles/sao-paulo/inverno-2010-rtw/reinaldolourenco/home/<br />

Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

[3] Disponível em: http://www.ffw.com.br/desfiles/sao-paulo/inverno-2011-rtw123/joaopimenta/home/<br />

Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

Referências<br />

Livros:<br />

BRAGA, João. História da <strong>Moda</strong>: Uma Narrativa. São Paulo: <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2008.<br />

CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do <strong>Design</strong>. São Paulo: Blucher, 2008.<br />

CASTILHO, Kathia; MARTINS, Marcelo M. Discursos da <strong>Moda</strong>: Semiótica, design e corpo. São<br />

Paulo: <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2008.<br />

DINGEMANS, Jo. Mastering Fahion Styling. Londres: Macmillan Press, 1999.<br />

GARCIA, Carol; MIRANDA, Ana Paula. <strong>Moda</strong> é Comunicação: Experiência, memoria, veículos. São<br />

Paulo: <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2005.<br />

LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São<br />

Paulo: Companhia da Letras, 1989.<br />

PALOMINO, Erika. A <strong>Moda</strong>. São Paulo: Publifolha, 2003.<br />

SABINO, Marco. Dicionário da <strong>Moda</strong>. Rio de Janeiro: Elsevir, 2007.<br />

SALTZMAN, Andrea. O <strong>Design</strong> Vivo. In: <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>: Olhares diversos. São Paulo: Estação das<br />

Letras e Cores, 2008. p. 305-318.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Revistas:<br />

ELLE Brasil. Ano 22, n. 5. Maio de 2010. p. 265.<br />

Mag! n. 25, 2011. p.69.<br />

Documentos eletrônicos:<br />

João Pimenta. Disponível em: http://ffw.com.br/desfiles/sao-paulo/inverno-2011-rtw123/joaopimenta/home/<br />

Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

João Pimenta. Imagem do desfile de inverno 2011. Disponível em: http://ffw.com.br/wp-content/<br />

themes/ffw/popup-desfile.php?d=3778&t=1&p=20 Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

Reinaldo Lourenço. Imagem do desfile de inverno 2010. Disponível em: http://ffw.com.br/wpcontent/themes/ffw/popup-desfile.php?d=334&t=1&p=11<br />

Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

Reinaldo Lourenço. Disponível em: http://ffw.com.br/desfiles/sao-paulo/inverno-2010-rtw/<br />

reinaldo-lourenco/home/ Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Livia Marsari Pereira Mestre em <strong>Design</strong> <strong>Universidade</strong> Tecnológica Federal do Paraná<br />

liviam@utfpr.edu.br<br />

Marizilda dos Santos Menezes Doutora em Arquitetura e Urbanismo PPG<strong>Design</strong>/FAAC/<br />

UNESP marizil@faac.unesp.br<br />

Lívia Laura Matté Mestranda em Comunicação <strong>Universidade</strong> Estadual de Londrina<br />

livialauramatte@yahoo.com.br<br />

Paloma Laura Aparecida de Almeida Especialista <strong>Universidade</strong> Tecnológica Federal do<br />

Paraná palomaalmeida@utfpr.edu.br<br />

Resumo<br />

Dentre as tendências atuais para as roupas infantis, encontra-se o uso do vestuário<br />

com intuito de contribuir para o desenvolvimento e aprendizado das crianças por<br />

meio da interação com o mesmo. Desta forma, esse estudo apresenta uma investigação,<br />

por meio de uma revisão bibliográfica e de um estudo de caso sobre<br />

o lúdico inserido no vestuário infantil, cujo foco principal são as possibilidades<br />

de aprendizagem que podem ocorrer. Os dados levantados indicaram que as roupas<br />

podem ser trabalhadas como um recurso pedagógico para crianças, pois elas<br />

interagem com seus elementos e demonstram interesse pelas imagens, textos e<br />

acessórios que as compõem.<br />

Palavras-chave:<br />

Vestuário infantil, aprendizagem, lúdico.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Introdução<br />

A criança inicia seu aprendizado desde que nasce e seu crescimento depende das experiências<br />

vividas, com as quais aprende. Desta maneira, a infância foi estabelecida pela humanidade como<br />

um período de preparação para a vida adulta, durante o qual a criança adquire conhecimentos,<br />

qualidades psíquicas e as propriedades individuais necessárias.<br />

A roupa também faz parte desse meio externo que pode contribuir para a formação e para o<br />

desenvolvimento da infância, pois está presente na maior parte do tempo como uma extensão<br />

do corpo e interage com o organismo humano de maneira generalizada e direta. Nesse contexto,<br />

situa-se o vestuário com conceitos lúdicos de aprendizagem, que é utilizado como um instrumento<br />

de ensino, pois contribui para a formação e para o desenvolvimento das crianças pelo ato de se<br />

vestir e pela interação que essa relação possibilita.<br />

O termo moda ou vestuário pedagógico foi cunhado por Fante (2010) e diz respeito a roupas infantis<br />

educativas que consideram fatores que podem, além de vestir, educar e divertir as crianças.<br />

Qualquer roupa infantil pode explorar o processo de aprendizagem que ocorre pela consciência<br />

visual, tátil, olfativa e auditiva, de modo a auxiliar o desenvolvimento da criança, dentro das<br />

etapas naturais, de forma lúdica.<br />

Para que a interação criança/roupa ocorra, o vestuário infantil apropria-se de uma multiplicidade<br />

de unidades básicas de informação que atuam, simultaneamente, como um dinâmico canal de<br />

comunicação e como um recurso pedagógico. É neste sentido que este estudo visa a investigar se a<br />

aprendizagem pode ocorrer de forma lúdica, por meio da interação das crianças com suas roupas.<br />

Assim, buscou-se pesquisar as possíveis relações entre moda e educação.<br />

Para tanto, foi realizado um levantamento teórico sobre a aprendizagem infantil, a relação do lúdico<br />

com a educação e os vestuários projetados com conceitos de aprendizagem, para fundamentar<br />

um estudo de caso que foi desenvolvido em dez escolas particulares da cidade de Bauru-SP, com<br />

o objetivo obter dados referentes à vivência das crianças com suas roupas e suas preferências,<br />

atitudes e formas de raciocínio.<br />

Aprendizagem<br />

O desenvolvimento é um processo de sucessivas mudanças que acompanha o ser humano em todos<br />

os seus aspectos, englobando fases desde o nascimento até o seu mais completo grau de maturidade<br />

e estabilidade. Biaggio (1976) conceitua desenvolvimento como processos intraorganísmicos e de<br />

eventos ambientais que ocorrem dentro de determinada faixa de tempo.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

O desenvolvimento humano refere-se ao amadurecimento mental e ao crescimento orgânico que se<br />

dá em diversos aspectos que se relacionam permanentemente, que são: físico-motor, intelectual,<br />

afetivo-emocional e social.<br />

Para Piaget (2007, p.11), o desenvolvimento é “uma equilibração progressiva, uma passagem<br />

contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior”. Desta forma, o<br />

desenvolvimento representa um padrão de características inter-relacionadas que se traduz como<br />

uma evolução de estágios em que cada indivíduo vivencia os mesmos processos.<br />

Piaget (1974) entende que o desenvolvimento é o processo essencial que dá suporte para<br />

cada nova experiência de aprendizagem, isto é, cada aprendizagem ocorre como resultado do<br />

desenvolvimento total e não como um fator que o explica. Desta forma, o autor elucida:<br />

Primeiro, eu gostaria de esclarecer a diferença entre dois problemas:<br />

o problema do desenvolvimento e o da aprendizagem. (...)<br />

desenvolvimento é um processo que diz respeito à totalidade das<br />

estruturas de conhecimento. Aprendizagem apresenta o caso oposto.<br />

Em geral, a aprendizagem é provocada por situações – provocada por<br />

psicólogos experimentais; ou por professores em relação a um tópico<br />

específico; ou por uma situação externa. Em geral, é provocada e<br />

não espontânea. Além disso, é um processo limitado – limitado a<br />

um problema único ou a uma estrutura única. Assim, eu penso que<br />

desenvolvimento explica aprendizagem, e essa opinião é contrária à<br />

opinião amplamente difundida de que o desenvolvimento é uma soma<br />

de experiências discretas de aprendizagem (PIAGET, 1964, p.176).<br />

Nessa visão, a noção de aprendizagem restringe-se à aquisição de um conhecimento novo e<br />

específico, derivado do meio. Para Piaget (1964), o indivíduo assimila o estímulo e, após uma<br />

interação ativa, emite uma resposta, ou seja, o conhecimento adquirido não resulta de uma ação<br />

unilateral do meio (estímulo) sobre o sujeito passivo, mas de uma interação nos dois sentidos: do<br />

estímulo sobre o sujeito e ao mesmo tempo do sujeito sobre o estímulo.<br />

A aprendizagem ocorre mediante a consolidação das estruturas de pensamento, portanto, sempre<br />

ocorre após a consolidação do esquema que a suporta, da mesma forma que a passagem de um<br />

estágio a outro estaria dependente da consolidação e superação do anterior. Assim, para que<br />

ocorra a construção de um novo conhecimento, é necessário que se estabeleça um desequilíbrio<br />

nas estruturas mentais, isto é, os conceitos já assimilados necessitam passar por um processo<br />

de desorganização para que possam, novamente, a partir do contato com novos conceitos,<br />

reorganizarem-se, estabelecendo um novo conhecimento. Este mecanismo pode ser denominado<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

de equilibração das estruturas mentais, pois há a transformação de um conhecimento prévio em<br />

um novo.<br />

Para construir esse conhecimento, as concepções infantis combinam-se às informações advindas<br />

do meio. Desse modo, o conhecimento não é concebido, de forma espontânea, pela criança, nem<br />

transmitido de forma mecânica pelo meio exterior ou pelos adultos, mas é o resultado de uma<br />

interação, na qual o sujeito é sempre um elemento ativo, que procura compreender o mundo que<br />

o cerca e que busca resolver as interrogações que esse mundo provoca. Assim, a criança aprende,<br />

basicamente pelas suas próprias ações sobre os objetos e constrói suas próprias categorias de<br />

pensamento ao mesmo tempo em que organiza seu mundo.<br />

A educação e o lúdico<br />

O ser humano, em todas as fases de sua vida, mas, principalmente, na infância, encontra-se,<br />

constantemente, em busca de novos conhecimentos e aprendizados, tanto pelo contato com seus<br />

semelhantes como pelo domínio sobre o meio em que vive.<br />

Essa busca, troca, interação e apropriação do conhecimento é denominada educação. Almeida<br />

(2000) explica que educar não é um ato ingênuo, indefinido, imprevisível, mas uma atitude histórica<br />

(tempo), cultural (valores), social (relação), psicológica, intelectual, afetiva e existencial. Educar<br />

significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens que possam<br />

contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis.<br />

O lúdico representa um fator de grande importância no processo de educação e de socialização<br />

da criança, pois lhe proporciona novas descobertas a cada momento, conforme o contexto no<br />

qual está inserida. Almeida (2000, p.26) explica que “está bastante claro que a atividade lúdica<br />

é o berço obrigatório das atividades intelectuais e sociais superiores, por isso, indispensáveis à<br />

prática educativa”. Desta forma, a atividade lúdica proporciona um desenvolvimento cognitivo,<br />

motor, social afetivo às crianças. Neste sentido, Zatz e Halaban (2006) afirmam que:<br />

A brincadeira é uma atividade inerente ao ser humano. Durante a<br />

infância, ela desempenha um papel fundamental na formação e no<br />

desenvolvimento físico, emocional e intelectual do futuro adulto.<br />

Brincar é essencial para a criança, pois deste modo que ela descobre<br />

o mundo à sua volta e aprende a interagir com ele (ZATZ E HALABAN,<br />

2006, p.13).<br />

A criança, ao brincar, interage com objetos e outras crianças, o que estimula a criatividade,<br />

a autoconfiança, a autonomia e a curiosidade e garante a aquisição de novos conhecimentos.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Paniagua & Palácios (2007) analisam que as crianças aprendem, fundamentalmente, por meio<br />

de uma ação direta sobre os objetos e da participação direta em situações, portanto, convém<br />

proporcionar a elas um ambiente rico em objetos, situações, experiências e relações.<br />

As atividades lúdicas possuem valor educacional intrínseco, mas, além desse valor que lhes é<br />

inerente, são utilizadas como recurso pedagógico. Essas atividades podem ser destinadas a ensinar<br />

e estimular o raciocínio, a atenção, a concentração, a compreensão, a coordenação motora, a<br />

percepção visual, noções de sequência e a memorização, além da compreensão de números e de<br />

operações matemáticas. Desse modo, várias são as razões que levam os educadores a empregar<br />

atividades lúdicas no processo de ensino/aprendizagem.<br />

Vestuário com conceitos lúdicos de aprendizagem<br />

O vestuário pode ser entendido como um produto que determina uma situação que ultrapassa a<br />

própria utilidade da indumentária. O corpo funciona como um dinâmico veículo de comunicação,<br />

onde gestos, expressões e mesmo a escolha das roupas produzem sentido e comunicam. Bernard<br />

(2003, p.52) afirma que “uma roupa, um item de moda ou indumentária, seria o meio ou canal<br />

pelo qual uma pessoa “diria” uma coisa à outra”. Desta forma, a peça de roupa é um suporte<br />

que transmite mensagens e comunica, ou seja, é um signo portador de mensagens que falam do<br />

indivíduo que a veste e da sociedade que a produziu.<br />

No ato da observação das roupas registram-se informações, desenvolvendo-se, assim, diálogo.<br />

Castilho e Garcia (2001, p.13) afirmam que “moda é comunicação, é mídia que se expressa<br />

visualmente”. A construção dos significados ocorre a partir do suporte material empregado, pois<br />

essas informações estão presentes nos elementos que compõem cada peça do vestuário: o tecido,<br />

os aviamentos, as texturas, as imagens e até os textos que podem estar inseridos na mesma.<br />

Silva (2001, p.82) explica que a vestimenta “apresenta também um plano de representação<br />

e significação, então podemos afirmar que o vestuário constitui-se também como linguagem,<br />

estando, portanto, apto a cumprir uma função de comunicação”. Ao analisar a linguagem mostrada<br />

nas peças do vestuário e como sua força de atuação eleva a moda a outros significados, Castilho<br />

(2006) afirma que a roupa fala e é um sistema de códigos. Sendo assim, ao se compreender a<br />

indumentária como expressão de um conteúdo, ela pode ser lida como um texto que veicula um<br />

discurso.<br />

Ao assumir o posto de mídia, a moda assume as responsabilidades de um veículo comunicador<br />

e criador de ambientes comunicacionais. Entre estas responsabilidades, está a de despertar os<br />

sentidos como um todo, sem se restringir ao domínio da visão, sentido comumente relacionado à<br />

luz, ao conhecimento e à aprendizagem. Para Baitello (2006)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

A moda vai até as pessoas e as pessoas carregam a moda. O vestir não<br />

é mais meramente funcional, como era antes – estar protegido para<br />

o dia-a-dia, para a labuta, com as roupas durando 10 anos. Hoje as<br />

pessoas carregam uma “não coisa” com a roupa: esse vestir funcional é<br />

revestido de uma função estética permanente. E aí, tudo acaba sendo<br />

penetrado, todos os espaços acabam sendo perfurados, permeáveis<br />

à mídia, e portanto a mídia tem um enorme poder de persuasão das<br />

pessoas. E a própria mídia pode ser um fator chave para o retorno da<br />

humanidade aos outros sentidos (BAITELLO, 2006, p.1).<br />

O vestuário infantil com possibilidades de aprendizagem explora o processo de aquisição de<br />

conhecimentos que ocorre pela consciência visual, tátil, olfativa e auditiva, permitindo que a<br />

criança se desenvolva dentro das etapas naturais e de forma lúdica, por meio de uma multiplicidade<br />

de unidades básicas de informação que atuam, simultaneamente, como um dinâmico canal de<br />

comunicação e como um recurso pedagógico.<br />

O vestuário com conceitos lúdicos de aprendizagem propõe-se a contribuir para o desenvolvimento<br />

e aprendizagem das crianças por meio da interação destas com suas roupas. A interação com<br />

elementos das roupas possibilita que conteúdos e assuntos inerentes ao universo infantil sejam<br />

transmitidos às crianças de forma lúdica. Para isso, técnicas e materiais diferenciados são<br />

empregados nas roupas, tais como: estampas, bordados, texturas e acessórios.<br />

Bezerra e Waechter (2008, p.254) assinalam que “cores e formas aplicadas nas peças vêm sendo<br />

comuns no mercado, aliando diversão ao ato de vestir, ao se utilizarem do repertório lúdico –<br />

comparando-se a jogos e brincadeiras – da criança”.<br />

Esse novo conceito de uso das roupas pode proporcionar diferentes formas de interação entre o<br />

vestuário e a criança, de modo a estimular a linguagem, o desenvolvimento motor, o raciocínio e<br />

a criatividade. A Figura 1 mostra roupas que exemplificam o conceito de vestuário voltado para a<br />

aprendizagem.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

120


O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Figura 1. Vestuário com conceitos de aprendizagem<br />

Fonte: (ZIG ZIG ZAA, 2010)<br />

A peça da menina possui radiofrequência nos olhos da flor, o que favorece a criatividade, a<br />

experiência tátil e visual e desperta a curiosidade. Já a peça do menino é composta por um<br />

bordado em forma de nuvem que recebe um chip musical, com o objetivo de instigar o tato, a<br />

visão e, principalmente, a audição. Os elementos visuais compostos e combinados, em forma de<br />

texto, imagens, texturas e cores, no vestuário, tornam-se um dinâmico canal de comunicação.<br />

Stefani (2005, p.69) ressalta que “a indumentária, ao cobrir o corpo, também transmite<br />

informações”. Assim, pela proximidade e freqüência de contato com o corpo, o vestuário infantil,<br />

pode estabelecer-se como um poderoso instrumento de brincadeira, comunicação e aprendizagem.<br />

A Figura 2 mostra peças que podem ser classificadas como roupas infantis com conceitos de<br />

aprendizagem.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

121


O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Figura 2. Vestuário com conceitos de aprendizagem<br />

Fonte: (OWOKO, 2010)<br />

Essas peças possuem acessórios que se desprendem das roupas e podem ser inseridos em novos<br />

lugares, além de elementos que produzem sons ou emitem cheiros, o que contribui para o<br />

desenvolvimento do raciocínio e da coordenação motora e estimula o olfato.<br />

Bezerra e Waechter (2008) assinalam que aplicações externas, como cores e cheiros, são utilizados,<br />

nas roupas infantis, na atualidade, com o objetivo de atrair esse público, fazendo-o entrar no seu<br />

mundo de diversão. Além disso, acessórios como chaveiros, aviamentos aparentes e até estímulos<br />

sonoros, aplicados ao vestuário infantil, são utilizados por confecções como recursos auxiliares<br />

do desenvolvimento infantil. A Figura 3 apresenta camisetas com estampas que podem auxiliar na<br />

aprendizagem das crianças.<br />

Figura 3. Vestuário com conceitos de aprendizagem<br />

Fonte: (UBANG BABBLECHAT, S.D.)<br />

As peças acima apresentam estampas de animais, o que possibilita a transmissão de informações<br />

sobre as formas e as cores dos mesmos. As peças apresentam, também, textura e tridimensionalidade<br />

nas patas do caranguejo e na face do gorila, o que auxilia no desenvolvimento do tato e dos<br />

conhecimentos por associação. Cândido (2008, p.5) afirma que “a partir do momento em que a<br />

estampa da camiseta é descoberta, como nova mídia, jamais deixará de ser utilizada com esse<br />

intuito”.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

122


O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

É possível perceber, a partir dessas análises, que as roupas são colocadas como uma página em<br />

branco ou um espaço vazio, e elementos como: imagens, texturas, formas e cores a preenchem<br />

com informações que entretêm, ajudam no desenvolvimento e despertam a curiosidade das<br />

crianças.<br />

Materiais e métodos<br />

A presente pesquisa classifica-se como descritiva, pois trata de fatos que foram observados,<br />

registrados, analisados e interpretados, sem que o pesquisador interferisse sobre eles. Por<br />

estabelecer-se uma conexão ascendente, do particular para o geral, o método de abordagem<br />

escolhido para esse estudo foi o indutivo. Andrade (1997, p.21) afirma que, nesse método, “as<br />

constatações particulares é que levam às leis gerais”.<br />

O método empregado é o monográfico ou estudo de caso, já que é uma investigação empírica<br />

que averigua um fenômeno contemporâneo, dentro do seu contexto de vida real, com base no<br />

desenvolvimento prévio de proposições teóricas para a condução da coleta e da análise dos<br />

dados. Segundo Andrade (1997, p.23) este estudo consiste “na observação de determinados<br />

indivíduos, profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter<br />

generalizações”. No caso do presente estudo, o objetivo foi conhecer como se dá a percepção<br />

infantil e quais são os princípios de design que estimulam a aprendizagem das crianças.<br />

Um das técnicas de pesquisa utilizada foi a entrevista sistemática e não-participante, por meio<br />

de um modelo de protocolo elaborado pela pesquisadora, que teve como fonte de informação a<br />

pesquisa bibliográfica.<br />

O trabalho de campo foi conduzido no ambiente escolar. As escolas particulares foram selecionadas,<br />

uma vez que as roupas desenvolvidas especificamente com noções educativas têm um custo<br />

elevado e esses locais oferecem maior possibilidade de encontrar o público que possui condições<br />

para adquiri-las.<br />

O protocolo foi aplicado junto a pedagogas, psicólogas e professoras de dez escolas privadas,<br />

do ensino fundamental, da cidade de Bauru-SP. Esses profissionais foram escolhidos uma vez que<br />

possuem formações diferentes e têm contato diário com crianças.<br />

Para o tratamento dos dados da pesquisa foi utilizado um método misto, pois algumas questões<br />

foram tratadas qualitativamente e outras, quantitativamente. Essa escolha ocorreu devido à<br />

possibilidade de respostas diferenciadas. Os dados apresentados a seguir representam o resultado<br />

parcial da entrevista.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

123


O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Os aspectos éticos também foram contemplados na pesquisa, pois os pesquisados foram instruídos<br />

quanto aos procedimentos a que seriam submetidos e lhes foi apresentado o Termo de Consentimento<br />

Livre e Esclarecido (TCLE), que os conscientizou de que a adesão à entrevista era espontânea,<br />

sem remuneração e isenta de qualquer tipo de pressão ou constrangimento.<br />

Resultados<br />

A primeira questão indaga os participantes da pesquisa sobre a possibilidade da aprendizagem<br />

das crianças ocorrer de forma lúdica. Todos os participantes, independente da área profissional,<br />

acreditam que a criança pode aprender de forma lúdica. Assim como explica a teoria (ALMEIDA,<br />

2000; ZATZ E HALABAN, 2006; PANIAGUA & PALÁCIOS, 2007), os participantes também acreditam<br />

que essa prática auxilia as crianças no processo de aprendizagem e desenvolvimento. Os<br />

entrevistados relatam que o lúdico, na educação, torna o conteúdo estudado atrativo e motivador,<br />

aproximando-o da realidade, dos interesses e da linguagem das crianças. Desta forma, acreditam<br />

que a criança passa a assimilar melhor o assunto estudado, associando-o com o concreto e<br />

produzindo a interatividade. Tais levantamentos podem ser observados na Tabela 1.<br />

Escola Profissional Resposta<br />

A Pedagoga Sim. A criança necessita de diferentes recursos para aprender.<br />

Professora Sim. Porque percebemos que através de materiais concretos a<br />

aprendizagem é mais significativa.<br />

Psicóloga Sim. É por meio da brincadeira que as crianças aprendem a se inserir no<br />

mundo adulto e se tornam ativas na construção de seu conhecimento.<br />

B Pedagoga Sim. É mais interessante e faz parte dos interesses das crianças.<br />

Professora Sim. Porque brincando a criança aprende com mais facilidade.<br />

Psicóloga Sim. O lúdico estimula a atenção, o interesse e a criatividade.<br />

C Pedagoga Sim. A fantasia e a brincadeira fazem parte do mundo infantil.<br />

Professora Sim. A ludicidade é a linguagem que mais se aproxima da criança.<br />

Psicóloga Sim. O lúdico é um suporte para a mediação do professor que desafia o<br />

raciocínio das crianças e torna possível o aprender.<br />

D Pedagoga Sim. É a linguagem mais próxima do concreto da criança.<br />

Professora Sim. Com a vivência de forma lúdica, a criança internaliza os<br />

conhecimentos aprendidos.<br />

E Pedagoga Sim. A criança absorve o que ela vivencia através da forma lúdica.<br />

Professora Sim. Porque brincando ela aprende mais.<br />

Psicóloga Sim. Devido à facilidade de aprendizagem.<br />

F Pedagoga Sim. Brincando, adquire conhecimentos fundamentais para a infância.<br />

Professora Sim. Este momento se torna gratificante e prazeroso para criança,<br />

trazendo maior interesse e participação no conteúdo.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Psicóloga Sim. Toda criança é criativa, ao brincar ela elabora conflitos e constrói<br />

seu conhecimento.<br />

G Pedagoga Sim. Pela ludicidade ela entra em contato direto com o mundo real.<br />

Professora Sim. Porque brincando acontece a interação e o conhecimento, pois a<br />

criança se expressa livremente.<br />

H Pedagoga Sim. Porque a brincadeira atrai a criança e ela acaba absorvendo<br />

conhecimentos e informações<br />

Professora Sim. Porque facilita, pois a criança vê e toca para uma melhor<br />

aprendizagem.<br />

I Pedagoga Sim. O lúdico é usado em várias situações em meio a aprendizagem, pois<br />

é uma forma da criança aprender por meio de brincadeiras.<br />

Professora Sim. Porque existe a interação entre alunos e professores.<br />

J Pedagoga Sim. Porque quando a criança interage com o objeto estudado o seu<br />

aprendizado se consolida mais facilmente.<br />

Professora Sim. O brincar é importante, estimula e envolve a criança, ela aprende<br />

sem pressão ou imposição, mas por interação.<br />

Tabela 1. Respostas da Questão 1: Você acredita que a criança pode aprender de forma lúdica?<br />

Por qual razão?<br />

Fonte: Do autor<br />

Questionou-se, então, se, na convivência com crianças, os participantes percebem a ocorrência da<br />

interação criança/roupas. A maioria dos participantes da pesquisa acredita que há interação entre<br />

as crianças e suas roupas. Nesta questão, 44% dos respondentes acreditam que a intensidade dessa<br />

interação é alta; 40%, razoável; e 16%; pouca. Eles explicam que essa interação ocorre de variadas<br />

formas: por meio da observação, por se sentirem personagem da roupa, pela oportunidade de se<br />

mostrarem às pessoas e por exercitarem a escolha.<br />

Escola Profissional Resposta<br />

A Pedagoga Não. Muita.<br />

Professora Sim. Razoável. Através de combinações.<br />

Psicóloga Sim. Muita. Observando e tocando.<br />

B Pedagoga Sim. Muita. Principalmente, socialmente.<br />

Professora Sim. Razoável. Não informou.<br />

Psicóloga Sim. Muita. Ela observa os detalhes e mostra aos outros.<br />

C Pedagoga Sim. Pouca. Observação, manuseio e troca.<br />

Professora Sim. Muita. Observando os detalhes.<br />

Psicóloga Sim. Muita. Mostrando para as pessoas.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

D Pedagoga Sim. Pouca. Dependendo da idade, o foco ou interesse muda.<br />

Professora Sim. Razoável. Ela se sente personagem da roupa que veste.<br />

E Pedagoga Sim. Razoável. Quando ela veste algo que não se sente bem ela<br />

automaticamente avisa.<br />

Professora Sim. Razoável. Em suas brincadeiras e com os colegas.<br />

Psicóloga Sim. Razoável. Cores e formas.<br />

F Pedagoga Sim. Muita. Usando o uniforme diariamente.<br />

Professora Sim. Muita. De maneira que ela passa a fazer parte de todo o cenário da<br />

roupa.<br />

Psicóloga Sim. Razoável. Dependendo das suas escolhas.<br />

G Pedagoga Sim. Razoável. Salientando cores e formas.<br />

Professora Sim. Muita. Ela se sente participando da sua roupa quando há imagens e<br />

desenhos, ela também é o personagem.<br />

H Pedagoga Sim. Muita. Mostrando cores e desenhos.<br />

Professora Sim. Razoável. Através das cores e ilustrações (percepção visual).<br />

I Pedagoga Sim. Pouca. Mostrando aos amigos o desenho da roupa, principalmente se<br />

for de bonecas ou de super heróis.<br />

Professora Sim. Razoável. Gostam de mostrar detalhes.<br />

J Pedagoga Sim. Muita. Interagindo com os detalhes que chamaram sua atenção.<br />

Professora Sim. Pouca. Contando para os amigos as coisas que chamaram a sua<br />

atenção na sua roupa.<br />

Tabela 2. Respostas da Questão 2: Você percebe se a criança interage com a roupa que veste? Se<br />

sim, qual a intensidade dessa interação e que forma ela dá?<br />

Fonte: Do autor.<br />

A terceira questão averigua se durante a convivência com as crianças os profissionais da educação<br />

percebem demonstrações de interesse por elementos contidos em sua própria roupa. Todos os<br />

participantes da pesquisa confirmam o interesse das crianças por elementos que a roupa possa<br />

conter e explicam que os itens que mais despertam a atenção são: acessórios pendurados, imagens,<br />

estampas, texturas, botões, bordados, zíperes, personagens conhecidos e cores. A roupa foi<br />

apontada como um grande recurso de interação e interesse no universo infantil. Estas informações<br />

estão presentes na Tabela 3.<br />

Escola Profissional Resposta<br />

A Pedagoga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados. Geralmente,<br />

o interesse é maior dos amigos que estão em volta, desta forma, a criança<br />

adora ser o centro das atenções.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Professora Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e<br />

Estampas. Tudo o que há de diferente e moderno se torna mais atrativo<br />

para as crianças.<br />

Psicóloga Sim. Botão, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e<br />

Estampas. Manipulando esses objetos e buscando uma interação com os<br />

colegas.<br />

B Pedagoga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados<br />

e Estampas. Se em fase de alfabetização, preocupam-se com letras e<br />

palavras nas roupas.<br />

Professora Sim. Imagens, Acessórios pendurados e Estampas. Mexendo, tocando e<br />

prendendo a sua atenção.<br />

Psicóloga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e<br />

Estampas. Mostrando às pessoas.<br />

C Pedagoga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e<br />

Estampas. Através da percepção e contato.<br />

Professora Sim. Imagens, Acessórios pendurados e Estampas. Primeiramente pegando<br />

e depois mostrando para os amigos.<br />

Psicóloga Sim. Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e Estampas. As<br />

crianças ficam tocando e entretidos.<br />

D Pedagoga Sim. Botão, Imagens, Acessórios pendurados. Querem exibir e colocam as<br />

mãos nos detalhes e fazem questão de falar sobre eles.<br />

Professora Sim. Botão, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados e Estampas. Através<br />

da manipulação e exposição da roupa.<br />

E Pedagoga Sim. Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e Estampas.<br />

Com os amiguinhos.<br />

Professora Sim. Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e Estampas.<br />

Quando os elementos que existentes nas roupas os atraem ou chamam a<br />

atenção.<br />

Psicóloga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados e Estampas.<br />

Roupas com acessórios prendem a atenção das crianças.<br />

F Pedagoga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Estampas,<br />

Personagens conhecidos. A criança demonstra interesse por esse tipo de<br />

vestimenta e solicita a compra.<br />

Professora Sim. Acessórios pendurados. Diariamente ocorre esse interesse<br />

principalmente com as meninas, que fim comparando a roupa umas com<br />

as outras.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Psicóloga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados e Estampas.<br />

As crianças em sua maioria escolhem suas roupas e estes elementos fazem<br />

com que elas comprem ou não.<br />

G Pedagoga Sim. Botão, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Estampas e Cores.<br />

Quando ela espontaneamente mostra aos amigos.<br />

Professora Sim. Imagens. Hoje em dia as crianças se interessam por personagens<br />

divulgados na mídia.<br />

H Pedagoga Sim. Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados e Bordados. Por<br />

exemplo, quando roupas têm um cadarço, as crianças gostam desfazer o<br />

laço só para ver como vai ficar.<br />

Professora Sim. Imagens, Acessórios pendurados e Estampas. Através do tato<br />

(manipulação) e percepção visual (visualização).<br />

I Pedagoga Sim. Botões e Acessórios pendurados. Ficam colocando a mão e isso os<br />

deixa bem entretidos.<br />

Professora Sim. Imagens, Acessórios pendurados e Bordados. Esses elementos<br />

despertam a atenção da criança e de seus amigos, surgindo diálogos sobre<br />

os elementos.<br />

J Pedagoga Sim. Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e Estampas.<br />

Costumam ficar mexendo e mostrando para os amigos.<br />

Professora Sim. Botões, Imagens, Acessórios pendurados e Estampas. Gostam de<br />

exibi-los, falam constantemente sobre eles.<br />

Tabela 3. Respostas da Questão 3: Durante a convivência com crianças você percebe se elas<br />

demonstram interesse por elementos contidos na sua própria roupa? Se sim, quais são os<br />

principais elementos e de que forma esse interesse acontece?<br />

Fonte: Do autor.<br />

A quarta questão indaga aos profissionais da escola, se as roupas, por meio do seu uso, podem<br />

trazer ensinamentos às crianças. Todos os profissionais participantes da pesquisa acreditam que<br />

as roupas podem ser utilizadas como um recurso pedagógico e como um suporte de conteúdos<br />

variados que fazem parte do universo infantil. Desta forma, os entrevistados apresentam alguns<br />

dos aspectos das roupas infantis que podem auxiliar as crianças em seu desenvolvimento, tais<br />

como: imagens, textos, cores, formas, texturas, customização e acessórios. Para verificação de<br />

todas as respostas, foi elaborada a Tabela 4.<br />

Escola Profissional Resposta<br />

A Pedagoga Sim. Com imagens e escrita que traduzam exemplos.<br />

Professora Sim. Através de texto (escrita, frase, palavra) e imagens que transmitem<br />

bons ensinamentos (tamanhos, pequeno, grande, fino grosso).<br />

Psicóloga Sim. Por meio da escolha de cores, formas e elementos inseridos.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

B Pedagoga Sim. Manipulação e interação com elementos, texturas, formas, imagens<br />

e palavras.<br />

Professora Sim. Através de sua expressão.<br />

Psicóloga Sim. Por meio de cores, formas e texturas.<br />

C Pedagoga Sim. Através do contato e manuseio de acessórios.<br />

Professora Sim. De que certas vestimentas têm o lugar para serem usadas como:<br />

roupa de passeio, escola, praia e assim por diante.<br />

Psicóloga Sim. A roupa assim como jogos e livros podem ser suporte de conteúdos<br />

diversos.<br />

D Pedagoga Sim. Valores, cultura e higiene.<br />

Professora Sim. Desenhos e texturas.<br />

E Pedagoga Sim. Roupas coloridas e com detalhes podem ensinar várias noções às<br />

crianças.<br />

Professora Sim. Em situações diversas, hora de brincar, de estudar, de passear.<br />

Psicóloga Sim. Roupas com acessórios lúdicos (cores, formas e tamanhos).<br />

F Pedagoga Sim. Através das cores, formas, personagens, letras e outros.<br />

Professora Sim. Desde que o educador seja mediador da situação e proporcione uma<br />

aprendizagem de maneira organizada.<br />

Psicóloga Sim. Com frases, desenhos, natureza e outros.<br />

G Pedagoga Sim. Pelas cores, formas, texturas, tamanhos etc.<br />

Professora Sim. Através das cores, formas e imagens.<br />

H Pedagoga Sim. Para crianças de 3 anos se tiver algo que dá para tirar uma ideia, já<br />

é o bastante para passar algum conhecimento.<br />

Professora Sim. Através do dialogo, identificação e customização.<br />

I Pedagoga Sim. Por suas imagens e textos.<br />

Professora Sim. Onde deve ficar cada peça e qual sua importância e necessidade.<br />

J Pedagoga Sim. Texturas, formas, acessórios pendurados.<br />

Professora Sim. Cuidados, valores, cores, formas, combinações etc.<br />

Tabela 4. Respostas da Questão 4: Você acredita que a roupa pode transmitir ensinamentos às<br />

crianças por meio do seu uso? Se sim, de que maneira?<br />

Fonte: Do autor.<br />

A quinta questão refere-se à contribuição das roupas para o desenvolvimento das crianças. Os<br />

participantes da pesquisa apontaram algumas contribuições do vestuário como suporte para o<br />

ensino de postura, higiene e cuidado e para o desenvolvimento de percepções táteis e visuais, da<br />

coordenação, da imaginação, da alfabetização, entre outros. Percebe-se, pelas repostas a essa<br />

questão, que as roupas podem servir como recurso de aprendizagem sobre assuntos diversos,<br />

auxiliando as crianças no seu desenvolvimento. Todas as respostas podem ser conferidas na Tabela<br />

5.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Escola Profissional Resposta<br />

A Pedagoga Postura, higiene e cuidado etc.<br />

Professora Os desenvolvimentos das percepções táteis e visuais.<br />

Psicóloga Desenvolvimento do raciocínio, motor e criativo.<br />

B Pedagoga Postura, higiene e cuidado.<br />

Professora Faz com que a criança identifique cores, tamanho e desenhos.<br />

Psicóloga Desenvolve noções básicas: grande/pequeno, cores, estimula a imaginação.<br />

C Pedagoga Autonomia e cuidado.<br />

Professora A roupa exerce uma influência histórica, por este motivo expressa épocas,<br />

culturas e muitas referências.<br />

Psicóloga Desenvolvimento da imaginação, da lógica e aprimoramento dos<br />

movimentos.<br />

D Pedagoga Mobilidade, conforto, classificação, imaginação e sensações.<br />

Professora Desenvolve a coordenação e imaginação.<br />

E Pedagoga Não informou.<br />

Professora Conhecimentos gerais.<br />

Psicóloga A roupa contribui se tiver detalhes e estampas que possam ser trabalhadas<br />

pó meio de brincadeiras.<br />

F Pedagoga Caracteriza o que a criança gosta e prefere.<br />

Professora As crianças se tornam sujeitos da situação, assim despertando maior<br />

interesse tanto por conteúdos lúdicos ou teóricos.<br />

Psicóloga Imaginação, criatividade, desenvolvimento do raciocínio e motor.<br />

G Pedagoga A atitude de observação, seriação, identificação e reconhecimento.<br />

Professora Mensagens com conteúdos que fazem parte do cotidiano e da curiosidade<br />

das crianças.<br />

H Pedagoga Inserindo figuras principalmente de animais, onde poderia ser trabalhada<br />

a imaginação em contos e histórias.<br />

Professora Os tipos de vestimenta (cultura) e alfabetização.<br />

I Pedagoga Personalidade e aceitação social.<br />

Professora Desenvolvimento do raciocínio.<br />

Respostas da Questão 5: Em sua opinião, quais as principais contribuições que a roupa pode dar<br />

para o desenvolvimento das crianças?<br />

Fonte: Do autor.<br />

Considerações finais<br />

A análise dos dados coletados com os protocolos mostrou que a visão de cada grupo de profissionais<br />

(pedagogas, professoras e psicólogas) não diverge em relação aos conhecimentos pessoais<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

130


O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

e profissionais. Foi possível verificar que, apesar de terem formações diferentes, a forma de<br />

raciocínio em relação às respostas das questões apresenta-se de maneira semelhante. Assim, com<br />

base na revisão de literatura e nos dados levantados pelo estudo de caso, existem alguns pontos<br />

que devem ser observados.<br />

Ao iniciar a pesquisa, observou-se, rapidamente, a carência de estudos que tratassem da relação<br />

roupa e educação, no que diz respeito à vestimenta infantil como um instrumento de ensino e<br />

aprendizagem para as crianças. Desta forma, esse trabalho almejou dar sua contribuição sobre<br />

o vestuário infantil como recurso pedagógico, de maneira a tornar sua compreensão acessível a<br />

todos.<br />

Por meio do estudo, da análise e da comparação entre a revisão de literatura e os dados levantados<br />

pelos protocolos aplicados, diagnosticou-se que o lúdico é um importante instrumento utilizado<br />

amplamente nas escolas para ensinar os mais variados conteúdos. A utilização do lúdico é uma<br />

estratégia que estimula o aprendizado, pois a brincadeira faz parte da vida e do cotidiano na<br />

infância.<br />

Desta forma, a aplicação do lúdico no vestuário pode auxiliar no desenvolvimento das crianças,<br />

pois é uma ferramenta de ensino comprovada tanto pela teoria quanto pela prática, como se<br />

confirmou no decorrer da pesquisa.<br />

Todas as roupas podem ser trabalhadas como um recurso pedagógico, visto que as crianças<br />

interagem com seus elementos e demonstram interesse pelas imagens, textos e acessórios que as<br />

compõem. Com a certeza de que se estabelece uma comunicação entre roupa e criança, os mais<br />

diversos conteúdos que auxiliam o seu desenvolvimento podem ser trabalhados.<br />

As roupas infantis podem ser dotadas de acessórios para auxiliar as crianças em seu desenvolvimento<br />

motor. Bolsos, elásticos, zíperes, botões, velcro, fitas, entre outros elementos, podem ser inseridos<br />

na vestimenta infantil e, assim, possibilitar à criança situações de interação que estimulem a<br />

destreza e a coordenação dos movimentos. Já o desenvolvimento do raciocínio pode ser estimulado,<br />

no vestuário infantil, por meio de imagens e textos, inseridos nas peças, que trazem informações<br />

do interesse das crianças e podem vir em forma de investigações, hipóteses, sequências, histórias,<br />

entre outras.<br />

As peças do vestuário infantil que visam à aprendizagem de forma lúdica também podem ser<br />

analisadas com base no tipo de exploração que desenvolvem:<br />

• Tátil – por meio de estampas que produzem relevo e toque diferenciado, composição dos<br />

tecidos, manipulação dos tecidos, patchwork e bordados.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

• Visual – por meio de estampas, bordados, textos, imagens e distribuição de volumes na peça.<br />

• Auditivo – por meio de chips musicais, velcro e guizos.<br />

• Olfativo – por meio de estampas, aplicações, lavagens e tecidos dotados de cheiro.<br />

Novas pesquisas poderão ser dirigidas de modo a ampliar a investigação sobre as questões relativas<br />

ao design no vestuário infantil, principalmente, nas peças que auxiliam o desenvolvimento das<br />

crianças. Devido às poucas pesquisas nessa área, novas investigações poderão tanto descobrir<br />

de que forma a criança percebe sua roupa, bem como, testar como os elementos das peças<br />

interagem com esse público, o que enriquecerá o conhecimento científico no campo do design de<br />

moda infantil.<br />

Referências<br />

ANDRADE, Maria Margarida. Como preparar trabalhos para cursos de pós-graduação: Noções<br />

práticas. 2. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A.,1997.<br />

ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica: técnicas e jogos pedagógicos. São Paulo: Loyola,<br />

2000.<br />

BAITELLO Jr., Norval. Entrevista AntennaWeb Norval Baitello Junior. Antennaweb, São Paulo,<br />

edição 3, 2006. Disponível em: . Acesso em: Outubro 2010.<br />

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BEZERRA, M. F.; WAECHTER, H. Brincando com a roupa um estudo sobre a compreensão do<br />

uso de elementos lúdicos na moda infantil. In Anais 80 congresso brasileiro de pesquisa e<br />

desenvolvimento em design. São Paulo, 2008.<br />

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CÂNDIDO, Mário. A estampa de camiseta como atributo de expressão, comunicação e relação<br />

com o corpo. Anais Colóquio de moda, 4, 2008. Novo Hamburgo.<br />

CASTILHO, Kathia. <strong>Moda</strong> e linguagem. São Paulo: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2006.<br />

CASTILHO, Kathia; GARCIA, Carol. <strong>Moda</strong> Brasil: fragmentos de um vestir tropical. São Paulo:<br />

<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2001.<br />

FANTE, Vania Goeliner dos Santos. <strong>Moda</strong> pedagógica. B D Revista. Sábado, domingo e segunda -<br />

21, 22 e 23 de agosto de 2010. Disponível em: . Acesso em: Dezembro 2011.<br />

OWOKO. Disponível em: . Acesso em: Setembro 2010.<br />

PANIAGUA, G.; PALÁCIOS, J. Educação infantil: Resposta educativa à diversidade. 1ªed. Porto<br />

Alegre: Artmed, 2007.<br />

PIAGET, J. A psicologia da criança. 3ed. Difel: Rio de Janeiro, 2007.<br />

_______ Aprendizagem e conhecimento. Freitas bastos: Rio de Janeiro, 1974.<br />

_______Seis estudos de Psicologia. Forense: Rio de Janeiro, 1964.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

SILVA, Carla Cilene Baptista. O lugar do brinquedo e do jogo nas escolas especiais de educação<br />

infantil. Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da <strong>Universidade</strong> de São Paulo. São Paulo,<br />

2003.<br />

STEFANI, Patrícia da Silva. <strong>Moda</strong> e comunicação: a indumentária como forma de expressão.<br />

Monografia apresentada à Faculdade de Comunicação Social da <strong>Universidade</strong> Federal de Juiz de<br />

Fora. 2005. Disponível em: .<br />

Acesso em: Julho 2010.<br />

UBANG BABBLECHAT. Disponível em: . Acesso em: Março 2012.<br />

ZATZ, S.; ZATZ, A.; HALABAN, S. Brinca comigo! tudo sobre brincar e os brinquedos. Marco Zero:<br />

São Paulo, 2006.<br />

ZIG ZIG ZAA. Disponível em: . Acesso em: Outubro 2010.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno<br />

Harry Potter<br />

Pinheiro, Gabriela Coutinho Bacharel em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> / <strong>Universidade</strong> Federal do Ceará<br />

gabrielapinheiro@gmail.com<br />

De Castro, Marta Sorélia Felix Me. Docente do curso de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> / <strong>Universidade</strong><br />

Federal do Ceará martasorelia@gmail.com<br />

Resumo<br />

O presente artigo busca determinar a relação entre o cinema e a moda ao longo<br />

da história, bem como a sua influência nos hábitos e costumes da juventude. Apresentando<br />

reflexões sobre a evolução da parceria estética entre estas duas grandes<br />

indústrias e de como se tornaram formadores de opinião e comportamento, tomamos<br />

como exemplo a obra cinematográfica Harry Potter, de grande inserção no<br />

público jovem, evidenciando a exploração da imagem dos seus atores na indústria<br />

da moda. Tomando o surgimento do cosplay como expressão de manifestação<br />

artística que extrapola a tela para materializar-se no mundo real, foram aplicados<br />

instrumentos investigativos junto aos cosplayers de Harry Potter na cidade de Fortaleza<br />

(CE), procurando refletir sobre a evolução conceitual destas manifestações<br />

culturais em nossa sociedade, promovendo objetos de desejo e consumo.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Moda</strong>, Cinema, Juventude, Cosplay, Figurino de Cinema.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

Introdução<br />

O universo da <strong>Moda</strong> e da <strong>Arte</strong> sempre estiveram intrinsecamente ligados um ao outro: desde<br />

as primeiras manifestações de arte, a indumentária se mostrava presente; a representação<br />

da vestimenta nos tempos antigos só é possível através da arte. Com o surgimento da arte<br />

cinematográfica, datando um período impreciso que vai de 1893 a 1895, estes dois universos<br />

começaram a se unir mais uma vez: a indumentária era necessária, cobrindo o corpo humano,<br />

mostrado agora através das lentes dos filmes. Muito embora as imagens da época – chamada<br />

de Primeiro Cinema ¬– não passassem de experimentações acerca de novas possibilidades de<br />

captação do movimento, começava a surgir uma forma promissora de arte, que viria a se tornar<br />

uma das mais populares nos anos que se seguiam.<br />

Não apenas com a função de cobrir o corpo, mas a moda e o cinema trocavam inspirações em suas<br />

composições estéticas. Estilistas famosos eram convidados para vestir atrizes em seus papéis,<br />

caracterizando as suas personagens; assim como o cinema passou a ser lugar constante na busca<br />

de temáticas/inspiração para coleções de moda.<br />

Hoje, a íntima relação entre a moda e a arte está presente nas formas do nosso cotidiano, e em<br />

todos os lugares ao nosso redor. Com a facilidade advinda da revolução tecnológica, o cinema<br />

tornou-se uma experiência ainda mais envolvente, e as informações são cada vez mais acessíveis<br />

e disseminadas; ao ponto de que nem sempre é necessário ir ao cinema assistir um filme para terse<br />

conhecimento sobre detalhes de sua produção, tais como a concepção do figurino e quais os<br />

aspecto de sua criação, relacionados com a moda. É inegável a relação entre essas duas áreas,<br />

mas até que ponto? Quem influencia quem? O cinema influência a moda ou a moda é influenciada<br />

pelo cinema? Esta reflexão nos remete a outra máxima: a vida imita a arte ou a arte imita a vida?<br />

A partir de uma breve retrospectiva histórica, faremos o percurso que essas duas áreas percorreram<br />

até encontrar-se, em que paradoxalmente exercem o poder como instrumento formador de opinião<br />

e reflexo da sociedade, capaz de construir ícones e ditar posturas de comportamento.<br />

1. A Breve História do Cinema<br />

Partindo do conceito das “fotografias animadas” das primeiras experimentações, o cinema deixava<br />

o público maravilhado com aquelas projeções tão fiéis da vida real. Este público tornava-se<br />

cativo, absorvendo as imagens refletidas com entusiasmo, e durante todo o século XIX multidões<br />

se reuniam em salas escuras para participarem uma vez mais daquele momento. Como pontuado<br />

por Miucci [1], o conhecimento não um motivo pelo qual às massas visitavam estas salas escuras;<br />

nessas exibições, o público podia realizar regressões, deixar o inconsciente lado a lado com os<br />

fantasmas interiores, e deixar a imaginação correr.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

A indústria do cinema durante o século XX, segundo De Carli (2007), cresceu de acordo com<br />

a demanda da população de trabalhadores, crescente nas periferias das grandes cidades. Os<br />

trabalhadores demandavam uma nova forma de lazer “[...] e de diversão que possam alimentar<br />

o imaginário” (De Carli, 2007, p.52). O cinema surgiu como uma possibilidade de entretenimento<br />

para este público.<br />

No início do século XX, o cinema - enquanto componente histórico e<br />

social - transformou-se, acompanhando as realidades sociais nas quais<br />

estava inserido. Neste sentido, seu foco e objetivos modificaram-se,<br />

bem como as discussçoes a respeito de suas funções na sociedade. O<br />

cinema é reflexo de seu tempo e da sociedade que o produziu e, por isso<br />

mesmo, expressa os condicionamentos sociais de sua época. (PEREIRA,<br />

2010, p.02)<br />

Essas projeções, entretanto, dividiam espaço com outras modalidades de espetáculo, que eram<br />

populares na época. Por serem muito curtas, não ultrapassando os cinco minutos, jamais eram<br />

consideradas atrações principais. Artistas de circo, aberrações, números de dança e qualquer que<br />

fosse a habilidade encontrada pelos artistas dividiam o palco com o cinema – tudo que fosse capaz<br />

de entreter o público era bem vindo nestes teatros de variedades. Essa enorme multiplicidade do<br />

entretenimento remetia a temas muitas vezes grosseiros, e o preço cobrado pela entrada era tão<br />

baixo que não poderia haver separação das classes sociais.<br />

A ascensão da burguesia, nos Estados Unidos, fez com que a indústria do cinema tivesse que passar<br />

por mudanças, e também ascendesse socialmente. Os temas tratados nas obras cinematográficas<br />

tiveram que se adaptar à classe que crescia, tornando-se então um produto da indústria cultural,<br />

e não apenas um simples foco de entretenimento acessível. Como De Carli (2007, p.53) pontua<br />

“esse público mais sofisticado, mais aculturado demandava outro tipo de fabulação”.<br />

As projeções fantasmagóricas, ao lado de exibições de artistas de circo, já não eram suficientes:<br />

a sociedade pedia uma nova forma de entretenimento, mais condizente com as necessidades que<br />

surgiam.<br />

Em contraponto, a popularidade das projeções crescia com imagens de vedetes, caracterizadas<br />

por sua indumentária provocante e excessivamente adornada. Até então, a pouca duração do<br />

filme e as imagens não conseguiam dispensar a presença de um narrador, explicando o que estava<br />

acontecendo.<br />

Começou então uma tentativa de elevar o nível do cinema, e muitos poetas e escritores foram<br />

convidados a desenvolver roteiros, superando preconceitos e tentando agraciar as classes mais<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

elevadas.<br />

Conforme avançava a primeira década do século, as fantasias, os delírios,<br />

as extravagâncias dos primeiros filmes entram em declínio e são aos poucos<br />

substituídos por um outro tipo de espetáculo, mais doméstico, preocupado<br />

com a verossimilhança dos eventos, seriamente empenhado em se converter<br />

no espelho do mundo para refletir a vida num nível superior de contemplação.<br />

O naturalismo começa a se impor então como uma espécie de ideologia da<br />

representação, a fábula legitimada pela mimese (MIUCCI, 2011, p.4).<br />

A influência do teatro, a necessidade de modernização – tudo isso acabou por impulsionar este<br />

novo cinema, tornando a atividade como uma forma de cultura aceita pela sociedade. Os primeiros<br />

filmes surgiram a partir dos anos 1900, oscilando entre produções de documentários e os primeiros<br />

filmes de ficção. Georges Méliès desponta como um pai da arte do cinema, mostrado como um<br />

dos pioneiros a preocupar-se com a utilização correta de atores, cenários, figurinos e maquiagem,<br />

opondo-se pela primeira vez ao estilo de documentário vigente.<br />

A década de 1920 marca o nascimento da indústria cinematográfica de Hollywood, com a<br />

consolidação dos primeiros grandes estúdios. Passa a existir a popularização de novos gêneros,<br />

como a comédia, e também o início de um verdadeiro encantamento pelos atores, passados então<br />

a ser tratados como astros. Nessa época, destaca-se a comédia muda de Charles Chaplin.<br />

O advento do som, no final da década de 1920 e início da década de 1930, acarretou em mais uma<br />

grande mudança na indústria. Todos os estúdios passavam a ter a obrigação de produzir filmes<br />

falados para competir com os seus adversários, e o gênero musical ganha destaque. Em 1938 até<br />

1939, Hollywood vive o seu período de ouro, com a consagração das estrelas e dos filmes, e os<br />

estúdios passam a produzir filmes de todos os gêneros: musicais, comédias, western, terror e<br />

filmes policiais.<br />

2. Breve História da <strong>Moda</strong><br />

A indumentária também foi impulsionada com o advento e a influência da burguesia. O mercantilismo,<br />

o comercio proeminente das inúmeras viagens marítimas fez com que os homens se deparassem<br />

com uma nova forma de consumo. Como afirma Leite (2002, p.37) “o conflito entre a burguesia<br />

em evolução e a aristocracia em declínio ensejou uma batalha que incluía a indumentária como<br />

uma de suas armas”.<br />

A indumentária representava o ato de vestir, não apenas de cobrir-se. A roupa representava status,<br />

refletia a sociedade em que estava inserida – entretanto, a indumentária era a mesma para todos,<br />

havendo pouca distinção entre as diferentes sociedades. Foi somente partir do século XIV que<br />

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uma nova forma da indumentária despontava, tornando possível certa autonomia proeminente<br />

dos seus usuários, deslocando-se um pouco do até então vestir-se padronizado – era a moda. Até<br />

então proibidos de vestir-se com roupas semelhantes às da nobreza, os plebeus agora queriam<br />

imitar a indumentária nobre. Em contraponto, os nobres passaram a mudar as roupas com mais<br />

frequência, fugindo das imitações.<br />

A moda estava diretamente relacionada com questões socioculturais, e com as constantes<br />

transformações da sociedade. Laver (2008, p.235) resume: “A função da moda é mudar”. É uma<br />

manifestação tanto coletiva quanto individual, de forma que representa os valores e morais<br />

da sociedade em que se enquadra, mas também procura imprimir individualidade em cada um<br />

separadamente.<br />

A moda vem acompanhando o compasso das transformações da história<br />

ocidental. Para fins elucidativos, podemos dividir o fenômeno em três<br />

grandes fases: a primeira, a partir do século XVI, o período de grande<br />

desenvolvimento comercial, quando a vestimenta adquire uma característica<br />

ao mesmo tempo nacional e pessoal, começando a submeter-se a variações<br />

frequentes. Cada nação forma um estilo de suas vestimentas e cada pessoa<br />

(dentro das possibilidades) segue seu gosto pessoal. Surge o que chamamos<br />

de traje civil. A segunda fase começa na segunda metade do século XIX e<br />

caracteriza-se pelo aparecimento de um traje cada vez menos pessoal e mais<br />

internacional. Como contrapeso, nesse período nasce a alta-costura, que<br />

une a possibilidade do costume pessoal e o imperativo da moda, cada vez<br />

mais mutante, servindo aos privilégios de uma classe em que o senso de luxo<br />

tradicional e o poder do dinheiro imperam. Um terceiro momento surge após<br />

a Segunda Guerra Mundial com o aparecimento do prêt-à-porter, maneira de<br />

fomentar a produção industrial, popularizando a moda dos grandes criadores<br />

e o estilo casual americano (LEITE, 2002, p.42).<br />

A Revolução Industrial também produziu mudanças na moda: o que antes era produzido<br />

exclusivamente por artesãos ou em casa, em pequena escala, agora poderia ser produzido com o<br />

auxílio de máquinas. Mercadores passaram a fabricar e comercializar roupas por um preço mais<br />

baixo, e elas eram manufaturadas com maior frequência. Mesmo assim, os que possuíam maior<br />

poder aquisitivo eram os únicos que poderiam dar-se ao luxo de trocar o guarda-roupa com a<br />

frequência proposta pelas últimas tendências de moda.<br />

Ao longo da revolução, entretanto, o luxo esbanjado passou a ser um risco à nobreza; com medo<br />

da guilhotina, acabaram por adotar roupas mais simples.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

No início do século XX, a moda sofreu profundas mudanças. As roupas ostensivas, os espartilhos e<br />

toda a pompa foram substituídos por uma inspiração oriental, e um desejo de libertação feminina.<br />

O início dos anos 1920 foi marcado pelo jazz e pela modernidade: sentindo a necessidade de<br />

roupas que permitissem dançar, a moda feminina criou uma silhueta tubular, nos quais os braços e<br />

as pernas pudessem ficar de fora. Era permitido mostrar as pernas – embora geralmente cobertas<br />

de meia-calça ¬– e usar maquiagem.<br />

A sociedade dos anos 20, além da ópera ou do teatro, também frequentava<br />

os cinematógrafos, que exibiam os filmes de Hollywood e seus astros, como<br />

Rodolfo Valentino e Douglas Fairbanks. As mulheres copiavam as roupas e os<br />

trejeitos das atrizes famosas, como Gloria Swanson e Mary Pickford (BESSA,<br />

2008, p.46).<br />

O cinema despontava como fonte de entretenimento para toda a sociedade, e as estrelas do<br />

cinema como ícones de moda e comportamento. Começava então uma relação próxima entre<br />

esses dois universos.<br />

3. Relação <strong>Moda</strong> x Cinema<br />

3.1. A <strong>Moda</strong>, as Mulheres e o Cinema<br />

No momento em que a indústria cinematográfica começou a produzir ficções, surgiu a necessidade<br />

de ponderar sobre a utilização de um figurino. Os personagens criados nas telas eram parte crucial<br />

de um enredo, e a sua caracterização é de extrema importância para que o espectador conseguisse<br />

compreender imediatamente os personagens.<br />

É necessário que haja, no primeiro momento de contato entre o espectador e personagem, uma<br />

identificação instantânea. São frequentes então os estereótipos: se um personagem está vestido<br />

de branco e porta um estetoscópio em torno do pescoço, ele é instantaneamente identificado<br />

como um médico.<br />

O figurino, mais plástico, mais detalhista, mais evidenciado em close-up<br />

do que o cenário ou a contra-regragem, está sempre nos possibilitando<br />

compreender em níveis múltiplos, mais explícitos ou inconscientes. Podemos<br />

não nos aperceber de todos os detalhes: mas o todo nos transmite um recado,<br />

uma informação ou mesmo uma pequena sinopse narrativa a respeito do<br />

presente, do passado e mesmo do futuro do personagem. Os figurinistas<br />

precisam, portanto, de formação cultura ampla, e de um grande sentido de<br />

observação. (LEITE, 2002, p.11)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Os figurinistas, como Leite afirma, são versados em conhecimentos que ultrapassam simplesmente<br />

a moda. Entretanto, no início do cinema, era recorrente a utilização de grandes estilistas como<br />

encarregados dos figurinos dos filmes. A influência das suas criações nos filmes ia diretamente<br />

para às ruas, e suas peças eram criadas para vestir não somente personagens, mas atrizes. Assim,<br />

figurinistas e estilistas dividiam a tarefa de influenciar a sociedade.<br />

Já em 1927, um figurinista francês – Jacques Doucet – decidiu subir as saias ao ponto de mostrar as<br />

ligas rendadas, causando furor na sociedade conservadora. Embora as mulheres da época tivessem<br />

subido o comprimento da barra, aumentado o decote e também exposto os braços, tamanha<br />

afronta ao decoro contribuiu para a imagem sensualizada dos tornozelos femininos.<br />

A década de 1930 iniciou com uma elegância refinada na silhueta feminina, abandonando a ousadia<br />

das melindrosas.<br />

Ombros largos e quadris estreitos pareciam ser o ideal de toda mulher,<br />

exemplificado na figura de Greta Garbo. Na década de 30, em especial, as<br />

atrizes do cinema eram quase árbitros da moda, sendo suas roupas criadas<br />

por estilistas como Gilbert Adrian (LAVER, 1989, p.240).<br />

Greta Garbo brilhou em 1931 personificando a dançarina acusada de espionagem. Seu figurino<br />

coberto de ouro, e a sua personalidade forte e imponente transparecia na tela, ditando também o<br />

ideal de beleza da mulher magra e saudável. A maquiagem utilizada por Greta também se tornou<br />

ícone da época, com as sobrancelhas pintadas e arqueadas, os olhos com os côncavos fundos e<br />

marcados, contribuindo para um olhar lânguido, e os lábios pintados de batom.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

Figura 1: Greta Garbo como Mata Hari<br />

Fonte: http://www.imdb.com<br />

Outras atrizes, como Katharine Hepburn e Marlene Dietrich também brilhavam em seu pódio de<br />

estrelas, e estilistas como Gilbert Adrian e Edith Head eram exemplos de talentos que assinavam<br />

os figurinos dos filmes da década.<br />

Em Hollywood, as atrizes começaram a ser tratadas como estrelas do cinema, de fato. Estilistas<br />

eram convidados para vestí-las em especial, destacando-as ainda mais da produção. Coco Chanel<br />

foi convidada, em 1931, a vestir a atriz Charlotte Greenwood no longa Palmy Days. Elsa Schiaparelli,<br />

que em muito se diferia do convencional, também assinou o figurino da atriz Mae West em Every<br />

Day’s a Hollyday (1937).<br />

Na década de 1940, a Segunda Guerra Mundial já havia eclodido na Europa, e com ela o<br />

racionamento. Muitas maisons francesas fecharam, e o governo limitava a quantidade de tecidos<br />

que poderia ser adquirido para a fabricação de roupas. Assim, as mulheres tinham que buscar<br />

alternativas em tecidos pouco utilizados, e reformando as roupas que já tinham.<br />

Durante a guerra, o chamado “ready-to-wear” (pronto para usar), que é<br />

a forma de produzir roupas de qualidade em grande escala, realmente se<br />

desenvolveu. Através dos catálogos de venda por correspondência com os<br />

últimos modelos, os pedidos podiam ser feitos de qualquer lugar e entregues<br />

em 24 horas pelos fabricantes. Sem dúvida, o isolamento de Paris fez com<br />

que os americanos se sentissem mais livres para inventar sua própria moda.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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[...] Com a libertação de Paris em 1944, a alegria invadiu as ruas, assim como<br />

os ritmos do jazz e as meias de náilon americanas, trazidas pelos soldados,<br />

que levaram de volta para suas mulheres o perfume Chanel nº 5 (BESSA,<br />

2008, p.51).<br />

Chegado ao fim o racionamento de tecidos e da guerra, o início da década seguinte trouxe à<br />

mulher o poder de dar-se ao luxo de voltar a ser feminina e glamorosa. Christian Dior e o seu<br />

new look, criado em 1947, tornaram-se muito utilizados, e a beleza voltou a ser um tema de<br />

grande importância. Grandes empresas de cosmético surgiram, produzindo maquiagens que iam<br />

de acordo com a beleza proposta, e as mulheres começaram a preocupar-se ainda mais com os<br />

cabelos, criando alisantes e tintas.<br />

Audrey Hepburn, com a sua beleza inocente e elegante, fazia contraponto à beleza sensual das<br />

atrizes Rita Hayworth e Ava Gardner. Sempre vestida por Humbert de Givenchy, Audrey estrelou<br />

filmes marcantes como a Princesa e o Plebeu (1953) e Sabrina (1954). Em Sabrina, Audrey utiliza<br />

um marcante vestido assinado por Givenchy, um ícone para a época.<br />

Figura 2: Audrey Hepburn como Sabrina<br />

Fonte: http://www.imdb.com<br />

Entretanto, as atrizes que uniam a beleza inocente com a sensual tornaram-se o maior símbolo<br />

dos anos 1950. Bridgitte Bardot e Marilyn Monroe brilharam com a jovialidade, inocência e<br />

sensualidade exacerbada. A cena de O Pecado Mora ao Lado (1955), em que Marilyn está de<br />

vestido branco sentindo o vento advindo do metrô, é um clássico da época. O vestido fora criado<br />

pelo figurinista Billy Travilla, e a cena tornou-se um ícone atemporal.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Figura 3: Marilyn Monroe<br />

Fonte: www.desmodando.com.br<br />

3.2. A <strong>Moda</strong>, os Jovens e o Cinema<br />

Em 1950 surgia o rock’n’roll, e a juventude passou a procurar, pela primeira vez, a sua própria<br />

moda.<br />

Assim, apareceu a moda colegial, que teve origem no sportswear. As<br />

moças agora usavam, além das saias rodadas, calças cigarrete até os<br />

tornozelos, sapatos baixos, suéter e jeans. O cinema lançou a moda<br />

do garoto rebelde, simbolizada por James Dean, no filme “Juventude<br />

Transviada” (1955), que usava blusão de couro e jeans. Marlon Brando<br />

também sugeria um visual displicente no filme “Um Bonde Chamado<br />

Desejo” (1951), transformando a camiseta branca em um símbolo da<br />

juventude (BESSA, 2008, p.55).<br />

O mercado então mudou, compreendendo os jovens como consumidores, e passando a criar uma<br />

moda específica para eles, ao invés de uma que espelhasse o que os pais estavam usando. A<br />

rebeldia sem causa de James Dean e Marlon Brando tornaram-se ícones da juventude, e todos os<br />

jovens aderiam à moda. Até mesmo as garotas, até então moças bem comportadas em suas saias<br />

rodadas de Dior, começavam a utilizar as calças cigarette e clamar por ideais de liberdade.<br />

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Figura 4: James Dean<br />

Fonte: http://cindereladescaida.blogspot.com/<br />

Figura 5: Marlon Brando<br />

Fonte: http://www.imdb.com<br />

Os anos 1960 chegaram, e os ideais de liberdade se uniram à uma oposição da sociedade de<br />

consumo. A moda mudou: agora, dividia-se em várias tendências pela primeira vez, simultâneas<br />

e muito diferentes entre si. Havia o natural, o futurista, o psicodélico, além da popularização do<br />

jeans básico.<br />

O estilo dos Beatles, em Londres, havia conquistado o mundo, e os jovens enlouqueciam ao som<br />

do rock. Londres passou a ditar a moda vigente. No final dos anos 1960, entretanto, San Francisco<br />

atraía a atenção dos jovens com um novo movimento: o poder da paz e do amor dos hippies.<br />

Os grandes estilistas haviam parado de participar exclusivamente da criação dos figurinos dos<br />

filmes; a juventude parecia ter tomado à dianteira nas tendências. Os comportamentos mutáveis<br />

dos jovens influenciava a moda. Artistas como Andy Warhol e sua estética pop também cruzavam<br />

o caminho da moda, e o cinema europeu ganhava um novo fôlego com a nouvelle vague francesa.<br />

[...] ainda que figurino e moda andem lado a lado, é preciso diferenciálos.<br />

É claro que os figurinistas precisam entender de moda, e podem<br />

utilizar produtos e artefatos já ‘prontos para vestir’ seus personagens.<br />

E é claro também que a coisa pode funcionar no sentido inverso, e o<br />

figurinista pode, como ocorre frequentemente, através de telenovelas,<br />

lançar moda. É fato, também, que a maior parte dos estilistas trabalha,<br />

até certo ponto, dentro do registro do ficcional, fantástico ou fantasioso.<br />

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Isso não pode obscurecer o fato, entretanto, de que a moda faz parte<br />

de um sistema industrial e de mercado (LEITE, 2002, p.11).<br />

A moda começava a ter uma força maior, sendo um reflexo dos acontecimentos da juventude.<br />

Assim, os caminhos do figurino do cinema pareciam ter apoio nesses modismos, em filmes que<br />

retratavam a geração vigente.<br />

3.3. Uma nova face dos figurinos: as fantasias<br />

Na década de 1980, um novo gênero de filmes começa a tomar maior fôlego: a ficção científica.<br />

Já no final da década de 1970 é lançado o primeiro filme produzido da série Star Wars – Uma Nova<br />

Esperança (1977). Estreias de grandes produções, como a continuação de Star Wars, em O Império<br />

Contra Ataca (1980), Blade Runner (1981), e também E.T. O Extraterrestre (1982) lançam um novo<br />

olhar sobre o futuro, e também sobre a moda. Nesses filmes, uma estética espacial e moderna é<br />

lançada, mas, além disso, as produções levantam questionamentos sobre o futuro.<br />

Em 1985, surge outro grande clássico para a juventude: De Volta para o Futuro. A mistura entre<br />

a ficção científica e o cotidiano dos jovens provou-se como um grande sucesso, e o personagem<br />

Marty McFly também se tornou um ícone.<br />

O guarda-roupa serve de suporte à narrativa cinematográfica, à<br />

construção do espaço cénico e na composição da imagem, auxiliando<br />

a contar a história também pelos figurinos. Esta é uma tarefa mais<br />

complexa do que aparenta ser. Na composição de um figurino estão<br />

implícitos simbolismos, signos e significados, que o público percebe,<br />

mas dos quais não consegue articular o seu fundamento (CONCEIÇÃO,<br />

2010, p.22).<br />

Nos filmes que retratam o presente, os figurinos reflectem a moda vigente, o estilo predominante<br />

da altura, adaptados à imagem em particular da actriz ou da personagem. Por outro lado, nos filmes<br />

de época, embora também possam reflectir a moda e estética contemporânea, estes transportam<br />

para a actualidade o vestuário de uma outra época e introduzem conceitos que não fazem parte<br />

da estética corrente. Sendo assim, enquanto os figurinos de época são influenciados pela estética<br />

contemporânea, os elementos desconhecidos do vestuário de outro tempo, frequentemente se<br />

tornam na origem de novas ideias e tendências inovadoras do design de moda (IBIDEM, p.61).<br />

Os figurinistas de filmes de ficção científica, então, tem liberdade para criar os figurinos relacionando<br />

a concepção de futuro com a realidade e a moda da época. O figurino dos personagens de ficção<br />

varia de acordo com o meio em que os filmes estão inseridos: enquanto em Blade Runner existe<br />

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uma grande utilização de couro e peças de cunho até fetichista; o caso de Marty McFly, entretanto,<br />

apesar dos apetrechos utilizados para mandá-lo ao futuro, não se difere do já utilizado pelos<br />

jovens dos anos 1980: camisetas largas, calça jeans e tênis de cano alto, enormes.<br />

A indumentária de Star Wars oscila entre trajes de tons terrosos para os Jedi e armaduras<br />

complexas para os inimigos. Há uma cena, entretanto, em que uma das personagens principais – a<br />

Princesa Leia, vivida pela atriz Carrie Fischer – é escravizada e utiliza um biquíni, completamente<br />

diferente do figurino com o qual os fãs estavam acostumados a vê-la. A mudança entre o corpo<br />

inteiramente coberto de Carrie Fischer para o biquíni de escrava da Princesa Leia permaneceu no<br />

imaginário dos fãs.<br />

Figura 6: Princesa Leia<br />

Fonte: http://nitrolicious.com<br />

Figura 7: Princesa Leia vestida de Escrava<br />

Fonte: http://nitrolicious.com<br />

Esse tipo de grande produção surge com uma nova movimentação na sociedade: os fãs das séries<br />

de ficção científica começam a procurar uns aos outros, criando eventos sobre o gênero. Esses<br />

eventos reúnem mostras de filmes, exposição de objetos cenográficos, comercialização de produtos<br />

licenciados, e também uma grande quantidade de fãs fantasiados.<br />

Os filmes de ficção científica não somente influenciam a moda: eles despertam o desejo de vestirse<br />

igual aos personagens em questão, copiando seus trajes e seus trejeitos. O figurino ganha às<br />

ruas, mas sendo utilizado numa versão literal em eventos especiais.<br />

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Entretanto, é importante ressaltar que o fenômeno de fantasiar-se dessa forma não surgiu nesse<br />

momento. De acordo com o site Costuming.org [2], na Primeira Feira Mundial de Ficção Científica,<br />

que reuniu 185 pessoas em Nova York no ano de 1939, um rapaz de 22 anos chamado Forrest J.<br />

Ackerman e sua amiga Myrtle R. Jones apareceram utilizando fantasias de Ficção Científica pela<br />

primeira vez. Ele estava vestido de piloto estelar, e a sua companheira usava uma réplica de<br />

um vestido utilizado no filme Things to Come (1933). Tal aparição causou enorme impacto nos<br />

presentes, e o hábito de fantasiar-se começou a se popularizar.<br />

Em 1984 cunhou-se o termo cosplay, que funde duas palavras da língua inglesa: costume (figurino)<br />

playing (brincar). O hábito de fazer cosplay popularizou-se no Japão, com os fãs começando a<br />

fantasiar-se como personagens das animações japonesas, chamadas de animes.<br />

Eventos de grande porte, como a inicial Feira Mundial de Ficção Científica, ou o atual Comic-Con<br />

de San Diego, que reúne também fãs de quadrinho, são palco para a utilização dos cosplays, com<br />

concursos de melhores fantasias e também a chance de socializar com os outros fãs, e mostrar a<br />

sua réplica de figurino.<br />

Entretanto, havia algumas manifestações isoladas, e fãs que se reuniam em outros momentos<br />

fantasiados, onde não havia concursos. Fãs se reuniam em estreias de filmes, inteiramente<br />

fantasiados, sem nenhum motivo aparente a não ser o prazer de fantasiar-se. O que é esse<br />

fenômeno, e que os fãs tinham a dizer?<br />

4. O Fenômeno Harry Potter<br />

A série de livros escrita desde 1997 pela britânica J. K. Rowling é um sucesso mundial, vendendo<br />

mais de 400 milhões de cópias pelo mundo inteiro, e recrutando milhões de fãs. Os livros contam a<br />

história de um garoto chamado Harry Potter, que, prestes a completar seu aniversário de 11 anos,<br />

descobre que é um bruxo. Ele então passa a estudar na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts,<br />

e descobre que seus pais (que, até então, ele acreditava terem morrido num acidente de carro)<br />

foram assassinados pelo maior e mais temido bruxo de todos os tempos, Lord Voldemort – e, por<br />

um motivo no qual está selado todo o enredo da série, Harry Potter conseguiu sobreviver.<br />

Os livros acompanharam a infância e adolescência de inúmeros fãs, hoje adultos, que cresceram<br />

ao lado de Harry e seus amigos. No final da série, o bruxo já alcançou a maioridade, e enfrenta o<br />

seu destino: destruir Voldemort, pelo fim de salvar toda a humanidade Bruxa.<br />

Em 2001, os livros começaram a ser adaptados para o cinema, o que acarretou numa grande<br />

revolução no mundo dos fãs. Tendo as estreias dos filmes como um lugar para se reunir, todos<br />

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acompanham os lançamentos de perto, muitas vezes inteiramente caracterizados como personagens<br />

do universo de Rowling. Além disso, a imagem proporcionada pelo cinema possibilita níveis muito<br />

maiores de identificação com a série, e tudo aquilo que anteriormente havia sido imaginado por<br />

diversos fãs individualmente, agora tomava uma imagem clara e definida.<br />

O primeiro filme tinha estreado em novembro; eu havia viajado para<br />

a cidade de minha faculdade, Washington, D.C., para vê-lo no Uptown<br />

Theater, que tinha uma tela mais ou menos do tamanho de um prédio. Lá<br />

fiquei na fila durante horas para conseguir uma cadeira bem localizada,<br />

e enquanto fazia isso pessoas fantasiadas pareciam estar por toda parte<br />

ao meu redor. Eu esperei entre um Hagrid e uma RIta Skeeter, sentei<br />

junto com eles enquanto a velha sala de cinema ficava lotada de fãs de<br />

todas as idades, e tagarelei inquieta de excitação, como todo mundo.<br />

Quando as luzes se apagaram e o logotipo da WB apareceu na tela, os<br />

gritos e vivas fizeram meu corpo tremer de emoção. Para mim, nenhum<br />

momento de filme de Harry Potter jamais se compararia à primeira<br />

vez em que vi as palavras Privet Drive emergirem da escuridão na tela<br />

(ANELLI, 2011, p.99).<br />

Figura 8: Os malões e o trem para<br />

Hogwarts<br />

Fonte: http://www.tumblr.com<br />

Figura 9: Harry e Hagrid no Beco Diagonal, no<br />

filme Harry Potter e a Pedra Filosofal<br />

Fonte: http://titadreamland.blogspot.<br />

com/2010/05/cantinho-harry-potter-diagonal.html<br />

Além disso, os primeiros filmes em muito diferem da estética dos últimos. Inicialmente contando<br />

a história de um bruxinho e suas aventuras, a série tomou um aspecto mais sombrio conforme o<br />

desenrolar da história (e o amadurecimento dos fãs que a acompanhavam), sua evolução visível<br />

até mesmo nos pôsteres dos filmes.<br />

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Figura 10: Os Pôsteres dos filmes da saga Harry Potter<br />

Fonte: http://www.tumblr.com<br />

Os fãs de Harry Potter adquiriram o hábito de fantasiar-se, indo não somente às estreias, mas<br />

também às já abordadas Feiras e Convenções de Ficção Científica e afins. Com ajuda dos sites<br />

especializados sobre Harry Potter, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, feito por fãs e<br />

para fãs, houve uma grande disseminação de informações sobre o filme, e os fãs puderam se<br />

conhecer através de fóruns e trocar experiências próprias.<br />

Os primeiros sites de fãs, de maneira geral, também estavam se tornando<br />

conhecidos, e como Harry Potter era a história do momento, e os fãs de<br />

Harry Potter nunca foram conhecidos por deixar passar um bom detalhe<br />

obsessivo intocado, os sites de Harry Potter estavam se tornando os<br />

sites de fãs mais bem estruturados e detalhados na Net. A natureza<br />

do enredo de Harry Potter, como qualquer boa história de mistério,<br />

era deixar os fãs desesperados tentando descobrir qual seria o passo<br />

seguinte. À medida que se tornou mais fácil navegar e se comunicar<br />

via internet, através de páginas rudimentares, adolescentes precoces<br />

aprenderam como criar aquelas páginas rudimentares e colocá-las<br />

online (ANELLI, 2011, p.109).<br />

Dessa forma, um nível maior de interação entre os fãs acabou surgindo, tornando o movimento<br />

muito mais forte.<br />

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4.1. A Estética Harry Potter<br />

A série de livros e filmes de Harry Potter conta com centenas de personagens, a grande maioria<br />

imersa na estética bruxa. Boa parte dos personagens, entretanto, frequenta a Escola de Magia e<br />

Bruxaria de Hogwarts, sendo professores ou alunos.<br />

O uniforme dos alunos pouco se difere dos uniformes utilizados normalmente pelos colégios<br />

internos do Reino Unido, em tons de cinza. A diferença reside na capa de bruxo, e também no<br />

chapéu pontudo utilizado somente no primeiro filme. O estudante tradicional de Hogwarts é a<br />

caracterização com maior fama pelos fãs de Harry Potter: a base da fantasia pode ser facilmente<br />

encontrada no guarda-roupa do dia-a-dia (blusa branca social, colete preto e saia preta para as<br />

meninas, enquanto os rapazes usam calça social), sendo necessário adquirir apenas a gravata<br />

temática com as cores da Escola, e, claro, uma varinha.<br />

Existe uma boa quantidade de sites especiais que vendem tais artefatos, e vários fãs também<br />

uniram as habilidades manuais com essa necessidade do mercado, e começaram a produzir<br />

varinhas e artefatos mágicos de Harry Potter para vender.<br />

Os fãs fazem pesquisas intensas antes das estreias dos filmes, criando geralmente um banco de<br />

imagens do personagem que queiram copiar o figurino. Obviamente, existem muitas diferenças<br />

entre os próprios fãs e o modo como fazem essas fantasias – alguns demoram semanas para fazêlas,<br />

levando em costureiras e gastando o que for preciso para que ela fique o mais próxima do real<br />

possível; assim como existem fãs que apenas adaptam o que já possuem.<br />

Figura 11: Proposta de Figurino<br />

para a personagem de Hermione<br />

em Harry Potter e o Cálice de Fogo<br />

Fonte: http://ww.oclumencia.<br />

com.br/galeria<br />

Figura 12: Cenas do filme Harry<br />

Potter e o Cálice de Fogo<br />

Fonte: http://ww.oclumencia.<br />

com.br/galeria<br />

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Figura 13: Cosplay de uma fã<br />

Fonte: http://www.cosplay.com<br />

Os vilões da série também tem muito apelo na construção de cosplays: personagens como Belatriz<br />

Lestrange, interpretada pela atriz Helena Bonham-Carter, a família Malfoy e também o exército<br />

de bruxos das trevas, chamados Comensais da Morte são frequentemente representados.<br />

Outro ponto importante é a fama atribuída aos atores que representam o trio principal – Harry,<br />

Rony e Hermione –, tornando-se ícones para a geração. O estilo despojado, com influencias de rock<br />

em camisetas estampadas e tênis all-star do ator ruivo Rupert Grint, utilizados com frequência<br />

com terno, denotam uma atitude de rebeldia juvenil comparável aos ícones dos anos 1950.<br />

Figura 14: Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint<br />

Fonte: Empire Magazine (2009)<br />

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Contudo, a maior influência vem da atriz Emma Watson, que representa Hermione Granger na<br />

série. A atriz de apenas 21 anos tornou-se um ícone fashion, e ao encerrar as filmagens do último<br />

filme da saga Harry Potter, cortou o seu cabelo curtíssimo, semelhante ao de Mia Farrow em O<br />

Bebê de Rosemary (1968). A garota foi escolhida como garota propaganda da marca Burberry, além<br />

de ter assinado uma coleção em parceria com a marca People Tree, em 2010. A atriz também foi<br />

agraciada com o prêmio de ícone da moda da Elle Style Awards em 2011, e em fevereiro do mesmo<br />

ano anunciada como novo rosto da marca de cosméticos Lancôme.<br />

Figura 15: Capa da revista Marie<br />

Claire – Dezembro de 2010<br />

Fonte: http://www.juliapetit.<br />

com.br<br />

Figura 16: Campanha para a<br />

marca People Tree<br />

Fonte: http://www.juliapetit.<br />

com.br<br />

Dona de uma beleza singular, além de carregar uma grande influência sobre os jovens que a<br />

observaram crescer, a presença de Emma Watson como garota propaganda de diversas marcas só<br />

reafirma o seu status de novo ícone de moda.<br />

5. Metodologia da Pesquisa<br />

A investigação tem início a partir da observação de campo da temática Harry Potter. Será estudada<br />

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a repercussão da série de livros e filmes, em especial o comportamento dos fãs que se fantasiam de<br />

personagens da série em eventos, como estreias de filmes e lançamento dos livros. Sendo assim,<br />

a pesquisa seria classificada como um Estudo de Caso. Os estudos de caso “visam explorar, deste<br />

modo, um caso singular, situado na vida real contemporânea, bem delimitado e contextuado em<br />

tempo e lugar para realizar uma busca circunstanciada de informações sobre um caso específico”<br />

(Chizzotti, 2006, p.136).<br />

De acordo com Becker (1993)<br />

O cientista social que realiza um estudo de caso de uma comunidade ou<br />

organização tipicamente faz uso de método de observação participante<br />

em uma de suas muitas variações, muitas vezes em ligação com outros<br />

métodos mais estruturados, tais como entrevistas. A observação<br />

dá acesso a uma ampla gama de dados, inclusive os tipos de dados<br />

cuja existência o investigador pode não ter previsto no momento em<br />

que começou a estudar, e, portanto é um método bem adequado aos<br />

propósitos de estudo de caso (BECKER, 1993, p.118).<br />

Para melhor compreender a relação entre os fãs e o ato de fantasiar-se, será necessária a utilização<br />

de questionários.<br />

Foram selecionados 20 representantes do fandom [3] de Harry Potter, a maioria de Fortaleza –<br />

Ceará. Estes fãs foram escolhidos durante um evento da série Harry Potter em Fortaleza; após<br />

apresentações, todos revelaram a utilização fantasias dos personagens da série com frequência.<br />

No momento inicial, após a observação participante, houve alguns questionamentos que foram<br />

imediatamente respondidos; então feita a proposta para a participação na pesquisa. O questionário<br />

estruturado em doze perguntas, então, foi passada por email para os fãs que concordaram.<br />

Um dos principais problemas das entrevistas e questionários é detectar<br />

o grau de veracidade dos depoimentos. Trabalhando com estes<br />

instrumentos de pesquisa é bom lembrar que lidamos como o que o<br />

indivíduo deseja revelar, o que deseja ocultar e a imagem que quer<br />

projetar de si mesmo e de outros. A personalidade e as atitudes do<br />

pesquisador também interferem no tipo de respostas que ele consegue<br />

de seus entrevistados (GOLDENBERG, 2003, p.86).<br />

Além disso, também foi utilizado o compartilhamento de informações através das redes sociais,<br />

solicitando a participação na pesquisa àqueles que também tinham o hábito de fantasiar-se de<br />

Harry Potter. Por fim, foi postada uma mensagem no fórum do site Potterish [4], portal em que<br />

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muitos fãs utilizam para comunicar-se.<br />

O questionário foi padronizado, porém com perguntas abertas, possibilitando uma resposta<br />

livre. Todas as perguntas foram elaboradas tendo em vista os objetivos da pesquisa, abrangendo<br />

diversos pontos de vista, mas trilhando o caminho para obter as informações desejadas. Embora<br />

o questionário enviado pela internet impossibilite algumas observações diretas – como o ato do<br />

entrevistado de responder as perguntas, a sua linguagem corporal, e o aprofundamento de algumas<br />

questões, além da possibilidade de fazer perguntas específicas para cada caso –, por outro lado este<br />

instrumento permite uma maior reflexão por parte dos entrevistados para responder as perguntas.<br />

Além disso, pelo seu caráter impessoal, os entrevistados podem sentir-se mais à vontade para<br />

responder as perguntas com mais franqueza, especialmente pelo fato do instrumento garantir<br />

anonimato.<br />

6. Resultados e Discussão<br />

Metade dos entrevistados tem de 20 a 25 anos, e estão cursando o ensino superior. Começaram a<br />

ler a série de Harry Potter no momento do seu lançamento no Brasil, ou seja, há aproximadamente<br />

dez anos. É comum que eles usem as fantasias nas estreias ou eventos promovidos pelos fãs – como<br />

lançamento de DVDS, livros relacionados à história, e também eventos de anime promovidos em<br />

Fortaleza, como o SANA –, mas também utilizam ocasionalmente em festas à fantasia. A grande<br />

maioria afirma interessar-se por moda, porém sem segui-la inteiramente, por possuírem um estilo<br />

próprio.<br />

O lançamento do segundo filme da saga – Harry Potter e a Câmara Secreta (2002) – marcou o<br />

início da produção de cosplays em Fortaleza. 20% dos entrevistados afirmaram ter feito a primeira<br />

fantasia a partir do segundo filme.<br />

Há nove anos, desde a estreia de Harry Potter e a Câmara Secreta, onde<br />

me fantasiei de estudante até Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban.<br />

Mudei para o cosplay de Rita Skeeter a partir de Harry Potter e o Cálice<br />

de Fogo, e não parei mais. Ela é ótima! [...] Quando estou de cosplay,<br />

eu me sinto ela, eu sou ela. Só falta virar um animago (Rita [5], 26 anos)<br />

O feitio da fantasia é o momento de maior preparação para os fãs. É necessário escolher um<br />

personagem dentre os criados por J. K. Rowling, que são escolhidos por quesitos como preferências,<br />

ou similaridade. Muitos dos cosplayers aproveitam atributos que já possuem e que são similares<br />

aos personagens escolhidos – como a cor e a textura do cabelo, ou o tom dos olhos.<br />

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Entretanto, às vezes o desejo de encarnar o personagem favorito é mais forte, e necessita de<br />

um maior esforço por parte do cosplayer. Para representar a personagem Luna Lovegood, famosa<br />

pela sua excentricidade e seus longos cabelos ondulados loiro-claro, uma entrevistada afirmou<br />

descolorir o cabelo e usar lentes de contato antes da estreia do filme.<br />

Os personagens principais (Harry, Rony e Hermione) possuem mais apelo, mas também há um enorme<br />

número de quem se fantasie de Comensais da Morte (os vilões), ou personagens mais incomuns,<br />

como funcionários do Ministério da Magia. Ainda há quem não escolha nenhum personagem em<br />

especial, e apenas vista a farda da escola de Hogwarts, incluindo-se assim como um figurante da<br />

história.<br />

Figura 17: Fãs de Fortaleza (CE) caracterizados como Comensais da<br />

Morte na estreia de Harry Potter e as Relíquias da Morte, parte I<br />

Fonte: Acervo Pessoal<br />

Adquirir a fantasia tornou-se mais fácil com a popularização da tecnologia: hoje, existem inúmeras<br />

lojas no mundo inteiro que vendam produtos licenciados ou inspirados em Harry Potter, úteis<br />

na hora de fazer o cosplay. Pode-se encontrar o uniforme completo de Hogwarts, incluindo as<br />

gravatas listradas que são um ícone da saga; varinhas; chapéus e óculos especialmente para<br />

alguns personagens, como o próprio Harry Potter e seu conhecido óculos de aro redondo.<br />

Mesmo assim, boa parte dos entrevistados afirmou comprar os tecidos e mandá-los à costureira,<br />

junto com muitas imagens de referências. Há quem se vista de uma forma aproximada, mas<br />

também há quem se preocupe com todos os detalhes: desde a veracidade dos detalhes bordados<br />

do brasão da escola, como o tecido que a capa original do filme foi feita, para então ter uma<br />

réplica mais próxima do modelo ideal.<br />

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O fator identificação com o personagem que está se fantasiando é um dos mais importantes para<br />

os entrevistados: por mais que o cosplay não tenha sido feito com toda a precisão de detalhes, ou<br />

ele não se assemelhe muito ao personagem que escolheu, o importante é sentir-se mais próximo<br />

ao personagem favorito.<br />

Sempre fui de Harry Potter [...] Por ser o personagem principal, mas não<br />

é só esse o motivo. Mas pelo fato dele não ser perfeito, tem defeitos<br />

e qualidades, o que o torna tão humano quanto qualquer um de nós.<br />

(Antonio, 20 anos)<br />

É um pouco elitista, mas é uma sensação gostosa estar usando as roupas<br />

de um mundo ‘fechado’, onde quem não conhece não entende o que<br />

acontece. Eu não tenho o corpo bonito como o de muitas cosplayers,<br />

mas o uniforme de Hogwarts carrega tantos significados, tem um peso<br />

muito grande e é uma satisfação imensa poder me associar com esse<br />

mundo, mesmo que seja de uma forma breve. (Emília, 22 anos)<br />

Utilizar o cosplay de Harry Potter é sentir-se incluído no mundo mágico em que ele está inserido:<br />

é tornar tudo aquilo real por um momento. Nos dias das estreias, todos os fãs compartilham este<br />

momento, encenando partes dos livros, conversando ou tirando fotos uns dos outros. Por mais<br />

diferentes, todos tem o mesmo objetivo vestindo-se com ali com aquelas fantasias: são todos fãs,<br />

que anseiam que a magia seja real.<br />

O grande lance não é a fantasia em si ou a ideia de incorporar o<br />

personagem (como alguns falam ser legal), pessoalmente gosto da<br />

ideia de contribuir para a mágica do local... Quando todos no recinto<br />

estão de cosplay a sensação é como se você estivesse em Hogwarts –<br />

principalmente se o evento que você estiver for a um local histórico,<br />

como nos que fui/organizei, onde o chão e as paredes pareciam de<br />

castelo. (David, 19 anos)<br />

Poucos fãs afirmam utilizar partes do cosplay ou seguir a estética londrina proposta pelos livros<br />

e filmes na vida real. A divergência entre o clima do Reino Unido e do Brasil é um fator decisivo,<br />

entretanto, alguns elementos ainda são utilizados em ocasiões especiais. Alguns entrevistados<br />

do sexo masculino afirmam sempre utilizar as gravatas das Casas de Hogwarts com ternos em<br />

ocasiões como casamentos.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

Figura 18: Gravata das Casas de Hogwarts<br />

Fonte: http://www.costumecraze.com<br />

Também há a procura por peças que se remetam, de alguma forma, à série. Dois entrevistados<br />

afirmaram terem adquirido moletons por terem as mesmas cores da casa da Grifinória (vermelho<br />

escuro e dourado). Outra peça utilizada com frequência é o cachecol, também com a variação de<br />

cores dependendo da casa de Hogwarts.<br />

O estilo a ser copiado deixa de ser o proposto pelos figurinistas do filme, e sim o dos próprios<br />

atores. Ambos estão incluídos na mesma faixa etária, e cresceram conforme o decorrer dos filmes,<br />

juntos. O estilo dos atores Daniel Radcliffe e Rupert Grint e da atriz Emma Watson passou a<br />

ser constantemente observado, e também copiado. A grande quantidade de fotos de paparazzi<br />

postadas na internet dos atores em sua vida real, utilizando suas roupas normais, auxilia os fãs<br />

nessa observação.<br />

Dos entrevistados, 65% afirmou acompanhar efetivamente o que os atores estão usando no<br />

momento. Desses entrevistados, quase metade afirma se sentir influenciado de alguma forma, e<br />

procura vestir-se de forma parecida aos atores.<br />

Sim, a Emma é perfeita! Sabe usar a peça de roupa ideal para cada<br />

ocasião, além de ser maravilhosa. (Ana, 13 anos)<br />

Eu acho muito estiloso como o Dan e o Rupert se vestem, e tento seguilos<br />

de alguma forma. (Vinícius, 20 anos)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

Sim, a Emma Watson é linda e se veste muito bem atualmente! Além<br />

dela, eu acompanho mais ou menos a Evanna Lynch, que é a Luna<br />

Lovegood. Mas quem influencia mesmo é a Emma por ter se tornado um<br />

ícone (e não só para mim). (Alicia, 19 anos)<br />

Sim, acompanho. De certa forma, talvez por eles terem a minha mesma<br />

idade, e ser meus atores preferidos, às vezes acabo comprando algo<br />

porque sei que vi algum deles usando. (Marcos, 23 anos)<br />

O cosplay, então, apesar de forma de expressão de estilo próprio nos eventos, não reproduz o<br />

estilo dos fãs na vida real. A admiração que sentem pela série fez com que tudo que nela estivesse<br />

incluído também tivesse o seu valor, e a vida fora das telas dos seus personagens preferidos também<br />

se tornou alvo de admiração. Os atores Dan, Rupert e Emma deixaram de ser apenas intérpretes<br />

de Harry, Rony e Hermione, para tornarem-se ícones para a juventude que os acompanha.<br />

Conclusão<br />

A indústria cinematográfica sempre foi de muita influência para a indústria da moda, e vice-versa.<br />

Através da retrospectiva histórica, tornou-se claro como a criação de ícones de estilo através<br />

de filmes marcantes foi importante para o desenvolvimento da moda na juventude, e também<br />

em determinados períodos da sociedade. Desde os primeiros grandes sucessos Hollywoodianos,<br />

a indústria do cinema passou a exercer influência sobre a moda jovem – e a permuta entre<br />

elementos estéticos que se tangenciavam das telonas para as passarelas das grandes capitais da<br />

<strong>Moda</strong> ficou cada vez mais explícita com o passar das décadas. Desde o início da parceria destes dois<br />

grandes sistemas, ‘moda x cinema’, os estilistas obtiveram grande influência no comportamento<br />

da sociedade, graças ao acúmulo de funções de costureiros e figurinistas.<br />

Percebe-se que esta evolução continua influenciando as transformações dos códigos de<br />

comportamento que extrapolam as normas de realidade e ficção, antes delimitadas e restritas<br />

as condições de uso do vestuário em sociedade. Surge então o elemento cosplay que nada mais é<br />

que o personagem que ‘foge da tela’ e passa a coexistir no espaço real. Atualmente, entretanto,<br />

mais do que o desenvolvimento de um filme especial para marcar uma geração, a Indústria passa<br />

a focar-se na idealização da imagem dos atores como exemplos de estilo. Além dos figurinos da<br />

produção cinematográfica, que tendem a influenciar os hábitos e costumes, hoje se fabrica uma<br />

celebridade para ditar comportamento e moda que extrapola as fronteiras das grandes telas<br />

para ditar moda na vida real. Os antigos fãs passaram a ser seguidores fiéis destas celebridades e<br />

tendem a imitá-las em tudo, não apenas o personagem que por ele é interpretado. De forma que:<br />

a vida real dos atores passa a ser um ícone para a juventude, e seu modo de vestir torna-se algo<br />

a ser desejado, e, enfim, consumido.<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

Notas<br />

[1] Disponivel em: http://www.mnemocine.com.br. Data de acesso: 23 de maio de 2011, às 23:00.<br />

[2] Disponível em: http://www.costuming.org/history.html. Última visualização: 24 de maio de<br />

2011, às 14:00.<br />

[3] Palavra derivada da língua inglesa (Fan Kingdom – reino dos fãs, em tradução livre), que se<br />

refere a um determinado conjunto de fãs de uma série de livros, de filmes ou de algum fenômeno<br />

em particular.<br />

[4] Disponível em: Última visualização: 3 de junho de 2011.<br />

[5] Todos os nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados.<br />

Referencias<br />

ANELLI, Melissa. Harry e Seus Fãs. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2011.<br />

BESSA, Ricardo. História, cinema e moda. Fortaleza: Banco do Nordeste, 2008.<br />

CHIZZOTTI, A. Pesquisa Qualitativa em Ciências Humanas e Sociais. Petrópolis: Editora Vozes,<br />

2006.<br />

CONCEIÇÃO, Daniela Águas Campos. O Figurino na Ficção Cinematográfica - Adrian e Colleen<br />

Atwood: design de figurinos no cinema de fantasia. Lisboa: <strong>Universidade</strong> Técnica de Lisboa,<br />

2010.<br />

DE CARLI, Ana Mery Sehbe. O Corpo no Cinema: variações do feminino. São Paulo: Pontifícia<br />

<strong>Universidade</strong> Católica de São Paulo – PUC – SP, 2007.<br />

GOLDENBERG, Miriam. A arte de pesquisar – como fazer pesquisa qualitativa em Ciências<br />

Sociais. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.<br />

LAVER, James. A roupa e a moda. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.<br />

LEITE, Adriana. Figurino – Uma Experiência na Televisão. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002.<br />

MIUCCI, Carla. História do Cinema – Um breve olhar. Disponível em: Acesso em: 30 de maio de 2011.<br />

PEREIRA, Flávia Lago de Jesus. Cinema à moda brasileira: Ganga Bruta e a questão da identidade<br />

nacional. Publicação no O Olho da História, n. 14, Salvador (BA), junho de 2010.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

APÊNDICE – QUESTIONÁRIO COSPLAY<br />

1. Nome:<br />

2. Email:<br />

3. Idade:<br />

4. Sexo:<br />

5. Profissão (caso seja estudante, diga a sua série/curso):<br />

6. Há quanto tempo você é leitor de Harry Potter?<br />

7. Há quanto tempo você se fantasia de algum personagem do Harry Potter?<br />

8. Como você adquiriu esta fantasia?<br />

9. Em que momentos você utiliza esta fantasia? Você frequenta eventos de Harry Potter com<br />

outros fãs?<br />

10. Você tem algum personagem em mente quando produz/adquire a sua fantasia? Quem?<br />

11. Qual a relação que você sente com o personagem que você se fantasia? Há alguma preferência,<br />

ou você procura variar?<br />

12. O que você sente quando está caracterizado de personagem de Harry Potter?<br />

13. Você possui alguma informação de moda?<br />

a. Não me interesso por moda e nem me preocupo com a forma que me visto<br />

b. Tenho um estilo próprio, independente da moda<br />

c. Me interesso por moda, mas só visto o que me agrada<br />

d. Me interesso por moda e procuro segui-la<br />

14. Você incorpora elementos da indumentária Harry Potter no seu dia-a-dia?<br />

15. Você acompanha o que os atores (Dan Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson ou outro da série)<br />

estão usando? Você se sente influenciado de alguma forma por eles?<br />

16. Você se fantasia/já se fantasiou de outros personagens de filmes/livros/animes, sem ser da<br />

saga Harry Potter?<br />

17. Qual a sua expectativa com o lançamento da parte 2 do último filme? Você irá fantasiado para<br />

a estreia?<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de<br />

Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

Nélio Pinheiro; Mestrando em <strong>Design</strong>: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru nelio@utfpr.edu.br<br />

Franciele Menegucci; Mestranda em <strong>Design</strong>: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru franciele_<br />

menegucci@yahoo.com.br<br />

Aniceh F. Neves; Doutora: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru aniceh@faac.unesp.br<br />

Abílio G. Santos Filho; Doutor: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru abilio@feb.unesp.br<br />

Marizilda M. Santos; Doutora: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru marizilda.menezes@gmail.com<br />

Luis Carlos Paschoarelli; Livre Docente: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru<br />

paschoarelli@faac.unesp.br<br />

Resumo<br />

Este artigo apresenta uma breve revisão bibliográfica sobre a comunicação visual<br />

e a linguagem no design de moda e uma reflexão sobre a utilização da moda como<br />

instrumento de comunicação em manifestações políticas e sociais. Para isto, são<br />

analisados dois exemplos de contribuições femininas no campo do design de moda:<br />

a trajetória e produção de Zuzu Angel, com a primeira coleção de moda política e<br />

a grife Daspu, uma etiqueta alternativa que usa a moda para propagar a legalização<br />

dos direitos das prostitutas.<br />

Palavras-chave:<br />

comunicação visual; design e moda<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

Introdução<br />

Inúmeros lugares pelos quais passamos nos oferecem estímulos por meio das imagens, das cores,<br />

das formas, das texturas, dos cheiros, dos sons ou sabores. Para comunicar não é essencial<br />

obedecer às regras da linguagem formal. No cotidiano são expostos fachadas, outdoors, vitrines,<br />

sinalizações, cartazes e intervenções urbanas com o objetivo interagir e comunicar-se com o<br />

observador e o mesmo ocorre com as roupas.<br />

Ao selecionar um conjunto de peças para vestir o indivíduo, consciente ou não, os indivíduos<br />

fazem escolhas sobre como querem ser observados e qual imagem quer transmitir: seriedade,<br />

descontração, comprometimento, indignação, entre outras. A expressão ocorre por meio dos<br />

trajes vestidos, o que caracteriza uma linguagem que possui códigos próprios.<br />

O presente estudo propôs elaborar uma revisão bibliográfica sobre comunicação visual, linguagem<br />

e significado no design de moda, com o objetivo de compreender como ocorre a expressão de<br />

conteúdo por meio das roupas. Para isto, foi desenvolvida uma reflexão sobre a utilização da<br />

moda como forma de manifestação política e social, a partir de dois exemplos de contribuições<br />

femininas no campo do design: o trabalho de Zuzu Angel que, na década de 1970 desenvolveu<br />

a primeira coleção de moda política que se tem notícias, particularmente com a finalidade de<br />

denunciar o desaparecimento e morte de seu filho e “contar” para o mundo o que acontecia no<br />

Brasil durante o regime militar; e o trabalho da grife Daspu, idealizada por prostitutas junto a<br />

ONG Davida que luta pela legalização das profissionais do sexo no país e no combate a AIDS, a qual<br />

utiliza-se da moda como um meio de inserção social do grupo para promoção e valorização.<br />

A comunicação visual e as roupas<br />

A linguagem utilizada no design de moda é constituída por cores, formas, tecidos, texturas,<br />

acessórios, imagens (até mesmo as tipográficas) e o corpo, que como suporte, atua no processo<br />

de comunicação. Trata-se de uma linguagem não verbalizada, uma forma de comunicação visual.<br />

O design de moda se constitui em uma linguagem onde as imagens tem um papel fundamental e,<br />

para compreender como ocorre este processo, torna-se necessário definir alguns conceitos acerca<br />

da comunicação visual.<br />

Conforme expõe Domiciniano (2008), a comunicação pela imagem é própria do homem que, antes<br />

de desenvolver uma linguagem verbal codificada, já entendia seu mundo pelas mensagens que<br />

este lhe transmitia, através de seus sentidos. A linguagem visual “fala” por meio de mensagens<br />

diversas, nas quais os elementos se relacionam: cores, imagens, formas (as formas da própria<br />

tipografia no caso da presença de informação verbal), aspecto gráfico (diagramação), tons,<br />

proporção e texturas (BONNICI, 2000).<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

Munari (1997) indica, de forma simples, que a comunicação visual é:<br />

“Praticamente tudo o que vê nossos olhos: uma nuvem, uma flor, um<br />

desenho técnico, um sapato, um cartaz, uma libélula, um telegrama<br />

(excluindo seu conteúdo), uma bandeira. Imagens que, como todas<br />

as outras, têm um valor diferente segundo o contexto em que estão<br />

inseridas, dando informações diferentes (MUNARI, 1997, p.65).<br />

Esta definição sugere que o significado é mutável em virtude do contexto. Na linguagem utilizada<br />

no design de moda a interpretação do significado depende do comportamento do usuário e<br />

receptores, do lugar, da temporalidade e do corpo.<br />

A semiótica, ciência que estuda os signos e representações, traz algumas definições sobre linguagens.<br />

Camargo (1997) cita que no campo dos estudos semiológicos, as linguagens podem se constituir em<br />

diversos sistemas de signos: verbais, visuais, sonoros, táteis e outros que podem ser percebidos<br />

e interpretados. Também é a base de qualquer sistema de comunicação o estabelecimento, ou<br />

identificação de elementos capazes de serem interpretados entre os indivíduos, formulando um<br />

repertório comum entre eles.<br />

No entanto, as linguagens não verbais dependem do desenvolvimento de sistemas próprios ou de<br />

análises correlacionadas entre o verbal e o não verbal, possibilitando traduzi-las, interpretá-las ou<br />

mesmo decodificá-las. Como toda a linguagem falada e escrita, o idioma da moda está sempre em<br />

mutação, novas formas de comunicação, idéias e estilos surgem em todas as estações e também<br />

são relidos e revividos, geralmente com uma significação diferente.<br />

Segundo Lurie (1997) o vocabulário das roupas inclui não apenas peças de roupas, mas também<br />

estilos de cabelos, acessórios, jóias, maquiagem e decoração do corpo. Teoricamente, pelo menos,<br />

esse vocabulário é tão ou mais vasto do que o de qualquer língua falada, visto que inclui cada<br />

peça, estilo de cabelo e tipo de decoração do corpo já inventado.<br />

A moda, com suas várias possibilidades, também é um grande sinalizador dos papéis sociais<br />

exercidos e indica possíveis comportamentos. Neste sentido, Jones (2005) afirma que tanto nas<br />

sociedades mais primitivas como nas mais sofisticadas, as roupas e ornamentos emitem informações<br />

sociais e pessoais. A autora cita alguns itens do vestuário ocidental do século XX usados para<br />

transmitir mensagens como: gravatas e ternos (masculinidade), saias, decotes e cintura definida<br />

(feminilidade), roupas rasgadas, cores escuras, tatuagens e piercings (rebeldia).<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

A linguagem e significado: na moda e no design<br />

A roupa é vista antes como signo portador de mensagens que “informam” tanto do indivíduo que<br />

a veste quanto da sociedade que a produz.<br />

A moda, a de vestir, é antes de tudo um sistema de sinais significantes,<br />

uma linguagem: a maneira mais cômoda, mas também a mais importante<br />

e mais direta que o indivíduo possa usar para se exprimir, para além da<br />

palavra. Poderemos dizer que esta é mesmo a mais rica, porque nela<br />

se combinam comportamentos mentais e componentes psicológicos<br />

com um controle menor do que aplicamos às palavras. (LOMAZZI, apud<br />

CAMARGO, 2009, p.27).<br />

Os seres humanos se comunicam pela linguagem das roupas. Antes de um encontro que exija<br />

a fala, as pessoas já são capazes de fazer leituras umas das outras. Nesta observação, não são<br />

colocadas palavras, mas informações que se registram no inconsciente.<br />

No fenômeno moda, percebe-se que alterações sociais podem causar mudanças no modo de vestir,<br />

assim como o inverso pode, também, ser verdadeiro. Por mais que a moda seja banalizada no<br />

cotidiano, trata-se de uma manifestação cultural e social.<br />

A moda se configura, cada vez mais como uma área específica no campo do design que utiliza os<br />

conhecimentos já desenvolvidos por outras áreas como a do desenvolvimento de produtos, gráfico,<br />

entre outros. Assim, é importante para os designers de moda compreender como as questões de<br />

comunicação e significação são tratadas pelos preceitos e definições do design.<br />

O produto transporta expressões das instâncias de elaboração e de produção, cultura e tecnologia.<br />

Quando entra em circulação, também passa a ser elemento de comunicação, caracterizando-se<br />

como suporte de mensagens dos usuários para si próprio e para os outros. A partir desse sentido<br />

o produto do design é tratado como portador de representações e significados de um processo de<br />

comunicação (NIEMEYER, 2003).<br />

Deve-se compreender que o design e a moda não são portadores passivos de uma linguagem visual<br />

autônoma, mas uma linguagem em si que obedece à leis conectáveis da linguagem verbal. O<br />

julgamento e entendimento de determinado design está condicionado ao conhecimento e cultura<br />

do observador.<br />

Em busca de uma definição de design que inclua a questão do significado nos produtos podemos<br />

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citar Moraes (1999, p.170) quando menciona que o design é uma tecnologia projetual que “objetiva<br />

o desenvolvimento de produtos, com uma configuração definida, para produção em pequena ou<br />

grande série, considerando questões de uso, significação, desempenho, funcionamento, custo,<br />

produção, comercialização, mercado, qualidade formal e estética, impacto urbano e ecológico”.<br />

A natureza da práxis do design se pauta “na maneira em que os processos de design incidem sobre<br />

os seus produtos, investindo-os de significados alheios à sua natureza intrínseca” (DENIS, 1998,<br />

p.17).<br />

Couto e Oliveira (1999, p.9) afirmam que “o design deve ser entendido não apenas como uma<br />

atividade de dar formas aos objetos, mas como um tecido que enreda o designer, o usuário, o<br />

desejo, a forma, o modo de ser e estar no mundo de cada um de nós”.<br />

Nas chamadas “roupas-panfleto” (CAMARGO, 2009) cujo objetivo principal é o ato de comunicar,<br />

cabe ao designer projetar de que forma ocorrerá a interface entre vestuário, usuário e observador,<br />

considerando previamente cultura, temporalidade e local em que ocorrerá esta interação e os<br />

meios que utilizará, os quais podem ser palavras, imagens, tecidos, formas, acessórios, publicidade,<br />

entre outros.<br />

Com esta breve revisão teórica sobre a comunicação visual e as linguagens no design e moda é<br />

possível realizar uma reflexão sobre como e quando a moda deixa de ser apenas a “objeto que<br />

veste o corpo” para ser um canal de comunicação empregada como forma de protesto político<br />

e social. Passa a ser moda-panfleto, por intencionar propagar, difundir, alastrar, fazer saber e<br />

comover.<br />

Na história da moda brasileira chamam a atenção os trabalhos de Zuzu Angel, designer de moda,<br />

criadora da primeira coleção caracterizada como moda política no mundo e a grife Daspu,<br />

expressiva por expor a prostituição em camisetas e coleções como uma forma de falar e valorizar<br />

a atividade. Estes exemplos ilustram como o design de moda pode ser usado para expressar<br />

conteúdo por meio da linguagem visual, no momento em que a moda e seus componentes: cores,<br />

tecidos, aviamentos, modelagens, estampas e performances assumem a função comunicadora,<br />

suprimindo as funções materiais e objetivas do vestuário.<br />

Zuzu Angel: a trajetória e a moda política<br />

A história profissional da estilista brasileira Zuzu Angel, em certo momento, mistura-se às tragédias<br />

de sua vida pessoal e este fato possibilitou que ela desenvolvesse a primeira coleção de moda<br />

política que se tem notícia. Zuleika de Souza Netto nasceu em 1921 no interior de Minas Gerais. Em<br />

1943, casou-se com Norman Angel Jones, um americano que veio ao Brasil a serviço do governo.<br />

Após o casamento foi morar em Salvador e em 1946 nasceu Stuart, seu primeiro filho, já 1947,<br />

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morando no Rio de Janeiro, nasceram Ana Cristina e Hildegard Beatriz.<br />

O início da carreira foi em 1957, já como Zuzu Angel, e mesmo separada, em 1960, nunca deixou<br />

de usar o sobrenome Angel do marido, que se tornou a referência de sua marca sempre associada<br />

ao desenho do anjo.<br />

Zuzu passou a vestir as “elegantes” no Brasil. Em 1968, o general Costa e Silva assumiu a<br />

presidência, e Zuzu Angel, que vestira a primeira-dama Sarah Kubitschek, passou a vestir a então<br />

primeira-dama Yolanda Costa e Silva. Esta aproximação era vista como uma espécie de segurança<br />

para o filho Stuart que já estava na militância contra o regime da ditadura militar. No entanto<br />

esse relacionamento não evitou a prisão de Stuart, sobretudo porque quando esta ocorreu, Costa<br />

e Silva não era mais o presidente (ANDRADE, 2009).<br />

Em 1970 ela preparava a primeira coleção a ser lançada em Nova Iorque, muitas reportagens no<br />

Brasil comentaram o evento. A coleção foi chamada de International Dateline Collection I e era<br />

dividida em três partes: um grupo inspirado em baianas, o outro no casal Lampião e Maria Bonita<br />

e o terceiro nas rendeiras. Em 1971 ela já lançava a International Dateline Collection II e montava<br />

um escritório para cuidar dos negócios nos Estados Unidos.<br />

Andrade (2009) destaca que, quando Zuzu começou a fazer sucesso nos Estados Unidos, as<br />

publicações brasileiras passaram a empregar o termo design, usado apenas em relação ao design<br />

gráfico ou de produto, para se referir à sua atividade. O projeto de criação e desenvolvimento de<br />

artigos de moda era visto como algo à parte do campo. Em uma matéria no Curvelo de Noticias<br />

de 1971 (apud ANDRADE, 2009) quando perguntada sobre sua atividade ela respondeu “sou uma<br />

designer”. Nesta época a identidade visual de sua marca era muito bem projetada e presente<br />

nos produtos e itens de exposição da marca. A marca de Zuzu Angel se consolidou com uma<br />

linguagem gráfica integrada e um estilo identificável. Uma matéria americana observou que Zuzu<br />

Angel era provavelmente a única designer de moda no Brasil que entendia a importância da mídia<br />

(ANDRADE, 2009).<br />

Em entrevista ao New York Times, em 15/11/1970, Zuzu teria dito: “No meu país, eles acham que<br />

a moda é frivolidade, futilidade. Eu tento lhes dizer que moda é comunicação, além de garantir<br />

emprego para muita gente” (MORRIS, 1970).<br />

Esta compreensão originou a primeira coleção de moda política em 1971, ano da tortura e morte<br />

de seu filho Stuart, tratava-se da International Dateline Collection III – Holiday and Resort. Este<br />

desfile (Figura 1ab) é considerado um marco na trajetória profissional de Zuzu Angel, pois foi<br />

quando ela lançou a moda de protesto. Nesse dia, Zuzu vestiu pela primeira vez a indumentária<br />

que simbolizava seu luto pelo filho: um vestido preto longo, com um dramático véu, um cinto<br />

decorado com 100 pequenos crucifixos e no pescoço um pingente de um anjo branco em porcelana<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

(ANDRADE, 2009). Com o mesmo propósito muitos vestidos apresentados, mesmo os mais alegres<br />

e coloridos, tinham uma faixa preta amarada no braço.<br />

a<br />

b<br />

Figura 1a: Zuzu com o traje de luto<br />

Figura 1b: faixa preta no braço dos vestidos<br />

Fonte: (ANDRADE, 2009)<br />

Esta coleção não foi completamente voltada ao protesto. As duas primeiras partes traziam roupas<br />

descontraídas e roupas de festa, por último vieram as roupas de protesto. Os produtos de protesto<br />

eram vestidos brancos com modelagem ampla que lembram túnicas e bordados com desenhos<br />

singelos e infantis como anjos, crianças, soldados, pássaros, auréolas, pombas e gaiolas (Figura 2).<br />

Figura 2: Produtos da coleção de moda política.<br />

Fonte: (ANDRADE, 2009)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

Nos EUA, muitos jornais relataram o conteúdo político do desfile chamando a atenção para<br />

o sofrimento de Zuzu Angel. Porém, no Brasil, a censura imposta aos meios de comunicação<br />

brasileiros obrigava a imprensa a ignorar ou modificar o significado da mensagem que ela desejava<br />

transmitir com essa coleção que chamou de “a primeira coleção de moda política do mundo.”<br />

(THE MONTREAL STAR, apud ANDRADE, 2009).<br />

Em janeiro de 1972, foi lançada a International Dateline Collection IV – The Helpless Angel (O<br />

anjo desamparado). Nessa coleção, ela utilizou muitos tecidos de padronagem xadrez e ainda os<br />

bordados de anjos e outros desenhos da “moda política”.<br />

Nestas imagens (Figura 3) a estilista faz uso do estilo infantil nas ilustrações para amenizar a<br />

“feiúra” dos crimes militares. O filho morto é o “anjo-criança” ameaçado por canhões, celas,<br />

tanques de guerra e quepes militares. Para transmitir a mensagem de protesto ela não abre mão<br />

da identidade de sua marca: anjos, cores e leveza.<br />

Figura 3: imagens bordadas exibidas na coleção moda política<br />

Fonte: (ANDRADE, 2009)<br />

É interessante observar que a produção de Zuzu Angel dividi-se em dois momentos principais. O<br />

primeiro é o da estilista em conformidade com as regras sociais estabelecidas que veste a elite<br />

brasileira. Num segundo momento, após o desaparecimento do filho Stuart, Zuzu passa a usar a<br />

capacidade comunicadora da moda para driblar a censura e denunciar a violência e morte do filho<br />

reivindicando o direito de velar seu corpo.<br />

Zuzu Angel, sempre teve consciência crítica da função comunicadora da moda, antes de “gritar” o<br />

desaparecimento do filho ela já “articulava” com suas coleções por meio da seleção de materiais<br />

e temas. Sempre optou por tecidos de indústrias brasileiras como a fábrica Dona Isabel (tecidos)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

e assim manteve-se até o final e em todas as coleções inseriu elementos culturais brasileiros e<br />

técnicas artesanais locais, também prezava pela imagem da mulher e a valorização do trabalho<br />

artesanal feminino.<br />

Daspu: o surgimento e a roupa-panfleto<br />

Em 1992 a prostituta, hoje aposentada, Gabriela da Silva Leite criou a ONG “Davida” que coordena<br />

a Rede Brasileira de Prostitutas que promove encontros regionais e nacionais, assessorando a<br />

formação de associações locais e articulando políticas públicas na área da saúde (DST e HIV/Aids)<br />

e da cultura. A “Davida” entrou no universo da moda em novembro de 2005, lançando a grife<br />

Daspu, que nasceu polêmica ao desafiar ou ironizar a Daslu, maior loja de artigo de luxo do país.<br />

Desta forma, entrou no rol das etiquetas alternativas cariocas incorporadas em projetos sociais.<br />

A grande visibilidade dada pela mídia, em virtude do nome escolhido, fez com que aquilo que<br />

era só uma boa idéia virasse realidade da noite para o dia, pois as equipes de televisão, assim<br />

que souberam da idéia, queriam ver e mostrar os produtos que ainda não existiam, então as<br />

prostitutas militantes da ONG foram chamadas para dar idéias de modelos.<br />

O primeiro desfile foi produzido semanas depois nos Arcos da Lapa. Nesta ocasião foram<br />

desenvolvidas as primeiras camisetas que traziam o nome da marca com frases polêmicas e<br />

intrigantes. As camisetas foram a primeira imagem da Daspu que quase não conseguiu dar conta<br />

dos pedidos, todos queriam fazer parte do movimento.<br />

Tamanha visibilidade fez com que a Daslu recorresse à justiça pedindo a mudança do nome com<br />

a justificativa de estarem denegrindo sua imagem. Conforme cita LENS (2008), em entrevista ao<br />

Fantástico, Gabriela afirmou que a palavra ‘das’ pertencia a língua portuguesa, já o ‘pu’ pertencia<br />

a atividade.<br />

Esta frase indica a apropriação e valorização da palavra “puta” e demonstra que o movimento, ao<br />

contrário do que se vê em manifestações de grupo marginalizados, não anseia passar a mensagem<br />

de sofrimento, mas valorizar a categoria.<br />

As camisetas são o carro-chefe da Daspu, até pela própria configuração desta peça que há mais<br />

de 60 anos deixou de ser apenas uma vestimenta “de usar por baixo” para se tornar um meio de<br />

comunicação, uma “roupa-panfleto” (CAMARGO, 2009). A tomada de consciência da camiseta como<br />

mídia surge na década de 1960 (BARREIRA, 1988), os movimentos pacifistas das últimas décadas<br />

foram uns dos principais responsáveis pela instituição da camiseta como mídia, tal tendência se<br />

acentuou e as novas gerações passaram cada vez mais a divulgar seus pontos de vista por meio do<br />

novo veículo.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

Na grife Daspu, as palavras, frases e imagens expostas nas camisetas e nos nomes das próprias<br />

coleções fazem parte do universo das prostitutas, gritam silenciosamente este universo para<br />

o mundo. As frases mais empregadas são: “Somos más, podemos ser piores” (a camiseta mais<br />

vendida), “I Love PU”, “PU Davida”, “Daspu moda para mudar”, “Meu botão é mais embaixo”,<br />

“Somos mais de uma”, “Mulheres boas vão para o céu, mulheres más vão para qualquer lugar” e<br />

“As mulheres perdidas são as mais procuradas”.<br />

Figura 4: Imagens das camisetas comercializadas<br />

Fonte: (KALIL, 2010)<br />

Tudo o que é produzido pela Daspu tem inspiração na prostituição: formas, palavras, peças de<br />

roupa e performances de passarela. As primeiras coleções foram: Coleção Ativismo, Coleção Na<br />

pista, Coleção Puta <strong>Arte</strong> (Outono-Inverno 2007). A penúltima denominada As Cruzadas: entre o<br />

Botão e a Espada (Verão 2009) traz imagens como coroas, espadas e botões, representa o “reino”<br />

das meninas da Daspu e faz referência a “batalha” da atividade (Figuras 5a e 5b).<br />

a<br />

b<br />

Figuras 5a e 5b: Imagens de desfile da coleção As Cruzadas: Entre o botão e a espada<br />

Fonte: (VIEIRA, 2010; ZIEMKIEWICZ, 2010)<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

A coleção mais recente é a Da Farofa ao Caviar (Verão 2010) (figuras 6a, 6b, 6c), a estilista<br />

responsável, Alzira Calhau, explica a escolha do tema dizendo que a comida caracteriza o duplo<br />

sentido entre o prazer e o comer. A coleção ainda se refere aos variados tipos de clientes que<br />

procuram as prostitutas, dos botequins às mesas mais requintadas (G1, 2010). À partir desta idéia<br />

surgiram as estampas de camisetas e vestidos em malha com frases irônicas e bem-humoradas<br />

como “pintiscos, porção de putas, Daspu à la carte, caipiranha e puta libre”, entre outras. As<br />

últimas coleções são as mais estruturadas talvez, porque, já contam com uma equipe de designers<br />

e parcerias com escolas de moda do país para que os alunos auxiliem no desenvolvimento dos<br />

produtos.<br />

a b c<br />

Figuras 6a, 6b, 6c: Fotos de divulgação da coleção Da Farofa ao Caviar<br />

Fonte: (CALHAU, 2010)<br />

Ao analisar as coleções da Daspu, percebe-se que os produtos possuem muito conteúdo conceitual,<br />

são quase figurinos da “batalha” (denominação dada à atividade), e as cintas ligas, calcinhas, botas,<br />

mini-saias, decotes e meias arrastão são itens sempre presentes nas coleções. Já as camisetas são<br />

o principal difusor de mensagens com a função de dar o grito “silencioso”. Neste caso, é o link<br />

ou o elo de comunicação de um grupo marginalizado e escondido com a sociedade e cumpre seu<br />

papel de divulgação. A grife conseguiu delimitar sua identidade visual e a imprime nos produtos,<br />

apesar de ainda faltar organização formal do ponto de vista projetual. Hoje as peças das coleções<br />

são vendidas na sede da ONG Davida e em uma loja virtual denominada Putique.<br />

Discussão e Considerações finais<br />

A comunicação por meio de imagens está presente em todos os ambientes e situações de vivência<br />

humana. Nas grandes cidades, a todo o momento, somos acionados por sinalizações urbanas,<br />

outdoors, capas de revistas, panfletos, fachadas, monumentos que nos trazem mensagens sobre<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

produtos, pessoas e idéias. E com o vestuário, isto não é diferente. Em todos os lugares, uma<br />

primeira leitura da roupa leva o observador a imaginar quem é, de onde veio, o que pensa, quais<br />

ideais compartilha ou não, com aquele que porta o vestuário observado. Quando nos vestimos,<br />

diariamente e para qualquer situação cotidiana, fazemos uma opção, conscientemente ou não, a<br />

qual expressa um conteúdo por meio do vestuário.<br />

É interessante observar que ambos os casos analisados, tanto o de Zuzu Angel como o da Daspu,<br />

tratam-se de manifestações que também evidenciam a questão do gênero, pois são mulheres que,<br />

utilizando o design e a moda como ferramentas, conseguem propagar mensagens, idéias e ideais.<br />

Um gênero que, muitas vezes ao longo da história, não teve o direito a manifestações políticas,<br />

sociais, sexuais ou artísticas, conseguem comunicar, por meio de um mesmo canal, mensagens<br />

sobre grupos marginalizados.<br />

Não foi pretensão deste artigo mensurar até que ponto a metodologia projetual de design é<br />

empregada no desenvolvimento dos produtos apresentados. A proposta foi refletir sobre os<br />

exemplos citados para compreender como a linguagem não verbalizada ou, ainda, a união de<br />

imagens e palavras, podem ser utilizados no design de moda para expressar conteúdo e expressálo<br />

de forma contundente.<br />

A manifestação da Daspu foi tão expressiva que passou a influenciar outros grupos marginalizados,<br />

como é o caso da Daspre, abreviação de “Das presas”, projeto iniciado em 2008 que consiste<br />

em oficinas de costura e artesanato onde detentas têm a possibilidade de aprender ofícios como<br />

costura, bordado e criação de produtos (bolsas, ecobags, roupas exclusivas e acessórios). Há ainda<br />

a Dasdoida, projeto de moda experimental do Centro de Atenção Psicossocial Itapeva em São<br />

Paulo, onde produtos singulares são criados e executados por portadores de transtorno mental<br />

severo e persistente - que inclui esquizofrênicos, bipolares e psicóticos. É muito interessante<br />

observar como grupos excluídos e marginalizados passam a inserir-se de forma positiva no campo<br />

da moda e do consumo.<br />

Tais exemplos, Zuzu Angel com moda política e Daspu com moda protesto, baseada no bom humor<br />

e irreverência, demonstram que a moda pode ser analisada como um meio de inserção social, pois<br />

o sistema da moda gera nos indivíduos observadores a identificação e o desejo de pertencimento,<br />

de fazer parte do novo que surge e se recria.<br />

Ao designer de moda cabe refletir sobre as possibilidades da moda como canal de comunicação,<br />

considerando que este atributo deve ser explorado com responsabilidade e ética. Ao projetar a<br />

forma como transmitirá o conteúdo, este profissional precisa estar consciente de suas consequências<br />

na sociedade. Obviamente, a inserção no campo da moda não consegue eliminar todas as formas<br />

de preconceitos e exclusões enraizadas na sociedade, mas é inegável que representa um caminho<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

para a divulgação de mensagens saudáveis e positivas, uma forma eficaz e criativa de chamar a<br />

atenção para causas importantes que precisam ser expostas e discutidas.<br />

Referências<br />

ANDRADE, Priscila. A marca do anjo: a trajetória de Zuzu Angel e o desenvolvimento da<br />

identidade visual de sua grife. Iara: Revista de <strong>Moda</strong>, Cultura e <strong>Arte</strong>, São Paulo, v. 2, n. 2, p.85-<br />

119, 01 out. 2009. Trimestral. Dossiê temático. Disponível em: . Acesso em: 02 jul. 2010.<br />

ARCOS, <strong>Design</strong>, cultura material e visualidade. Programa de Pesquisa e Pós-graduação em <strong>Design</strong><br />

Escola Superior de Desenho Industrial. Rio de Janeiro, Vol. 1, número único, 14-39, outubro de<br />

1998.<br />

BARREIRA, R. A História da camiseta. Rio de Janeiro: [s.n.], 1988.<br />

BONNICI, Peter. Linguagem Visual. O misterioso meio de comunicação. Lisboa: Destartes Edições,<br />

2000.<br />

CAMARGO, Issac A., Reflexões sobre o pensamento fotográfico: pequena introdução ás imagens<br />

e a fotografia. Londrina: UEL. 1997.<br />

CAMARGO, Scheila Fátima Giacomazzi. A roupa-panfleto Daspu:: um canal de comunicação.<br />

Comunicação & Inovação, São Caetano do Sul, v. 10, n. 18, p.43-54, 01 jan. 2009. Semestral.<br />

Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2010.<br />

COUTO, R. M. S.; OLIVEIRA, A. J. (org.). Formas do design: por uma metodologia interdisciplinar.<br />

Rio de Janeiro: 2AB, 1999.<br />

DENIS, Rafael Cardoso. <strong>Design</strong> cultura material e o fetichismo dos objetos. Arcos volume 1 número<br />

único, 1998. Disponível em: http://www.esdi.uerj.br/arcos/imagens/artigo_rafael(14a39).pdf.<br />

Acesso em:<br />

22 set. 2011.<br />

ECO, U. O hábito fala pelo monge, in: Psicologia do Vestir. 3. ed. Lisboa: Assírio e Alvim, 1989.<br />

EMBACHER, Airton. <strong>Moda</strong> e identidade: a construção de um estilo próprio. 3ª ed. São Paulo:<br />

Editora <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2004.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

G1 (Ed.). Daspu lança coleção 2010 na Praça Tiradentes. Disponível em: .<br />

Acesso em: 09 jul. 2010.<br />

JONES, Sue Jenkin. Fashion <strong>Design</strong>: Manualdo estilista. São Paulo: Cosac Naify, 2005.<br />

LENZ, Flávio. Daspu: a moda sem vergonha. Rio de Janeiro: Ed. Aeroplano, 2008.<br />

LURIE, Alisson. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 1997.<br />

MORAES, Anamaria. <strong>Design</strong>: arte, artesanato, ciência, tecnologia? O fetichismo da mercadoria<br />

versus o usuário / trabalhador. In: COUTO, R. M. S.; OLIVEIRA, A. J. (org.). Formas do design: por<br />

uma metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro: 2AB, 1999, pp.156-191.<br />

MORRIS, Bernardine. <strong>Design</strong>s With Touch of Carmen Miranda Flair. The New York Times, Nova<br />

Iorque, p. 86. 15 nov. 1970.<br />

MUNARI, Bruno. <strong>Design</strong> e comunicação visual: contribuição para uma metodologia didática. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 1997.<br />

NIEMEYER, Lucy. Elementos de semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro: 2AB, 2003.<br />

Sites (imagens utilizadas)<br />

CALHAU, Alzira. Campanha Daspu - Da Farofa ao Caviar. Disponível em: . Acesso<br />

em: 15 jul. 2010.<br />

CHIC - GLORIA KALIL (São Paulo). Redator (Ed.). Daspu pode desfilar em São Paulo. Disponível<br />

em: . Acesso em: 09<br />

jul. 2010.<br />

VIEIRA, Cristina. Daspu apresenta nova coleção em Florianópolis. Publicado em 26/06/2008.<br />

Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2010.<br />

ZIEMKIEWICZ, Nathalia. Daspu lança coleção de verão na quadra da Vai-Vai. Disponível em:<br />

. Acesso em:<br />

15 jul. 2010.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

Sites visitados<br />

DASDOIDA. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2011.<br />

DASPRE. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2011.<br />

DASPU. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2011.<br />

INSTITUTO ZUZU ANGEL. Disponível em: . Acesso em: 15 set.<br />

2011.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

Profa. Ms. Mila Rabelo Mestre em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

milarbl@gmail.com<br />

Profa. Dra. Cristiane Mesquita PPG Mestrado em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong><br />

<strong>Morumbi</strong>. cfmesquita@anhembi.br<br />

Resumo<br />

O presente artigo busca abordar o trabalho do designer Martin Margiela, como um<br />

criador e propositor de idéias e linguagens expressivas para o campo da moda. A<br />

partir de uma analise, embasada pela crítica genética de processos de criação,<br />

proposta pela pesquisadora Cecília de Almeida Salles, procuramos apresentar uma<br />

articulação entre estratégias de criação na arte conceitual - em especial aquelas<br />

utilizadas pelo artista Marcel Duchamp – e ações do designer belga Martin Margiela.<br />

Com tal dialogo, procuramos investigar alguns aspectos dos processos de<br />

criação do designer de moda, quando este profissional atua como problematizador<br />

de questões sobre o seu próprio campo de trabalho e como propositor de reflexões<br />

sobre o contemporâneo.<br />

Palavras-chave:<br />

Criação, design de moda, arte conceitual<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

Introdução<br />

Este trabalho é parte da dissertação <strong>Design</strong> de moda e arte conceitual: princípios de criação e<br />

diálogos possíveis (2011) [1], na qual propomos um diálogo entre alguns dos princípios de criação<br />

da arte conceitual e as estratégias usadas pelo designer de moda Martin Margiela. Neste artigo<br />

entretanto, focaremos os princípios de criação da Maison Martin Margiela. Buscamos apresentar<br />

aspectos da correspondência entre arte e design de moda pelo viés do processo de criação, do<br />

exercício de diferentes linguagens, ou ainda, de procedimentos produtivos.<br />

O designer de moda Martin Margiela nasceu em 1957, na Bélgica. Estudou na Academia Real de<br />

Belas <strong>Arte</strong>s da Antuérpia, uma das mais antigas do gênero na Europa possuindo grande prestígio<br />

internacional, sendo conhecida pelo treinamento dado ao aluno, que busca estimular a inovação,<br />

tendo como objetivo incentivá-los a criar e explorar formas experimentais, combinações inéditas<br />

de cores e tratamentos originais dos materiais.<br />

Margiela considera que a contribuição dessa escola em sua formação e criatividade o levou a<br />

trabalhar durante três anos como assistente de Jean Paul Gaultier. Sua trajetória profissional<br />

também inclui a participação em grandes publicações como a revista Street e a criação do catálogo<br />

3Suisses, ao lado de renomados nomes da moda. Criou para a linha feminina da marca Hermes e<br />

fundou sua própria Maison em 1988 (BAUDOT, 2005, p.341; WATSON, 2004, p.300).<br />

Ao buscarmos o trabalho de um designer de moda questionador, que trabalhasse propostas de<br />

comunicação e problematização em suas coleções, identificamos no trabalho de Margiela alguns<br />

princípios e estratégias da arte conceitual que nos parecem exercer papel criador no campo da<br />

moda, pois rompem alguns dos paradigmas dos conceitos de design e da moda.<br />

O foco no trabalho de Margiela teve como base suas ações e princípios, que reforçam seus objetivos<br />

de instigar e de questionar os valores do universo da moda, além de problematizar aspectos de alguns<br />

modos de vida contemporâneos. Essa escolha foi baseada no que ele desenvolveu ao longo de sua<br />

carreira, trabalhos que priorizam a construção de um discurso capaz de interferir, problematizar<br />

ou ainda causar um estranhamento no próprio campo da moda, além de reverberações em outros<br />

campos.<br />

Princípios e estratégias de criação<br />

O processo de criação existe como uma espécie de necessidade contínua que o artista tem de<br />

conhecer mais sobre a vida e, consequentemente, sobre si mesmo, o que o faz crescer não só<br />

como artista, mas como indivíduo social-cultural também. Assim, podemos ver a obra como uma<br />

interação do pensamento do artista com a realidade, uma forma de ver e interpretar seu universo<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

e seu tempo (SALLES, 2009, p.90).<br />

Consideramos que a criação e o exercício insistente de romper com as estruturas vigentes no<br />

mundo da moda nos permite dizer que Martin Margiela impacta e problematiza os modos de<br />

funcionamento convencionais. Sua abordagem ímpar se multiplica em ações: os convites para os<br />

desfiles, a forma e o uso das etiqueta, a edição e produção de imagens, o design gráfico de seus<br />

catálogos e publicações, a arquitetura e o design de interiores das lojas e do atelier, e finalmente,<br />

a criação de roupas e acessórios.<br />

O tecer contínuo do desenvolvimento criativo propõe que as escolhas feitas pelo artista sejam<br />

costuradas umas às outras, como em uma grande malha de relações, onde sentidos são estabelecidos.<br />

A ação de criar, nesse aspecto, aparece, segundo Salles (2009, p.92- 93), “[...] como um processo<br />

inferencial, na medida em que toda ação, que dá forma ao sistema ou aos “mundos” novos, está<br />

relacionada a outras ações [...]”. Os rastros dessa construção são observados nos documentos<br />

de processo, onde se pode observar as escolhas do criador que “[...] manipula a vida em uma<br />

permanente transformação poética para a construção da obra”.<br />

Apresentaremos a seguir alguns princípios que consideramos permear os processos de criação da<br />

Maison Martin Margiela. Eles dialogam com alguns dos preceitos de criação identificados na arte<br />

conceitual e com alguns dos princípios de criação de Marcel Duchamp [2].<br />

1) Exercício da precariedade e do inacabamento<br />

Um dos princípios trabalhados pela Maison Martin Margiela é a exposição do acabamento da roupa,<br />

ou seja, em muitas peças as costuras, as marcações e os pespontos que ficam escondidos do<br />

lado avesso, estão à mostra do lado de fora. As linhas e as sobras de tecido de um recorte, por<br />

exemplo, fazem parte do processo de construção e elaboração de algumas peças. Com a exposição<br />

dos elementos que constituem a estrutura da peça de roupa as partes da construção e o processo<br />

de costura ficam aparentes e a roupa é desvendada em sua confecção, deixando claro como ela<br />

foi montada e costurada.<br />

Esse princípio pode ser observado na coleção de primavera-verão 1997, e na seguinte, outonoinverno<br />

1997/98. Nesses dois trabalhos, o manequim de modelagem foi explorado como ponto de<br />

partida para a coleção inteira. Foi utilizada tanto a própria forma do manequim como a ideia do<br />

que ele representa: a base para a construção de uma peça. Nessas coleções, pode-se observar<br />

jaquetas e coletes feitos em semelhança com a forma do manequim, tais como vestidos, blusas,<br />

saias e calças com aspecto de “ainda em construção”.<br />

As peças de roupa são inacabadas, umas com costuras abertas, outras com costura do lado de fora,<br />

vestidos riscados com caneta de alfaiate que marca recortes e pences da peça e ainda elementos<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

construtivos, como ombreiras e zíperes, costurados como na fase de experimentação da peça.<br />

Figura 1: Vestido inacabado com o forro a mostra, outono-inverno 2003/04<br />

Fonte: (MARGIELA, 2008, p.48)<br />

No desfile de primavera-verão 2006, Margiela deixou mais uma vez o processo de construção da<br />

roupa inacabado. As peças da coleção foram costuradas somente de um lado. Vestidos, saias,<br />

calças e trench coat foram desfilados com apenas um dos lados da peça construído, finalizado e<br />

costurado. Em alguns momentos, a modelo caminhava com um rolo de tecido ou com um carretel<br />

de linhas ligados à roupa.<br />

Podemos entender que esses resultados provocam críticas sobre a velocidade com a qual as<br />

empresas de moda produzem centenas de peças em tempo limitado. A vulnerabilidade do processo<br />

de construção e confecção do vestuário também é enfatizada com a colocação de fitas adesivas<br />

com o termo “frágil” que envolvem sapados e acessórios (DEBO, 2008, p.12). Entendemos também<br />

que a precariedade e o inacabamento são exercitados e explicitados de modo a provocar um certo<br />

embate com as regras do bem vestir mais convencional e do perfeccionismo que atravessa a lógica<br />

de produção do mercado, assim como as demandas dos consumidores.<br />

2) Apropriação do cotidiano<br />

Em diversas coleções, Margiela se apropria de objetos comuns diversos, mas essa estratégia<br />

de trabalho se revela ainda mais em sua linha denominada <strong>Arte</strong>sanal. A linha identificada nas<br />

etiquetas com o numero zero circulado - ‘0’ - é composta por peças elaboradas a partir de objetos<br />

e materiais já prontos. Em geral Margiela desloca o propósito inicial desses materiais e os utiliza<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

na construção de roupas. Podemos citar um dos mais conhecidos trabalhos dessa linha: o casaco<br />

feito com meias. As meias que compõem a clássica indumentária do exército militar, foram<br />

garimpadas em lojas de segunda mão, recortadas e costuradas de modo a constituírem um casaco.<br />

Figura 2: Casaco realizado a partir de meias, outono-inverno 1991/92<br />

Fonte: (MARGIELA, 2008, p.26)<br />

Todos os materiais utilizados nesta coleção são roupas e objetos usados e descartados por seus<br />

donos. Ao serem reapropriados, retrabalhados ou tratados especialmente para servirem de<br />

material na construção de peças de roupa, ganharam outros significados e funções.<br />

3) Ode à ausência e diluição da autoria<br />

Dentro de sua Maison, Margiela elege alguns suportes para expressar o anonimato de várias<br />

maneiras: a etiqueta costurada na roupa é uma delas. Símbolo que certifica a autenticidade de<br />

uma peça, a etiqueta agrega valor pela marca ali grifada. Na Maison Martin Margiela, ela assume<br />

a forma de um simples retângulo de algodão branco com uma numeração indicadora da linha do<br />

produto estampada, costurado manualmente na roupa. Essa ideia vai contra alguns dos vários<br />

princípios do marketing de moda. Além disso, revela a intenção de nomear as coleções, de forma<br />

simples identificando-as somente por números. Anonymity é descrita no glossário como “Uma<br />

reação contra o popularizado e disseminado sistema de celebridades, o desejo de deixar a ideia<br />

falar por si mesma” (MARGIELA, 2009, p.360, trad.nossa).<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

Figura 4: Etiqueta branca presa com quadro pontos de costura<br />

Fonte: (MARGIELA, 2008, p.17)<br />

Outra maneira de exercitar o anonimato se encontra na recusa do designer Martin Margiela em<br />

aparecer na passarela de seus desfiles e de ser registrado por meios fotográficos ou vídeos. Após<br />

inaugurar sua Maison em 1988, Margiela não se deixa ser fotografado, e não se apresenta para o<br />

público no final de seus desfiles. Sua figura é mantida em segredo e, juntamente com a equipe<br />

de sua Maison, divide todo o crédito dos trabalhos, passando a utilizar em seus textos e releases<br />

somente a primeira pessoa do plural. Tudo aquilo que sua marca produz é assumido como trabalho<br />

coletivo, de modo a enfatizar que não existe um “designer-celebridade” que receba todo o crédito.<br />

A opção por manifestar-se em seu discurso somente pelo pronome “nós”, demonstra também que<br />

a Maison Martin Margiela privilegia o trabalho e coloca as criações em evidência.<br />

A Maison também propõe formas de esconder a face das modelos em algumas coleções, assim<br />

como opta por modelos desconhecidas para os desfiles, em contraposição ao culto às top models.<br />

Uma das estratégias usadas em um desfile para “esconder” o rosto da modelo, foi tarjar seus olhos<br />

de preto. Em outra apresentação, os cabelos aparecem penteados de forma a cobrir o rosto. Em<br />

outro desfile são cobertos por véus feitos de tecido. As tarjas pretas se remetem ao jornalismo<br />

investigativo, entre outras instancias nas quais a identidade precisa ser preservada. A estratégia<br />

de cobrir os olhos deu origem aos óculos de sol da coleção primavera-verão 2008, batizada de<br />

“Incógnito”, pois apresenta uma peça retangular que veda a parte superior do rosto de quem usa.<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

Figura 5: Óculos Incógnito em duas versões.<br />

Fonte: . Acesso: 19 jun 2011<br />

Na coleção “Réplica”, podemos citar também um outro momento no qual Margiela problematiza<br />

questões sobre a autoria. Nas linhas 4 e 14, a partir de 2003, as peças são - como diz a própria<br />

etiqueta da coleção - “reproduções de vestuários encontrados de diferentes fontes e períodos”<br />

(DEBO, 2008, p.65, trad.nossa). Essas peças de alfaiataria, originarias de várias décadas, foram<br />

encontradas em brechós. O trabalho de Margiela foi restaurar, preservando o significado que as<br />

respectivas peças têm na história do vestuário, para, em seguida, colocá-las de volta à circulação.<br />

Ao reformar as peças, elas recebem a etiqueta da Maison juntamente com outra - “Replica” - onde<br />

constam informações sobre o local e o período no qual a peça foi originalmente criada.<br />

Este princípio não apenas questiona a autoria como também provoca indagações sobre o valor<br />

mercadológico daquilo que é considerado “original” ou “novo” no campo do design de moda.<br />

Figura 7: Camisa masculina da coleção Replica, detalhe da etiqueta.<br />

Fonte: (MARGIELA, 2008, p.66)<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

4) Subversão das hierarquias da engrenagem da moda<br />

Em suas apresentações, Margiela também balança as estruturas vigentes em relação à “valorização”<br />

conferida aos assentos marcados nas fileiras das salas de desfile. A fila “A”, a primeira, geralmente<br />

tem vista privilegiada da passarela, e seus assentos são, em sua maioria, destinados a jornalistas,<br />

compradores, pessoas influentes e formadoras de opinião. Um lugar nessa fileira, é cobiçado pela<br />

maioria dos expectadores e por celebridades criadas pela mídia. São lugares também desejados<br />

por personalidades dos meios artísticos, tais como atores e cantores e passou a ser um símbolo de<br />

status, tanto para o convidado, “presenteado” com aquele lugar na platéia, quanto para a marca<br />

que usa de forma publicitária a presença do “espectador” famoso, prestigiando o seu desfile. No<br />

entanto, Margiela desconstrói essa hierarquia, como podemos perceber no exemplo que se segue.<br />

Em um dos desfiles da Maison Martin Margiela - primavera-verão 2007 - todo o processo de escolha<br />

para o formato do convite foi decidido a partir da matéria-prima escolhida. Optou-se pelo uso<br />

do papelão, no qual foram cortadas as letras do alfabeto que representam a numeração das<br />

fileiras em grande escala e nelas foram estampadas as informações do desfile, como data e local.<br />

A organização dos assentos, por sua vez, não estava em ordem, como de costume, a letra “A”<br />

indicando a primeira fila, a letra “B” a segunda e assim por diante. O que se viu foram convidados<br />

que seguravam orgulhosos as letras classificatórias de sua “importância” sendo surpreendidos ao<br />

perceberem que a letra “A” não representava melhor fileira que a “D” (WIERINK, 2009, p.344.a-<br />

344.b).<br />

A ideia do desfile-espetáculo é frequentemente combatida pela Maison que escolhe espaços<br />

alternativos às salas da semana de lançamento como um estádio esportivo, um supermercado<br />

abandonado, vagões de trem estacionados na estação, vitrine de loja, a própria rua, e até<br />

mesmo bares tradicionais do circuito da boemia parisiense. Esse princípio de escolha nos revela<br />

questionamentos sobre o glamour que envolve os desfiles da alta-costura francesa. Além dos<br />

lugares incomuns, também os formatos das apresentações são pensados como ações que apontem<br />

para um “fora” da instituição moda.<br />

5) Exercício poético da temporalidade<br />

O tempo, como elemento de registro de duração ou significante de transitoriedade, é incorporado<br />

no conceito de criação da marca através do uso de materiais que mostram, literalmente, sua<br />

ação sobre eles. A constante utilização de tecidos envelhecidos e de cor branca realçam estas<br />

inquietações. Interpretamos que a escolha do branco, para Margiela, revela um tempo em<br />

constante movimento, em deslocamento contínuo que deixa suas marcas nessa cor. O material<br />

branco que cobre os móveis de suas lojas e atelier foi escolhido por deixar claramente visíveis as<br />

marcas deixadas pela passagem das pessoas e pelo desgaste do tempo. Assim, em suas roupas e<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

objetos brancos, como nos catálogos, capas de livros e nas suas embalagens, o tempo é revelado<br />

e evidenciado em sua transitoriedade (VINKEN, 2008, p.111). Nessa ação, podemos reconhecer<br />

que a valorização daquilo que é novo ou que está por vir tão comum às lógicas da moda é relevada<br />

pela insistência poética em revelar o passado.<br />

Figura 8: Loja encobertos por tecido branco e tinta branca<br />

Fonte: (MARGIELA, 2008, p.21)<br />

Considerações Finais<br />

O trajeto percorrido por Margiela na construção de sua obra e as várias formas como apresentou<br />

seus desfiles são capazes de revelar características e princípios relevantes de sua criação.<br />

Margiela desmantela valores e padrões da moda, assim como questões ligadas ao campo do design<br />

e do consumo de produtos. O designer também questiona a moda, quando esta indústria se foca<br />

primordialmente na produção, na técnica e nos lucros, de modo a se distanciar por demais do<br />

campo da criação, dos valores humanos e sociais e do produto, para além do valor de mercado.<br />

No contexto da criação da Maison Martin Margiela, um produto, pode ser interpretado para além<br />

das funções de um artigo de vestuário que acompanha as tendências de moda, agindo também<br />

como um produtor de sentido com atributos simbólicos, que supõem inúmeras relações. Em outras<br />

palavras, podemos considerar que os produtos criados pela Maison abrangem várias instancias das<br />

experiências e das expressões de vida que envolvem o tempo e o contexto nos quais o criador está<br />

inserido.<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

Nesta pesquisa, o designer considerado como “criador” é aquele cujo trabalho apresenta uma<br />

dimensão poética. Seus processos e resultados sensibilizam, instigam os sentidos, promovem<br />

problematizações e inspiram ideias. O trabalho de Margiela produz questionamentos, pois ele<br />

atua como um propositor de reflexões sobre o contemporâneo, oferecendo um trabalho que parte<br />

de suas inquietações, mas instaura “novos” modos de perceber e de se relacionar com o mundo.<br />

Nossas considerações dialogam com os apontamentos de Preciosa (2005), que aborda os modos<br />

de visão de mundo a partir da prosa e da poesia. A visão da prosa seria uma maneira trivial de<br />

interação com o mundo, um modo de viver no qual nossas ações são atos obrigatórios e o trabalho<br />

se revela como uma resposta às exigências mercadológicas que seguem tendências gerais, sem<br />

expressão própria. A poesia é um outro modo de interagir: é a forma poética de ver e interpretar<br />

o mundo. Essa é a visão de um sujeito atento a “enxergar luz”, nas coisas que o cercam, em<br />

especial nas coisas ordinárias que, geralmente, passam despercebidas. Para ver além do obvio,<br />

além dos holofotes que destacam situações que ofuscam nosso olhar, é necessário estarmos<br />

atentos e sensíveis. Tais situações podem obscurecer outras que, embora discretas, não são menos<br />

importantes e revelam àqueles sensíveis indivíduos aspectos presentes da contemporaneidade.<br />

Notas<br />

[1] Este artigo foi extraído da pesquisa de dissertação intitulada <strong>Design</strong> de moda e arte conceitual:<br />

princípios de criação e diálogos possíveis, elaborada por Mila de Almeida Rabello, defendida em<br />

agosto de 2011, pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em <strong>Design</strong> da <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>,<br />

sob a orientação da Profa. Dra. Cristiane Mesquita.<br />

[2] Os principios de criação da arte conceitual e de Marcel Duchamp, são abordados no segundo<br />

capitulo da mesma dissertação.<br />

Referências<br />

BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente. São Paulo: CosacNaify, 2010.<br />

DEBO, Kaat. Maison Martin Margiela ‘20’ The exhibition. In: Maison Martin Margiela ‘20’ The<br />

exhibition. Antuérpia: MoMu, 2008.<br />

MARGIELA, Maison Martin. Maison Martin Margiela. New York: Rizzoli International Publication,<br />

2009.<br />

MARGIELA, Maison Martin. Maison Martin Margiela ‘20’ The exhibition. Antuérpia: MoMu, 2008.<br />

PRECIOSA, Rosane. Produção estética. São Paulo: Ed. <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2005.<br />

SALLES, Cecília de Almeida. Gesto inacabado, processo de criação artística. São Paulo:<br />

Annablume, 2001.<br />

VINKEN, Barbara. The New Nude. In Maison Martin Margiela ‘20’ The exhibition. Antuérpia:<br />

MoMu, 2008.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

WIERINK, Vincent. Inviting, inventing for forty seasons. In: MARGIELA, Maison Martin. Maison<br />

Martin Margiela. New York: Rizzoli International Publication, 2009.<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo<br />

criativo para o ensino da arte<br />

Guilherme Radi Dias Especialista em Projeto de Interiores, <strong>Universidade</strong> Estadual de<br />

Maringá gui_radi@hotmail.com<br />

Resumo<br />

Este estudo teve por objetivo analisar a produção do artista plástico brasileiro<br />

Sergio Fingermann, buscando também, através de alguns de seus registros literários<br />

publicados na atualidade, analisar sua perspectiva e estabelecer relações<br />

com questionamentos acerca da compreensão da natureza do processo criativo. A<br />

pesquisa se estrutura em um percurso no qual é levantada a trajetória do artista<br />

e sua participação no cenário artístico brasileiro, apresentando a cronologia de<br />

sua obra, elencando sua produção e sublinhando aspectos característicos de sua<br />

poética, e selecionando alguns exemplos para análise de imagem, conjugados com<br />

os demais referenciais teóricos. O propósito da análise apresentada é fornecer,<br />

tomando o artista pesquisado como referencial, uma possibilidade de complementar<br />

e colaborar, no ensino de arte, com a discussão e a reflexão sobre o processo<br />

criativo e o desenvolvimento da linguagem autoral.<br />

Palavras-chave:<br />

Sergio Fingermann, processo criativo, ensino de arte, análise de imagem.<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Introdução<br />

Sergio Fingermann nasce em São Paulo, em 1953, e começa a se dedicar ao fazer artístico a<br />

partir de 1967, quando começa a estudar desenho com Ernestina Karman, até 1969. Em 1971,<br />

estudou desenho com Yolanda Mohalyi, e em 1973 viaja para a Itália. Começa a estudar pintura,<br />

em Veneza, com Mario de Luiggi, e a ter aulas de construções espaciais com Mark di Suvero,<br />

retornando ao Brasil em 1974. Nesse mesmo ano, ainda, começa a freqüentar a Escola de <strong>Arte</strong><br />

Brasil. Trabalha desde 1975 com técnicas de gravura em metal e dando aulas de pintura em seu<br />

ateliê, desenvolvendo uma obra pictórica e gráfica caracterizada pelo intimismo, pelo particular, e<br />

empenhado na construção paulatina de sua poética pessoal. As obras deste período vem apresentar<br />

tendência construtiva que se exemplifica na justaposição de representações diferentes, associando<br />

signos gráficos e misturando desenho de observação com desenho de memória, que configuram<br />

construções cenográficas, produzindo um universo singular e onírico.<br />

Em 1979 se forma em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo.<br />

A passagem pelo saber da arquitetura transparece nas escolhas e na geometria, na criação de<br />

paisagens e fachadas que jogam com cheios e vazios. Fingermann também figura entre os 123<br />

artistas que participam da exposição “Como Vai Você geração 80?”, no Rio de Janeiro, em 1984.<br />

Realizou mostras individuais destacam-se as do Museu de <strong>Arte</strong> de São Paulo (1987 e 1995), Museu<br />

de <strong>Arte</strong> Moderna do Rio de Janeiro(1992), Galeria Saint-Ravy Demangel, em Montpellier, França<br />

(1991), Instituto Moreira Salles (1996, 2001, 2003 e 2006), Pinacoteca do Estado de São Paulo<br />

(2001, 2003 e 2007) e Museu Nacional de Belas-<strong>Arte</strong>s do Rio de Janeiro (2007).<br />

Trajetoria<br />

O artista começa a sua atuação nas artes plásticas efetivamente em 1975. Na época em que<br />

começou seu aprendizado sobre o fazer artístico, os seus contemporâneos realizavam encontro<br />

em ateliês de artistas mais velhos, e que eram espaços nos quais não se estabelecia relação<br />

hierárquica entre as diversas linguagens visuais existentes, ao mesmo tempo em que tais locais<br />

funcionavam como pontos de encontro e discussão. A questão do olhar, levantada constantemente<br />

por Sergio, levou-o a freqüentar a escola do Museu de <strong>Arte</strong> de São Paulo, e depois o ateliê de<br />

Ernestina Karman. Neste espaço se promoviam encontros entre artistas convidados e estudantes,<br />

que expunham e discutiam os seus trabalhos.<br />

Desde os tempos de aprendiz em ateliês, seu olhar e sua mão educaram-se pelo ver e pelo fazer, e<br />

principalmente pela reflexão sobre o visto e o feito. Toma contato como o expressionismo alemão<br />

e com as xilogravuras japonesas, que ele tinha como exemplo de precisão e meticulosidade.<br />

Também teve contato com o trabalho gráfico de artistas brasileiros como Lívio Abramo, Marcelo<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Grassmann, Oswaldo Goeldi e Evandro Carlos Jardim. Na gravura, Fingermann encontra uma<br />

possibilidade de ampliação dos limites do desenho.<br />

Desde seus anos estudando e trabalhando em ateliês, o artista manifesta interesse pelos motivos<br />

que levam um artista a escolher um ou outro modo de expressão. No centro desses questionamentos<br />

ocupam as especificidades das linguagens visuais do desenho e da gravura, que ele compreendia<br />

como “linguagens irmãs”.<br />

A inserção no universo gráfico se deu partindo da técnica da xilogravura, mas logo migrou para<br />

a técnica da gravura em metal. Ele também trabalha com a litogravura, que não é a sua técnica<br />

preferida. Para Fingermann (2008), a técnica parece “fria”, especialmente se comparada aos<br />

registros da construção da imagem proporcionados pela gravura em metal. “Essa é, claro, uma<br />

visão subjetiva, mas para mim a ‘lito’ não guarda a mesma experiência da temporalidade”.<br />

O percurso do artista leva marcas nítidas de sua construção artística, que são evidenciadas com<br />

o auxilio de textos nos quais descreve a busca particular pela compreensão da prática da pintura<br />

em sua essência. Trabalha na conformação e na construção de sua poética pessoal, transitando<br />

entre os territórios da arte figurativa e da arte abstrata. Em seus escritos o artista expõe o<br />

inacabamento dessa poética como prerrogativa intrínseca e constitutiva do seu processo criativo.<br />

Além de se colocar como hermeneuta das questões estéticas, Fingermann tem atuado como um<br />

crítico da carência de debates no meio artístico nacional.<br />

A mostra Como Vai Você Geração 80?, que se realiza em 1984, na Escola de <strong>Arte</strong>s do Parque do<br />

Lage, no Rio de Janeiro, foi apoiada em um contexto político de reabertura democrática, e<br />

lançou seu foco sobre a recuperação e a necessidade de reflexão ontológica do fazer da pintura,<br />

trazendo ao público obras as quais buscavam a intensa expressão e a afirmação subjetiva. Inquiria<br />

a experimentação pictórica contextualizada em uma prática rudimentar incrementada pela<br />

tecnologia e refletia sobre as relações envolvendo imagens, estilos, materiais, gestos, formas,<br />

cores, figuras etc. os artistas se utilizaram de materiais e técnicas toscas, buscaram temáticas<br />

cotidianas e se apropriaram de imagens e símbolos da comunicação.<br />

A produção desses artistas foi marcada pelo diálogo e a relação mutua entre a atividade e o<br />

pensamento, e pela cooperação de professores e estudantes de arte, e a liberdade de interpretação<br />

das obras. Os artistas paulistas tiveram participação bastante expressiva.<br />

A experiência no contexto de discussões e de efervescência artística, na qual se defendiam novas<br />

perspectivas para a pintura a partir daquela década, repercutiu no percurso de vários artistas e<br />

transparece nas características discursivas de Sergio Fingermann.<br />

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Os trabalhos realizados nas duas primeiras décadas – anos 70 e 80 – mostram uma inclinação para<br />

o figurativismo e uma abstração incipiente. Desaparecem os volumes e se percebe a criação de<br />

regiões de cor, transparecendo as pinceladas fluidas, prevalecendo o aspecto do rastro tradicional<br />

da mistura da tinta. Vê-se a representação de visuais urbanas, a sobreposição e a transparência da<br />

figura humana (o artista) com a paisagem citadina, elementos arquitetônicos, fachadas. Algumas<br />

destas obras assumem caráter experimental, pois o artista joga com o olhar ao se utilizar da<br />

sobreposição de elementos na composição.<br />

Nos anos 90, os trabalhos expressam a dedicação mais aberta a experimentações com o abstrato.<br />

Vemos a dissolução das formas, que resultam na indistinção entre figura e fundo. Começa a<br />

aparecer uma superfície mais clara e limpa, bem como elementos lineares participando do<br />

conjunto da composição.<br />

Trabalhando a gravura com grande propriedade, Fingermann produziu álbuns diversos. Em<br />

Cinco Formas Clássicas(Suítes), o título, que por sua vez caracteriza a estrutura da série, faz<br />

clara analogia às formas da música de concerto, cujas partes integrantes- as suítes- se definem<br />

como movimentos característicos e distintos entre si em andamento e ritmo, como o minueto,<br />

a passacaglia, a sarabanda, a courante, a alemanda, a bourrée, a gavota etc. nessa série, cada<br />

trabalho ganha um nome, e trazem paisagens imaginarias, fragmentadas, que se compõem sobre<br />

a trama cartesiana. Muitas vezes, ocorre a impressão de marcas dissonantes deixadas por riscos.<br />

Há também uma gradação tonal no plano ao fundo que remete à gravura japonesa.<br />

Em A Fábula e a Verdade (2003), vemos presente o discurso metalingüístico para expressar de<br />

forma simbólica, na representação plástica, o papel do pintor. Nessa obra, o artista conjuga os<br />

elementos de hachura com a aplicação da tinta aquarelada.<br />

O Teatro do Mundo (2005), uma série de gravuras aquareladas, na qual o artista explora, na maior<br />

parte destes trabalhos, a criação de uma composição de planos pictóricos de tramas ortogonais<br />

que configuram um plano temático cartesiano, conferindo um aspecto topológico intrínseco à<br />

estrutura global de sua produção. Vê-se presente a representação de personagens anônimos<br />

cenograficamente destacados.<br />

Em Elogio ao Silêncio(2007), joga com recursos visuais de figura e fundo, e cria pela luminosidade<br />

uma atmosfera em que as personagens se configuram como sombras que se evidenciam pelo<br />

contraste. Na pintura, explora os signos lingüísticos verbais em seu potencial formal intrínseco,<br />

no contexto da visualidade, produzindo formas cadenciadas.<br />

As qualidades formais de seu trabalho evidenciam a discussão e a questão do tempo, com o emprego<br />

eletivo de tonalidades neutras, e também tons ferruginosos que realçam elementos específicos<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

da composição, que aludem à passagem temporal. O tempo é ilustrado pela marca depositada no<br />

suporte, na superfície, pela idéia da deterioração, com o efeito plástico da pátina que se desenha<br />

sobre determinadas áreas do plano. A repetição de elementos, a aparição recorrente de formas<br />

familiares de seu repertório, de signos construídos, corroboram a imanência de sua construção<br />

poética. A parcimônia cromática é um viés que demonstra que a sua busca não se pauta sobre<br />

questões recorrentes como a emancipação da cor, ou mesmo na preocupação com a exploração<br />

das qualidades inerentes à cor em si, outrora estipulada pelos precursores da pintura moderna e<br />

contemporânea. O seu levantamento pessoal é centrado exclusivamente no conceito de criação<br />

e produção artística na pintura e de autoavaliação poética. É possível, ainda, inferir, a partir do<br />

que se observa na maior parte destes trabalhos que a preferência por uma denominação coletiva<br />

evidencia a consciência de Fingermann com relação à processualidade do discurso artístico.<br />

“O olho vê o mundo, e o que falta ao mundo para ser quadro, e o que<br />

falta ao quadro para ser ele mesmo, e, na palheta, a cor que o quadro<br />

aguarda; e, uma vez feito, vê o quadro dos outros, as respostas outras<br />

a outras faltas” (MERLEAU-PONTY, apud FRAYZE-PEREIRA, 1994, p.56).<br />

Fingermann trabalha com os recursos da repetição, da projeção, do contraste, da sombra projetada,<br />

da quebra, da ruptura, e da associação das formas. Trabalha com cores neutras, emprega tons<br />

claros, marmóreos, tons negros, tons ferruginosos etc. Trabalha com formas que, pela repetição,<br />

deixam transparecer uma familiaridade, uma escolha sólida marcante de sua poética, formas que<br />

estão nas reservas cognitivas, e que pelos tons aplicados em torno delas, se “oxidam” no suporte.<br />

Outra característica é a criação de foco luminoso, isolando e destacando figuras da composição<br />

de forma teatral.<br />

Conforme se evidencia na sua pintura, o universo narrado visualmente pelo artista se revela<br />

nas construções metafóricas que se formam na composição, produzindo personagens em roda,<br />

em cenas lúdicas, galantes, figurando em grande parte de seus trabalhos fundos formados por<br />

azulejos claros com juntas escurecidas, que formam no suporte material –por dizer, a tela- um<br />

suporte poético, amparado por um repertório em constante mutação.<br />

O artista mostra, através de um discurso imerso na analogia poética, a compreensão de que a<br />

atividade artística não apenas implica em um fazer consecutivo, como também é uma trajetória<br />

constituída de “pausas”, o que demanda um afastamento do gesto físico; o artista necessita para<br />

postergar o trabalho e se dedicar a contemplar; a participação processual não é apenas gestual,<br />

mas contemplativa; na contemplação há uma necessidade que compete ao artista na pintura, e<br />

também uma responsabilidade que permeia toda a sua poética, e que desenvolve uma postura<br />

coerente envolvida no comprometimento artístico. Como no desenvolvimento temático de uma<br />

melodia – desenvolvendo aqui uma analogia com a música -, a pausa permite a audição de novas<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

sonoridades, e permite construir intelectivamente uma linha melódica que se transforma, em seu<br />

conjunto, na obra musical; a interrupção artística na pintura e na produção visual em geral, é<br />

necessária, para se fazer notar, perceber a ressonância dos objetos do mundo. O artista não pode<br />

esquecer do seu entorno, para que possa então desenvolver o seu olhar. Este pensamento fica<br />

evidente nos seguintes poemas:<br />

O oficio do pintor<br />

Para o oficio de pintar é necessário:<br />

Educar mãos e olhos.<br />

Não ter pressa.<br />

Fazer a mão obedecer.<br />

Fazer os olhos verem diferente do que se vê.<br />

Fazer da mão instrumento de descobertas.<br />

Alimentar os olhos com imagens.<br />

Alimentar os olhos com palavras.<br />

Ouvir música.<br />

Ouvir silêncios.<br />

Aprender a ver a realização diferentemente do desejo.<br />

Insistir.<br />

Descobrir que o visível está povoado de invisíveis.<br />

Fazer o igual até descobrir o diferente.<br />

Outros ensinos do pintor<br />

Ficar em silêncio.<br />

Olhar para bem longe.<br />

Olhar bem de perto.<br />

Ler poesias.<br />

Escutar música.<br />

No escuro descobrir cores e formas.<br />

Observar atentamente as águas que passam.<br />

Conquistar tempo para não fazer nada.<br />

As paredes velhas também são ensinos para os pintores.<br />

Olhar para elas é também um aprendizado:<br />

As sucessivas camadas de Pinturas, velhas inscrições, evocam lembranças,<br />

Associações, sensações.<br />

Descobrir imagens.<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Olhar uma parede velha é uma experiência que nos faz percorrer a<br />

Construção da imagem que nos seduziu.<br />

Pode-se dizer que o tempo ficou retido ali, naquela parede.<br />

Nos textos de Elogio ao Silêncio, Sergio discorre sobre os referenciais que compreende serem<br />

necessários para que o artista, de maneira geral, relacionando ao processo criativo da pintura,<br />

atue de forma consciente e enriqueça seu repertório.<br />

O artista sempre acreditou que a transmissão do saber, no ateliê, era mais enriquecedora do que<br />

no aprendizado formal – escolas e universidades. Seu posicionamento com relação ao aprendizado<br />

artístico favorece a importância da experiência da produção e do contato constante com outros<br />

artistas no ateliê, relativamente ao aprendizado escolar e acadêmico, predominantemente técnico<br />

e pragmático.<br />

Como começa uma Pintura?<br />

Uma tela em branco.<br />

Um papel em branco.<br />

Uma superfície instigante pela sua cor ou textura.<br />

Nossa ação está dividida entre a segurança das regras apreendidas<br />

E as dúvidas que nos assaltam.<br />

E é com elas que trabalhamos,<br />

Numa batalha entre o que se imagina e o que a tela<br />

Revela.<br />

É com o olhar vencido que trabalhamos.<br />

Já na primeira pincelada, naquele instante,<br />

Somos surpreendidos por um outro dizer,<br />

Não o nosso, o da Pintura.<br />

O pintor vai trabalhar a relação que se estabelece<br />

Com sua ação e o resultado dela,<br />

A relação entre sua intenção inicial e o seu desejo.<br />

O trabalho se faz nesse tenso diálogo.<br />

O trabalho se faz num jogo em que a Pintura vai organizando:<br />

Fazendo, desfazendo, refazendo.<br />

O pintor não inventa cores.<br />

Elas existem. O que ele faz é multiplica-las<br />

Na busca da cor primordial.<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Como professor de desenho, Fingermann experimentou as características da função de avaliador e<br />

orientador de trabalhos de alunos, sobre o que comenta: “Às vezes alguém me trazia um trabalho<br />

e eu apenas olhava, quase em pânico; tinha de dizer algo, mas nada me ocorria. Não podia<br />

esquecer que ali havia um esforço, a pessoa estava oferecendo alguma coisa íntima que eu devia<br />

acolher com generosidade.”<br />

A prática de Fingermann se caracteriza pela interpretação simbólica, transposta no tema da<br />

composição e da forma, e pela construção oriunda de um aprendizado cumulativo. Esse<br />

aprendizado é resultante da experiência com diversos suportes e ferramentas técnicas- a dizer,<br />

especificamente, a gravura e o desenho- propiciando, assim, uma interface de conteúdos formais<br />

e soluções plásticas que vão se relacionar e se definir no conteúdo expressivo pictural; o rastro da<br />

gestualidade imprimida ao trabalho não é perceptível sob o viés do óbvio.<br />

Nas suas obras, se denota o interesse pelo poder de captura do olhar, que se manifesta em um<br />

interesse precoce do artista pela imagem. Lembra que durante sua infância, teve em mãos uma<br />

enciclopédia infantil contendo reproduções de obras de arte consagradas. Ele estabelecia um<br />

contato com o mundo que o cercava, ele interagia com o mundo, e assim se fazia a sua experiência<br />

pessoal.<br />

O percurso criador mostra-se como um itinerário recursivo de tentativas,<br />

sob o comando de um projeto de natureza estética e ética, também<br />

inserido na cadeia da continuidade e, portanto, sempre inacabado. É a<br />

criação como movimento, onde reinam conflitos a apaziguamentos. Um<br />

jogo permanente de estabilidade e instabilidade, altamente tensivo<br />

(SALLES, 2004, p.27).<br />

Essas características são descritas pelo artista como uma seqüencialidade necessária ao fazer<br />

contínuo. Como afirma Salles (2004), a condição de existência do objeto depende do crescimento<br />

e das transformações que conferirão materialidade ao artefato, mas que não ocorrem em<br />

segundos mágicos, e sim ao longo de um percurso de maturação. O tempo do trabalho é o grande<br />

sintetizador do processo criador. A concretização da tendência se dá exatamente ao longo desse<br />

processo permanente de maturação.<br />

Fingermann mostra em seus escritos, de forma lírica e perspicaz, como no processo seguido em<br />

seu fazer pictórico ele faz opções pela retirada ou pela inserção ou pela manutenção de formas<br />

pictóricas nos seus trabalhos, de signos que são desdobramentos de sua poética e de suas questões<br />

centrais. Esses elementos aplicados em suas composições se configuram em um repertório formal<br />

de emprego recorrente, constituindo o seu código artístico. Em alguns casos, usa a metalinguagem.<br />

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Destarte, seu trabalho se coloca como um exemplo possível de ser estudado, pois confronta com<br />

a questão contemporânea de fazer arte, em qualquer instância e com qualquer ferramenta –<br />

técnica e conceitual, enfatizando aspectos essenciais do pensamento e da configuração plástica<br />

relacionados ao processo criativo.<br />

Figura 1. O teatro do mundo nº 7. 2005<br />

Fonte: http://www.fingermann.com.br/<br />

Um destes inúmeros elementos expressivos que se repete enquanto motivo mas não como forma,<br />

e que se pode tomar por exemplo para fim de análise é a fonte. De sua presença na série “O teatro<br />

do mundo”, a fonte é retomada nas obras subseqüentes de “Elogio ao Silêncio”. Podemos recordar<br />

das antigas concepções da força movente do artista, da fonte mítica de Hipocrene aos pés do<br />

monte Hélicon, da qual consumiam os poetas para serem tomados de inspiração, permitindo dessa<br />

maneira ser interpretada como simbologia visual figurativa da poiesis.<br />

Como em muitas de suas obras, a fonte também divide o espaço do suporte com outros elementos,<br />

e sobre um plano onde predominam linhas em trama ortogonal. Estas assumem, na primeira<br />

imagem, formas lineares bidimensionais adquirindo caráter estruturalizante, com as quais<br />

produzem contraste formas compositivas orgânicas e de acentuada liberdade gestual.<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Figura 2. Elogio ao Silencio nº 1. 2007<br />

Fonte: http://www.fingermann.com.br/<br />

Nesta outra obra, da série ‘Elogio ao Silêncio”, os elementos perdem seu aspecto linear ortogonal<br />

e se transfiguram em um plano com sugestão pictórica de blocos ou azulejos envelhecidos. Nestes<br />

casos o gesto poético leva o suporte a assumir outra grandeza, se configurando como superfície<br />

parietal. Se observa na parte inferior uma distorção na perspectiva, uma representação irregular<br />

de divisas, muros. O contraste entre luz e sombra sugerido pelo trabalho cromático destaca um<br />

nicho que contem os elementos que não tem conexão aparente.<br />

Figura 3. Elogio ao Silencio nº 12. 2007<br />

Fonte: http://www.fingermann.com.br/<br />

No terceiro trabalho se observa a fonte representada em uma composição unificada, onde se<br />

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percebe o movimento espontâneo da pintura. Da boca da única taça partem linhas que divergem<br />

e desenham o percurso do conteúdo, como um registro gráfico-temporal conciso do sentido em<br />

que ele se move e flui. A imagem da taça pode significar metaforicamente o continente imediato<br />

e o elemento mediador, que recolhe parcialmente o que a ele se destina, e ao mesmo tempo<br />

faz verter, incessantemente, crescendo e transbordando. Uma analogia ao conteúdo material e<br />

imaterial, que é apropriado pela mente, individual ou coletiva, e que pratica a mediação entre o<br />

exterior e o interior, e por conseqüência parte da mente essa mesma essência com um movimento<br />

diferente, transformado.<br />

A marca inexorável e indelével do tempo é refletida em sua obra, conformando um repertorio<br />

único caracterizado pela metamorfose, bem como pela deterioração, confirmando a asserção de<br />

Barbosa (2010, p106) de que “[...] em arte, a prova do tempo existe na matéria e no espaço e,<br />

portanto, o tempo em arte se configura prioritariamente na ordem visual”.<br />

Pela produção pictórica e textual de Sergio Fingermann, depreende-se a importância que assumem,<br />

para o artista, a autoanálise, a autocrítica, e a sondagem, que levam ao autoconhecimento. O<br />

ensino de arte implica em facilitação que conduz ao cumprimento desta finalidade; por este viés,<br />

o individuo se desenvolve consciência de si, e conquista independência, autonomia, ganhando o<br />

domínio de propriedades necessárias para se envolver e descobrir o seu próprio processo criativo.<br />

Conforme Fingermann, o “silêncio” é necessário para o fazer artístico; o afastamento do plano<br />

do suporte, a pausa da gestualidade e do labor para nutrir o olhar, apreendendo os componentes<br />

do meio e se apropriando da sua materialidade visível e sensível, conduzindo e participando da<br />

construção do olhar e de possibilidades – técnicas e poéticas - na criação. São procedimentos<br />

importantes, inclusive, no processo analítico da obra de arte:<br />

“Os intervalos entre ações são tão significantes quanto as próprias ações, para definir o tempo em<br />

relação ao artefato artístico” (BARBOSA, 2010, p.106). O artista deve buscar entender e conhecer<br />

o seu contexto específico, seu modo de fazer intransferível.<br />

“[...] a criatividade se elabora em nossa capacidade de selecionar, relacionar e integrar os dados<br />

do mundo externo e interno, de transforma-los com o propósito de encaminha-los para um sentido<br />

mais completo” (OSTROWER, 1977, p.69).<br />

As potências criativas devem ser compreendidas dentro da relação do indivíduo com o mundo, que<br />

vai lhe tornar possível vivenciar o desconhecido e reestruturar constantemente seus predicados<br />

dentro de uma eterna gênese. “[...] São experiências existenciais – processos de criação - que<br />

nos envolvem na globalidade, em nosso ser sensível, no ser pensante, no ser atuante. Formar é<br />

mesmo fazer” (IBIDEM).<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Através de Fingermann, fica evidenciado que o artista precisa, para formar seu repertório e, por<br />

conseguinte, produzir, ter a experiência sensível com o meio; a qualidade da sua produção está<br />

diretamente ligada à pesquisa e à experimentação, possibilitando o desenvolvimento de uma<br />

poética pessoal.<br />

“A experimentação está, portanto, relacionada ao conceito de trabalho contínuo. Trabalho mental<br />

e físico agindo, permanentemente, um sobre o outro” (SALLES, 2004, p.139)<br />

Segundo Preciosa (2005), a potência transformadora da arte – que é por sua vez capaz de dialogar<br />

com a complexidade da existência - , quando verdadeiramente ativada e não exclusivamente<br />

submetida aos ditames do mercado, constrói mundos, nos faz enxergar saídas, nos doa um universo<br />

intelecto-sensorial bem mais refinado, complexo.<br />

Toda produção individual parte necessariamente de um impulso inicial. Conforme se trabalha,<br />

atitudes são repensadas. Por essa necessidade do fazer constante, Ostrower (1977) nos afirma que<br />

o uso do termo inspiração deveria ser substituído, para se falar apenas em sensibilidade, pois ela<br />

é o princípio do fazer e do criar; uma vez que é pelas qualidades sensíveis que apreendemos o<br />

objeto, e intuímos, e é da matéria com que estabelecemos contato que parte a razão motriz do<br />

fazer.<br />

A análise demonstra que há, nesse percurso poético, a possibilidade de proposições de práticas<br />

que enfoquem o desenvolvimento intuitivo e a conscientização da pesquisa orientada para a coleta<br />

de informações do meio, seguida de seleção e formulação processual de construções simbólicas<br />

no contexto da poética. Conforme Ostrower (1977), o indivíduo perfaz um caminho, que é feito a<br />

partir de dados reais. Se faz pelo e no fazer artístico, levando o individuo ao conhecimento, para<br />

o qual as descobertas são necessárias.<br />

Conclusao<br />

Os ensinamentos de Sergio Fingermann se compatibilizam com a realidade contemporânea, na<br />

qual o ser humano se defronta com a celeridade das coisas e com um mundo onde pesam os<br />

valores efêmeros. Diante das reflexões do artista, abre-se a possibilidade de propor exercícios de<br />

criação no âmbito escolar, usando os conceitos abordados por ele em propostas pedagógicas para<br />

uma metodologia de prática artística, que consista em observar e usar elementos do cotidiano<br />

convertendo-os em formas expressivas através da arte, identificando no processo criativo a<br />

presença recorrente dos mesmos em um determinado número de obras.<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Referencias<br />

BARBOSA, Ana Mãe. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. 8.ed. São Paulo:<br />

Perspectiva, 2010. 149p.<br />

FINGERMANN, Sergio. Elogio ao Silêncio e Alguns Escritos Sobre Pintura. São Paulo: BEĨ<br />

Comunicação, 2007.<br />

FRAYZE-PEREIRA, João A. A alteridade da <strong>Arte</strong>: Estética e Psicologia. Psicologia USP. São Paulo,<br />

5(1/2), p.35-60, 1994.<br />

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1977.<br />

PRECIOSA, Rosiane. Produção estética: notas sobre roupas, sujeitos e modos de vida. 2.e ed.<br />

rev. São Paulo: Editora <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2005.<br />

SALLES, Cecília. Gesto inacabado: processo de criação artística. 2.ed. São Paulo: FAPESP:<br />

Annablume, 2004. 168p.<br />

Sergio Fingermann: gravura, trama de sombras. Coleção educação do olhar: artes plásticas. São<br />

Paulo: BEĨ Comunicação, 2008.<br />

Museu de <strong>Arte</strong> Contemporânea de São Paulo. Disponível em:<br />

http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo6/vaivc/index.html. acesso<br />

em 12 de agosto, 2011.<br />

Itaú Cultural. Disponível em:<br />

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=marcos_<br />

texto&cd_verbete=3755. acesso em 12 de agosto, 2011.<br />

<strong>Arte</strong>s Plásticas. Texto de Olívio Tavares de Araújo, publicado no site do Ministério das Relações<br />

Exteriores. Disponível em: http://www.fingermann.com.br/index.php/textos_criticos/ler/artesplasticas-_site-do-ministerio-das-relacoes-exteriores_-olivio-tavares-de-araujo.<br />

Acesso: 02 de<br />

agosto, 2011.<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de<br />

homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

Gabriela Vieira Rebouças; Graduanda de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> – UFC<br />

gabi.v.reboucas@gmail.com<br />

Francisca Raimunda Nogueira Mendes; Docente do Curso de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> – UFC<br />

nogueiramendes@hotmail.com<br />

Resumo<br />

As diferenças entre os gêneros masculino e feminino, além das biológicas, se instituíram<br />

a partir da hegemonia do primeiro sob este último, imposto por valores<br />

culturais do Ocidente, influenciando até nos modos de se vestir. Porém com o<br />

surgimento do movimento feminista, o comportamento do gênero masculino modifica-se<br />

a cada dia, o que se observa, principalmente, com relação aos cuidados<br />

com a aparência, como ocorria em alguns períodos da história. Com a evidência<br />

desse fenômeno, o artigo descreve aspectos do perfil de um grupo de homens fortalezenses,<br />

compreendendo como estes se relacionam com a moda masculina e<br />

com a atual condição do gênero.<br />

Palavras-chave:<br />

Gênero, Cultura e <strong>Moda</strong> Masculina.<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

Introdução<br />

Um dos sentidos da moda é atrair os indivíduos através das mudanças do vestuário, a cada<br />

estação, procurando revelar a personalidade de cada um, que antes era determinada somente<br />

pelas diferenças entre os gêneros masculinos e femininos. Contudo, com surgimento de uma moda<br />

unissex, na década de 1970, elementos do vestuário feminino foram introduzidos no masculino,<br />

como o uso da cor rosa, refletindo que as individualidades não estão totalmente agregadas aos<br />

valores de comportamento idealizado por culturas tradicionais.<br />

Em vista disso, a pesquisar em moda masculina e o novo perfil do homem contemporâneo, busca<br />

focar o comportamento de um grupo de homens de Fortaleza e nas roupas que eles vestem. A<br />

moda masculina é um assunto pouco estudado nas instituições de moda local, e a elaboração deste<br />

artigo tem o objetivo de contribuir para diversificação de estudo, tanto no campo acadêmico<br />

como no profissional, desse segmento.<br />

Este trabalho inicia-se com a descrição do perfil masculino, principalmente o idealizado pela<br />

cultura nordestina, referindo-se aos autores Roberto da Matta e Gilberto Freyre. Em seguida,<br />

o movimento feminista revê como ocorreu o início da desconstrução da hegemonia masculina,<br />

e como esta se reflete nas relações do homem moderno com a aparência. E, por último, a<br />

partir das explanações dos autores João Braga, Dario Caldas e Mário Queiroz, a moda masculina<br />

apresenta-se como reflexo do contexto sociocultural dos diferentes períodos históricos até da<br />

contemporaneidade.<br />

O embasamento teórico das pesquisas bibliográficas e documentais, feitas por leituras de livros,<br />

artigos científicos, sites e blogs, foi complementado também pela pesquisa de campo fundamentada<br />

na história oral [1], através de entrevistas semiestruturadas aplicadas no salão de beleza D’Flávios<br />

[2]. Situado no bairro de relevância econômica para Fortaleza, a Aldeota, o local foi escolhido por<br />

ser próximo a shoppings, bancos e escritórios, reunindo, assim, uma boa quantidade de pessoas<br />

do gênero masculino. As entrevistas tiveram a participação de dez homens, na faixa etária de 29<br />

a 61 anos, pertencentes ás classes A e B, e que aparecem constantemente no salão.<br />

Por meio da análise de conteúdo, os depoimentos dos entrevistados foram interpretados com a<br />

finalidade de descobrir os elementos que constituem o atual perfil destes com relação ao consumo<br />

e à moda.<br />

Ser Masculino<br />

Através de ideais de comportamentos, os homens procuraram se autoafirmarem como gênero<br />

dominante na cultura ocidental ao longo da história. No século XIX, Silva (2006) explica que<br />

o conceito de masculinidade era baseado na vaidade masculina, a qual era representada na<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

literatura, pintura e escultura da época através de personagens másculos e viris. E nos dois<br />

séculos seguintes, a masculinidade foi definida através da negação de características consideradas<br />

femininas, como delicadeza e sensibilidade, e ensinada aos meninos a se comportarem como<br />

“verdadeiros homens”.<br />

Toda criança nasce com sua originalidade e se desenvolve num ritmo vital próprio. No momento<br />

em que começa o processo de crescimento físico, os meninos são ensinados e até estimulados a<br />

se individualizar, a se identificar como um ser violento. Os brinquedos são armas, luvas de boxe,<br />

bonecos militares em posição de guerra. Brigam de socos e pontapés com os irmãos, batem nas<br />

irmãs e nos coleguinhas mais tímidos da escola e da rua. Antes de entrar na adolescência, o pai<br />

mostra revistas ou na TV imagens de mulheres sensuais, insinuando como elas são boas (de cama),<br />

despertando no garoto uma concupiscência precoce (SILVA, 2000, p.17).<br />

Diante dessa citação, percebe-se que em algumas culturas, como é o caso da nordestina, ainda<br />

perdura a tradição dos pais desejarem que suas esposas fiquem grávidas de filhos homens, com<br />

o intuito de ensiná-los a adquirir esse comportamento dominante e agressivo. Do mesmo modo,<br />

ocorre com a educação das filhas mulheres, as quais são instruídas a terem um comportamento<br />

mais submisso aos mesmos.<br />

Além do aspecto psicológico, no Brasil, existem aspectos físicos que determinam a masculinidade<br />

de cada um. Da Matta (1997) relata sobre uma brincadeira de sua infância, na década de 1950,<br />

realizada na cidade de São João Nepomuceno, interior de Minas Gerais, chamada “Tem pente aí?”<br />

que consistia em tocar nas nádegas dos amigos a fim de descobrir como seria a reação da vítima.<br />

Caso a vítima ficasse assustada e reagisse com violência, passaria a imagem de ser homossexual.<br />

Logo, a brincadeira demonstrava o receio que os homens tinham em relação a essa parte do corpo,<br />

“[...] considerada como a parte mais feminina do corpo masculino.” (IBID, p.38) e que não deveria<br />

ter sensibilidade, ao contrário do falo, o qual representava o símbolo maior da masculinidade<br />

no que se refere ao desempenho sexual. Sendo assim, a homossexualidade, a virgindade e a<br />

impotência sexual eram vistas como desonra ao ideal do ser masculino. Nesse sentido, Grossi<br />

(2004, p.6) justifica que “uma das principais definições de masculinidade na cultura ocidental<br />

para o gênero é que o masculino é ativo. Ser ativo, no senso comum a respeito do gênero, significa<br />

ser ativo sexualmente [...]”.<br />

Algumas feições na fisionomia, como ter pelos no rosto e no peito, também eram sinônimos de<br />

masculinidade. Através da barba, do cabelo e bigode, os homens reforçavam a imagem de seres<br />

dominadores, corajosos e ativos, usando-a como atrativo sexual às mulheres.<br />

Havia pessoas que tinha “cara de homem”. Nelas, era visível uma postulada “essência masculina”<br />

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que separava os duros dos fracos, os bravos dos covardes, os meros homens dos “machos”. Nelas,<br />

a barba e, sobretudo, o bigode falavam muito alto, pois se as mulheres tinham rostos macios,<br />

rosados, e lisos (“lisos como bunda de santo”, dizia-se à boca miúda entre sorrisos), os homens<br />

eram vestidos por bigodes e cabelo, o que fazia com que todos nós cultivássemos os ralos pêlos<br />

que nasciam nas nossas caras e corpos (sobretudo nas pernas e peito) com imenso cuidado e<br />

enorme orgulho. A propósito: ter pêlo na orelha era sinal de masculinidade e de malvadeza. (Da<br />

MATTA, 1997, p.38)<br />

A caracterização descrita anteriormente representa um dos traços da personalidade do “cabra<br />

macho”, definição que se tornou comum ao gênero masculino, principalmente em relação aos<br />

homens do Nordeste. Freyre (apud Albuquerque, 2000) retrata que essa imagem foi construída<br />

como forma de resistir à modernização da região entre o final do século XIX e início do século XX.<br />

Havia a necessidade de manter a cultura local, com seus costumes tradicionais e regionalismos, e<br />

ao mesmo tempo unificá-los, com o objetivo de criar um único representante que seria o homem<br />

“macho”, aquele que defenderia sua terra das influências de outras culturas.<br />

Portanto, conclui-se que o comportamento masculino se adaptou conforme o ideal de uma<br />

personalidade única que anulasse as particularidades de cada um, a qual era confirmada por uma<br />

cultura e passada de geração a geração. Mas, o advento do movimento feminista, o qual lutava<br />

por uma igualdade entre os gêneros masculino e feminino, traria mudanças significativas dessa<br />

concepção.<br />

Feminismo e Masculinidade<br />

Após o término da Segunda Guerra Mundial, as mulheres alcançavam êxito na conquista do mercado<br />

de trabalho, mas lutavam pela igualdade de direitos políticos e pela liberdade sexual, já que as<br />

normas da sociedade patriarcal ainda insistiam na permanência das mulheres em casa, cuidando<br />

do marido e dos filhos. Diante do contexto das revoluções políticas e culturais da década de 1960,<br />

o movimento feminista aparece como um protesto contra a hegemonia masculina.<br />

Arán (2003) cita os motivos que foram impulsos para a eclosão deste movimento, os quais seriam<br />

a invenção da pílula anticoncepcional, a mudança da tradicional estrutura familiar, a inserção da<br />

mulher no mercado de trabalho e a liberdade de expressão em relação às diversidades sexuais,<br />

provocando transformações significativas no costume de o homem pertencer ao espaço público, e<br />

a mulher, ao espaço privado.<br />

As redefinições desses comportamentos questionariam sobre os papéis masculinos, como afirma<br />

Silva (2006) ao dizer que o movimento feminista trouxe alterações no modelo de masculinidade<br />

vigente, no que diz respeito à política, à sexualidade e às relações sociais e afetivas. Hollander<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

(1996) apresenta outra mudança causada pelo feminismo<br />

Finalmente, o ressentimento contra a moda tornou-se excessivamente<br />

politizado e associado com a ascensão e a disseminação do feminismo<br />

mais recente, entre outros movimentos. A moda feminina perdeu sua<br />

identidade como meio estético coletivo que expressa as qualidades e<br />

os sentimentos das mulheres, e passou a ser vista como uma opressão<br />

endêmica sobre estes, uma coisa gerada por uma sociedade capitalista<br />

e patriarcal para escravizar as mulheres sem o seu conhecimento<br />

(HOLLANDER, 1996, p.207).<br />

Nota-se que o feminismo pretendia superar a imagem da mulher passiva e delicada transformando-a<br />

numa mulher forte e participativa, pois Crane (2006) explica que as feministas sentiam-se presas<br />

ao padrão ideal de beleza e comportamento feminino estabelecido pela visão masculina, a qual<br />

fazia com que as mulheres se exibissem da maneira como eles gostavam de ver.<br />

Por essa razão, houve a recusa ao uso constante de peças consideradas símbolos de feminilidade<br />

da época, como saias e vestidos de cintura marcada, a favor do uso de calças, que proporcionavam<br />

maior liberdade de movimentos e, consequentemente, passaram a representar as mudanças de<br />

comportamento do gênero feminino.<br />

Figura 1: New Look Dior – 1947.<br />

Fonte: http://modadesubculturas.<br />

blogspot.com/2010/10/1940-<br />

militarismo-new-look-e-carmen.html.<br />

Figura 2: Le smoking – Yves Saint Laurent.<br />

Fonte: http://www.burdastyle.com/blog/<br />

exploring - vintage- fabric-barathea.<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

Convém lembrar que a atitude de usar roupas masculinas como forma de protesto a hierarquia<br />

sexista não ocorreu somente na década de 1960. Dorfles (1996) relembra que as feministas<br />

sufragistas, aquelas que lutavam pelo direito ao voto feminino no começo do século XX, trajavam<br />

gravatas masculinas no intuito de se igualar ao sexo oposto, adquirindo o mesmo poder de decisão<br />

concedida a este.<br />

As roupas transmitem significados nas relações de gênero, definindo o que é apropriado para o<br />

masculino e feminino, por isso o feminismo ocasionou uma revolução em relação às roupas, pois<br />

homens e mulheres sentiram-se com maior liberdade de vestir, apesar de existirem resistências a<br />

essa modificação dos vestuários.<br />

As relações de gênero e a moda<br />

Ao longo da história, principalmente do século XIX até os dias de hoje, os indivíduos procuraram se<br />

destacar em relação aos demais, quer seja na profissão ou na vida pessoal. E a forma mais perceptível<br />

de diferenciação é o vestuário, o qual é definido pelo estilo de cada um e, essencialmente, pelo<br />

sexo, pois, segundo Carter (2003, p. 87), “cada sexo emerge de sua inserção na cultura com<br />

estruturas mentais distintas, parte das quais consiste em adquirir maneiras diferentes de habitar<br />

as roupas”.<br />

Rouse (apud Barnard, 2003) reforça essa ideia afirmando que a moda concretiza essa distinção<br />

de aparência de homens e mulheres perante a sociedade, podendo ser, também, um fator de<br />

transformação da imagem de ambos os sexos. Como ocorreu no período denominado por Lipovetsky<br />

(1989) de “a moda dos cem anos”, compreendido entre o século XIX e a década de 1950, no<br />

qual a moda feminina se mostrava mais exuberante e versátil, enquanto que a moda masculina<br />

era austera e discreta. No entanto, a partir da década de 1960, com a eclosão do movimento<br />

feminista, citado anteriormente, e das revoluções culturais na Europa, os estilistas inovaram na<br />

moda masculina, concedendo maior liberdade aos homens para seguirem seu próprio estilo.<br />

Neste período, algumas peças do guarda-roupa masculino foram introduzidas no feminino. Tal<br />

alteração nos vestuários de homens e mulheres se evidenciou na década de 1970 com o aparecimento<br />

de uma moda unissex, porém isso não significava uma igualdade total entre os sexos, como explica<br />

Lipovetsky (1989)<br />

Que os homens possam usar cabelos compridos, que as mulheres adotem<br />

em massa trajes de origem masculina, que haja roupas e magazines<br />

unissex, tudo isso está longe de ser suficiente para acreditar na idéia<br />

de uma unificação final da moda. O que vemos? Evidentemente, um<br />

movimento de redução da diferença enfática entre o masculino e o<br />

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feminino, movimento de natureza essencialmente democrática. Mas<br />

o processo de “igualação” do vestuário logo revela seus limites, não<br />

prossegue até a anulação de toda diferença; seu ponto final não se<br />

identifica como logicamente se poderia pensar extrapolando a dinâmica<br />

igualitária, a uma similitude unissex radical (IBID, p.130).<br />

A diferenciação entre os sexos continuava clara nas personalidades masculina e feminina. Por<br />

mais que a definição de sexo seja relacionada à anatomia e às funções fisiológicas de homens e<br />

mulheres, nota-se que “o sexo ou a diferença sexual parece ser apenas a primeira condição da<br />

construção sócio-cultural de nossa subjetividade como homem ou como mulher” (BORIS, 2000,<br />

p.16).<br />

Desse modo, as relações de gênero estabeleceram-se através das diferenças sexuais, tornandose<br />

referência na classificação de trajes em masculino e feminino. Por isso, as definições de<br />

sexo e gênero, muitas vezes, se confundem por terem seus sentidos ligados, pois o gênero é<br />

compreendido como o conjunto de características comportamentais idealizadas para cada sexo<br />

em uma determinada cultura. Por exemplo, na cultura brasileira, a mulher é considerada feminina<br />

se ela for dedicada ao lar, aos serviços domésticos e à criação dos filhos, enquanto o homem é<br />

considerado um ser provido de masculinidade se sustentar a família e for dominador, gostar de<br />

futebol e cerveja. No entanto, em outros países ocidentais, essa ordem de costumes nem sempre<br />

é obedecida, como Barnard (2003) expõe que a função de cozinhar, da qual as mulheres são<br />

empenhadas a fazerem no ambiente doméstico, é uma atividade exercida por homens, em sua<br />

maioria, nos restaurantes, tendo como propósito a obtenção de lucro.<br />

A partir dessa explicação, Almeida (1995, p.128) conclui que “a variação cultural dos papéis<br />

femininos e masculinos, bem como dos traços de personalidade - tipos tidos como normais para<br />

cada sexo em cada cultura- [...] trazia o determinismo cultural para o campo da sexualidade”.<br />

No que concerne ao campo da moda, a cultura, como determinante de gênero, atribui valores e<br />

significados às roupas, como no caso do uso de saia por homens na Escócia, o kilt, ser habitual<br />

por representar uma tradição da nobreza escocesa (PEZZOLO, 2007). Mas, esse costume já é<br />

aderido por homens de outras cidades escocesas e até de alguns países da Europa, como a França<br />

[3] e a Suíça [4], por algumas tribos urbanas, como os punks e góticos. Alguns estilistas, como<br />

Marc Jacobs, Jean Paul Gaultier e Yves Saint Laurent também apresentaram essa proposta em<br />

seus desfiles. No Brasil, Sartori (2011) publicou uma reportagem sobre o desfile do estilista João<br />

Pimenta apresentado no São Paulo Fashion Week do dia 2 de fevereiro de 2011, no qual apareciam<br />

modelos masculinos usando saia. A ideia não foi bem aceita pelo público masculino, porque no<br />

Brasil, ela é uma peça muito associada ao público feminino e, principalmente, por não fazer parte<br />

da cultura brasileira, embora o culto ao corpo seja uma das características mais relevantes desta,<br />

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conforme expressa Barnard (2003)<br />

É interessante sugerir que a diferença sexual na vestimenta é assinalada<br />

pela presença ou ausência de uma certa característica, enquanto que a<br />

diferença de gênero na vestimenta encontra-se no sentido atribuído pelo<br />

membros de uma cultura à presença ou ausência daquela característica<br />

(BARNARD, 2003, p.169).<br />

Figura 3: Modelo de João Pimenta, SPFW, Inverno 2011<br />

Fonte:http://moda.ig.com.br/desfiles/spfw+joao+pimenta+desafia+<br />

os+dogmas+e+faz+masculino+impecavel/d1237980755011.html#0<br />

O uso da saia pelos homens brasileiros causaria uma revolução do modelo masculino tradicional<br />

por não haver também nenhum registro histórico do uso dessa peça no guarda-roupa deste gênero<br />

como houve na Europa. É importante destacar um fato paradoxal ocorrido no Brasil, no início<br />

do século XXI, que seria o uso de camisas masculinas na cor rosa, a qual era mais usada pelas<br />

mulheres, e que teve uma maior aceitação dos homens. Diante dessas situações contrastantes,<br />

compreende-se que os homens brasileiros são vaidosos, querem se vestir de um modo diferente,<br />

porém, não absorvem modificações mais profundas nas formas. Afinal, eles querem manter a<br />

aparência máscula bem cuidada sem tornar-se totalmente afeminados como declara Lipovetsky<br />

(1989, p.138) “reconhecemo-nos todos de essência idêntica, reivindicamos os mesmos direitos e<br />

no entanto não queremos parecer com outro sexo”.<br />

Breve histórico da moda masculina<br />

A moda masculina retratava o status social dos homens durante o período antecedente a Revolução<br />

Industrial. Através de formas de vestir exageradas, os nobres impunham sua hegemonia política e<br />

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cultural, exercendo influência estética sob demais cortesãos.<br />

Braga (2006) aponta que os adornos e as peças do vestuário feminino, como saias, brincos, perucas<br />

e sapatos de salto alto, pertenciam à indumentária masculina em diferentes períodos históricos,<br />

como na Antiguidade e na Idade Média:<br />

[...] na Mesopotâmia, há mais de 3.000 anos a.c, homens usavam brincos<br />

antes mesmo que as mulheres; na Roma Antiga, seus semelhantes<br />

usaram saias curtas (até mesmo os soldados); no início do Renascimento<br />

(século XV) usaram meias justas coloridas e túnicas curtas chamadas<br />

“gibão” (poder-se-ia dizer que seria o ancestral mais antigo do famoso<br />

e indispensável paletó atual); durante o Barroco e o Rococó(séculos<br />

XVII e XVIII) homens maquiavam-se com pó-de-arroz, usavam perucas,<br />

roupas com laços e/ou bordados, além das rendas e saltos razoáveis nos<br />

sapatos, sem falar nos tecidos ornamentados e com cores em profusão<br />

(BRAGA, 2006, p.68).<br />

Nos séculos XVII e XVIII, os homens vestiam-se com extravagância, pois os costumes baseavam-se<br />

nos valores de uma cultura de aparência, a qual teve como ícone o rei francês Luís XIV, conhecido<br />

como o Rei Sol. Contudo, a Revolução Industrial fez com que a sociedade capitalista valorizasse<br />

o trabalho como objetivo principal do homem moderno, restringindo à moda masculina peças<br />

mais sóbrias e discretas. Assim, a indumentária feminina passou a ser caracterizada pelo exagero<br />

e requinte, como símbolo da ascensão econômica dos maridos, enquanto, estes precisavam usar<br />

trajes que correspondessem às mudanças de comportamento do período, transmitindo seriedade<br />

através de suas roupas. Portanto, os contrastes das vestimentas dos gêneros se acentuavam como<br />

delineia Souza (1987)<br />

Bastante diverso é o itinerário percorrido pela indumentária masculina.<br />

Em vez de estar sujeita a ciclos, a um ritmo estético de expansão de<br />

um determinado elemento decorativo levado ao limite máximo [...], a<br />

roupa masculina se simplifica progressivamente, tendendo a cristalizarse<br />

num uniforme (SOUZA, 1987, p.64).<br />

Por conseguinte, cortes clássicos e cores, como preto e branco, foram qualificados como<br />

características principais do novo modo de vestir masculino. A moda masculina transformou-se<br />

numa necessidade e não numa variação de estilos, e que nem todos poderiam pagar pelo trabalho<br />

do alfaiate. No Brasil, até meados da década de 1930, Barros (1997) discorre que<br />

Os jovens compravam roupa do mesmo modo que seus pais e avôs<br />

haviam comprado e as etiquetas no terno eram sempre de um alfaiate,<br />

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geralmente daquele que sempre havia atendido aos homens da família.<br />

Se o terno branco, quase sempre de linho, servia para o dia-a-dia,<br />

o terno preto de tropical era necessário para ocasiões que exigiam<br />

respeito (BARROS, 1997, p.137).<br />

A moda masculina brasileira mantinha-se formal seguindo as mesmas orientações dos outros<br />

países ocidentais. Em situações descontraídas, como idas aos cinemas, exigia-se que os homens<br />

vestissem calças de alfaiataria, ternos e gravatas, para que sua imagem não fosse distorcida<br />

daquela determinada pelos costumes. As combinações mais inusitadas seriam mal vistas, do modo<br />

como descreve Barros “seria uma heresia combinar uma gravata de bolas com camisa xadrez, ou<br />

um jeans com blazer, ou uma camisa preta com um terno da mesma cor” (IBID, p.142).<br />

No começo da década de 1960, a moda masculina no Brasil começa a ser influenciada pelos efeitos<br />

das revoluções culturais que estavam ocorrendo no mundo [5], com isso foram criadas matérias<br />

de moda masculina nas revistas dedicadas a esse público, como na revista Quatro Rodas [6], no<br />

intuito de atender às exigências desse novo perfil de público masculino que surgia. Caldas (1997)<br />

classifica esse período como peacock revolution, ou seja, a revolução do pavão, que simboliza a<br />

mudança na moda masculina com a introdução de estilos diferentes do tradicional.<br />

A moda unissex e a moda sportwear fizeram com que a moda deste gênero se tornasse mais<br />

irreverente e descontraída, permitindo que o homem moderno apresentasse seu novo papel, o<br />

qual não seria totalmente relacionado ao mundo do trabalho. Apesar da geração dos yuppies [7]<br />

ter retomado essa associação da imagem masculina ao poder e à riqueza, no fim do século XX,<br />

esse novo homem tem maior liberdade de fazer suas próprias escolhas, procurando valorizar<br />

sua imagem sem ter sua masculinidade posta em questão. Ricardo Almeida e Mário Queiroz são<br />

estilistas brasileiros referências para esse novo perfil do homem contemporâneo, que procura se<br />

vestir bem em todas as ocasiões.<br />

Devido a essa mudança de comportamento, eles se interessam em seguir as tendências de moda, a<br />

irem aos salões de beleza com mais frequência e até mesmo em assumir uma identidade dissociada<br />

do ideal masculino moldado pela cultura patriarcal. Logo, o perfil do homem contemporâneo<br />

torna-se cada vez mais diversificado, o que pode ser percebido através das roupas que veste, dos<br />

objetos que consome e dos lugares que frequenta. Segundo Braga (2005), a vaidade masculina<br />

segue as regras da sociedade de consumo, ou seja, o homem informa-se sobre assuntos ligados a<br />

aparência, como moda, buscando por produtos que satisfaçam seu gosto pessoal.<br />

Com isso, a moda masculina inova-se ao se aproximar da personalidade de cada um, tentando se<br />

desvincular dos valores de comportamento idealizado do gênero masculino como reafirma Queiroz<br />

(2009)<br />

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Pensar o “indivíduo” traz novas possibilidades para esse homem que<br />

desde criança se habitou a seguir o pensamento do coletivo e a se<br />

posicionar mediante os conceitos recebidos. Nesse ponto a moda é<br />

fundamental por abrir brechas dentro dos conceitos impostos e a expor<br />

uma nova oportunidade: “seja você mesmo” (QUEIROZ, 2009, p.49).<br />

Os meios de comunicações comprovam que os gostos desse “novo homem” não se limitam apenas<br />

aos assuntos relacionados a mulheres, carros e esportes. Tornaram-se comuns a publicação de<br />

revistas dedicadas ao público masculino, como as revistas Men’s Health [8] e Alfa [9], que tratam<br />

de assuntos antes referidos ao público feminino, como moda, saúde e beleza. Outros veículos<br />

de comunicação, como o blog <strong>Moda</strong> masculina por Lula Rodrigues [10] e o programa de TV por<br />

assinatura Lado H [11], exibem novidades na moda masculina, principalmente na moda comercial.<br />

Por conseguinte, se o homem contemporâneo absorve essas informações, significa que ele, aos<br />

poucos, se identifica com essa mudança, rompendo com o padrão de se vestir bem somente no<br />

ambiente de trabalho.<br />

Essa forma de comportamento se intensificou, principalmente, após o surgimento do homem<br />

“metrossexual”, termo, que segundo Paulino (2004), foi criado pelo jornalista inglês Mark Simpson<br />

para denominar o novo homem urbano que se preocupa em manter a boa aparência, consumindo<br />

roupas de grifes e cosméticos, indo às academias e aos salões de beleza com mais frequência. A<br />

partir desse conceito, eles se sentem estimulados a cuidar da aparência como forma de valorizar<br />

a auto-estima, desviando-se do ideal de estereótipo masculino com o propósito de adequar-se às<br />

exigências da sociedade atual.<br />

Considerações sobre a moda e a vaidade masculinas em Fortaleza<br />

Ao atentar as modificações do comportamento masculino contemporâneo em diversos lugares<br />

e também no Brasil, interessa compreender o contexto local a fim de conhecer a realidade do<br />

perfil de um grupo de homens fortalezenses, buscando entender como estes se comportam com<br />

relação ao consumo, à moda e à sua condição de gênero. Para esta finalidade, foram realizadas<br />

entrevistas no salão de beleza D’Flavios, por ser um local no qual se concentrava uma amostra<br />

significativa de homens “modernos”.<br />

O salão D’Flávios localiza-se no bairro da Aldeota [12], e além de atender mulheres, o lugar é<br />

frequentado constantemente por homens, e por causa disso, possui um espaço exclusivo destinado<br />

ao atendimento destes [13]. O negócio oferece serviços, como cuidados com o cabelo, barba,<br />

bigode, manicure, e também outros mais específicos e personalizados, como tratamentos de pele<br />

e o “dia do noivo”.<br />

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Dentre o número de clientes presentes no salão durante os dias escolhidos para as entrevistas,<br />

foram selecionados dez homens na faixa etária de 29 a 61 anos, a maioria composta por homens<br />

casados, e que exercem profissões tradicionais, como advogados, militares, empresários e<br />

comerciantes. Os depoimentos mostram que eles vão ao salão de beleza porque valorizam uma<br />

imagem bem cuidada, revelando que esta é essencial para preservar a autoestima. Antônio, 29<br />

anos [14], ressaltou que preza por cuidados com a sua imagem para atrair a atenção da esposa, e,<br />

quatro entrevistados são vaidosos “na medida”, que, de acordo com Mauro, 53 anos [15], significa<br />

que não se assemelham ao comportamento do metrossexual, não se cuidam de forma exagerada.<br />

A vaidade masculina é mais percebível por razão da boa aparência que os homens são “obrigados”<br />

a apresentar no mercado de trabalho, de acordo com Garcia (2004). Por causa disso, eles<br />

costumam consumir peças de roupas, como, camisas e calças, pois segundo eles, são apropriadas<br />

a quase todas as ocasiões. Manuel, 61 anos [16], afirma que gosta de comprar camisas para fazer<br />

combinações com a gravata. Outros dois entrevistados, Paulo, 46 anos [17], e Roberto, 39 anos<br />

[18], que são mais exigentes, preferem gastar com roupas produzidas nos Estados Unidos devido<br />

ao baixo custo e melhor qualidade, ou ainda, no caso de Luís, 50 anos [19], que recorre aos<br />

serviços de alfaiataria por priorizar roupas na medida ideal do seu corpo.<br />

Alguns declararam que acompanham as tendências de moda masculina, adquirindo peças atuais,<br />

no intuito de se sentirem bem, inovando em diversas situações. Os entrevistados, Paulo e Manuel,<br />

mencionados anteriormente, também apreciam se vestir de forma mais “casual” no fim de semana,<br />

inclusive nas sextas-feiras, usando bermudas, jeans, tênis e camiseta, caracterizando o estilo<br />

definido como fridaywear [20]. José, 53 anos [21], foi o que se sobressaiu em relação aos demais<br />

ao confessar que compra com frequência cuecas e meias de cores diferentes.<br />

No que diz respeito à moda masculina, a maioria dos entrevistados concordaram que esta se<br />

diversifica ao se adaptar aos variados estilos de homens na atualidade. Luís destaca que “o<br />

cearense é criativo e inovador, e Fortaleza é uma cidade com grande potencial de moda”, pois o<br />

estado do Ceará é um dos maiores pólos de confecções do Brasil.<br />

Mauro [22] admite que a moda masculina passe por mudanças, mas não se inova tão rapidamente<br />

como a moda feminina. Do mesmo modo, sustenta Queiroz (2009, p.88), “[...] estamos falando<br />

da novidade da moda, da diferenciação semestral e dos elementos que trazem mais do que<br />

sobriedade”. Esta declaração tem a concordância de José, para quem, geralmente, essas<br />

informações não atingem o público masculino das classes C, D e E, sendo restritas somente às<br />

classes A e B. Ele ainda justifica citando o evento “Dragão Fashion Brasil” [23], que, segundo ele,<br />

é um evento divulgado, mas nem sempre acessível à maioria da população.<br />

Com relação à questão do gênero como delimitador de modos de comportamento, sobretudo na<br />

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cultura patriarcal do Nordeste, observa-se que esta ainda exerce forte influência no comportamento<br />

masculino diante das confissões dos entrevistados. Para eles, tal processo não ocorre tão fácil e<br />

rápido, como aponta Mauro, 53 anos, “na cultura nordestina, existe uma reação grande em relação<br />

à moda masculina, vai levar um pouco mais de tempo...” [24] e João, 40 anos [25], complementa<br />

que “essa mudança depende do ambiente, da cultura”. Já Ricardo, 54 anos [26], expressa seu<br />

parecer focando na relação com o sexo feminino, quando diz que “no nordeste, uma coisa que se<br />

fala, mas não se faz, o homem se mostra machista, pois tem um sentimento de posse muito forte<br />

em relação à mulher”. Ou seja, ele pode aparentar ser um homem moderno, mas, na realidade,<br />

ainda tenta manter um domínio sob o sexo oposto, resistindo, da mesma forma, em tratar da<br />

imagem e em consumir roupas masculinas mais ousadas.<br />

Porém, José [27] exprime que homens e mulheres são iguais e que “não se mede o homem do<br />

umbigo para baixo, e sim, do umbigo para cima”. Nos outros discursos sobre os conceitos de<br />

masculinidades, os demais entrevistados definiram o atual papel masculino sem mencionarem<br />

características referentes ao desempenho sexual e aos aspectos físicos, enfatizando os valores<br />

como, ética e responsabilidade com os compromissos, e a participação efetiva nas relações<br />

conjugais e familiares. Tais mudanças foram ocasionadas por causa da ascensão feminina no<br />

mercado de trabalho como justifica Calligaris (2010)<br />

[...] algumas características do machismo, felizmente, estão morrendo. Alguém que, por exemplo,<br />

diga que quer ter várias mulheres só pode ser doente. Até mesmo as respostas que se referem<br />

à presença da mulher no mercado de trabalho vão na contramão da visão machista do mundo<br />

(CALLIGARIS, 2010).<br />

Esta descaracterização do tipo “cabra macho”, como já foi descrito, se reconhece, também, na<br />

criação de salões de beleza masculinos, como exemplifica Paulo [28]. Além da preocupação com<br />

o visual, eles procuram por serviços que antes não eram tão comuns ao gênero masculino, como<br />

massagens e limpeza de pele, com a intenção de “conservar a saúde”. Para a esteticista Ana,<br />

responsável por tais serviços no salão, “eles querem se sentir iguais as mulheres no sentido de se<br />

cuidar”.<br />

De modo semelhante, estes fazem suas escolhas do vestuário sem terem a companhia feminina<br />

e compram roupas com detalhes diferentes, como camisas cor de rosa e camisetas em gola “V”,<br />

peças e cores que antes eram culturalmente associadas ao vestuário feminino. Com isso, o uso<br />

destes modelos de roupas por esses homens prova esta modificação no comportamento masculino<br />

com relação à vaidade, como reafirma Monneyron (2007)<br />

Essa função da roupa – de criar modelos que, uma vez imitados e reproduzidos, decidem<br />

representações, ditam comportamentos e antecipam mudanças – se exerce sobre as grandes<br />

estruturas da sociedade, e, é, por conseguinte, dessa maneira geral que ela pode ser observada<br />

(MONNEYRON, 2007, p.95).<br />

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Portanto, essa mudança do perfil destes consumidores masculinos de Fortaleza indica um reflexo<br />

do que acontece no contexto global. Caldas (2006) enfatiza que a atual condição do homem como<br />

gênero e como consumidor de moda faz parte das características da sociedade contemporânea,<br />

tendendo a serem mais visível nas novas “masculinidades”.<br />

O novo conceito de ser masculino corresponde às personalidades e culturas diferentes com<br />

especificidades locais, ou seja, não são todos os homens que têm opiniões em comum, conforme<br />

designei nas entrevistas que realizei em Fortaleza. Todavia, com a análise dos depoimentos dos<br />

entrevistados, supõe-se que o estereótipo masculino fixado pela cultura patriarcal não tem a<br />

supremacia marcante nos seus modos de ser e de se vestir.<br />

Considerações Finais<br />

Com o movimento feminista na década de 1960, os ideais de comportamentos de gênero<br />

desprenderam-se das regras sociais. Os questionamentos a respeito da identidade do gênero<br />

masculino fizeram com este revelasse as particularidades existentes, reforçadas pela importância<br />

com relação à aparência, principalmente com a moda. As diversificações ocorridas na moda<br />

masculina influenciadas pelo estilo de cada um são manifestações da liberdade individual proposta<br />

no período e que persiste até os dias atuais.<br />

Com isso, as relações de gênero se reconstroem através dos valores da sociedade individualista,<br />

a qual prioriza os cuidados com a estética e com o vestuário como formas de corresponder aos<br />

desejos de cada um. O que se confere na análise das respostas adquiridas na pesquisa, certificando<br />

que alguns habitantes da cidade de Fortaleza se enquadram nas características desta sociedade.<br />

Sendo assim, o perfil dos entrevistados demonstra que eles possuem uma liberdade de se cuidar<br />

de acordo com sua personalidade, porém não se definem como metrossexuais. Compram roupas<br />

com mais frequência devido ao trabalho e às outras circunstâncias, indicando que eles gostam<br />

de se diferenciar do demais. Por isso, as roupas masculinas consumidas em Fortaleza apresentam<br />

variações nos detalhes, como cores e estampas, e não nas formas, porque não se enquadram com<br />

os valores culturais do país de igualar o vestuário dos gêneros.<br />

Notas<br />

[1] O método da história oral consiste em analisar a oralidade, ou seja, a história contada<br />

pelo indivíduo, como um registro científico, contextualizando com as teorias bibliográficas e<br />

documentais (LOZANO, 2001).<br />

[2] O salão D’Flávio é um dos únicos espaços de Fortaleza dedicado ao tratamento estético<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

213


Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

masculino, e nele houve a possibilidade de entender o novo perfil desse homem, que usa roupas<br />

modernas e se preocupa com a imagem.<br />

[3] Fernandes (2008) cita o surgimento do grupo Hommes en Jupe (Homens de saia), o qual<br />

reivindicou pelo direito ao uso de saia, assim como as mulheres lutaram pelo direito ao uso<br />

de calça na década de 1960. O movimento teve como justificativa a diversificação do guardaroupa<br />

masculino, tornando a saia numa peça a ser usada normalmente por homens no dia-a-dia.<br />

Disponível em . Acesso em 30<br />

de março de 2011.<br />

[4] A empresa de confecção sueca Blaklader lançou um modelo de saia para operários de construção<br />

civil que consiste num modelo funcional com bolsos externos grandes para guardar as ferramentas<br />

e um bolso interno para objetos pessoais. Disponível em . Acesso em 30 de março de 2011.<br />

[5] Segundo Prates (2010), os movimentos culturais brasileiros, como o Cinema Novo e a Tropicália,<br />

teriam influenciado também na mudança de comportamento do homem brasileiro com relação à<br />

moda.<br />

[6] Devido ao crescimento da indústria automobilística no governo do presidente Juscelino<br />

Kubitschek (1956-1960), a revista Quatro Rodas foi fundada em agosto de 1960 pelo diretor<br />

da editora Abril Victor Civita e tratava de assuntos de interesse masculino como a indústria<br />

automobilística e roteiro de viagens. No ano de 1967, a revista Quatro Rodas foi o primeiro veículo<br />

de comunicação impressa no Brasil a falar sobre moda masculina, com matérias assinadas pelo<br />

jornalista Fernando Barros (IBIDEM).<br />

[7] Na década de 1980, surgem grupos de jovens profissionais que valorizavam o poder aquisitivo e<br />

status social, procurando demonstrá-los através do uso de paletós de grifes como Giorgio Armani.<br />

Essa expressão tem origem da palavra inglesa yup, que significa “jovem profissional urbano”.<br />

Disponível em .<br />

Acesso em 17 de abril de 2011.<br />

[8] A revista Men’s Health foi lançada no ano de 1987 nos Estados Unidos, e no Brasil, no dia 2 de<br />

maio de 2006. As primeiras edições desta revista traziam matérias referentes à saúde masculina,<br />

atualmente, estendem-se ao fitness, trabalho, à moda, tecnologia e viagem. Disponível em<br />

. Acesso<br />

em 19 de abril de 2011.<br />

[9] Lançada no dia 19 de setembro de 2010, a revista Alfa é destinada ao público masculino<br />

na faixa etária acima de 35 anos e traz uma abordagem diferente sobre este universo. Lisboa<br />

(2010) diz que a revista foi lançada no intuito de mostrar o comportamento do homem moderno<br />

de forma mais aprofundada, focando principalmente sua relação com a família, como também<br />

reportagens sobre personalidades, gastronomia, carreira, saúde e moda. Disponível em . Acesso em<br />

19 de abril de 2011.<br />

[10] Lula Rodrigues é jornalista e editor de moda masculina, autor do livro “Almanaque da<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

214


Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

moda masculina” e criador do “UEBA TV”, canal de web, que apresenta as novidades da moda<br />

masculina brasileira. Disponível em .<br />

Acesso em 01 de maio de 2011.<br />

[11] O programa Lado H é apresentado por Gastão Moreira no canal Fashion TV Brasil, que exibe<br />

reportagens sobre os variados estilos de vida do homem brasileiro. Disponível em . Acesso em 01 de maio de 2011.<br />

[12] Bairro de Fortaleza, onde se concentram os principais prédios comerciais, escritórios de<br />

advocacia, clínicas médicas e outros serviços.<br />

[13] O espaço masculino do salão D’Flávio é amplo, confortável e mais reservado. A quantidade<br />

de funcionários é composta no total de dez, dividida em duas manicures, uma recepcionista,<br />

três cabeleireiros, três esteticistas. Pelo fato de situar-se numa área movimentada e de grande<br />

desenvolvimento econômico, o salão é voltado para atender um público pertencente às classes A<br />

e B.<br />

[14] Os nomes dos entrevistados foram trocados para preservar a identidade. Entrevista realizada<br />

em 15 de abril de 2011.<br />

[15] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[16] Entrevista realizada em 26 de abril de 2011.<br />

[17] Entrevista realizada em 15 de abril de 2011.<br />

[18] Entrevista realizada em 28 de abril de 2011.<br />

[19] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[20] Na década de 1990, surge nos Estados Unidos, o hábito de frequentar o ambiente de trabalho<br />

às sextas-feiras, trajando peças casuais (CALDAS e QUEIROZ, 1997).<br />

[21] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[22] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[23] Evento de moda conceitual e comercial de grande renome no Nordeste e no Brasil, o qual<br />

revela novos talentos da moda cearense, lançando também estilistas autorais no mercado<br />

de moda cearense. Disponível em < http://www.dragaofashion.com.br/2011/sis.interna.<br />

asp?pasta=10&pagina=60>. Acesso em 09 de maio de 2011.<br />

[24] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[25] Entrevista realizada em 28 de abril de 2011.<br />

[26] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[27] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[28] Entrevista realizada em 15 de abril de 2011.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia<br />

Interdisciplinar<br />

Márcia Luiza França da Silva Batista [1] Mestre - Escola de Arquitetura da <strong>Universidade</strong><br />

Federal de Minas Gerais – EAUFMG e-mail: marcial@arq.ufmg.br<br />

Resumo<br />

Neste milênio, o campo de estudos das cidades nunca foi tão forte e expressivo,<br />

face aos objetos de análise e disciplinas universitárias implicadas. Esses estudos<br />

permeiam novas idéias em relação aos principais acontecimentos políticos e<br />

econômicos contemporâneos. São questões, no entanto, instáveis, teórica e metodologicamente<br />

falando, uma vez que não há um consenso sobre qual seria a<br />

melhor maneira de abordá-las. A teoria das Cinco Peles de Hundertwasser, com<br />

uma potencialidade aparentemente utópica, e a trilogia proposta neste estudo<br />

“sujeito-edificação-cidade” geram discursos (ex) intra muros que podem chegar a<br />

um discurso interdisciplinar “design-arquitetura-urbanismo”, possibilitando estudos<br />

mais consistentes para uma nova disciplina: a ergonomia urbana.<br />

Palavras-chave:<br />

design, arquitetura, urbanismo, sujeito, ergonomia.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Introdução<br />

No NPGAU – Núcleo de Pós Graduação da Arquitetura e do Urbanismo da Escola de Arquitetura da<br />

UFMG, estuda-se, numa tese de doutorado, a possibilidade de oferta de nova disciplina, ou área<br />

de estudos, inicialmente definida como “Ergonomia Urbana”. Nas conceituações genéricas sobre<br />

a Ergonomia, estuda-se mais a fundo o sujeito como ser fisiológico, numa dinâmica que permite<br />

sua interação com os produtos de um modo geral, com seu espaço físico habitacional e produtivo,<br />

e com o ambiente em que vive numa dimensão maior, que poderíamos aqui denominar como meio<br />

social. Mas, também, deve haver um aprofundamento que estude o sujeito como ser inserido em<br />

relações com outros sujeitos, em seus aspectos dinâmicos de relações sociais, de territorialidades.<br />

Esses aspectos têm relação direta com o fato de, desde os anos de 1960, quase todas as regiões<br />

metropolitanas passarem por grandes mudanças, que foram descritas por estudiosos urbanos como<br />

produto de uma “reestruturação urbana”.<br />

Um dos caminhos possíveis para este aprofundamento seria entender os diálogos “(ex) intra<br />

muros” existentes na trilogia proposta na tese, a princípio considerada como sendo “O SUJEITO<br />

– A EDIFICAÇÃO – A CIDADE”.<br />

Ao analisá-los, tentar-se-á criar, em cada elemento, uma intra relação informacional, e as possíveis<br />

inter-relações formadas nessa trilogia. Na discussão dos diálogos propostos, este trabalho tentará<br />

relacionar a teoria das “Cinco Peles”, do ambientalista Hundterwasser, para que seja formado um<br />

novo diálogo inter-disciplinar entre o <strong>Design</strong>, a Arquitetura e o Urbanismo, na escala dos (ex) intra<br />

muros sujeito, edificação e a cidade, respectivamente. O termo <strong>Design</strong> não está em sua forma<br />

ampla de discussão como projetos em geral mas, direcionado para o <strong>Design</strong> de Produto, Gráfico,<br />

Building <strong>Design</strong> e <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Dessa forma, o estudo e aplicação de uma nova disciplina ou<br />

área de estudos - Ergonomia Urbana – podem ter um desenvolvimento pensado, conforme a figura<br />

1, estabelecida abaixo:<br />

Figura 1: roteiro para discussão dos diálogos (ex) intra muros e interdisciplinares<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

No V Seminário da ANPUR [2], na mesa redonda MR4- “Condições de Trabalho Universitário no<br />

Campo dos Estudos Urbanos e Regionais: inserção institucional e desafios didáticos” – indagou-se<br />

sobre a inserção do <strong>Design</strong> e da Ergonomia como áreas de estudos para o planejamento urbano,<br />

e não como disciplinas isoladas, contribuintes apenas de práticas projetuais ou de avaliação.<br />

Constatou-se que as contribuições do <strong>Design</strong> e da Ergonomia atuam ainda numa micro escala, em<br />

suas vertentes e percursos, apenas de projetação, e destinadas sempre ao Ambiente Construído.<br />

E qual seria a dimensão, a escala de um ambiente construído?<br />

Atualmente, a Escola de Arquitetura da <strong>Universidade</strong> Federal de Minas Gerais (EAUFMG) oferta o<br />

Curso de <strong>Design</strong>, que em seus percursos, aborda o <strong>Design</strong> do Produto, o <strong>Design</strong> Gráfico e o Building<br />

<strong>Design</strong> (ou <strong>Design</strong> para a Construção), que pretende uma íntima relação com a Arquitetura. A<br />

Escola de Belas <strong>Arte</strong>s sedia o Curso de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, que apesar de suas peculiaridades, deveria<br />

estabelecer dentro de suas ementas, os aspectos da Sociologia e a Arquitetura, uma vez que, de<br />

modo crescente, são vistas orientações de dissertações e teses que tentam correlacionar essas<br />

áreas e que culminam com o comportamento e a inserção dos sujeitos nos territórios. Em discussões<br />

paralelas à mesa, evidenciou-se o pouco ou mesmo a ausência de docentes de <strong>Design</strong> e Ergonomia,<br />

na área do Planejamento Urbano. Desse modo, ao beber nas fontes da Sociologia, Geografia,<br />

Planejamento Urbano, Arquitetura e Urbanismo, crê-se ser possível estabelecer um percurso que<br />

possibilitaria estudar e refletir sobre esses diálogos (ex) intra muros e interdisciplinares, conforme<br />

demonstrado na Figura 1. Pensa-se até mesmo, chegar à conclusão de que haverá um pensar<br />

transdisciplinar.<br />

Ao fazer-se uma leitura da interlocução do Professor Geraldo Magela Costa (IGC/UFMG) [3] sobre a<br />

importância do uso dos termos “rótulo” e “conceito”, pode-se considerar que o primeiro carrega<br />

consigo um vazio, que pode remeter a uma banalização e desvios dentro de um tema, enquanto que<br />

o segundo leva a refletir sobre várias conceituações, gerando assim produção de conhecimento.<br />

Nesse mesmo evento, discutindo-se uma suposta “falência” do planejamento urbano, perguntouse:<br />

“Onde está o sujeito nesta história? Onde estão os interlocutores do sujeito com os projetos<br />

sócio-técnicos, com a cidade, com o meio, com o trabalho, com a sociedade?<br />

Para essa discussão, serão apresentadas as conceituações mais usadas sobre a Ergonomia. Em<br />

seguida, trabalhar-se-á a teoria de Hundterwasser, desmembrada em suas peles, e dentro de cada<br />

uma, as discussões pertinentes que podem conduzir ao tripé do roteiro proposto na Figura 1. Em<br />

seguida, na conclusão, novas propostas serão relacionadas para continuação do pensamento.<br />

Ergonomia<br />

A Ergonomia é uma ciência que estuda a relação do homem com o trabalho, com o objetivo<br />

de adaptá-lo ao primeiro. O trabalho será tratado aqui numa dimensão que envolve qualquer<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

atividade desenvolvida pelo homem, de uso e manipulação de produtos, habitações e vida num<br />

ambiente construído, em sua relação com a Ergonomia. Leva em conta, conforme define Martins<br />

(2008, p.319), o ser humano com suas habilidades, capacidades, limitações e características<br />

físicas, fisiológicas, psicológicas, cognitivas, sociais e culturais.<br />

São vários os conceitos a respeito da Ergonomia, que podem levar à trilogia proposta acima.<br />

Dentre os mais significativos, há a conceituação que considera a ergonomia como<br />

o estudo do relacionamento entre o homem e o seu trabalho, equipamento,<br />

ambiente e particularmente, a aplicação dos conhecimentos de<br />

anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas que surgem<br />

desse relacionamento. (ERGONOMICS SOCIETY, 2009).<br />

Outro conceito importante para a discussão é o que define a ergonomia como sendo<br />

o estudo das interações das pessoas com a tecnologia, a organização e o<br />

meio ambiente, objetivando intervenções e projetos que visem melhorar,<br />

de forma integrada e não dissociada, a segurança, o conforto, o bemestar<br />

e a eficácia das atividades humanas. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE<br />

ERGONOMIA, 2009).<br />

Finalmente, outro conceito igualmente relevante vem da IEA - International Ergonomics Association<br />

(2009), que trata a ergonomia (ou fatores humanos) como uma disciplina científica que estuda as<br />

interações entre os seres humanos e outros elementos do sistema, como a profissão que aplica<br />

teorias, princípios, dados e métodos, em projetos sócio-técnicos que visem melhorar o bem estar<br />

humano e o desempenho global de sistemas.<br />

Observações mais dedicadas ao planejamento urbano podem levar a questões potenciais<br />

de intervenções necessárias da Ergonomia, noutros aspectos que não apenas o conforto e a<br />

acessibilidade (temas recorrentes verificados em congressos e seminários da área), mas também,<br />

por exemplo, sobre as atributos de qualidades do lugar, o impacto do transporte individual<br />

no planejamento urbano, os tipos de relações com o ambiente, conseqüentes das diferenças<br />

sociais, da segurança e da tecnologia, o fluxo informacional que direciona a formatação de zonas<br />

habitacionais, dentre outros aspectos.<br />

Em seus estudos sobre o cenário da Macroergonomia, Bugliani (2007, p.60), descreve que a<br />

Ergonomia apresenta, atualmente, quatro níveis de atuação: o humano-máquina (IHC) ou<br />

Ergonomia de Hardware; o humano-ambiente ou Ergonomia Ambiental; o humano-software ou<br />

Ergonomia Cognitiva; e o humano-organização ou Macroergonomia.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

222


Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Nesta ótica, os objetos de estudo a serem tratados no presente ensaio tratam da Ergonomia<br />

Ambiental, que usa métodos de levantamento de dados para estudos ergonômicos, com<br />

destaque para os métodos sócio-culturais. Esses métodos são importantes para que se conheça<br />

o comportamento do grupo de pessoas, de suas relações, trocas e organização, principalmente<br />

quanto aos aspectos relacionados às zonas de espaço pessoal, que delimitam o comportamento<br />

humano. Essa organização pode estar relacionada com as “estruturas de poder das lideranças<br />

formais e informais do grupo” (IIDA, 2005, p.587).<br />

No entanto, de acordo com esta “visão profissional e aplicativa”, e analisando os trabalhos<br />

publicados em eventos científicos, é cada vez mais freqüente (porém, ainda tímida) a inserção de<br />

estudos ergonômicos relacionados ao meio ambiente, ao ambiente construído, e ao envolvimento<br />

da Arquitetura e do Urbanismo, a maioria relacionada ao conforto ambiental e à acessibilidade.<br />

Caberia, então, aos estudiosos, ampliar as atuações e aplicações da Ergonomia, com novas<br />

propostas na Arquitetura e no Urbanismo, a fim de melhorar essa relação usuário-ambiente.<br />

A Teoria das Cinco Peles<br />

Partindo da relação homem-trabalho, de ponta a ponta nesta dinâmica, depara-se com a Teoria<br />

das Cinco Peles, discutida de modo contextualizado, nas disciplinas de Ergonomia [4] e Seminário<br />

Temáticos, ministradas na <strong>Universidade</strong> Federal de Minas Gerais. Hundterwasser atuou como<br />

artista, ambientalista e pensador. A partir dos anos 1970, ele seguiu novos caminhos que propunham<br />

uma moral prática da beleza, na reconstrução de um modo de viver e agir sobre a vida, com<br />

consciência e atuação em seu habitat. A partir de seus pensamentos, é considerado como um<br />

religioso naturalista que prega uma nova moral, criticando com veemência o consumismo. Para<br />

ele, a sociedade em que vivemos é guiada pelo consumo, e torna-se criminosa, ao desviar o homem<br />

de ser como homem, de alcançar seu bem-estar e do ambiente. Assim, o autor desenvolve uma<br />

teoria, hoje amplamente divulgada como “Cinco Peles”. De modo pessoal, a autora deste trabalho<br />

considera a teoria aplicada com olhares descuidados, radicais e “rotulados” por seus seguidores,<br />

não pensada e desenvolvida adequadamente em suas potencialidades. Desse modo, ela será usada<br />

nesta segunda visão, procurando relacioná-la ao objeto de estudo do presente trabalho.<br />

Segundo Restany (1999), o vienense Hundterwasser corresponde cinco peles com cinco instâncias:<br />

a primeira pele como a epiderme; a segunda pele como a vestimenta; a terceira pele como a casa<br />

do homem; a quarta pele como o meio social e a identidade; e a quinta pele como a humanidade,<br />

a natureza e o meio ambiente.<br />

Hundertwasser quebra as linhas conceituais que distinguem arte e arquitetura, combate a linha<br />

reta e o racionalismo, torna-se um crítico polêmico sobre o capitalismo, a tecnologia e as formas<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

de degradação da natureza. Ao determinar sua teoria, o autor oferece elementos que podem<br />

colaborar nas reflexões sobre essa interação, e sobre um possível diálogo ente o sujeito e o<br />

ambiente, a partir da escala descrita acima. Para descrever sua teoria, é bem usada a espiral<br />

disposta na Figura 2.<br />

Figura 2: A espiral de Hundterwasser.<br />

Fonte: Restany (1999, p.1)<br />

A primeira pele: a epiderme<br />

A primeira pele tem sua discussão baseada na epiderme, como “primeira interface de existência do<br />

mundo com as demais” (MARTINS, 2008, p.321). Desde épocas mais antigas, há uma preocupação<br />

com o corpo humano, que pode-se começar a datar a partir de Vitrúvio, no século I a.C. nos<br />

estudos de cânones da proporção humana. Da Vinci, no Homem de Vitrúvio retoma esses estudos,<br />

continuados por John Gibson e J.Bonomi e finalmente determinados por Le Corbusier, nos anos<br />

1960, como o Modulor (Figuras 3, 4 e 5).<br />

Nessa dimensão primeira, a Ergonomia considera o corpo como ponte de partida para estabelecer<br />

sua relação com o trabalho. Assim, a escala humana é o ponto referencial, mesmo que diversos<br />

segmentos padronizem essa escala, igualem os tipos, gêneros e etnias. Não há aqui a intenção<br />

de pormenorizar os detalhes humanos como ser fisiológico, necessidade explícita das vertentes<br />

do <strong>Design</strong>, mas estudar e até mesmo relacionar e redefinir essa primeira pele de Hundterwasser<br />

como SUJEITO.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Fig.3 – Homem de Vitrúvio,<br />

Fig.3 – Homem de Vitrúvio,<br />

Leonardo Leonardo da Vinci da Vinci<br />

Fonte: www.corbis.com<br />

Fonte: www.corbis.com<br />

Fig.4 – Homem de Vitrúvio,<br />

Fig.4 – Homem de Vitrúvio,<br />

John John Gibson e J. J. Bonomi<br />

Fonte: Fonte: D'Anvers D’Anvers (1895, (1895,<br />

p.153). p.153).<br />

Fig.5 – Homem de Vitrúvio,<br />

Le Fig.5 Corbusier – Homem de Vitrúvio,<br />

Le Corbusier<br />

Fonte: Neufert (1976, p.30)<br />

Fonte: Neufert (1976, p.30)<br />

Nesta linha de pensamento, tem-se a Ontologia que trata da natureza do ser, de sua realidade,<br />

de sua existência. Da Silva (2010) mostra, por um viés artístico que trabalha o autorretrato,<br />

concepções e abordagens sobre o sujeito, que segundo Eduardo Viveiros de Castro [5], duas<br />

vertentes embasam a sociedade ocidental: a universitas com o modelo Estado-Nação, e a societas<br />

como “contrato social entre indivíduos independentes”.<br />

De acordo com Da Silva (2010), apesar de que o modelo societas seria o mais conveniente para tratarse<br />

da imagem do privado do sujeito, ambas “oscilam e se combinam durante o desenvolvimento<br />

das sociedades, desde a modernidade.” E, conforme Teixeira (2003, s.p) [6], “o homem se constrói<br />

no social, ou melhor, individualiza-se no social, passando a ser marcado pela constituição de algo<br />

que lhe é interior, privado e próprio”.<br />

Desse modo, discutir o (ex) intra muro do sujeito é discutir seus aspectos ancorados no viés<br />

sociológico, sob uma ótica em que o sujeito se forma, de acordo com a informação como formação<br />

de suas referências. Ao abordar a societas como discussão da privacidade do sujeito, somos levados<br />

à questão da privacidade, aspecto considerado como uma das qualidades do lugar por Malard<br />

(1992, p.239), e que Da Silva propõe que<br />

esse momento também vê a constituição da privacidade do indivíduo,<br />

pois o movimento interno de comparação e observação do mundo lhe<br />

permite emitir juízos, mas para isso é necessário o recolhimento para<br />

algum espaço privado e o consequente distanciamento dos outros (Da<br />

SILVA, 2010, p.102).<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

O estudo dos atributos das qualidades do lugar, proposto por Malard (1992) e Souza (2009), nos<br />

leva a crer que a privacidade pode ser descrita como um processo que controla os acontecimentos<br />

interpessoais, negando ou permitindo a participação na vida social. Desse modo, pode-se até<br />

relacionar, dentro da espiral de Hundterwasser e da trilogia aqui proposta, a relação – terceira<br />

pele – a casa do homem, e a edificação no discurso (ex) intra muros.<br />

Ainda sobre esse recolhimento, e tomando como base a citação de Teixeira em que o homem se<br />

constrói no social, tem-se também que, nessa privacidade, o indivíduo percebe, ao se conectar<br />

com o outro, que existem diferenças, traços pessoais singulares. Ele pode “olhar, observar,<br />

valorar, avaliar, valorizar, enfim, questionar [...] (podendo) se descentrar de seus ambientes,<br />

julga-os, não estando mais em uma relação de ser determinado por eles” (Da SILVA, 2010, p.103).<br />

Inserem-se aqui as categorias da privatização do espaço do indivíduo, propostas por Philipe Ariés<br />

[7] - o gosto pela solidão, que faz com que o indivíduo realize isoladamente suas atividades, e a<br />

amizade, ao selecionar outro indivíduo para partilhar suas atividades, estabelecendo seu círculo<br />

de relacionamentos.<br />

Na interpretação de alguns posicionamentos de Walter Benjamin (1994, p.199), como parte de<br />

informação e comunicação, quando o autor considera que a narração, presente em algumas<br />

culturas não individualistas, transmitem experiências, fatos que preservam costumes, tradições<br />

e ensinamentos, e estabelece uma interação entre narrados e platéia, e por mais distante que<br />

esteja no tempo, ela é atualizada pela platéia, de acordo com sua vivência. A passagem para a<br />

modernidade, considerada pelo autor, pode ser uma condição de “desorientação” do sujeito.<br />

Isto aqui é colocado pelo fato de se tentar explicar que o sujeito resulta numa força de tensões<br />

entre a sua subjetividade própria e a “dimensão coletiva de subjetividade”, o que remete à<br />

angústia (ELIA, 2004). E a angústia, por sua vez, remete à dúvida e torna-se tema de discussão de<br />

Descartes, o que pode nos explicar a dúvida metódica:<br />

É no ponto da angústia, por assim dizer, desse momento que Descartes,<br />

fazendo da dúvida seu método, responde algo que pode ser enunciado<br />

assim: “não posso estar certo de que, ao duvidar de tudo, inclusive do<br />

fato de que estou duvidando, continuarei duvidando, e assim a única<br />

certeza que posso ter é a de que duvido (ELIA, 2004, p.12).<br />

Aprofundando-se um pouco mais nas leituras de Da Silva (2010, p.106-110), ao questionar-se o<br />

indivíduo sobre si e sua existência, há que se ter um isolamento para responder. Há, portanto<br />

uma idéia de comportamento. É necessário, então, constituir-se espaços para o privado e para a<br />

materialização de suas reflexões. E para que o indivíduo constitua esses espaços privados, a vida<br />

social é fundamental, por fornecer fatos, histórias e situações que impõem comportamentos.<br />

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Essa vida social carrega consigo uma imbricada e complexa linha de pensamento. Primeiramente,<br />

vem à tona Bourdieu, trazendo-nos a transposição do conceito de capitais para além da ótica<br />

econômica, colocando-os no conceito de “campo” ao relacionar os capitais social, cultural,<br />

simbólico como seus instrumentos, compreendidos numa rede relacional, não numa ação interativa,<br />

mas de relações sociais estruturadas por interesses e formas de interesse do sujeito, conforme os<br />

estudos de Araújo e Melo (2007).<br />

O capital social se reproduz nas relações de família (base), impulsionada por ações que originam<br />

estratégias. Desse modo, vemos facilmente, o empenho de uma família em manter em suas rédeas<br />

uma posição por herança e ordem, já fazendo uma seleção em seu seio.<br />

O capital cultural, considerado como o domínio de alguém sobre um determinado conhecimento<br />

em um grupo, é distinto por Bourdieu em três instâncias: o incorporado, o objetivado e o<br />

institucionalizado. O primeiro que parte do contexto familiar (chamado de escolar); o segundo<br />

como a posse de bens de cultura, não somente material, mas também a posse do significado<br />

desses bens materiais, e o terceiro que legitima o poder simbólico, em seus títulos escolares<br />

e de atuação simbólica. Pode-se até mesmo considerar que o capital cultural estaria dividido<br />

entre cultura erudita e escolar. Essa “transmissão de capital cultural entre as gerações” é um<br />

mecanismo de “hereditariedade” tanto social quanto biológica, que também traz benefícios ao<br />

capital profissional. Assim, Bourdieu “atualiza” o conceito de habitus, sendo ele o conhecimento<br />

adquirido e propriedade de um capital, se torna uma “relação de cumplicidade ontológica com o<br />

mundo”. O habitus tem no capital cultural a reprodução que domina e legitima o poder simbólico,<br />

e em suas dimensões, teremos o que o autor denomina como aesthesis (gosto e estilo), eidos<br />

(lógica), héxis (corporal que inclui o gesto e a linguagem), e ethos (conduta moral do indivíduo).<br />

Desse modo, o habitus é a relação “homem-história”. De acordo com a lógica de Bourdieu, é<br />

possível até montar uma trajetória de relações entre os capitais, conforme a Figura 6.<br />

Figura 6: Trajetória de relações entre capitais.<br />

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Voltando a Descartes,<br />

o eu é um “constructo”, com as alteridades à sua volta: - o outro, a<br />

cultura, o inconsciente, que se transformam em fantasias, imagens,<br />

recordações, que ele transporta para sua realidade. Nessa [...]<br />

compreensão do sujeito como desejo de totalidade, mas aberto à<br />

aceitação de suas fissuras constitutivas. As suas fissuras são o “habitat”<br />

da alteridade, sem a qual não se constrói a antoidentidade. Nesse<br />

sentido, pensar no que é o sujeito implica pensar também no que<br />

é identidade, pois é por meio de suas relações de semelhança e de<br />

diferença que subjetividade se compõe. (DA SILVA, 2010, p.107).<br />

Assim, na trilogia que pretende estudar o SUJEITO, ele se coloca dentro da primeira pele, mas<br />

também se insere na quarta pele que trata da identidade.<br />

Na Primeira Pele, o sujeito é o elemento chave, centro, base para a projetação. Ao conhecer-se<br />

o sujeito, o indivíduo, pode-se reunir os conhecimentos sobre suas necessidades, seus desejos,<br />

suas limitações e capacidades, e estabelecer uma adequação entre usuário – produto. Se para<br />

Hundterwasser o tema da segunda pele é a vestimenta, para este estudo, a segunda pele torna-se<br />

então, o produto.<br />

A segunda pele: a vestimenta<br />

Quando o corpo representa “um modo de presença no mundo protagonizando vários papéis nas<br />

diferentes interações humanas” (CASTILHO, 2004, p.81), aborda-se a segunda pele, a roupa, que<br />

para a autora, “[...] reveste e se articula plasticamente com o corpo humano, o considerando<br />

como um suporte ideal” (IBID, p.92). Conforme é finalizado o item anterior, propõe-se então,<br />

não discutir a vestimenta como elemento de interação humana, mas refletir no produto como a<br />

embalagem do sujeito.<br />

A Ergonomia exerce, nesse caso, importante papel ao fornecer subsídios para o desenvolvimento<br />

de produtos, ao levar em consideração os elementos básicos que o sujeito necessita para se<br />

inteirar com o outro e com o ambiente. Assim, Itiro Iida (2005) fala sobre o comportamento em<br />

relação ao espaço pessoal. Na etologia [8], sabe-se que certos animais fazem demarcações e<br />

defesas de seus territórios. Também o ser humano possui um espaço pessoal, ao não admitir a<br />

entrada de intrusos. Se para os animais esse espaço é geográfico, para o homem, na Ergonomia,<br />

ele é considerado “como um ‘envoltório’ em torno de seu corpo, seguindo-o em todos os seus<br />

movimentos” (IBID, p. 583).<br />

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Essas considerações podem ser comprovadas, ao observar-se que as pessoas, ao sentarem<br />

em espaços públicos (bancos de jardins, espaços de alimentação, auditórios), demarcam seu<br />

território, colocando seus objetos pessoais como se reservassem um espaço próprio. Nas praças<br />

de alimentação, ao desenvolver-se mobiliário adequado, é necessário deixar um espaço mínimo<br />

entre uma pessoa e outra, que se torna um espaço psicológico de separação, ou seja, se para<br />

uma mesa para duas pessoas, projeta-se um tampo inteiro, ela será ocupada por apenas uma<br />

pessoa, mas se divide-se esse mesmo tampo em dois, com um espaço mínimo delimitador, ele será<br />

ocupado por duas pessoas, porque essa dimensão exígua, para o indivíduo, é reconhecida como<br />

limite, como demarcação de território.<br />

Itiro Iida (2005) relata experiências realizadas em espaços públicos, onde pessoas de grupos de<br />

estudos, deliberadamente, encostavam-se em outras pessoas. Estas, ao encararem o “intruso”,<br />

tinham as pupilas dilatadas, e afastavam o outro com os ombros. Aproximadamente, em dois<br />

minutos, 33% das pessoas afastam-se. Em nove minutos, 50% das pessoas repetem o procedimento.<br />

Apenas 3% das pessoas abordadas encaram o “intruso” e pedem que se afastem. Em veículos de<br />

transporte públicos, como trens, metrôs e ônibus, essa “fuga” é impossível, e são observados<br />

outros tipos de comportamento, como o desligamento, o olhar para o teto, para as janelas,<br />

a paisagem, e não encarar o outro. Atualmente, com as novas tecnologias, pode ser inserido<br />

nesse “desligamento”, o escutar de aparelhos móveis de escuta (mp3, mp4, rádios, celulares)<br />

conectados em fones de ouvido. Exames de urina e sangue dessas pessoas demonstraram traços<br />

de substâncias comprobatórias de estresse e desconforto, indicando que a invasão do espaço<br />

pessoal, ao provocar esses estados, reflete na redução de desempenho, pelo excesso de atenção<br />

e preocupação com o “intruso”. (IBID, p.583).<br />

Assim, estudiosos conseguiram dimensionar o espaço pessoal das pessoas - a proximia. Distâncias<br />

entre 45 e 75 centímetros, a partir do corpo, constituem o limite de uma “bolha” permitida para<br />

amigos e familiares, pessoas que não representam uma ameaça. Para pessoas desconhecidas, esse<br />

limite aumenta para 76 a 120 centímetro, próximo da distância do alcance de um braço. Esses<br />

dados tornam-se importantes no projeto de mobiliário urbano ou equipamentos urbanos.<br />

Já os pesquisadores Oborne e Heath [9] sugerem outras dimensões para esses espaços, dispostos<br />

na Figura 7. Essa valoração não deve ser rígida e engessada, ao considerar que temos situações,<br />

sexo, idade, cultura, personalidade - o SUJEITO envolvido no processo de interação, ao considerar<br />

essa segunda pele, o envoltório, como produto. Ao entrar no âmbito cultura, foi observado que<br />

as mulheres permitem um espaço menor do que os homens. A abordagem é mais aceita se feita<br />

lateralmente. O povo árabe é o que mais aceita a proximidade, diversamente dos norte-americanos<br />

e europeus. Nesse intermédio estão os latino-americanos e os asiáticos. (IIDA, 2005, p.584).<br />

Esse dimensionamento de “espaço pessoal” também é importante para se calcular a aglomeração<br />

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de pessoas em pé. Conforme Iida (2005), ao se considerar apenas as medidas antropométricas,<br />

tem-se a dimensão de 0,167m2 (ou 6 pessoas/m2) de projeção no piso, espaço inviável, por<br />

causar desconforto. O ideal seria estabelecer a metragem quadrada de 0,7 m2 ou 1,4 pessoas/<br />

m2 – espaço que não causa desconforto e sentimento de invasão. Mas, entre ser um espaço ideal<br />

e projetar o espaço real, variáveis interferem profundamente, principalmente aquelas de cunho<br />

capitalista, que podem ser mais discutidas nos estudos da terceira e quinta pele, que tratam das<br />

edificações e das cidades.<br />

Com a disseminação das informações dessa área de conhecimento, os produtos têm procurado<br />

atender, dentro da responsabilidade disposta pelos fabricantes, de elementos cada vez mais<br />

atrelados aos requisitos de manejo, aos limites de índices ergonômicos físicos, elementos estes<br />

cada vez mais estudados dentro da disciplina Ergodesign. Nessa área, tem relevância os trabalhos<br />

desenvolvidos visando a interação homem-produto, homem-computador, homem-ambiente<br />

construído, homem-transporte. Como a extensão do braço humano, o presente trabalho considera,<br />

então, a segunda pele como os produtos que proporcionam a execução das diversas atividades<br />

necessárias ao cotidiano do sujeito.<br />

Outras questões que devem ser levadas em consideração, são as que dizem respeito às propriedades<br />

ergonômicas de facilidades de manutenção, relacionadas ao tempo de vida útil dos produtos. Assim<br />

como o “rótulo” Sustentabilidade tem habitado as esferas de projetos, seus “conceitos” devem<br />

ser mais desenvolvidos e repensados, quer sejam de <strong>Design</strong>, de Arquitetura e do Urbanismo, tendo<br />

como origem a conscientização da centralidade energética da sustentabilidade ambiental dos<br />

objetos industriais. Nessa ótica, os produtos não podem mais ser considerados mais como bens de<br />

consumo, mas do ponto de vista do serviço que oferecem, no conceito de “desmaterialização”, ao<br />

se basear num critério correto de desenvolvimento sustentável. (ANPA, 2005, s.p.).<br />

Fig.7 – Zonas de espaço pessoal (Hall in Oborne e Heath, 1979)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

Fonte: Iida (2005, p.584)<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Fig.7 – Zonas de espaço pessoal (Hall in Oborne e Heath, 1979)<br />

Fonte: Iida (2005, p.584)<br />

A segunda pele fica atrelada à discussão do (ex) intra muro SUJEITO por permitir uma convivência<br />

do homem com equipamentos, ferramentas, mobiliários, utilitários, entre outros, mas ainda dentro<br />

da abordagem do sujeito. Numa discussão mais aprofundada, teríamos que abordar as questões<br />

psicológicas, a percepção, as capacidades de interpretação, resposta, aprendizagem, além dos<br />

elementos sócio-culturais, relacionados aos hábitos, costumes e estereótipos. Martins (2008),<br />

ao abordar os aspectos referentes à usabilidade, considera que, apesar de que a mesma tem<br />

origem nas relações de sistemas e interfaces digitais e informacionais, verifica-se a necessidade<br />

de sua extensão ao desenvolvimento de produtos, equipamentos urbanos e do meio ambiente,<br />

exatamente pelo fato de ela ser essencial na avaliação de produto-usuário.<br />

Além disso, não podem ser desconsiderados os requisitos técnicos, estéticos, as inovações<br />

tecnológicas, e principalmente levar em consideração o SUJEITO como centro, em suas necessidades,<br />

capacidades e limitações. (MARTINS, 2008, P. 324). O uso da tecnologia torna-se assim, um aliado<br />

e um cenário constante e futuro, exatamente por permitir que o “envoltório” do sujeito possa<br />

assumir diversas formas, e fazer uma ligação para o estudo da terceira pele, conforme pode ser<br />

visto na Figura 8. [10]. Dessa forma, a primeira e a segunda pele tornam-se elementos do (ex)<br />

intra muro SUJEITO, e permitem caminhar então pela terceira pele – a casa, uma vez que o sujeito<br />

habita uma EDIFICAÇÃO, tema do próximo item.<br />

A terceira pele: a casa do homem<br />

Para Hundterwasser, a terceira pele, a morada do ser humano, se amplia, ao considerar que “as<br />

pessoas vêem a casa formada de paredes, eu vejo a casa formada de janelas.” (RESTANY, 1997,<br />

p.59).<br />

Fig.8 – Veste que se transforma em cabana ou habitat. Ambulatory Survival Sac.<br />

Fonte: Martins (2008, p.327)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Fig.8 – Veste que se transforma em cabana ou habitat. Ambulatory Survival Sac.<br />

Fonte: Martins (2008, p.327)<br />

A casa, a morada do ser humano não é tratada aqui, no conceito tradicional da moradia, mas<br />

carrega consigo o ambiente como um todo, ao considerar moradia como trabalho (escritório,<br />

escolas, hospitais, fábricas, lugares públicos ou privados), e não trabalho (espaços culturais,<br />

restaurantes, academias, centros de diversão), enfim, todo ambiente construído em que o<br />

homem realiza suas atividades, sejam de trabalho, lazer, espiritualidade, etc. Nesse caso, além<br />

dos aspectos ergonômicos já citados anteriormente, teremos aqueles envolvidos com sistemas e<br />

processos organizacionais e políticos.<br />

Em Nielsen (1993), encontram-se relacionados cinco princípios da usabilidade a serem observados<br />

na projetação de sistemas (lembrando que, originalmente a usabilidade aplicava-se a sistemas<br />

digitais e informacionais, mas hoje aplica-se também ao produto e ambiente construído: a)<br />

satisfação (o usuário deve se sentir satisfeito e gostar do sistema); b) erros (caso ocorram, devem<br />

ser passíveis de correção, e devem ter um índice baixo de ocorrência. Não poderá haver ocorrência<br />

de erros catastróficos); c) capacidade de aprender (para uso do sistema, deve haver uma fácil<br />

assimilação do sistema); d) eficiência (deve haver eficiência de uso), e) capacidade de memória<br />

(deve ser fácil de ser lembrado no retorno do usuário, sem ter que aprender tudo novamente).<br />

Parece, portanto, que os ambientes coletivos têm procurado fazer referência a esses princípios. Mas<br />

os ambientes domésticos não os levam em consideração, ao se verificar o alto índice de acidentes<br />

e incidentes em ambientes com espaços de circulação inadequados, falta de acessibilidade interna<br />

e externa a ambientes, produtos, mobiliários e outros. Sabe-se que muitas edificações seguem<br />

legislações e normas que se aplicam à edificação pública e privada (edifícios residenciais), mas<br />

que essas legislações não se aplicam ao privado, ao individual, ao sujeito, pois é de seu livre<br />

arbítrio levar ou não em consideração os princípios acima, que torna densa a discussão, porque<br />

esbarraríamos no direito de propriedade e construção.<br />

Desses pensamentos, o presente ensaio chega à reflexão sobre as formas de planejar a edificação<br />

e a cidade. Na edificação, dadas as situações de isolamento e amizade, como ficam as formas<br />

verticais e as horizontais, em seus projetos para qualquer classe? Recorre-se aqui a Henri Lefebvre,<br />

que na obra “O direito à cidade” (1991), nos fala de refletir sob uma perspectiva cavaleira. Do<br />

entendimento da geometria, essa perspectiva está baseada em três vistas que distorcem uma<br />

imagem, de acordo com o ângulo. Uma vista a 300 (que reduz sua visão a 1/3), uma segunda<br />

a 450 (que reduz a ½) e outra de 600 (que reduz a 2/3). Essa metáfora poderia ser aplicada à<br />

consciência da cidade e da realidade urbana no imaginário das pessoas, ao considerarem morar<br />

em pavilhões ou conjuntos, à análise crítica que o autor faz que se distingue em 3 períodos:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

a) a indústria e o processo de industrialização destroem a realidade urbana pré-existente,<br />

destruindo-a pela prática e pela ideologia. A industrialização é um poder negativo: o social urbano<br />

é negado pelo econômico industrial;<br />

b) justaposto ao primeiro, em parte, em que a urbanização se amplia. A realidade urbana “fazse<br />

reconhecer como realidade sócio-econômica.” A sociedade inteira pode decompor-se, ao lhe<br />

tirarem a cidade e a centralidade, e<br />

c) a realidade urbana tenta se reencontrar ou se reinventar. Tenta a restituição da centralidade,<br />

pelo centro de decisão.<br />

Na Ergonomia, para se projetar espaços confortáveis para sua vivência, Itiro Iida (2005, p.586-<br />

591) faz menção a alguns princípios, conforme dispostos a seguir:<br />

a) Levantamento de dados ergonômicos para o projeto de edifícios: devem ser levados em conta as<br />

características e funcionamento do corpo humano, em seus sistemas sensoriais e motores (primeira<br />

pele), além do comportamento individual e social (sujeito). Assim, o autor propõe que o projeto<br />

deve ser elaborado de dentro para fora, usando dois métodos para fazer o levantamento dessas<br />

características. O Método Direto, usado para fazer levantamento de atividades, preferências e<br />

necessidades das pessoas. Nesse caso, são usados questionários, entrevistas e ou observações<br />

sistemáticas. Todos devem ter um roteiro pré-elaborado. Na disciplina de Ergonomia, há uma<br />

unidade inteira dedicada a Métodos e Técnicas em Ergonomia, que orientam a abordagem da<br />

coleta de dados, inclusive a formatação gráfica e hierárquica dos roteiros para questionários e<br />

o direcionamento subjetivo de entrevistas. É sabido que há controvérsias sobre esses métodos,<br />

dadas as possibilidades de distorções de dados, principalmente na leitura e interpretação de<br />

perguntas e respostas, o que costuma, nesse caso, levar para 10% o índice de respostas aos<br />

questionários. Quanto aos métodos de observações sistemáticas, existe também uma tendência<br />

de se observar sempre um usuário típico, um padrão, deixando de lado observações que trariam<br />

dados mais relevantes à pesquisa. Os Métodos Sócio-culturais, usados para se ter conhecimento<br />

do comportamento das pessoas, seus modos de organização, de relacionamento, de troca de<br />

informações e de colaboração, tanto em ambientes formais (organizacionais) quanto informais.<br />

Privilegiar os ambientes formais em detrimento dos informais pode trazer falhas sérias de projeto. A<br />

observação da distribuição da edificação, de acordo com seu uso, pode comprometer a informação,<br />

o contato, a circulação, a ocupação ou isolamento de espaços, privacidade. Além disso, é inegável<br />

a ocorrência das estruturas de poder de acordo com a organização do espaço, em que o domínio<br />

de determinados locais está relacionado com o domínio do poder, com a autoridade.<br />

b) Uso de dados ergonômicos no projeto de edifícios: deve fornecer informações, que<br />

complementares a outras, como antropometria, alcances, etc, fornecem subsídios para as<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

avaliações de alternativas dos projetos. Há, de acordo com Iida (2005, 588) uma correlação positiva<br />

entre o dimensionamento e o uso do espaço com o comportamento dos indivíduos. As diferenças<br />

existentes entre as preferências de uso do espaço podem fazer com que as pessoas moradoras de<br />

conjuntos habitacionais, por exemplo, modifiquem suas edificações, colocando-as a seu modo.<br />

Isto poderá ser visto na quarta pele, ao se tratar da identidade. Também, internamente, há uma<br />

preferência do uso de espaços. Pesquisas demonstram que, para ambientes de leitura, 50% são<br />

feitas na sala de estar, 24% no quarto de dormir, e 6% na cozinha. Desse modo, pode-se questionar<br />

o fato de as residências de baixa renda serem apenas derivações compactadas das de classe média,<br />

anulando uma diferença qualitativa no uso do espaço. Assim, para a projetação de edificações,<br />

não apenas os aspectos físicos (ventilação, iluminação, conforto térmico, etc), devem ser levados<br />

em consideração, mas também a possibilidade de flexibilidade do uso do espaço, de ambientes<br />

de uso não funcionais ou não previstos para ambientes de trabalho ou lazer, ou outras funções.<br />

c) Fluxo de pessoas em espaços congestionados: O congestionamento de espaços públicos<br />

demonstra a inobservância da organização dos mesmos, sem o pensamento do fluxo das pessoas,<br />

das informações, da circulação, das necessidades ou acessos de determinados postos ou demandas<br />

de serviços ofertados. Obviamente, haverá uma formação de filas, cruzamentos e colisões de<br />

pessoas, quando não se pensa nos elementos constituintes de uma edificação, como portas,<br />

entradas e saídas, localização de roletas, guichês, balcões, e outros.<br />

Na abordagem de um dos conteúdos da disciplina “A Natureza Informacional do Espaço” [11] – a<br />

cidade como sistema de ações (fluxos) e objetos (fixos) em razão dos processos sociais induzidos<br />

pelo informacionalismo – pode-se ver que a sociedade contemporânea, diferentemente do mundo<br />

industrial, tem seus processos geradores, além de conhecimento, produtividade econômica e<br />

ordens (política e militar), que foram e são transformados pelo paradigma informacional, cujo<br />

produto é a informação, global e em tempo real. Não são mais processos de tráfego do produto<br />

que impulsionam os fluxos financeiros, mas tráfegos da informação. Desse pensamento, podemse<br />

gerar reflexões para o terceiro tema da trilogia – CIDADE, e, consequentemente – o urbanismo<br />

(DUARTE, 2002, p.175-191).<br />

Assim como os trilhos, as estradas e a alfândega são símbolos na passagem do século XX, as<br />

redes informacionais fazem parte da iconografia contemporânea. Essas redes, em constante<br />

transformação, colocam a distância entre os pontos como zero. Elas permitem, por exemplo,<br />

entregas just-in-time, ao refazer uma “geometria assimétrica e topológica”. Dos aviões modernos<br />

aos ultrasônicos, a via satélite de imagens televisivas, informações digitais e telefonia celular<br />

constituem o vetor material dos fluxos globais, que mudam a imagem do sujeito, dos espaços, das<br />

cidades, do mundo. Ao parar para pensar no que o autor leva a refletir, percebe-se a imbricada rede<br />

de práticas e relações que acontecem simultaneamente, sem que se perceba sua complexidade.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Ao retomar a definição de espaço, leva-se a crer que a lógica espacial que determina a rede se<br />

desenvolve por similaridades, como, por exemplo, a conquista oceânica, um espaço novo que não<br />

tem como ser entendido com os mesmos elementos intelectuais que fazem-nos entender o espaço<br />

continental. Esse pensamento permite que se elabore uma figura (9) que questiona o domínio das<br />

redes.<br />

Superfície terrestre + oceânica<br />

planeta<br />

Espaço, que tem o domínio<br />

de cada país.<br />

Fig.9 – Esquema demonstrando a lógica espacial que determina a rede que se desenvolve por<br />

similaridades.<br />

A figura representa o planeta, o mundo como espaço propriedade de cada país, e a superfície<br />

terrestre e oceânica. O anel na cor cinza representa o espaço, também como propriedade de cada<br />

país. Fica a pergunta: a propriedade das ondas que formam as redes, a quem pertencem?<br />

As redes informacionais, a raiz – a radical, pela ótica de Deleuse e Guattari [12], como metáfora de<br />

processos intelectuais distintos, interferem no modo de entendermos o mundo. A árvore simboliza<br />

a cultura ocidental, recuando em suas manifestações, até a raiz, seu núcleo gerador, com um<br />

desenvolvimento no sentido vertical. O rizoma, em sua superfície, se distribui por todos os lados.<br />

É o que acontece quando os buracos negros distribuídos num rizoma se<br />

põem a ressoar juntos, ou então quando os caules formam segmentos que<br />

estriam o espaço em todos os sentidos, e o torna comparável, divisível,<br />

homogêneo. É também o que sucede quando os movimentos de ‘massa’,<br />

os fluxos moleculares, se conjugam sobre pontos de acumulação ou de<br />

parada que os segmentam ou os retificam. Porém, inversamente, ainda<br />

que sem simetria, os caules de rizoma não param de surgir das árvores,<br />

as massas e os fluxos escapam constantemente, inventam conexões que<br />

saltam de árvore em árvore, e que desenraizam: todo um alisamento<br />

do espaço, que por sua vez reage sobre o espaço estriado. Mesmo e,<br />

sobretudo, os territórios são agitados por esses profundos movimentos.<br />

Ou então a linguagem: as árvores da linguagem são sacudidas por<br />

germinações e rizomas. Por isso, as linhas de rizoma oscilam entre as<br />

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linhas de árvores que as segmentarizam e, até as estratificam, e as<br />

linhas de fuga, ou de ruptura, que as arrastam. (DELEUZE & GUATTARI,<br />

1997, p.221).<br />

Esta questão está bastante ligada à navegação em rede, que possuem alguns princípios propostos<br />

pelos autores.<br />

Uma vez transitando entre informações modularizadas, é o leitor quem define o caminho que<br />

seguirá, o caminho de sua navegação. Ou seja, a hipermídia não é lida linearmente, mas por meio<br />

de buscas, de escolhas, de descobertas, uma vez que ela possui uma grande concentração de<br />

informações. No entanto, a navegação pode resultar em dois caminhos: o da orientação, em que o<br />

leitor encontra e atinge seus objetivos; e o da desorientação, quando ele não é capaz de formatar<br />

um mapa cognitivo do que seja um documento. Para isso, ele precisa seguir um roteiro, dicas de<br />

um caminho a percorrer. Daí a alusão à Biblioteca de Babel, de ser uma periferia sem centro,<br />

conforme o conceito de rizoma de Deleuze. Se o leitor imersivo não consegue ajustar seu mapa<br />

de orientação, a navegação pode gerar frustração e desconcerto. Assim, os programas de busca<br />

na www permitem que se procurem caminhos por palavras-chave. Ou mesmo que possibilitam ao<br />

usuário o não acesso a determinados sites, e até mesmo a filtragem de informações que não se<br />

quer receber. (BATISTA, 2008, p.63)<br />

Crê-se que aqui, tem importância, a diferença entre decalque e mapa, este ligado ao rizoma por<br />

seus métodos gráficos, objetivos e conhecimento do terreno, sujeito a mudanças, enquanto que<br />

o primeiro é uma repetição sem alterações, estática. A malha material, territorial, a ferroviária,<br />

a rodoviária com seus custos de manutenção denotam, deixam marcas de sua existência,<br />

diferentemente da malha espacial, dos aviões, da comunicação. Mas, há indícios da inexistência<br />

de uma liberdade completa, de uma limitação, que pode ser vista no aumento do tráfego, na<br />

construção de pistas em função dos aviões.<br />

Interessante observar as cenas do imagético filme “Koyaanisqatsi” [13], o tráfego simultâneo<br />

de carros e aviões, numa materialidade simulada do convício do espaço aéreo com o terrestre.<br />

Parrochia nos alerta para a manipulação dessas redes acentradas ou difusas. O livro “Fortaleza<br />

Digital” [14], mesmo sendo ficção, dá uma mostra da manipulação das redes.<br />

Duarte (2002. p.175-191), ao questionar os elementos fixos do espaço, faz uma referência a Manuel<br />

Castells (1999, p. 467-521), que considera que o “espaço de fluxos substitui o espaço de lugares.”<br />

E que esses têm importância para concretizar as transformações econômicas globais, mas que<br />

perdem significação cultural, geográfica e histórica, quando se integram às redes informacionais.<br />

Ao abordar as cidades do espaço de fluxos, o autor faz uma breve análise da história urbana, a<br />

fim de esclarecer que o que “o incremento de fluxos não é antagônico à permanência posicional<br />

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próprias às cidades.”<br />

Pode-se perceber isto, na leitura de Henri Lefebvre, em sua obra “A Revolução Urbana”. Para ele,<br />

o termo “sociedade urbana” define a sociedade que nasce da industrialização. Como as ciências<br />

especializadas (sociologia, economia política, história, geografia humana, e outras) propõem<br />

várias denominações para a sociedade, pode-se falar então de uma “sociedade industrial”, e<br />

consequentemente, de uma “sociedade pós-industrial, sociedade técnica, sociedade de abundância<br />

de lazeres, de consumo, etc.”. Assim, sociedade urbana designa “a tendência, a orientação, a<br />

virtualidade.” Sendo virtual, torna-se um objeto possível, do qual pode-se mostrar sua trajetória<br />

“relacionando-os a uma processo e a uma práxis.” (LEFEVBRE, 1999, p.16).<br />

O autor traça um eixo, uma trajetória, “que vai da ausência de urbanização [...] à culminação<br />

do processo. Pode-se pensar que o posicionamento da cidade industrial, antecedente à “zona<br />

crítica”, tendo aí uma zona por ele determinada como implosão-explosão, carrega as questões do<br />

que é o urbano hoje, em todas as conseqüências de sua “enorme concentração [...] na realidade<br />

urbana, e a imensa explosão, a projeção de fragmentos múltiplos e disjuntos [..].” Nesse eixo<br />

traçado por Lefevbre, que vai de zero (ausência de urbanização, a pura natureza, a terra entregue<br />

aos seus elementos) a 100% que é a culminação do processo, nota-se sua espacialidade (o processo<br />

se estende no espaço que ele modifica) e temporalidade (se desenvolve no tempo, inicialmente<br />

menor, mas posteriormente, predominante, da prática e da história). Assim, tem-se a figura 10<br />

que demonstra o eixo:<br />

Fig.10 – Trajetória da urbanização proposta por Lefebvre.<br />

Fonte: Lefebve, 1999. Dados compilados do autor.<br />

O final do século XX assiste à origem de uma mudança tecnológica que altera “drasticamente” o<br />

“paradigma industrial pelo informacional”, já, nos 1960, muito debatido por McLuhan. Ainda na<br />

leitura de Duarte (2002), tem-se que o casal Toffler denomina essa mudança de “Terceira Onda”,<br />

o fim da “civilização da camisa de força”. Vale lembrar que o uso da Internet, inicialmente, era<br />

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propriedade dos militares, em suas estratégias de obtenção de informações importantes e sigilosas.<br />

Se capitalismo e socialismo tinham a industrialização como “motriz”, o socialismo se enfraqueceu,<br />

no confronto de sua estrutura e fundamentação com o futuro, ao passo que é o “capitalismo<br />

informático e individual” que vem alterar o conjunto da sociedade qualitativamente. A previsão<br />

dos Toffler era de um processo inverso do visto acima na formação das cidades, com as pessoas<br />

retornando ao campo, mas conectadas às redes. Na realidade, o que acontece é a formação de<br />

uma “sociedade informacional global em rede. Pergunta-se: revalorização (ou revaloração) de<br />

propriedades específicas de lugares, para criar ambiente adequado às fontes informacionais da<br />

sociedade em rede. Esse retorno poderia ser as “novas periferias”, como em Nova Lima, MG?<br />

Para Duarte (2002) Peter Hall observa que as cidades são formadas pela “sedimentação de valores<br />

nos lugares”, que se integra aos processos tecnológicos para uma adequação a essas mudanças.<br />

Cidades como Londres, Paris, Barcelona, Milão e Roma, segundo o autor, já eram importantes<br />

desde a civilização, mas têm seu fortalecimento no apogeu do sistema ferroviário. Dadas as<br />

transformações de amplo aspecto da construção da União Européia, os fluxos da sociedade global<br />

ganham força e reconstroem o mapa regional, determinando assim, “faixas” de poderes européias<br />

- Bruxelas, Frankfurt e Berlim, Barcelona, Marselha, Nice e Milão. Entre essas faixas podem ser<br />

vistos pólos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. O local não quer dizer isolamento, mas<br />

flexibilidade, de acordo com aquela estrutura rizomática, das redes informacionais, discutidas<br />

anteriormente. Os fatores que permitem esse desenvolvimento estão mais ligados a aspectos<br />

de capitais culturais, econômicos, intelectuais, comunicacionais que tornam essas regiões<br />

“informacionalmente ricas”, como ambientes inovadores, que dinamizam os “fluxos globais de<br />

signos, produtos e pessoas.<br />

Igualmente no texto de Castells, Duarte (2002) faz referência a Saskia Sassen ao definir as cidades<br />

globais como os lugares mais adequados à sociedade informacional, como Londres, Tokyo e<br />

Nova York. Pelas redes, esse triângulo cobre todo o fuso horário diário, ficando assim, aberto,<br />

o mercado. Para a autora, são quatro os fatores determinantes que definem essas “cidades<br />

globais”: empresas financeiras atuantes do mercado global, pontos de comando da economia<br />

mundial, centros de inovação tecnológica e mercado para essas inovações.<br />

Desse modo, a fluidez tecnológica permite que as políticas urbanas sejam compatíveis com as<br />

dinâmicas econômicas próprias de cada tecnologia. O autor conclui, afirmando que as redes<br />

informacionais se criam onde os fluxos podem trafegar, não pede novos espaços, mas se infiltra no<br />

que já existe. Cabe então, às políticas urbanas valorizarem os fluxos fixos, determinado estratégias<br />

para seu uso.<br />

Assim, gradativamente, a teoria de Hundterwasser avança sobre as abrangências da interação do<br />

homem no mundo. A primeira e a segunda peles fazem então, referência ao primeiro elemento<br />

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da tríade do presente ensaio: o sujeito. A terceira pele faz referência ao segundo elemento: a<br />

edificação e também à cidade. Agora, parte-se para entender a quarta pele, relacionada ao meio<br />

social e à identidade.<br />

A quarta pele: o meio social e a identidade<br />

De acordo com Hundterwasser, a quarta pele relaciona-se com a família, o universo geográfico,<br />

social e cultural. Abrigando o individual e o coletivo, parece justificar as formas de interação.<br />

Assim como várias ondas que permeiam os estudos de várias disciplinas, parece hoje haver uma<br />

prevalência, por parte dos estudiosos da ergonomia, sobre um termo cunhado como <strong>Design</strong><br />

Emocional. Outras ondas vieram, possibilitaram estudos no design como a Biônica, entraram<br />

em decadência, tornaram a aparecer, e conclui-se que deve haver cuidados com a rotulação<br />

dessa nova área de estudos – a emoção, estudos que ainda são incipientes. Muitas vezes, novas<br />

rotulações dentro da área do <strong>Design</strong> contribuem para sua banalização, a falta de entendimento e<br />

a mistura de conceitos que o <strong>Design</strong> carrega. Ao falar da emoção, as articulações deste trabalho<br />

optaram por falar em <strong>Design</strong> e Emoção, denotando dois conceitos relacionados.<br />

Assim, a quarta pele, segundo os seguidores de Hundterwasser, tem uma grande relação com<br />

os aspectos emocionais dos produtos que interferem ou influenciam na identidade do sujeito<br />

enquanto usuários. Martins (2008, p.329) é enfática ao dizer que “não podemos prescindir de um<br />

olhar diferenciado para a compreensão da ergonomia” cabendo a essa disciplina equacionar as<br />

necessidades, aspirações, desejos tanto individuais quanto coletivos, massificando os produtos,<br />

sem, contudo, despersonalizá-los. Há alguns estudiosos empenhados em desenvolver pesquisas<br />

na área, dentre eles Patrick Jordan (2000), Donald Norman (2004), Lionel Tiger (2000), e até<br />

mesmo o grande estudioso da Ergonomia, Itiro Iida (2006). Tosi (2005) [15] acredita que, ao se<br />

adotar a Ergonomia, deve-se respeitar o usuário em todas as suas etapas de vida, atribuindo ao<br />

produto suas facilidades de uso - a usabilidade, o valor estético – agradável, o caráter inovador, a<br />

funcionalidade, o ergodesign, e sua viabilidade econômica.<br />

Já Patrick Jordan (2000) acredita que no desenvolvimento de produtos, deve-se levar em<br />

consideração os aspectos relativos a sonhos, esperanças, medos, aspirações, enfim, emoções dos<br />

usuários, que escolhem o produto pelo prazer ou desprazer. Nessa questão, o autor aborda estilos<br />

e atitudes de vida que definem o público de determinados grupos de usuários, que assim se<br />

inserem de acordo com sua identidade, como a feminilização, o hedonismo, a espiritualidade, o<br />

tribalismo, dentre outros aspectos. Dentro disso, Jordan hierarquiza a preferência dos usuários<br />

na escolha de um determinado produto como a funcionalidade, a usabilidade e o prazer no uso<br />

do produto.<br />

Tiger (2000) compartilha dessa teoria, e define, além da hierarquia proposta por Jordan, quatro<br />

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princípios, denominados de “Quatro Prazeres”: a) físico (o corpo e os sentidos); b) social (relações<br />

humanas e o status na sociedade); c) psicológico (processos de pensamento e reações emocionais);<br />

d) ideológico (preferências e valores).<br />

De qualquer modo, todos esses autores, ao abordarem o aspecto de identidade, o colocam realmente<br />

no âmbito de projetação, de uma interação declaradamente interativa em termos funcionais,<br />

estéticos e emocionais. Mas a autora deste trabalho considera que o termo Identidade carrega<br />

em si uma discussão maior, que é a identidade do sujeito enquanto parte de um sistema chamado<br />

cidade. O que coloca um sujeito morador de determinada área, integrante de determinado grupo,<br />

executor de determinada atividade? Quais aspectos devem ser levados em consideração nesta<br />

pele, do que não somente os aspectos emocionais, tão fortemente demarcados por Martins (2008)?<br />

Em que medida o meio social influencia a identidade desse sujeito? Quais aspectos individuais e<br />

coletivos devem ser levados em consideração na projetação do ambiente construído?<br />

Da Silva (2010, p.107) faz uma referência a três fatores para o reconhecimento da identidade,<br />

citados por Colombo (1991, p. 117) [16]: a) sujeito ou objeto que permanece no tempo; b) unidade<br />

que permite distinguir este sujeito ou objeto com relação ao outro e,c) entre dois objetos ou<br />

sujeitos, poder percebê-los com coincidência ou idênticos.<br />

Fundamenta-se aqui a identidade de um grupo ou de um sujeito a um ambiente social, mas<br />

percebendo que a identidade também pressupõe diferenciação. Segundo Woodward (2009), para<br />

que um sujeito se identifique, ele precisa situar pontos fora de si mesmo, que definam o que ele<br />

não é, mas que fornecem as condições para que ele exista. A “identidade é, assim, marcada pelas<br />

diferenças.” Desse modo, o autor considera a construção da identidade como simbólica e social,<br />

partindo de que<br />

O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada<br />

um deles é necessário para a construção e o esforço de manutenção<br />

das identidades. A marcação simbólica é o meio pelo qual nós damos<br />

sentido a práticas e a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é<br />

excluído e quem é incluído dessas práticas. É por meio da diferenciação<br />

social que essas classificações da diferença são “vividas” nas relações<br />

sociais. (WOODWARD, 2009, p.9).<br />

Finalmente, sobre a identidade, constata-se em Touraine (1995) a compreensão do sujeito,<br />

conforme citado por Da Silva (2010):<br />

O indivíduo não é senão a unidade particular onde se misturam a vida<br />

e o pensamento, a experiência e a consciência. O Sujeito é a passagem<br />

do [...] controle exercido sobre o vivido para que tenha um sentido<br />

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pessoal, para que o indivíduo se transforme em ator que se insere<br />

nas relações sociais transformando-as, mas sem jamais identificarse<br />

completamente com nenhum grupo, com nenhuma coletividade.<br />

(TOURAINE, apud Da SILVA, 2010, p.113).<br />

Nessa conceituação, pode ser identificada uma “transitoriedade do sujeito com o meio.”, uma<br />

“polaridade entre o indivíduo consumidor e o produtor”. O indivíduo consumidor age passivamente<br />

ao poder e ao capital, em ações acríticas. O indivíduo produtor não se reduz aos apelos do<br />

consumismo e assim constrói sua história.<br />

Da Silva (2010, p.111) ao estudar Giddens (2002) [17] relata que o cenário atual de guerras mundiais,<br />

o “redesenho geopolítico” do planeta, as ditaduras latino-americanas e africanas, o desmembrar<br />

da União Soviética, O Leste Europeu na Comunidade Européia, o desequilíbrio do meio ambiente,<br />

a globalização econômica, a contra-cultura, o multiculturalismo, todos são fatores que promovem<br />

a crise do sujeito no conhecimento atual. Unicidade e estabilidade representam um horizonte<br />

de representação para o sujeito. Vive-se hoje uma “cultura de risco”, exemplificadas pelas<br />

grandes migrações que modificam o ambiente cultural e social, pelos conhecimentos tecnológicos<br />

e científicos, pelo próprio cenário mundial, pelas possibilidades oferecidas aos sujeitos, e por<br />

mecanismos de desterritorialização.<br />

Há um estudo do Prof. Renato César Ferreira de Souza (2009) [18] sobre a Computação Ambiental<br />

e o Sentido de Lugar. Nesse trabalho, ao discutir os lugares urbanos, o autor discute uma proposta<br />

Korosec-Serafaty, no ensaio “Experiência e Uso do Habitar” de 1985, que investiga a idéia da<br />

habitação influenciar o morador. Korosec-Serafaty propõe três características fundamentais: a)<br />

criação do interno/externo; b) visibilidade, c) apropriação. Estas, consideradas como dimensões<br />

fenomenológicas, estão relacionadas com as qualidades do lugar (fenômenos relacionados), que<br />

comporão os elementos arquitetônicos, conforme pode ser visto na Figura 11.<br />

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Fig.11 – Relações entre as dimensões fenomenológicas, os fenômenos existenciais e os elementos<br />

arquitetônicos.<br />

Fonte: Souza (2009 p. 85)<br />

Estabelecer um interior e exterior é o resultado de alterações feitas no espaço, a fim de classificá-lo<br />

e diferenciá-lo como um lugar. Tem-se como exemplo a construção de muros, os posicionamentos,<br />

os sinais de demarcação de limites (cercas, árvores), que organizam os aspectos físicos do interior.<br />

Para Korosec-Serafaty o processo de criação de lugares corresponde a um movimento dual de<br />

diferenciação do espaço interior com o exterior, portanto, todos os ambientes construídos passam<br />

por esta delimitação, instituindo um território que possibilita definir o que é público e o que é<br />

privado.<br />

Restany (1997), ao descrever as cinco peles de Hundterwasser, o coloca como um indivíduo<br />

romântico, ao considerá-lo como um “pintor” de um quadro para viver sempre melhor. Esse “viver<br />

sempre melhor” seria sua última pele – a quinta, relacionada com a Humanidade, a natureza e o<br />

meio ambiente.<br />

A quinta pele: a humanidade, a natureza e o meio ambiente<br />

A humanidade e a natureza – a Terra – constituem a quinta pele, aquela que se relaciona com<br />

o Ecodesign – processo de desenvolvimento de produtos que incorpora princípios ambientais e<br />

ferramentas como já citado anteriormente na segunda pele. Há uma proposta de projetos que<br />

visem novas soluções, que por sua vez, gerem novos produtos e serviços, em novos cenários,<br />

baseados na tríade sustentável: desenvolvimento econômico-gestão ambiental-garantia das<br />

gerações futuras. (OLIVEIRA, 2006).<br />

A Organização das Nações Unidas (ONU) publicou um relatório em 1987 – Nosso Futuro Comum -<br />

que descrevia o estado do planeta e a relação essencial entre o futuro das comunidades humanas<br />

e o das comunidades ecológicas. Esse relatório foi a base para a Agenda da Conferência do Rio de<br />

Janeiro em 1992, e introduz pela primeira vez o conceito de desenvolvimento sustentável<br />

um crescimento para todos, assegurando ao mesmo tempo a<br />

preservação dos recursos para as futuras gerações. [...] abre então<br />

um novo horizonte ao discurso ambiental, até agora esclerosado em<br />

comportamentos alarmistas ou alternativas econômicas irrealistas. Essa<br />

proposta, que rompe com os antigos modelos econômicos, é a primeira<br />

a integrar meio ambiente com futuro econômico, social e cultural das<br />

sociedades humanas. [...] apresenta um novo paradigma fundado em<br />

uma relação de cooperação e de preservação de uma natureza que<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

integra a humanidade (KAZAZIAN, 2005, p.26).<br />

Ao se pensar hoje nos atuais níveis de consumo como o enfraquecimento da ligação emocional das<br />

pessoas com os projetos, após a Revolução Industrial e produção massificada, entende-se o que a<br />

quarta pele, com suas emoções, quer dizer. Se um produto é descartado hoje, talvez seja porque<br />

ele não atende às expectativas do usuário, daí a necessidade da conexão emocional do produtousuário,<br />

mesmo que ele não tenha beleza, nem função, mas valores emocionais, sentimentais.<br />

Pensando dessa forma, em reduzir o ritmo do consumo de produtos, está-se assim, fazendo uma<br />

conexão emocional com a sustentabilidade, ao preservar essa quinta pele, que protege, a um e a<br />

todos.<br />

Mas, essa quinta pele tem também suas conexões com a cidade, com o planejamento urbano,<br />

e ambiental, e consequentemente, com o urbanismo. O urbanismo carrega em si algumas<br />

ambigüidades, e, uma vez adotado com facilidade pelo uso corrente da palavra, significa os planos<br />

civis das cidades ou das “formas urbanas” de cada época (CHOAY, 2007, p.2). A autora prefere o<br />

emprego e o estudo do urbanismo segundo a definição da Larousse: “ciência e teoria da localização<br />

humana”, o que nos leva ao<br />

[...] surgimento de uma realidade nova: aos fins do século XIX, a<br />

expansão da sociedade industrial dá origem a uma disciplina que se<br />

diferencia das artes urbanas anteriores por seu caráter reflexivo e<br />

crítico, e por sua pretensão científica. (IBIDEM)<br />

Como é de consenso que a sociedade industrial é urbana, em que a cidade é o seu horizonte<br />

esta carrega também outros conceitos que trazem novas configurações, como as metrópoles,<br />

as conurbações [19], as cidades industriais e os grandes conjuntos habitacionais. Desse modo, a<br />

autora, ao percorrer uma trajetória sobre os teóricos que fundamentam o urbanismo, pretende<br />

evidenciar as razões dos erros cometidos, das incertezas e das dúvidas hoje existentes, cuja<br />

amplitude é fundamentada num grande número de literatura.<br />

No entanto, dentre essa abundância, destacam-se duas valiosas obras [20], a de Viet (1960), na<br />

qual os países comunistas contribuem significativamente, e a de Gutman (1963), que demonstra o<br />

aumento dos urbanistas que não somente se dedicam a transformar o meio físico, mas “dedicamse<br />

agora a modelar as estruturas sociais e culturais da cidade”. Enfim, Choay (2007) considera que<br />

o urbanismo pretende resolver o problema do planejamento da cidade maquinista, colocado nas<br />

primeiras décadas do século XIX, a partir dos questionamentos da sociedade industrial.<br />

Paralelamente à expansão do tecido urbano, os espaços centrais da cidade se valorizam e se<br />

tornam prioritários para o pacto do progresso e da modernidade, consolidando o espaço do poder<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

na classe da burguesia, privilegiada com os melhoramentos urbanos. Não obstante, tanto no Brasil,<br />

quanto em outras regiões, o zoneamento e a regulação do uso do solo pretendiam resolver os<br />

conflitos entre a propriedade privada do solo e das “demandas coletivas de integração e resposta<br />

à cooperação implícita no espaço urbano.” Comissões e órgãos técnicos de planejamento, na<br />

verdade, mascaram o processo de despolitização imposto na cidade e em sua expansão.<br />

Na obra de Martins (1996), para Lefebvre, a desigualdade do desenvolvimento histórico vem do<br />

homem que produz sua história, mas que a deixa, não se apropria dela, deixa-a órfã, a retomar<br />

seu rumo. A conceituação da formação econômica e social tem sua lógica ao tomar a natureza<br />

que explica o seu econômico e a sociedade por denotar o social. Explica, assim a ação do homem<br />

sobre a natureza na atividade social de modo a atender suas necessidades, na construção de suas<br />

relações. Nesse ponto, demonstra a supremacia do econômico em relação ao social.<br />

Lefebvre descreve as implicações metodológicas de Marx com a noção econômico-social. A primeira<br />

reside na ambigüidade da realidade social: horizontal e vertical, ao se eleger o mundo rural<br />

como referência nas implicações metodológicas. De fato, essa duplicidade contém procedimentos<br />

que identificam e que recuperam a complexidade horizontal da vida social, na sua diversidade,<br />

registrando, identificando e descrevendo o que se vê, residindo aí o momento descritivo do<br />

processo. A complexidade vertical da vida social está no método analítico-regressivo, faz-se a<br />

análise, a decomposição do que se viu, para datar exatamente, posto que cada relação social tem<br />

data e idade. Demonstra-se assim a importância das disciplinas como a sociologia, a antropologia,<br />

a história, a economia, a estatística.<br />

Outro momento desse método lefebvriano é histórico-genético, com um encontro com o presente,<br />

mas um presente claro, elucidado, que define as condições e possibilidades do vivido. Percebe-se<br />

assim, a historicidade das contradições sociais, e que os desencontros são de tempo, portanto, de<br />

possibilidades. Dão sentido à práxis.<br />

Monte-Mór (2006, p.61-85) faz uma trajetória sobre as teorias urbanas e o planejamento urbano no<br />

Brasil, considerando que as forças sócio-culturais, econômicas e políticas que formam e produzem<br />

o espaço urbano-regional brasileiro são construídas nas cidades. Por outro lado, esses “lugares fora<br />

das idéias” realimentam a produção desse espaço, forjando o planejamento urbano e regional, na<br />

sua herança sediada no capitalismo avançado e na releitura que dele fazemos.<br />

Barcelona representa um exemplo para demonstrar a crise da metrópole industrial, que projeta<br />

a crise de transformação da sociedade burguesa capitalista, ao trazer para o centro do poder<br />

a classe trabalhadora, resultando em crescimento e expansão das metrópoles. Seu projeto<br />

estende a cidade para além das muralhas, com infra-estrutura sanitária, viária e com desenho de<br />

quarteirões integrados em praças internas. A Teoria Geral da Urbanização de seu mentor, Ildefons<br />

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Cerdà baseou por um longo período os melhoramentos nas grandes cidades mundiais no século XX.<br />

Também é um exemplo o plano regulador para uma metrópole moderna de Haussmann, em Paris,<br />

que expressa, na visão atual, a intervenção do Estado sobre o centro de uma metrópole industrial.<br />

Esse plano pode ser visto no planejamento urbano de algumas cidades brasileiras (no Norte -<br />

Manaus e Belém), no centro (Rio de Janeiro, São Paulo, em Belo Horizonte com o planejamento<br />

idealizado por Aarão Reis), além de outras cidades medianas. Desse modo, as influências, a partir<br />

do século XX, privilegiam tanto aspectos racionais da ação individual com idéias de progresso<br />

quanto articulados com o sentimento de comunidade e de cultura.<br />

No Brasil, há uma forte influência progressista, explícita em obras como o Ministério da Educação e<br />

Saúde (Rio de Janeiro), ou na própria capital federal, denotando uma modernidade que carimba o<br />

país em seu processo inicial de urbanização, aliada a um processo de “industrialização substitutiva<br />

de importações”, até o golpe militar, em 1964. No entanto, no Brasil desenvolviam-se teorias<br />

sociais sobre a organização do espaço urbano, baseadas na sociologia urbana da Escola de Chicago<br />

e na economia regional e urbana de Walter Isard.<br />

Paralelamente à expansão do tecido urbano, os espaços centrais da cidade se valorizam e se<br />

tornam prioritários para o pacto do progresso e da modernidade, consolidando o espaço do poder<br />

na classe da burguesia, privilegiada com os melhoramentos urbanos. No Brasil, o direito à cidade<br />

foi apreendido nos anos 60, ainda que vivenciando as reformas urbanas, as remoções de favelas<br />

e de populações de áreas pobres para conjuntos nas periferias. Ainda, os trabalhadores sem<br />

terra, vindos de um convívio urbano, buscam condições para uma vida agrária, com todos os<br />

serviços urbanos, na medida em que as condições de produção, antes restritas às cidades, agora<br />

se estendem para além das fronteiras e ganham dimensão regional e nacional. O tecido urbano<br />

“carrega consigo o germe da polis, da civitas”, originando a urbanização extensiva, denominada<br />

por Monte-Mór. O urbano, não mais adjetivo, ganha dimensões globais que representam todo o<br />

espaço social, com as condições urbano-industriais. É o terceiro elemento na dialética campocidade.<br />

Soja (2000) considera que as desigualdades clássicas são postas de três tipos que persistem e se<br />

intensificam: as de classe (capital/trabalho), de raça (negros/brancos) e de gênero (mulheres/<br />

homens). A transição pós-metropolitana, por si mesma, tem criado um contexto significativamente<br />

alterado para a luta política. As desigualdades têm se tornado mais complexas, multilineares e<br />

interconectadas. Nesse caso, as políticas de igualdade também devem se adaptar à sociedade<br />

urbana contemporânea que é globalizada, pós-fordista, exopolitana e culturalmente heterogênea.<br />

Assim, o autor descreve que os ricos estão mais ricos ao longo dos últimos 30 anos, devido a<br />

estratégias ligadas à inovação tecnológica, à reorganização corporativa, à desregulamentação<br />

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governamental e à localização geográfica. Aglomerações de riqueza, concentração de pessoas mais<br />

ricas residem em cidades globais maiores e de maior expansão, que se beneficiam de recursos de<br />

urbanização. Há uma abundância de imigrantes pobres de mão de obra barata e de forma flexível.<br />

Numa visão simplista, o crescimento desses dois pólos, que ocasiona o achatamento da classe<br />

média, contribui para a máxima de que é a imigração a responsável pelos problemas econômicos.<br />

A nova pobreza – os verdadeiramente desfavorecidos - a infra-classe urbana. A localização gira<br />

em torno da noção de um desajuste social em que as tecnologias e a disponibilidade de solo<br />

barato aceleram a suburbanização da indústria e do emprego, no processo de hiper-guetização,<br />

centros urbanos desindustrializados, presos e ilhados da sociedade dominante. A indústria do<br />

conhecimento e da informação agrava esse processo de desajuste. Tem-se o que o autor denomina<br />

de novos pobres urbanos.<br />

Em referência ao que Mike Davis (1990) descreve como a “ecologia do medo”, a paisagem<br />

metropolitana está repleta de espaços protegidos e fortificados, ilhas de confinamento e de<br />

proteção contra os perigos, tanto mais reais ou imaginários. Baseado nas idéias de Foucault, a pósmetrópole<br />

é como uma “cidade carcerária”, “um arquipélago de recintos normalizados e espaços<br />

fortificados que atrincheiram, voluntária e involuntariamente, os indivíduos e as comunidades e<br />

ilhas visíveis ou não tão visíveis, supervisionadas por formas reestruturadas de poder e autoridade<br />

pública e privada.” Mike Davis é considerado o mais importante autor a tratar da representação da<br />

pós-metrópole como arquipélago carcerário, principalmente para a região urbana de Los Angeles,<br />

que sustenta o argumento da “ecologia do medo”.<br />

A “política do medo cotidiano” se manifesta quando o medo mantém as pessoas longe dos espaços<br />

públicos. A cidade se personifica como encontro de estranhos e sendo um desencontro, não há<br />

troca de informações, é um evento sem passado. Nessa vida urbana há a necessidade da civilidade,<br />

como uma barreira que protege o estranho do outro, mas que permite sua convivência. Para essa<br />

civilidade, alguns espaços são considerados por Bauman (2001).<br />

No primeiro espaço ele toma como exemplo, a Praça La Défense em Paris. Um espaço que<br />

desencoraja a permanência e ostenta a falta de hospitalidade, pela multiplicidade de vidros, por<br />

portas opostas ao acesso, pela falta de bancos, pelo acesso negado. O segundo espaço seria o<br />

“templo do consumo”, os shopping centers, os cafés, os pontos turísticos, as salas de exibições,<br />

que não tem qualquer interação social real. Como descreve o autor, a tarefa é o consumo, o<br />

passatempo é o consumo e tudo individual, por mais cheios que os espaços estejam. E esses lugares<br />

também são protegidos contra aqueles que querem quebrar as regras, que podem interferir no<br />

processo de consumir. Em Bauman (2001) para Levi-Strauss, há duas estratégias humanas para<br />

enfrentar a alteridade do outro. A primeira, antropoêmica, que cospe, vomita o outro (Praça<br />

La Défense), e a segunda, a antropofágica, que devora o outro (templos de consumo). Ambas<br />

promovem o encontro dos estranhos. Esses dois tipos de espaços públicos – não civis - vêm da falta<br />

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da civilidade. O terceiro espaço considerado pelo autor é o “não-lugar”, o espaço que desencoraja<br />

a pessoa de permanecer ali, com uma presença física e nada social, apenas de passagem. São<br />

aeroportos, estradas, quartos de hotel, o transporte público, lugares em que a pessoa deveria se<br />

sentir em casa, mas não pode se comportar como se estivesse em casa. Finalmente, o quarto espaço<br />

citado pelo autor é o espaço vazio, vazio de significado, os lugares não-colonizados, os “lugares<br />

que ‘sobram’ depois da reestruturação de espaços realmente importantes.” São os espaços da<br />

margem, os marginalizados, os espaços que compõem mapas da cidade, mapa das cabeças das<br />

pessoas, que traçam seus caminhos, que seguem o fluxo de suas vidas, de suas histórias, e não<br />

fluxos alheios. São os espaços em que a pessoa não se sente perdida, surpreendida, vulnerável,<br />

enfim se sente segura de trilhá-lo.<br />

Harvey (1975) ao falar do urbanismo, trata da natureza da teoria, da justiça social, e<br />

principalmente, do espaço e como se dá a vivência do homem nesse espaço. O autor considera<br />

de grande importância a análise da concepção de método, proposta por Marx, sendo, a partir<br />

dessa concepção, que a teoria consegue fluir. Para ele, Marx observou que os vários dualismos<br />

característicos do pensamento ocidental podem ser resolvidos pelo estudo da prática humana,<br />

através de sua criação. Também, Harvey cita Piaget, em uma concepção de método bem próxima<br />

a Marx, que “é uma questão de convergência e não de influência.” Assim, os ensaios do autor<br />

nesse livro se dão pela convergência, e ele examina dois passos para explicar essa convergência:<br />

discute a ontologia (como teoria do que existe) e a epistemologia (procedimentos e condições que<br />

possibilitam o conhecimento).<br />

Chegando à finalização da linha de pensamento, pode-se entender que no capitalismo, há uma<br />

sociabilidade em que cada homem se reconhece no outro, sua humanidade se objetiva nas realidades<br />

que ele cria. A pobreza, para Lefebvre, tem um significado para além da privação das riquezas<br />

materiais, mas está calcada na deficiência de realização das possibilidades criadas pelo homem<br />

para suprir suas necessidades, na carência do tempo para desfrutar as condições de humanização<br />

do homem. A exploração do trabalho, do homem pelo homem, sonega ao homem as condições<br />

para o seu desenvolvimento. Elas até existem, mas são desviadas para outras finalidades. Há uma<br />

alienação do homem em suas criações, simplificando tudo, “coisificando”, trazendo para o nosso<br />

convívio o resíduo daquilo que antes fora destinado à alimentação dos sistemas de poder.<br />

A ideologia urbana “apreende os modos e formas de organização social [...] em última análise,<br />

fundamentou amplamente a possibilidade de uma ‘ciência do urbano’, e compreendida como<br />

espaço teórico definido pela especificidade de seu objeto.” (CASTELLS, 2000, p.126). Ao considerálo<br />

um dos maiores teóricos do marxismo contemporâneo, esperava-se que seus conhecimentos<br />

contribuíssem à problemática urbana. No entanto, o que se nota é que Lefebvre acabou por<br />

descrever uma teorização urbanística marxista, longe de iluminar “novas pistas, detectar<br />

problemas e propor hipóteses” sobre o tema. Por meio de três leituras (Do Rural ao Urbano,<br />

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O Direito à Cidade e A Revolução Urbana), Castells traça um “núcleo de proposições em torno<br />

do qual se ordenam os eixos centrais da análise”. Para o autor, Lefebvre teve coragem de abrir<br />

decisivamente um caminho do urbano, ao ver “a emergência de novas contradições no domínio<br />

cultural e ideológico”, ligando a questão urbana ao processo de reprodução ampliada da força<br />

de trabalho, mas ele mesmo o fecha, ao tratar como urbano “os problemas sociais conotados<br />

ideologicamente pelo pensamento urbanístico”. Para o autor, Lefebvre deveria ter tratado o<br />

espaço e o urbano separadamente, analisar a determinação social desses processos, mostrando<br />

as formas de intervenção dos aparelhos do Estado, ligar a organização do espaço como parte da<br />

morfologia social, e explicar os fundamentos sociais dessa ligação ideológica da cotidianidade.<br />

Tendo sido vistas as cinco peles da teoria de Hundterwasser, este ensaio agora encerra as reflexões<br />

e estabelece as relações propostas.<br />

Conclusão<br />

Este estudo aprofundou-se na abordagem do sujeito como ser inserido em relações com outros<br />

sujeitos, em seus aspectos dinâmicos de relações sociais e de territorialidades. Passando pelas<br />

conceituações genéricas sobre a Ergonomia pela teoria das “Cinco Peles” de Hundterwasser, o<br />

objetivo foi verificar a possibilidade de supostos diálogos “(ex) intra muros” existentes na trilogia<br />

proposta numa tese de doutorado, a princípio considerada como sendo “O SUJEITO – A EDIFICAÇÃO<br />

– A CIDADE”.<br />

A Ergonomia Ambiental usa métodos de levantamento de dados para estudos ergonômicos, com<br />

destaque para os métodos sócio-culturais. Esses métodos são importantes para que se conheça<br />

o comportamento do grupo de pessoas, de suas relações, trocas e organização, principalmente<br />

quanto aos aspectos relacionados às zonas de espaço pessoal, que delimitam o comportamento<br />

humano.<br />

Na teoria de Hundterwasser, na Primeira Pele, o sujeito é o elemento chave, centro, base para<br />

a projetação. Ao conhecer-se o sujeito, o indivíduo, pode-se reunir os conhecimentos sobre suas<br />

necessidades, seus desejos, suas limitações e capacidades, e estabelecer uma adequação entre<br />

usuário – produto. Se para Hundterwasser o tema da segunda pele é a vestimenta, para este<br />

estudo, a segunda pele torna-se então, o produto. A segunda pele, a roupa, propõe discutir a<br />

vestimenta como elemento de interação humana, mas refletir no produto como a embalagem do<br />

sujeito. A terceira pele, a morada do ser humano não foi tratada aqui em seu conceito tradicional<br />

da moradia, mas no ambiente como um todo, ao considerar moradia como trabalho e não trabalho.<br />

Assim, além da visão ergonômica, os aspectos envolvidos com sistemas e processos organizacionais<br />

e políticos foram abordados. A quarta pele relacionada com a família, o universo geográfico,<br />

social e cultural, foi vista abrigando o individual e o coletivo, justificando as formas de interação.<br />

Finalmente, a quinta pele tratou da humanidade e da natureza – a Terra –relacionando-a com o<br />

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Ecodesign. A visão da teoria das Cinco Peles de Hundterwasser possibilitou a discussão de vários<br />

temas que invariavelmente encontram-se relacionados, o porque permitiu elaborar um pequeno<br />

quadro de relações.<br />

Cinco Peles Trilogia discursiva Trilogia interdisciplinar<br />

1ª. Epiderme Sujeito <strong>Design</strong><br />

2ª. Vestimenta Sujeito <strong>Design</strong> e Arquitetura<br />

3ª. Morada Edificação, Cidade Arquitetura e Urbanismo<br />

4ª. Identidade Sujeito, Edificação, Cidade <strong>Design</strong>, Arquitetura e Urbanismo<br />

5ª. Humanidade e Sujeito, Edificação, Cidade <strong>Design</strong>, Arquitetura e Urbanismo<br />

Meio Ambiente<br />

Quadro I - Relações da Teoria de Hundterwasser e Trilogias discursiva e interdisciplinar<br />

Encerrando, a partir desse aprofundamento na teoria de Hundterwasser e as possíveis relações<br />

de uma trilogia, pode-se concluir que há a linha de pensamento estudaria a princípio as questões<br />

do sujeito enquanto indivíduo inserido numa sociedade, as edificações e o modo como são<br />

construídas em função desse modo de inserção, e, o planejamento urbano como forma de segregar<br />

as edificações tendo em vista os aspectos sócio-políticos e econômicos. Dessa forma, situar cada<br />

discurso dessa trilogia dentro de um diálogo interdisciplinar no <strong>Design</strong>, Arquitetura e Urbanismo.<br />

No entanto, é fácil perceber que ora um assunto remete a uma pele, ora a outra. Para isto, é<br />

preciso então, iniciar uma organização de pensamentos a partir da Figura 1, para que se tenha<br />

uma idéia mais formatada dos temas. É necessário relacionar os estudos para elaborar um roteiro<br />

de pesquisa para essa abrangência. Desse modo, no fechamento das habilidades e competências<br />

dos profissionais das áreas de estudo (<strong>Design</strong>, Arquitetura e Urbanismo), poderia ser proposta uma<br />

grade curricular que inserisse disciplinas voltadas à proposta da trilogia discursiva e interdisciplinar.<br />

Como propostas subseqüentes ao presente trabalho, teria o levantamento nos Anais dos Congressos<br />

ERGODESIGN e USIHC [21] sobre o estado da arte de estudos em ergonomia relacionados com tema<br />

da trilogia “O SUJEITO – A EDIFICAÇÃO – A CIDADE”.<br />

O que teve relevância neste estudo, foi o olhar mais aprofundado e não rotulado à teoria de<br />

Hundterwasser, que já se torna um modismo cíclico temporal. Dessa forma, não considerar<br />

essa delimitação como verdade absoluta e não sustentar uma bandeira apenas em ordem da<br />

sustentabilidade, pode contribuir para melhorar o desenho curricular das disciplinas envolvidas.<br />

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Notas<br />

[1] Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pelo NPGAU – Núcleo de Pós-Graduação da Arquitetura<br />

e do Urbanismo da Escola de Arquitetura da UFMG.<br />

[2] V Seminário de Avaliação e Ensino em Estudos Regionais da ANPUR (Associação Nacional de<br />

Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional) 04-05 Nov 2010, Florianópolis,<br />

SC – <strong>Universidade</strong> Federal de Santa Catarina – UFSC.<br />

[3] Professor Associado no Departamento de Geografia e no Programa de Pós-Graduação em<br />

Geografia - Instituto de Geociências/<strong>Universidade</strong> Federal de Minas Gerais. - IGC/UFMG.<br />

[4] Ergonomia como disciplina obrigatória, no curso <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> (Escola de Belas <strong>Arte</strong>s -<br />

EA/UFMG), optativa para o <strong>Design</strong>. Seminários Temáticos - Ergonomia Urbana, como disciplina<br />

optativa para o curso Noturno de Arquitetura, da Escola de Arquitetura da UFMG - EAUUFMG).<br />

[5] CASTRO, Eduardo Viveiros de. “O conceito de sociedade em antropologia”. In: A inconstância<br />

da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2002. p. 295-316.<br />

Conforme citado por Da Silva (2010, p.102).<br />

[6] TEIXEIRA, Leônia Cavalcante. “Escrita autobiográfica e construção subjetiva” In: REVISTA DE<br />

PSICOLOGIA DA USP. São Paulo, USP, v.14, no. 1, 2003. Conforme citado por Da Silva (2010, p.102).<br />

[7] ARIÉS, Philipe. “Por uma história da vida privada”. In.: ARIÉS, Philipe; CHARTIER, R. História<br />

da vida privada: da Renascença ao século das luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.<br />

Conforme citado por Da Silva, (2010, p.103).<br />

[8] Etologia é a disciplina que estuda o comportamento dos animais, baseada na Teoria da<br />

Evolução, em que cada espécie tem seu padrão particular de comportamento e anatomia. Essa<br />

disciplina é considerada interdisciplinar a partir do ponto em que considera a fisiologia, a ecologia<br />

e a psicologia como base de estudos comportamentais. O grego ethos, por sua vez, que origina<br />

a palavra, corresponde ao modo de ser, o temperamento, a disposição interior de natureza<br />

emocional ou moral. É o espírito que anima uma coletividade, marcando suas realizações ou<br />

eventos culturais. (FERREIRA, 2004)<br />

[9] OBORNE, D.J., HEATH, T.O. The role of social equipments space requirements in ergonomics.<br />

Applied ergonomics. V.10, n.2, p.99-103, 1979. Conforme citado por Iida (2005, p.584).<br />

[10] ORTA, Lucy. Process of transformation. Paris: Edition Jean Michel Place, 1998. MODEMUSEUM,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Patronen Patterns, Province Antwerpen, Ludeon, 2000. Sans titre 06, Collection pretemps – été<br />

2001. Conforme citado por Martins (2008, p.327).<br />

[11] PRJ807 – A Natureza Informacional do Espaço”, disciplina optativa do NPGAU/UFMG, ofertada<br />

pela Professora Dra. Denise Morado, coordenadora do laboratório PRAXIS da Escola de Arquitetura<br />

da UFMG.<br />

[12] Deleuze, Gilles; Guattari, Félix. Mil Platôs. São Paulo, Ed.34, 1997; p.221. (vol.5, cap.15:<br />

Regras Concretas e Máquinas Abstratas - Tradução de Peter Pál Pelbart).<br />

[13] Direção Godfrey Reggio, 1983, Estados Unidos.<br />

[14] BROWN, Dan. Fortaleza Digital. sl: Editora Sextante, 2005.<br />

[15] TOSI, Francesca. Ergonomia, progetto, prodotto. Milano: Franco Angeli, 2005. Conforme<br />

citado por Martins (2008, p.329)<br />

[16] COLOMBO, Fausto. Os arquivos imperfeitos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1991.<br />

[17] GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.<br />

[18] Professor adjunto do Departamento de Projetos da Escola de Arquitetura da <strong>Universidade</strong><br />

Federal de Minas Gerais, docente da disciplina ARQ809 - Sistemas de tecnologias de informação<br />

aplicados ao espaço urbano, no NPGAU/UFMG.<br />

[19] Conurbações, termo criado por Patrick Geddes em 1915, designa as aglomerações urbanas<br />

que invadem uma região, pela atratividade de uma grande cidade. Especificamente nessa época,<br />

ele usou o termo para explicar a grande Londres, cercada, especificamente por Manchester e<br />

Birmingham. Em Benévolo (1981) descreve um importante relato de Engels sobre Manchester, que<br />

contribui tanto para a contextualização de Marx sobre o capitalismo, quanto para as origens da<br />

urbanística moderna. Um exemplo local, brasileiro e atual mostra Belo Horizonte, Contagem e<br />

Betim como conurbações, alvo de muitos estudos, dada a situação industrial dessa grande região,<br />

dentre outras, no Brasil. (n.d.a.)<br />

[20] Villes nouvelles, élements d’une bibliographie annotée (VIET, J. Reports et document dês<br />

sciences sociales, no. 12, UNESCO, Paris, 1960) e GUTMAN – Urban Sociology: A bibliography, 1963.<br />

Ver Choay (2007, p.2)<br />

[21] ERGO - Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade de Interfaces Humano-<strong>Tecnologia</strong>:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea:<br />

trocas, superposições, aproximações<br />

Vera Bungarten Mestre / PUC-Rio - doutoranda do Departamento de <strong>Arte</strong>s e <strong>Design</strong><br />

verabungarten@yahoo.com.br<br />

Resumo<br />

Nas últimas décadas observamos uma superposição cada vez maior entre as formas<br />

de expressão tradicionalmente atribuídas às áreas do <strong>Design</strong> e do Cinema. Aparentemente<br />

atuantes em campos bem distintos, essas duas práticas vem se aproximando<br />

e mesclando suas atribuições, numa troca constante entre as duas linguagens.<br />

Essa ampliação do campo de atuação do <strong>Design</strong> e o seu entrelaçamento com<br />

outras áreas é uma característica dominante na sociedade contemporânea, onde<br />

prolifera uma hibridização dos meios de expressão visual. O presente trabalho pretende<br />

mostrar, porém, que os dois campos aqui abordados estão vinculados, desde<br />

a origem, na sua essência fundamental.<br />

Palavras-chave:<br />

Inter-relacionamento design-cinema, linguagens híbridas, ideologia<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

Introdução<br />

<strong>Design</strong> e Cinema são produtores de bens culturais e indutores de conceitos que produzem uma repercussão<br />

no cotidiano da sociedade. Mas não são apenas essas condições que aproximam os dois<br />

campos de atuação e conhecimento. O produto do <strong>Design</strong>, assim como a obra cinematográfica, refletem<br />

a sociedade na qual são produzidos, ao mesmo tempo em que interferem na formação das<br />

idéias e dos valores desta coletividade, numa troca dinâmica sempre renovada. Ambos produzem<br />

signos que se expressam primordialmente através da imagem visual.<br />

Nas últimas décadas percebemos uma superposição dessas duas formas de expressão: o webdesign,<br />

os jogos de computador, as aberturas de programas de TV, para citar alguns exemplos, apresentam<br />

uma mescla das duas linguagens. Já não se pode afirmar, com clareza, a qual área pertencem. As<br />

atribuições e responsabilidades se superpõem, ao mesmo tempo em que se aproximam o aspecto<br />

formal, a estética e a função comunicativa desses produtos híbridos.<br />

A partir da confluência das linguagens particulares destas duas práticas é possível estabelecer um<br />

vínculo entre o Cinema e o <strong>Design</strong> no mundo contemporâneo, globalizado e computadorizado.<br />

O propósito deste trabalho é construir uma interface entre os fundamentos que orientam o projeto<br />

de construção de um conceito visual no cinema e a área do <strong>Design</strong> como produtor de significados<br />

culturais. Para encaminhar esta discussão vamos procurar, inicialmente, situar o <strong>Design</strong> na<br />

constituição das sociedades modernas, e o seu papel na construção da identidade cultural do seu<br />

meio social. Os objetivos e os procedimentos que orientam a elaboração do projeto visual cinematográfico<br />

serão avaliados dentro deste quadro, buscando determinar a essência comum e os<br />

pressupostos que possam integrar esse projeto com o campo do <strong>Design</strong>.<br />

<strong>Design</strong> e Sociedade<br />

O <strong>Design</strong> representa e expressa as idéias por meio das quais a sociedade assimila os fatos do cotidiano<br />

e se ajusta a eles. Constitui-se, assim, no reflexo das características sociais de cada época.<br />

Com isso assume responsabilidades sobre a produção, a representação e a divulgação dos signos<br />

culturais das sociedades em que é concebido. Como afirma Bonfim (1999, p.150), os objetos que<br />

nos cercam são a materialização das idéias e incoerências das nossas sociedades, além de participar<br />

da sua criação cultural. Assim, diz ele, o <strong>Design</strong> tem uma natureza essencialmente especular.<br />

Que sociedade é esta, que o <strong>Design</strong> espelha? Sociedade é um agrupamento de seres humanos individuais,<br />

que se ligam uns aos outros, formando uma pluralidade. De acordo com Elias (1994, p.22)<br />

as sociedades não são pretendidas nem planejadas, e independem das intenções de qualquer dos<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

indivíduos que a compõem. A sociedade assim formada é uma nova entidade, que varia conforme<br />

o lugar ou o momento histórico. Não apresenta um contorno nítido ou uma estrutura definitiva:<br />

está sujeita a permanentes transformações. Contudo, afirma Elias, há uma ordem oculta, não<br />

diretamente perceptível. Como numa peça de teatro, cada um tem um papel nessa sociedade,<br />

tem uma função, uma propriedade ou trabalho específico, algum tipo de tarefa que é para os<br />

outros. As diversas funções tornam-se dependentes umas das outras, formando uma complexa<br />

e altamente diferenciada rede funcional. Uma sociedade, Elias deduz então, é fundamentada<br />

nas relações de interdependência dos indivíduos que a compõem. “E é essa rede de funções que<br />

as pessoas desempenham umas em relação às outras, a ela e nada mais, que chamamos ‘sociedade’.”<br />

(IBID, p.23)<br />

São essas características de interdependência e de relacionamento entre os indivíduos, variáveis<br />

de sociedade para sociedade, que são espelhadas pelo <strong>Design</strong> e seus produtos.<br />

Forty (2007) pretende mostrar de que maneira o <strong>Design</strong> afeta os processos das economias modernas<br />

e é afetado por eles, na medida em que está sempre vinculado a um ideário sobre o mundo<br />

em um determinado momento histórico. Segundo ele, o <strong>Design</strong> nasceu do capitalismo e contribuiu<br />

para a criação da riqueza industrial; ao mesmo tempo exerce influência significativa na nossa<br />

maneira de pensar.<br />

Longe de ser uma atividade artística neutra e inofensiva, o design, por<br />

sua natureza, provoca efeitos muito mais duradouros do que os produtos<br />

efêmeros da mídia porque pode dar formas tangíveis e permanentes<br />

às idéias sobre quem somos e como devemos nos comportar (FORTY,<br />

2007, p.12).<br />

As propostas possíveis para atender às demandas da produção industrial são praticamente infinitas,<br />

colocando em questão a idéia de que a aparência de um produto seria uma expressão direta<br />

da sua função. Se assim fosse, poderia haver uma única forma para todos os objetos com a mesma<br />

finalidade. Porém as diversidades servem para agregar valores: “para criar riqueza, satisfazer o<br />

desejo dos consumidores de expressar seu sentimento de individualidade” (FORTY, 2007, p.22).<br />

Também Desforges (1994, p.17) declara que “os produtos do sistema de produção industrial seriam<br />

todos semelhantes se alguém não interviesse para ‘produzir o signo’ e fazer o que A. Moles<br />

chamou de design do desejo.”<br />

Começamos a perceber, então, que o <strong>Design</strong> produz valores. Dessa forma instaura-se uma questão<br />

ética e ideológica na atividade do designer, já que esta implica em escolhas conscientes e em<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

responsabilidade sobre estas escolhas.<br />

Essa dinâmica torna-se particularmente importante no mundo contemporâneo, quando consideramos<br />

o panorama das relações de produção de significado na perspectiva do pós-modernismo e da<br />

globalização.<br />

O pós-modernismo costuma ser definido por palavras como fragmentação, hibridismo, descentramento,<br />

descontinuidade. Harvey (1992) chama atenção também para a intensa compressão do<br />

espaço-tempo causada pela velocidade das comunicações, a simultaneidade do acesso às informações<br />

em várias partes do mundo, a globalização da produção e a descentralização das empresas<br />

transnacionais. Também Bomfim (1999) observa como as dimensões de tempo e espaço podem<br />

retrair-se ou dilatar-se, e como o mundo, com isso, tornou-se incomensurável. ‘Trata-se de um<br />

espaço sem antes ou depois, já que tudo pode estar presente, para qualquer um, em todo tempo<br />

em qualquer lugar’ (BOMFIM, 1999, p.139).<br />

O resultado é uma extrema volatilidade de modas, produtos, técnicas de produção, idéias, ideologias<br />

e valores estabelecidos.<br />

Considerado dentro desta perspectiva, o <strong>Design</strong> tem o poder, através da produção de signos, de<br />

agregar valores simbólicos aos produtos. O consumidor é atraído para a novidade, quando é criada<br />

nele a repentina sensação de “não poder viver sem aquilo”. Essa nova forma de atração é facilitada<br />

na contemporaneidade pelas técnicas de produção que permitem operações em pequena<br />

escala. É criada assim a ilusão das escolhas pessoais, oferecendo ao consumidor não mais uniformidade,<br />

mas uma pretensa personalização como nova estratégia de sedução e convencimento.<br />

A produção e a comunicação de valores também se realizam através do apelo às identidades de<br />

grupo nas várias “tribos”: no interior do seu grupo social, cada qual está condicionado a usar<br />

trajes, objetos ou rituais específicos, e a adotar uma linguagem ou forma de comportamento determinadas.<br />

O <strong>Design</strong> fortalece a sensação de pertencimento, fornecendo aos indivíduos do grupo<br />

elementos de diferenciação da “grande massa anônima”.<br />

Esse poder de manipulação de mecanismos complexos de produção de signos acarreta uma grande<br />

responsabilidade sobre a interferência na produção de conceitos na sociedade. Portanto, apresenta-se<br />

como condição fundamental para o <strong>Design</strong>, o ato de pensar a cultura e suas representações<br />

possíveis, dentro do contexto social. Como diz Bomfim (1999), uma sociedade é formada pela<br />

produção de seus bens e valores, permitindo, através das suas formas de representação, caracterizar<br />

determinadas culturas.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

Diz o autor, que<br />

... a tarefa do designer se dará através da configuração de formas<br />

poéticas do vir-a-ser. E para que isto ocorra, é necessário mais que<br />

conhecimento em áreas específicas do saber. É preciso o convívio e a<br />

compreensão da trama cultural, o lócus em que a persona se identifica<br />

no seu estar no mundo (BOMFIM, 1999, p.153).<br />

A reflexão teórica precisa, portanto considerar que a questão da ideologia está profundamente<br />

ligada à atividade do <strong>Design</strong>.<br />

O Cinema no <strong>Design</strong><br />

Quando tentamos delinear a área de atuação do <strong>Design</strong>, verificamos que, como constata Bomfim<br />

(1997, p.29) “...uma Teoria do <strong>Design</strong> não terá um campo fixo de conhecimentos, seja ele<br />

linear-vertical (disciplinar), ou linear-horizontal (interdisciplinar), isto é, uma Teoria do <strong>Design</strong> é<br />

instável”.<br />

O <strong>Design</strong> constitui uma área abrangente, com características quase intrínsecas de interdisciplinaridade<br />

e transversalidade. Segundo Couto e Oliveira (1999),<br />

Fertilizando e deixando fertilizar-se por outras áreas de conhecimento,<br />

o <strong>Design</strong> vem-se construindo e reconstruindo em um processo permanente<br />

de ampliação de seus limites, em função das exigências da<br />

época atual. Em linha com esta tendência, sua vocação interdisciplinar<br />

impede um fechamento em torno de conceitos, teorias e autores exclusivos.<br />

Sua natureza multifacetada exige interação, interlocução e<br />

parceria (COUTO e OLIVEIRA, 1999, p.7).<br />

Devido às suas características abrangentes e flutuantes, essa disciplina pressupõe a renúncia a<br />

padrões pré-estabelecidos, permitindo uma redefinição constante do método de abordagem, dos<br />

seus possíveis objetos de estudo e do seu domínio científico.<br />

Compreendendo o projeto de construção de um conceito visual no filme que conjuga aspectos<br />

objetivos e subjetivos com fins comunicacionais e simbólicos, podemos considerar a hipótese de<br />

inserção dessa área de atuação no escopo do <strong>Design</strong>.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

A obra cinematográfica é constituída por um conjunto de representações visuais com um complexo<br />

sistema de significados, que traduzem uma proposição inicial, uma idéia, um conceito. Para<br />

a realização deste projeto são convocados todos os autores que, em maior ou menor grau, participam<br />

da concepção e elaboração da imagem. O desenho visual do filme, atualmente chamado de<br />

“design de produção”, reúne uma série de criações individuais numa unidade integrada, a fim de<br />

constituir um corpo coeso de significação através da representação imagética, constituindo uma<br />

obra coletiva. Porém, mais do que isto, a obra cinematográfica produz signos comunicacionais da<br />

linguagem visual, que propõem seduzir o espectador.<br />

O cineasta japonês Akira Kurosawa declara que o signo mais importante, num filme, é a beleza<br />

cinematográfica. Segundo o autor, é o belo que seduz o olhar do espectador e o conquista para<br />

a obra - que contém sempre uma mensagem ideológica (Kurosawa, 1985). Esse conceito do belo<br />

varia, porém, com as diversas culturas e épocas.<br />

Entramos aqui no domínio da estética, definida como o locus da percepção e da sensação humanas<br />

(do grego aisthesis). Mitry (apud Chateau, 2006, p.14) afirma que o cinema não tem por objetivo<br />

exprimir idéias precisas. A lógica do filme não concerne ao rigor do que está sendo expresso, mas<br />

ao rigor da expressão. Ela está relacionada à estrutura das associações visuais e audiovisuais,<br />

que tem como meta determinar idéias na consciência do espectador. Assim, podemos dizer, em<br />

concordância com a afirmação de Kurosawa, que o cinema produz os seus conceitos e significados<br />

simbólicos através das estruturas formais e estéticas, e pela repercussão que estas produzem no<br />

espectador.<br />

Eagleton (1993) atribui um valor ideológico à estética, e aponta um paradoxo importante na experiência<br />

desta: se, por um lado, representa uma força emancipatória do domínio do pensamento<br />

e da razão, por outro sinaliza o que Max Horkheimer chama de “repressão internalizadora, inserindo<br />

o poder social mais profundamente no corpo daqueles a quem subjuga, operando assim um<br />

modo extremamente eficaz de hegemonia política” (EAGLETON, 1993, p.28).<br />

Dar um significado novo aos prazeres e impulsos do corpo pode acarretar o risco de enfatizá-los<br />

ou intensificá-los para além de um controle possível, levando ao propósito de um domínio mais<br />

eficaz. Segundo Chateau (2006), o estudo da aisthesis do filme abre várias pistas: a primeira<br />

volta-se para o espectro do sensível cinematográfico, em termos das formas de expressão e de<br />

suas combinações, solicitando ordens sensoriais; a segunda, ultrapassando essa noção estreita,<br />

restrita à sensação ou à percepção, alarga a perspectiva ao incluir os afetos e a imaginação; a<br />

terceira considera a maneira segundo a qual a recepção do filme, levando em conta suas propriedades<br />

midiáticas e as condições da sua recepção (o dispositivo espectatorial), determina a atitude<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

humana dentro da sua dimensão estética, onde predomina, entre outras finalidades, a busca do<br />

prazer.<br />

Disso deriva, de acordo com Chateau (2006, p.11), a lógica cinematográfica. Esta lógica se estabelece<br />

quando o público está pronto para sentir antes de compreender, permitindo que o filme se<br />

mostre e se explique a ele. Mas, se essa experiência carrega uma forte carga ideológica, podemos<br />

perceber o poder e a responsabilidade contidos no fazer cinematográfico.<br />

O filósofo Althusser afirma que,<br />

ideologia refere-se principalmente a nossas relações afetivas e inconscientes<br />

com o mundo, aos modos pelos quais, de maneira pré-reflexiva,<br />

estamos vinculados á realidade social. [...]. A ideologia expressa<br />

uma vontade, uma esperança ou uma nostalgia, mais do que descreve<br />

uma realidade (ALTHUSSER apud EAGLETON, 1997, p.30).<br />

Se voltarmos à afirmação de Bonfim, citada no início desse texto, podemos estabelecer o seguinte<br />

paralelo: também os filmes “são a materialização das idéias e incoerências das nossas sociedades,<br />

além de participar da sua criação cultural”. Também a obra cinematográfica é de natureza essencialmente<br />

especular, refletindo a sociedade em que se inscreve, além de contribuir na construção<br />

de uma identidade cultural daquela sociedade.<br />

Também o cinema é produto do capitalismo, e contribui para a criação da riqueza industrial, ao<br />

mesmo tempo em que exerce forte influência sobre a maneira de pensar da coletividade.<br />

Trocas, superposições, aproximações<br />

A arte pode ser colocada na origem de toda “conformação plástica”, ou seja, de qualquer produção<br />

de plasticidade da matéria e das formas. Dubois (2010, p.14) fala de uma “plasticidade artística”,<br />

quando se refere a esta origem fundamental.<br />

Como Eisenstein (2011, p.151) formulou nas suas Anotações para uma Teoria Geral do Cinema, a<br />

arte responde a uma necessidade fundamental do ser humano de “salvar os fenômenos”, e de assim<br />

deter o escoar do tempo. A arte teria, segundo ele, a função essencial de registrar, memorizar<br />

e repetir os fenômenos e os eventos, como uma forma de perpetuar a história e espelhar determinadas<br />

características sócio-culturais.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

Assim, a convergência de <strong>Design</strong> e Cinema, acentuada na contemporaneidade com o surgimento<br />

da tecnologia digital, se concentra essencialmente no denominador comum das artes plásticas,<br />

na medida em que estas também transformam e ampliam o seu espaço de atuação. Através de<br />

objetos, instalações, vídeo-arte, land-art, a arte tornou-se, mais do que nunca, vivenciável e<br />

utilizável, o aspecto formal emergindo do contexto político e cultural. A aproximação de design e<br />

arte torna-se particularmente visível nas propostas da obra dos irmãos Campana, que reúne peças<br />

de arte com projetos para produção industrial num mesmo conceito.<br />

Em New Digital Cinema, Willis (2005, p.46) aponta o surgimento de novos meios de arte visual de<br />

formas híbridas, que se situam na interseção de antigas práticas. Cita o filme digital, os grafismos<br />

em movimento, a animação e a arte de computador como exemplos de desdobramento do design<br />

gráfico, das ilustrações tradicionais e do cinema.<br />

Por outro lado, o cinema se flexibiliza, abandonando a obrigatória sala escura à qual esteve confinado<br />

durante tanto tempo. Retomando a sua original vocação de espetáculo popular, a imagem<br />

em movimento se faz presente nos grandes espaços urbanos através do video-mapping, e está nos<br />

museus e galerias numa superposição de cinema e arte.<br />

No campo do <strong>Design</strong> surgem novas tarefas, como o webdesign, os projetos de abertura de programas<br />

de TV, interfaces de softwares e jogos de computador, cujos projetos incorporam a linguagem<br />

formal do cinema. Como diz Manovich (2002, p.87), na era digital o cinema torna-se um código<br />

- não só em relação ao tratamento visual, mas especialmente em relação aos conceitos e ao ferramental<br />

utilizado.<br />

Segundo Eisenstein (1980) a essência do cinema pré-existe a este nas diversas formas de expressão<br />

das artes visuais, essência essa que se expressa pelo modo cinemático de ver o mundo, de<br />

estruturar o tempo, de narrar uma história, de ligar uma experiência à seguinte, o que Eisenstein<br />

chama de “cinematismo” (EISENSTEIN, 1980, p.8). Esse mesmo modo cinemático constitui também<br />

a base dos produtos culturais acessíveis ao usuário do computador, transformando o cinema,<br />

como verifica Manovich (2002, p.87), no “esperanto visual” preconizado por Griffith e Vertov.<br />

Porém o aglutinador essencial que une <strong>Design</strong> e Cinema (e que tem a sua origem nas artes) é a<br />

produção de afeto através da estética. Costa (2010, p.128), fundamentado em definições de Nicola<br />

Abbagnano e em conceitos de Kant e Deleuze, mostra que “afeto” designa a recepção passiva<br />

de uma ação que influencia ou modifica; e a distinção entre estética e lógica - elaborada por Kant<br />

(apud Costa, 2010, p.127) está no fato de que “todas as intuições, por serem sensíveis, repousam<br />

em afecção, e os conceitos, ao contrário, repousam em funções”.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

A produção de afeto através da estética propõe seduzir antes de convencer. Sentir antes de compreender,<br />

o princípio estabelecido por Chateau (2006), é a proposta original, no <strong>Design</strong> ou no<br />

Cinema. A sedução é usada como estratégia, seja para tornar o produto atraente ao usuário em<br />

potencial (e assim vendável e lucrativo), seja para atrair o espectador para a narrativa de um<br />

filme. Da mesma forma como, para Kurosawa (1985), é o belo que seduz o olhar do espectador<br />

e o conquista para a obra, a criação da moda ou dos objetos se serve da promoção do belo e da<br />

criação de parâmetros de “bom-gosto” para seduzir e conquistar o consumidor, antes e além da<br />

funcionalidade. É importante lembrar que belo e bom gosto são conceitos flutuantes e impermanentes,<br />

em grande parte manipulados, que variam conforme as culturas e se modificam a cada<br />

momento.<br />

O valor ideológico que Eagleton (1993) atribui à estética, quando afirma que esta se traduz em<br />

poder social com um forte potencial de hegemonia política, ganha aqui contornos bem claros:<br />

ambas as áreas trabalham com a construção de signos que produzem afetos. Estes são recebidos<br />

de forma passiva e antecedem uma compreensão lógica e consciente, carregando uma ideologia<br />

implícita que produz valores e conceitos na sociedade. A responsabilidade ética e política dilui-se,<br />

no entanto, na medida em que a produção, nessas áreas, se desenvolve cada vez mais numa rede<br />

multi-autoral. Isso gera uma lacuna de responsabilidade que demanda a reflexão sobre novos códigos<br />

de ética, como propõe Flusser (2007, p.202), já que, segundo ele, “o eventual desinteresse de<br />

designers por estas questões poderá levar à total ausência de responsabilidade”.<br />

Referências bibliográficas<br />

BOMFIM, Gustavo A. Fundamentos de uma teoria transdisciplinar do <strong>Design</strong>; morfologia dos<br />

objetos de uso e sistemas de comunicação. In Estudos em <strong>Design</strong>, V.V. n.2 Rio de Janeiro:<br />

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_______________. Coordenadas cosmológicas e cronológicas como espaço das transformações<br />

formais. In COUTO, Rita Maria e OLIVEIRA, Alfredo Jefferson (org). Formas do <strong>Design</strong> - Por uma<br />

metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro: 2AB, 1999.<br />

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COUTO, R. M. S.; OLIVEIRA, A. J. (org.). Formas do <strong>Design</strong>: por uma metodologia interdisciplinar.<br />

Rio de Janeiro: 2AB, 1999.<br />

DESFORGES, Yves. Por um <strong>Design</strong> ideológico. in Estudos em <strong>Design</strong> v.2, n.1, julho 1994<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

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Biserna, E. (org.) Udine : Campanotto Editore, 2010.<br />

EAGLETON, Terry. Ideologia da estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar: 1993.<br />

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Zeitschrift für Medienwissenschaft, N.4 (1/2011). Berlin : Akademie Verlag, 2011<br />

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ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994<br />

FLUSSER, Vilén. O mundo codificado. São Paulo: Cosac-Naify, 2007.<br />

FORTY, Adrian. Objetos de Desejo - design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac-Naify,<br />

2007.<br />

HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.<br />

KUROSAWA, Akira. in Japão, uma viagem no tempo: Kurosawa, pintor de imagens, documentário<br />

de Walter Salles. Rio de Janeiro: Rede Manchete, 1985.<br />

MANOVICH, Lev. The language of new media. Cambridge: MIT Press, 2002<br />

WILLIS, Holly. New digital cinema: reinventing the moving image. London: Wallflower, 2005.<br />

ZIBEL COSTA, Carlos. Além das Formas. São Paulo: Annablume, 2010.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

Delmar Galisi Domingues Doutor/<strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

delmar@anhembi.br<br />

Rejane Spitz Doutor/ Pontifícia <strong>Universidade</strong> Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio<br />

rejane@puc-rio.br<br />

Resumo<br />

Este artigo apura se as denominadas fases do processo de design são passíveis de<br />

serem incluídas dentro do ciclo de concepção, projeto e produção de um jogo<br />

digital. Mediante esta análise pretende-se, de certo modo, legitimar a expressão<br />

design de games, e compreender que um jogo digital pode ser enquadrado como<br />

um objeto de design, do mesmo modo que produtos que já são tradicionalmente<br />

projetados dentro desse processo, como, por exemplo, uma cadeira ou um automóvel.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong> de games, processo de design, game design<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

Introdução<br />

O processo de design é um conceito que está vinculado ao dia a dia do designer, de seu ofício, de<br />

sua relação com o objeto que está sendo desenvolvido e com os outros profissionais envolvidos. Há<br />

muitos modos de se compreender o processo de design. Löbach (2001) divide-o em quatro fases:<br />

análise do problema, geração de alternativas, avaliação das alternativas e realização da solução.<br />

Jones (1992) afirma que o processo contempla três fases: análise (fragmentação do problema em<br />

diferentes partes), síntese (rearranjo das partes) e avaliação (validação do novo arranjo). Já Bonsiepe<br />

(1978) divide o processo em estruturação do problema, desenvolvimento (das alternativas)<br />

e realização.<br />

Podemos, portanto, sintetizar o processo de design em três fases distintas: 1. conceituação, com<br />

base na problematização e no levantamento de dados, 2. desenvolvimento e seleção das alternativas<br />

e 3. realização ou produção. Löbach insere uma quarta fase, a de avaliação, apenas para<br />

evidenciar que no final do processo é preciso fazer uma última averiguação do produto junto a seu<br />

público usuário. É importante lembrar que Löbach é um autor relacionado à confecção de objetos<br />

industriais, que, por tradição e necessidade, desenvolve pilotos para teste e avaliação no final do<br />

ciclo. Por outro lado, veremos, mais adiante, que é cada vez mais ressaltada a necessidade de<br />

realizar-se testes e avaliações durante todo o processo; algo que é ainda mais evidenciado pela<br />

disciplina denominada <strong>Design</strong> de Interação.<br />

Tradicionalmente, a atividade intelectual está concentrada na primeira fase do design; enquanto<br />

as atividades produtivas são executadas, mormente, na terceira fase, a de realização. A segunda<br />

fase contempla uma divisão mais ou menos equilibrada entre as atividades de produção e de reflexão.<br />

Evidentemente isto vai depender do tipo de jogo. O designer de games, em tese, teria,<br />

portanto, uma maior atuação na primeira fase (levantamento de dados do problema, conceituação),<br />

uma atuação forte na segunda fase (desenvolvimento e projeto) e uma atuação de supervisão<br />

na fase de produção. Mas este modelo vem sendo revisto nos últimos anos, particularmente<br />

com o advento dos objetos interativos contemporâneos, que solicitam avaliações e revisões projetuais<br />

durante todo o processo de design. Um objeto vai sendo conceituado (atividade intelectual),<br />

implementado em partes (atividade produtiva) e testado num processo cíclico.<br />

O que nos parece importante, no entanto, é compreender como o designer de games atua no<br />

processo e qual sua relação com os diversos profissionais. Neste sentido, Adams e Rollings (2007)<br />

dividem o processo de design de games em três estágios, classificando-os pelo viés da atuação do<br />

designer de games. Na primeira fase, denominada Estágio de Conceito, o designer toma algumas<br />

decisões que não devem ser alteradas, como a definição do conceito central do jogo, da audiência<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

(público-alvo) e do gênero. O segundo é o Estágio de Elaboração, ao qual o designer adiciona os<br />

detalhes do projeto e os vai revisando em função de testes em protótipos. No último, denominado<br />

Estágio de Afinação, o design do game deve estar fechado, mas há ainda espaço para ajustes finos.<br />

Deste modo, o designer tem ainda papel ativo, embora o game já esteja em fase de produção. É<br />

um estágio de processo subtrativo, mais do que aditivo, de eliminação de imperfeições.<br />

De qualquer modo, os três estágios do designer não diferem das três fases do processo de design.<br />

Há, na realidade, uma sincronia entre os dois percursos: o primeiro estágio, o de conceito,<br />

está inserido na primeira fase do processo de design, o de conceituação. O segundo estágio, de<br />

elaboração, está contido na fase de desenvolvimento do design. E no terceiro estágio, quando o<br />

designer está em processo de afinação de seus elementos, o processo de design está em sua fase<br />

de realização. Estamos falando, portanto, do mesmo processo.<br />

O designer de games e o estágio de conceituação<br />

Como acontece com a maioria dos produtos criados pelo processo do <strong>Design</strong>, objetos são criados<br />

com base em necessidades identificadas pela sociedade. Isto pode ser desencadeado pela encomenda<br />

de um industrial ou pela percepção inovadora de um designer. Além disso, o designer também<br />

atua no redesign de alguns objetos já existentes, que sofrem alterações em função de outras<br />

necessidades, de ajustes de projeto ou por conta de mudanças na própria sociedade.<br />

Na área de games não é diferente. Alguns jogos digitais nascem da encomenda de diversos publishers<br />

(publicadoras, editoras), que identificam oportunidades ou necessidades, e procuram as<br />

produtoras de games com solicitações específicas. Por exemplo, desenvolver um game que seja a<br />

adaptação de um novo filme ou a produção de um jogo que seja o redesign de um game que foi<br />

lançado no início dos anos 1990. Muitas publicadoras optam, obedecendo a motivos comerciais,<br />

por definir antecipadamente o gênero do game; algo que facilita as vendas, mas, de certo modo,<br />

engessa o processo criativo do designer. Quando Adams e Rollings (2007) afirmam que uma vez<br />

definido, o gênero não deve ser alterado, isto se deve muito mais a motivos de marketing. De<br />

certa forma, isto também vale para o público-alvo. Há encomendas que partem da identificação<br />

de lacunas no mercado, como games para meninas, por exemplo. Embora seja uma prática fundamental<br />

do processo de design, já que a definição do público-alvo é um elemento definidor do<br />

próprio objeto, há também um aspecto comercial por trás dessa escolha.<br />

Existe da mesma forma o surgimento de diversos jogos indies [1], que são produzidos com a criação<br />

de um designer ou de um grupo de novos produtores, baseados em ideias autorais ou mesmo<br />

em sua própria percepção de novas demandas da comunidade de jogadores. Muitos jogos indies,<br />

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O processo de design de games<br />

dependendo do sucesso, têm seus direitos comprados pelos publishers e tornam-se marcas tão<br />

difundidas quanto aquelas criadas no processo convencional desencadeado pelo mercado.<br />

Uma vez procuradas para o desenvolvimento de um novo produto, ou quando elas mesmas resolvem<br />

criar as suas próprias produções independentes, as produtoras iniciam o processo de concepção<br />

do game. Esta é a fase de geração de ideias. Embora, segundo Fullerton (2004), ela esteja<br />

presente em todos os momentos do processo de design, não há como negar que as ideias matrizes,<br />

ou conceitos gerais (high concepts) – denominação que os próprios designers gostam de usar –, são<br />

definidas neste estágio.<br />

Segundo Schuytema (2008), é muito variado o grau de liberdade que um designer pode usufruir<br />

ao formatar suas ideias iniciais. Para ele, há casos entre os dois extremos, desde aqueles em que<br />

o designer dispõe de “toneladas de liberdade” – por exemplo, quando o publisher simplesmente<br />

solicita o desenvolvimento de um shooter em primeira pessoa, cujo personagem tem alguma<br />

característica especial – até encomendas de jogos com diversos detalhes já definidos. Neste caso,<br />

o autor cita Mahjongg, game que criou para a empresa eGames, cujas regras já estavam bem<br />

delineadas; e a lista de recursos estava previamente estabelecida pelo editor, com base em um<br />

documento que apresentava os itens devendo estar presentes no jogo. Portanto, a necessidade de<br />

pesquisa e levantamento de dados para a solução do problema também varia para cada projeto.<br />

É importante apontar essa questão, pois projetos que surgem de certas demandas específicas –<br />

por exemplo, o redesign de um jogo – solicitam um método de compreensão do problema muito<br />

diferente do exigido para um game concebido a partir do zero, como aqueles criados quando um<br />

publisher ou mesmo um designer intui ou descobre, através de pesquisas, que uma determinada<br />

temática pode provocar grande demanda pelo produto. Na criação de um game com base neste<br />

tipo de encomenda, que dá ao designer muito mais liberdade de criação, é mais difícil falar em<br />

necessidade do usuário. Neste momento, desponta no designer um papel mais de autor do que de<br />

um profissional que atende a uma demanda da sociedade. Dunniway e Novak (2005) afirmam que,<br />

nesse caso, os designers criam novos games com base em uma mecânica de jogo inovadora, uma<br />

nova tecnologia que foi disponibilizada, um conceito de arte diferente, um novo enredo. Qualquer<br />

um desses exemplos pode ser o ponto de partida para estabelecer as primeiras ideias. Por outro<br />

lado, redesigns de games antigos ou reedições de games atuais permitem aplicar com mais propriedade<br />

os métodos do <strong>Design</strong> de Interação, que buscam soluções em resposta a necessidades já<br />

definidas.<br />

Por outro lado, Dunniway e Novak (2005) afirmam que nesse momento o designer faz diversas perguntas<br />

a si mesmo, sobre qual é a essência do jogo; quem é o jogador; o que, como, onde e por<br />

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O processo de design de games<br />

que ele quer fazer isso; que tipo de tecnologia e com quem vai fazer isso; e quais as características<br />

que fazem do jogo algo diferente. Portanto, independentemente do grau de liberdade que<br />

o designer tem na fase de concepção, atualmente nenhum projeto prescinde de algum tipo de<br />

consulta ao público usuário, à equipe técnica, ou por meio do levantamento de dados de diversas<br />

fontes de pesquisa.<br />

Schuytema (2008) afirma que o designer, por ser considerado o profissional das ideias nessa fase<br />

do processo de design de games, chama todos os envolvidos para participar: de programadores e<br />

profissionais de marketing a alguns usuários. Para esse autor, é importante que todos deem seu<br />

parecer técnico ou pessoal com base nas ideias preliminares, principalmente porque a maioria<br />

dos projetos de games tem diversos requisitos específicos, sejam eles comerciais, tecnológicos<br />

ou mesmo provenientes da solicitação dos próprios usuários. Não é à toa que muitas empresas de<br />

games chamam os diversos agentes envolvidos para participar dos tradicionais brainstormings ou<br />

de outras técnicas para geração de alternativas.<br />

Na área de games, portanto, é comum que todo esse processo desemboque na definição do que<br />

se chama conceito geral (high concept). Bates (2001) afirma que o grande objetivo da primeira<br />

fase do processo de desenvolvimento de um game é achar a ideia que envolve o conceito geral do<br />

jogo. Segundo esse autor (idem, ibidem, p. 5), “o conceito geral é uma resposta de uma ou duas<br />

sentenças para a seguinte questão, ‘o seu jogo é sobre o quê?’ Muitos publishers acreditam que se<br />

seu game não puder ser reduzido a um sumário breve como este, ele não tem chance de sucesso”.<br />

Há duas explicações que justificam a existência dessa prática na indústria de games. A primeira<br />

é de cunho comercial. Comumente, os desenvolvedores demonstram a ideia central do jogo para<br />

seus publishers ou investidores com base em uma apresentação (pitching) do conceito geral do<br />

jogo. Segundo Schell (2008, p. 424), “quando a equipe concorda com o conceito do jogo, é feito<br />

um pitching para o investidor a fim de obter aprovação para construir um protótipo”. A prática é<br />

tão comum, que há mesmo um documento da IGDA [2], Game Submission Guide, que detalha algumas<br />

práticas de como vender seu conceito. Conferências comerciais, como a E3 [3], ou acadêmicas,<br />

como a GDC [4], são momentos em que os publishers ou investidores se reúnem para assistir<br />

aos pitchings de conceitos de designers ou desenvolvedores.<br />

A segunda justificativa provém do próprio processo. O conceito geral do jogo assemelha-se muito<br />

à storyline de um filme. Comparato (1983, p.53) afirma que a storyline “é o termo que designa o<br />

enredo, a trama de uma história. Como uma ‘storyline’ deve ter no máximo cinco linhas, deduz-se<br />

que ‘storyline’ é a síntese da história”. Da mesma forma que a storyline “serve de base, de ponto<br />

de partida” (IBIDEM, p.54) para a criação de um filme, o conceito geral do jogo é o elemento<br />

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O processo de design de games<br />

norteador para o desenvolvimento do game.<br />

Para que o conceito seja mais bem constituído, o designer, em conjunto com sua equipe, define<br />

também o contexto em que o jogo será inserido, aquilo que gira ao redor do jogo e que também<br />

o envolve. Como dissemos, os games não descrevem somente sistemas abstratos, recheados de<br />

desafios. A maioria dos games de hoje contempla uma história, com personagens e elementos<br />

dramáticos. Fullerton et al. (2004, p. 91) chamam esta característica de premissa: “[...] para que<br />

os jogadores se conectem emocionalmente com o jogo, o designer de games cria uma premissa<br />

dramática que revista o sistema formal. Portanto, a premissa está estritamente ligada ao conceito<br />

(high concept) do jogo. A bem da verdade, muitos conceitos de games são criados com base na<br />

definição da premissa, e as regras são encaixadas posteriormente.<br />

Definido o conceito do jogo, a maioria dos autores e designers de games (Fullerton, Dunniway,<br />

Schell, Schuytema, Bates, Adams, entre outros) entende que o próximo passo é estruturar a<br />

mecânica do jogo. Para Adams e Rollings (2007)<br />

a mecânica do jogo é o coração de qualquer game, porque ela resulta<br />

na jogabilidade. Ela define os desafios que o jogo pode oferecer<br />

e as ações que o jogador pode executar no encontro destes desafios. A<br />

mecânica também determina o efeito das ações do jogador dentro do<br />

ambiente do jogo. A mecânica estabelece as condições para se atingir<br />

os objetivos do jogo e quais as consequências que se seguem ao atingilas,<br />

seja no sucesso ou no fracasso (ADAMS e ROLLINGS, 2007, p.43).<br />

Nesse momento, o que se define é o conceito mecânico, estabelecido por alguns de seus elementos<br />

formais, que dizem qual é o objetivo do jogador, o que ele pode fazer para conquistar este<br />

objetivo (as regras preliminares), como obter êxito no percurso (premiação, pontuação), o que o<br />

vai impedir de conquistar (conflitos) o objetivo, como ele vai se movimentar ou coletar recursos<br />

que o auxiliem, entre outras questões. Na língua inglesa, os designers costumam denominar este<br />

conjunto como core mechanics, ou seja, algo como a essência da mecânica do jogo ou a mecânica<br />

básica.<br />

A maioria dos designers entende que o melhor caminho, nessa fase do processo, é criar protótipos<br />

funcionais, que testem a mecânica básica do jogo a ser elaborada. Para Fullerton et al. (2004),<br />

o quanto antes o protótipo for desenvolvido, melhor para a equipe, mesmo que não seja possível<br />

envolver ainda o público-alvo – algo desejável –, mas difícil de ser desencadeado. Lewis Pulsipher<br />

(2010) chama esta fase de “Solo Testing”, já que o protótipo é avaliado pelo próprio designer. O<br />

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O processo de design de games<br />

objetivo não é somente testar, mas sim testar criando, ou criar testando. Pulsipher diz que é o<br />

momento de o designer jogar, revisar, jogar, revisar, jogar, revisar, até que ele se sinta seguro<br />

para afirmar quais são as alternativas que melhor atendem aos requisitos e necessidades do<br />

projeto.<br />

Portanto, nessa fase, o designer está trabalhando mormente pela criação da mecânica do<br />

jogo, e não com outros elementos do funcionamento, como aqueles sugeridos pelos princípios<br />

da usabilidade, ou ainda com questões tecnológicas, como verificar se a resposta a determinado<br />

controle está funcionando conforme o programado. Estas questões são avaliadas na fase<br />

seguinte, e, portanto, necessitam do envolvimento de programadores.<br />

Por outro lado, ainda nessa fase, o designer talvez já precise de programadores, pois pode<br />

optar por testar a mecânica do jogo com base em protótipos digitais. Como alternativa, na<br />

ausência de programadores, o designer pode testar a mecânica com protótipos de papel.<br />

É importante ressaltar, no entanto, que o designer de games já está desempenhando, nessa<br />

fase, um papel de designer, ao projetar a mecânica do jogo; mas ainda pouco se preocupa com<br />

outros elementos, particularmente o design da interface, a história ou o level design. Nessa<br />

fase, o designer define o conceito geral (high concept), o público-alvo, a premissa e o conceito<br />

mecânico do jogo. Após finalizado este processo, podemos afirmar – embora, formalmente,<br />

não haja rigor algum que defina os limites entre cada fase – que é o momento de seguir para<br />

o próximo estágio, que prevê o desenvolvimento das alternativas selecionadas.<br />

O designer de games e o estágio de elaboração<br />

A partir do momento em que o designer seleciona a melhor alternativa, a equipe entra na fase de<br />

desenvolvimento, a qual prevê que cada membro responda pela projetação de sua parte do jogo.<br />

Os artistas precisam elaborar os primeiros sketches, os animadores começam a desenvolver os<br />

primeiros sprites, os programadores começam a estruturar a engenharia do software.<br />

O designer, por outro lado, precisa detalhar os elementos do jogo que estão sob seu controle,<br />

sejam eles vinculados à mecânica, à história ou aos elementos estéticos. Ou seja, o designer deve<br />

desenvolver melhor a história (às vezes na forma de um roteiro), definir as características funcionais<br />

e psicológicas dos personagens, detalhar a estrutura de ambientes com base nos níveis do<br />

jogo, e, também, estabelecer junto com os artistas uma direção de arte para o jogo.<br />

Nesse estágio, de modo algum ele abandona a mecânica do jogo, que também precisa ser muito<br />

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O processo de design de games<br />

mais detalhada. No primeiro estágio, o designer havia elaborado um conjunto geral de regras, mas<br />

não sabe ainda como comunicá-las. Para Adams e Rollings (2007), a mecânica precisa ser destrinchada<br />

detalhadamente, ponto a ponto, e, para ilustrar, descrevem algo do tipo:<br />

quando o avatar entra no pântano, os cogumelos negros começam a<br />

emitir um gás venenoso, o qual o jogador pode ver preenchendo a tela,<br />

começando na parte inferior e elevando-se à taxa de uma polegada<br />

relativa ao mundo do jogo a cada três segundos; passados 3 minutos,<br />

o gás irá atingir a altura do rosto do avatar, e, se neste momento o<br />

avatar ainda estiver no pântano, o avatar morre. Se o avatar retornar<br />

ao pântano mais tarde, o gás será detonado, mas o processo começa<br />

novamente do início (IBIDEM, p.317).<br />

Os autores afirmam que nessa sentença, composta de “quando”, “se”, “polegadas” e “minutos”,<br />

estão presentes dados que comunicam a regra do jogo de forma mais precisa. Para expressá-la,<br />

portanto, o designer precisa rever (recriar) os protótipos para que eles possam definir os detalhes<br />

que estão faltando, testar as regras novamente, para, finalmente, poder descrevê-las a<br />

toda a equipe, particularmente aos programadores, que serão os responsáveis por implementar a<br />

mecânica em forma de algoritmo. A mecânica do jogo, portanto, é a definição clara destas regras.<br />

Neste movimento, o level design está também sendo construído, seja pelo próprio designer ou<br />

com o apoio do level designer, se houver um na equipe.<br />

Percebe-se, também, que a mecânica do jogo começa a agregar a seu funcionamento os elementos<br />

da interface, da história, assim como, muitas vezes, alguns elementos estéticos, principalmente<br />

se eles são importantes para a compreensão da mecânica. Por exemplo, um efeito sonoro<br />

pode ser fundamental para que o jogador consiga conquistar determinada missão. Os elementos<br />

do design de interface e de interação (incluindo os controles) já se tornam, por outro lado, elementos<br />

fundamentais.<br />

A comunicação pode ser feita por um novo protótipo ou por uma documentação posterior, que<br />

demonstre o jogo detonado (walkthrough) [5]. A representação da partida pode ser feita também<br />

em formato de texto, como se fosse o argumento de um filme, ou por meio de imagens paradas<br />

(um storyboard, por exemplo), ou ainda imagens em movimento (uma animação). É como se uma<br />

partida fosse filmada completamente.<br />

Os testes do funcionamento, nesse estágio, têm de ser realizados de uma forma mais cuidadosa<br />

do que na fase de concepção. Pulsipher (2010) chama esta fase de “Local Testing”, já que é, em<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

273


O processo de design de games<br />

geral, realizada com a própria equipe. É possível, com base na sugestão de Tracy Fullerton, utilizar<br />

os próprios usuários para testar, mas isto vai depender muito da forma com que o protótipo foi<br />

construído. Se o protótipo não oferecer uma estrutura clara do funcionamento e do objetivo do<br />

teste, o usuário pode confundir-se, e a avaliação vai apontar para resultados falhos. De qualquer<br />

forma, nessa fase, o protótipo da mecânica já é mais fiel ao produto final, sendo realizado pelo<br />

programador (e por outros profissionais, conforme a necessidade), sob a supervisão do designer.<br />

Enquanto isso, o restante da equipe continua a realizar experimentações e explorações dentro de<br />

seu escopo de trabalho. Modeladores testam texturas, designers de som pesquisam e desenvolvem<br />

diversos efeitos, programadores começam a escrever os primeiros algoritmos para a engine [6]<br />

do jogo. Apenas os melhores resultados seguirão adiante, para a fase de realização. Em geral, a<br />

concepção geral do jogo desemboca na elaboração do documento de projeto, conhecido como<br />

GDD (Game <strong>Design</strong> Document), o projeto descritivo do game, que inclui a descrição completa da<br />

mecânica do jogo, a definição de todos os elementos estéticos (projeto de som e design do cenário<br />

e personagens), a história e seus elementos constituintes (por exemplo, o perfil psicológico dos<br />

personagens), o level design e o design da interface.<br />

O designer de games e o estágio de afinação<br />

Na fase de realização, em que a equipe de produção – programadores, artistas 2D e 3D, designers<br />

de som, entre outros – está a todo o vapor, de modo algum o designer fica parado: ele entra<br />

num estágio de afinação dos itens que estão sob seu controle. O designer terá de “trabalhar com<br />

os membros da equipe para certificar-se de que cada aspecto do design está sendo corretamente<br />

atingido conforme o documento” (FULLERTON et al., 2004, p.15). Como sugere Buxton (2007), o<br />

designer tem que continuar sempre acompanhando o processo de design de perto, que no caso dos<br />

games significa ajustar, rever questões relativas tanto aos elementos contextuais, quanto aos da<br />

mecânica. No estágio final do processo, os testes continuam, agora com protótipos que se aproximam<br />

de como será o produto finalizado.<br />

Segundo Pulsipher (2010), o processo entra, finalmente, na etapa de “Blind/External Testing”,<br />

que é realizado com pessoas que não se envolveram com o processo de <strong>Design</strong> e que estejam<br />

dentro do público-alvo do jogo. Nessa fase, o designer começa também a definir o produto tecnicamente,<br />

a escrever manuais de instruções e a projetar tutoriais, conforme a necessidade. É importante<br />

também deixar o documento de design de games (GDD) atualizado, pois, muitas vezes,<br />

ele é utilizado como referência para os testes finais.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

Sintetizando o processo<br />

Quando estiver se aproximando do final do terceiro estágio, o de afinação, o designer começará a<br />

trabalhar mais diretamente com o diretor de Quality Assurance (QA) [7], definindo os parâmetros<br />

para o teste final com os usuários, que será desencadeado com base em um protótipo que possui<br />

alta fidelidade em relação ao produto final. Neste momento, designers de games, programadores<br />

e profissionais de QA trabalham juntos para resolver bugs ou problemas de interface e controle. É<br />

o momento de refinamento. Segundo Steve Ackrich (citado em Fullerton et al., 2004, p. 356), “70%<br />

da qualidade de um jogo provêm dos últimos 10% do desenvolvimento”. A ideia, nesse momento,<br />

é avaliar a qualidade do funcionamento, pois a mecânica básica já deveria estar constituída. Para<br />

alguns designers, como Fullerton et al. (2004) ou Adams e Rollings (2007), é temerário fazer mudanças<br />

significativas na mecânica do jogo nesse momento, pois isso pode significar que terão de<br />

ser realizadas mudanças significativas na estrutura do jogo como um todo. Ou seja, é preciso que<br />

o designer de games, quando chega essa fase, tenha segurança de que o game conta com uma boa<br />

mecânica, seja divertido e desafiador. O usuário que faz os testes finais deveria, pelo menos nas<br />

condições ideais, ater-se apenas ao funcionamento do game.<br />

Para que isso ocorra com segurança, designers têm criado mecanismos para assegurar que alguns<br />

itens estruturais cheguem ao final do processo sem o risco de terem que ser modificados substancialmente<br />

no final. Durante a descrição do processo, vimos, de modo muito breve, que os designers<br />

de games têm trabalhado dentro de um ciclo que alterna exercícios de concepção, avaliação<br />

das ideias por protótipos, com a execução da solução escolhida. Podemos afirmar, portanto que,<br />

se os testes finais, cuja execução é liderada pelos profissionais de QA (Quality Assurance), propiciam<br />

que se chegue à síntese do produto, por outro lado, estes testes também sintetizam todo um<br />

processo que pode ser resumido por um ciclo iterativo de conceituação-desenvolvimento-testeavaliação-realização.<br />

O processo de design de games, portanto, nesse aspecto, não se distingue do processo de design<br />

de outros objetos, particularmente dos produtos de mídias interativas. Diante da proliferação de<br />

novos produtos digitais, interativos e multifuncionais, o design tem procurado inverter seu eixo de<br />

projetação: deixa de ser um design centrado no produto para ser um design centrado no usuário.<br />

Ou seja, ao projetar, o designer situa-se no papel do usuário, e, em seu processo de criação, ele<br />

projeta ao mesmo tempo em que usa, em ciclo contínuo.<br />

Os métodos desse que é um design de interação baseiam-se na experiência iterativa de testar o<br />

objeto ou sistema ao mesmo tempo em que ele está sendo projetado. Muitos autores têm escrito<br />

sobre este processo, denominado iterativo, e que pertence a uma vertente chamada design de<br />

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O processo de design de games<br />

interação. Como ponto de partida, esta modalidade de design e o estudo que tem sido gerado<br />

em torno dela são, portanto, um referencial teórico fundamental, podendo trazer algumas contribuições<br />

para o design de games, como um desdobramento deste estudo.<br />

Notas<br />

[1] Jogos indies são jogos independentes, que não são produzidos com base no processo convencional<br />

de encomenda de um publisher, mas da iniciativa isolada de um ou mais produtores.<br />

[2] A IGDA é a sigla do nome em inglês da Associação Internacional de Desenvolvedores de Games.<br />

O documento citado pode ser obtido em .<br />

[3] A E3 é a maior feira internacional de games do mundo, e é realizada anualmente nos Estados<br />

Unidos.<br />

[4] A Game Developer Conference (GDC) é uma conferência sobre games que ocorre anualmente<br />

nos Estados Unidos.<br />

[5] Walkthrough, que pode ser traduzido aproximadamente como jogo ou partida “detonada”, ou<br />

completada, é um termo que define o registro de uma partida inteira, representada do início ao<br />

fim.<br />

[6] A engine é uma espécie de motor do jogo, do ponto de vista algorítmico. Adams e Rollings<br />

(2007) afirmam que a engine do jogo é a parte do software que implementa as regras do jogo.<br />

Como a mecânica do jogo soletra as regras em detalhes, na prática ela também está dizendo o<br />

que a engine fará.<br />

[7] O diretor de Quality Assurance (QA) é o responsável por dirigir as ações de controle de qualidade<br />

e avaliações finais de um produto para que ele chegue com segurança ao mercado consumidor.<br />

Referências<br />

ADAMS, Ernest; ROLLINGS, Andrew. Fundamentals of Game <strong>Design</strong>. New Jersey (NJ): Pearson<br />

Prentice Hall, 2007.<br />

BATES, Bob. Game <strong>Design</strong>: The Art and Business of Creating Games. Roseville (CA): Prima Publishing,<br />

2001.<br />

BONSIEPE, Gui. Teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo Gili, 1978.<br />

BUXTON, Bill. Sketching User Experiences: Getting the <strong>Design</strong> Right and the Right <strong>Design</strong>. San<br />

Francisco (CA): Morgan Kaufmann Publishers, 2007.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

COMPARATO, Doc. Roteiro: arte e técnica de escrever para cinema e televisão. Rio de Janeiro:<br />

Nórdica, 1983.<br />

DUNNIWAY, Troy; NOVAK, Jeannie. Gameplay Mechanics. Nova York: Cengage Learning, 2005.<br />

FULLERTON, Tracy; SWAIN, Christopher; HOFFMAN, Steven. Game <strong>Design</strong> Workshop: <strong>Design</strong>ing,<br />

Prototyping and Playtesting Games. San Francisco (CA): CMPBooks, 2004.<br />

JONES, John Chris. <strong>Design</strong> Methods. Nova York: John Wiley & Sons, 1992.<br />

LÖBACH, Bernd. <strong>Design</strong> industrial: bases para configuração dos produtos industriais. São Paulo:<br />

Edgard Blücher, 2001.<br />

PULSIPHER, Lewis. Playtesting Is Sovereign. Disponível em . Postado em 10 de agosto de 2010. Acessado<br />

em 12 de agosto de 2010, 17h29.<br />

SCHELL, Jesse. The Art of Game <strong>Design</strong>. Burlington (MA): Morgan Kaufmann Publishers, 2008.<br />

SCHUYTEMA, Paul. <strong>Design</strong> de games: uma abordagem prática. São Paulo: Cengage Learning, 2008.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e<br />

das possibilidades<br />

Priscilla Maria Cardoso Garone. Mestre em <strong>Design</strong>. UFES - <strong>Universidade</strong> Federal do Espírito<br />

Santo. prigarone@gmail.com<br />

Bianca Paneto Bernardi. Graduada em <strong>Design</strong>. UFES - <strong>Universidade</strong> Federal do Espírito<br />

Santo. bpanetobernardi@gmail.com<br />

Márcia Ramos do Santos. Graduada em <strong>Design</strong>. UFES - <strong>Universidade</strong> Federal do Espírito<br />

Santo. marciaramos20@gmail.com<br />

Resumo<br />

O presente estudo destina-se à elucidação das histórias em quadrinhos, sua linguagem,<br />

características e principais elementos que a compõem enquanto mídia<br />

impressa, e de que forma a mídia digital influencia e contribui com novas possibilidades<br />

de experimentação, planejamento, execução, distribuição e leitura,<br />

através da hipermídia e da interatividade. Propõe também uma discussão acerca<br />

das possibilidades trazidas pela internet a essa forma de arte e entretenimento.<br />

Palavras-chave:<br />

Histórias em quadrinhos, hipermídia, internet.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

Introdução<br />

As Histórias em Quadrinhos configuram uma área de extrema importância para a expressão gráfica,<br />

comunicação, entretenimento, artes e design, e muitas pesquisas surgiram na tentativa de<br />

investigar sua linguagem. No contexto nacional, estudos evidenciam a importância do tema. No<br />

entanto, há ainda a necessidade de realização de mais pesquisas visando fomentar o desenvolvimento,<br />

visto que ainda é um campo de estudo relativamente recente.<br />

As Histórias em Quadrinhos constituem um recente campo de estudo e pesquisa interdisciplinar.<br />

Luyten (1985) considera que o quadrinho moderno emergiu no âmbito da indústria americana em<br />

meados do século XIX, e atualmente, esta área de estudo no Brasil vem despertando interesse de<br />

diversos estudiosos e pesquisadores.<br />

De maneira geral, podemos entender por Histórias em Quadrinhos como uma narrativa gráficovisual.<br />

Alguns pesquisadores tendem a definir o termo, como Cirne (1977), que o estabelece como<br />

uma forma de expressão artística, que possui linguagem, códigos e regras próprias. Eisner (2001)<br />

contempla a definição destacando Histórias em Quadrinhos como a arte seqüencial. McCloud<br />

(1993) esclarece denominando Histórias em Quadrinhos como desenhos ou imagens justapostas<br />

em uma seqüência deliberada com a intenção de levar informação e/ou produzir uma resposta<br />

estética no leitor.<br />

A primeira parte do estudo compreenderá um breve histórico do surgimento do quadrinho moderno,<br />

enquanto mídia impressa, e o surgimento do quadrinho no meio digital. Em seguida, este<br />

estudo evidenciará de que forma os recursos digitais contribuíram para o processo de evolução da<br />

linguagem e mudança nas técnicas de representação e comunicação.<br />

As conclusões obtidas apontam para uma vinculação entre Histórias em Quadrinhos e o meio digital<br />

relacionada a uma linguagem híbrida, assumindo caráter de arte em potencial com organização<br />

e distribuição facilitadas pela internet, que vem modificando o modo de pensar, projetar,<br />

reproduzir e ler este objeto de comunicação e entretenimento.<br />

1.Histórias em Quadrinhos Impressas<br />

Os estudiosos não se arriscam a datar o início da história das Histórias em Quadrinhos, mas todos<br />

concordam que a origem é antiga. Muitos reconhecem as pinturas egípcias, a tapeçaria produzida<br />

na França relatando a Conquista da Normandia, as iluminuras, vitrais religiosos e os manuscritos<br />

pré-colombianos como quadrinhos dos primórdios. Todos estes fizeram uso da representação, de<br />

ícones, ou seja, de algo que refere (SANTAELLA, 1995) para atingir o objetivo de transmitir infor-<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

mações seqüenciais.<br />

O homem sempre sentiu a necessidade de registrar fatos ou idéias, e por vezes não era possível<br />

fazê-lo com apenas uma ilustração. Desenhava-se em sucessão, de forma organizada e seqüencial.<br />

Não existe uma data que marca o início de toda esta história, como citado anteriormente, mas<br />

muitos são os antecessores desta arte.<br />

Por milhares de anos a principal forma de comunicação entre os homens ocorria por meio da<br />

linguagem verbal e de modo gradual o homem começou a se comunicar através de desenhos. Mc-<br />

Cloud (1993) aponta que há cerca de 40.000 anos as pinturas rupestres surgiram e Janson (1993)<br />

explana que pertencem ao Paleolítico Final, que começou há cerca de 35.000 anos, as mais antigas<br />

obras de arte desconhecidas.<br />

É fato que ao longo da evolução das histórias em quadrinhos vimos que são feitos uso de palavras<br />

além de imagens, e muitas vezes a combinação destes dois elementos pode resultar numa interessante<br />

mensagem. É importante lembrar que nem todos os quadrinhos de uma história possuem<br />

apenas palavras ou apenas imagens ou obrigatoriamente os dois elementos, pois não existe regra<br />

nem limite nesta arte gráfica narrativa.<br />

Também denominada como arte seqüencial por Eisner (2001), a compreensão dos quadrinhos se<br />

dá a partir da leitura em uma determinada seqüência. O objetivo dos quadrinhos é contar uma<br />

história, um evento, que geralmente inclui imagens e palavras, mas também existem histórias<br />

mais curtas e até mesmo as denominadas tirinhas, que são compostas por poucos quadros.<br />

É importante ressaltar que quadrinhos têm por objetivo transmitir uma idéia, contar uma história<br />

ou um evento. As Histórias me Quadrinhos, conhecidas em algumas partes do mundo como Comic<br />

Strips, ou Comic Books, conforme cita McKenzie (1987), tiras cômicas ou livros cômicos, do inglês,<br />

foram revolucionadas com a invenção da imprensa. A partir disso, o quadrinho se tornou mídia<br />

impressa, uma espécie de publicação que passou a atingir um número incalculável de pessoas,<br />

argumenta McCloud (2000).<br />

História em quadrinhos é um meio de comunicação de massa e contém mensagens ideológicas de<br />

quem o produz, de acordo com Couperie et al. (1970). É considerada por McLuhan (1974) uma<br />

mídia fria, pois exige envolvimento do público através de ícones, que requer a participação do<br />

expectador para que a transmissão da informação ocorra de maneira eficaz.<br />

Podemos ainda encarar o quadrinho como antecessor do hipertexto. Segundo Julio Plaza (2003),<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

num hipertexto, as informações não são absorvidas de forma linear, umas após as outras, mas de<br />

forma simultânea e fragmentada, de modo similar ao funcionamento do cérebro humano. Portanto,<br />

o leitor tem a possibilidade de ler determinada página várias vezes, e, em se tratando de<br />

um híbrido de linguagem visual e verbal escrita, a ordem de leitura entre imagens e palavras é<br />

executada pelo leitor. É evidente que os quadros em si e os balões apresentam uma ordem clara,<br />

porém a imagem inserida fora de um quadro proporciona uma maior interação visual. Eisner (2001)<br />

acrescenta que a totalidade da história só é obtida a partir não da soma dos quadrinhos, mas além<br />

dela, da relação de semelhança e diferença criada e da interação visual entre os quadrinhos.<br />

O quadrinho moderno nasceu nas empresas jornalísticas norte-americanas, no fim do século XIX,<br />

favorecidas pela expansão do capitalismo e pelas inovações tecnológicas oriundas da Revolução<br />

Industrial. Na medida em que um determinado personagem ou série fazia sucesso, publicações<br />

especiais de Histórias em Quadrinhos em espécie de álbuns e livros, como coletâneas, eram lançadas,<br />

pontua Luyten (1985).<br />

Os norte-americanos começaram a produzir quadrinhos e tirinhas para jornais, e ainda que em<br />

outras partes do mundo também fosse produzida este tipo de arte, os Estados Unidos tiveram a<br />

produção inicial mais marcante. Luyten (1985) aponta que um dos primeiros quadrinhos publicados<br />

foi Yellow Kid, em 1894, criação de Richard F. Outcault. Esse vínculo com o jornal norte-americano<br />

popularizou o gênero narrativo seqüencial, e, devido ao alcance de um número incalculável<br />

de leitores, tornou-se um meio de comunicação de massa, meio este que possui características e<br />

elementos peculiares que merecem ser explanados para maior entendimento de sua linguagem.<br />

1.1.Elementos das Histórias em Quadrinhos Impressas<br />

Dentre as características da linguagem própria das Histórias em Quadrinhos, podemos destacar<br />

a estilização da imagem, a representação de movimento, o encadeamento de imagens, a representação<br />

de sons por meios de balões e onomatopéias e a estrutura das páginas com requadros.<br />

1.1.1.Quadros e requadros<br />

Ao abordar quadros, requadros e sarjetas, faz-se necessário enfatizar que o tempo e o espaço nos<br />

quadrinhos estão fundidos. O tempo é determinado pelo leitor a cada quadro que é lido, embora<br />

o artista tenha o poder de manipular o espaço visual a favor do tempo de cada cena, ou de cada<br />

quadro, utilizando-se de representação gráfica.<br />

O quadro é o espaço que representa um recorte temporal. Seu tamanho e largura podem remeter<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

à duração de tempo da ação ou cena. O requadro, moldura do quadrinho, é um importante elemento<br />

narrativo, e seu formato é um importante transmissor de sensações e informações temporais,<br />

complementares ao conteúdo dos quadros.<br />

O espaço em branco entre um quadro e outro cria uma relação direta com a passagem do tempo.<br />

Quanto maior o espaço, maior a passagem, e, consequentemente, maior é a possibilidade que o<br />

leitor tem de imaginar o que ocorreu entre um quadro e outro. Neste sentido, o espaço em branco<br />

entre os quadros também pode ser considerado um elemento de expressão gráfica nas Histórias<br />

em Quadrinhos, pois sua representação e a delimitação de sua área acarretam na percepção de<br />

passagem de tempo entre os quadros.<br />

1.1.2.Linhas de movimento<br />

Franco (2004) corrobora que as linhas de movimento é uma solução gráfica possivelmente gerada<br />

pelo efeito da fotografia borrada. Também chamadas de linhas cinéticas ou linhas de velocidade,<br />

são na verdade uma convenção gráfica usada nas histórias em quadrinhos para representar a ilusão<br />

de movimento e/ou trajetória dos objetos ou personagens em uma única cena.<br />

McCloud (1993) observa que as linhas de movimento não são a única forma de se compor uma ilusão<br />

de movimento. Nas histórias em quadrinhos podemos criar um cenário e deslocar um objeto<br />

sobre ele, separando cada momento da ação com requadros e deixar a elipse trabalhar a sensação<br />

de continuidade da ação.<br />

1.1.3.Onomatopéia<br />

Onomatopéia pode ser definida como uma forma de representação gráfica de sons produzidos pela<br />

natureza, por objetos e atos físicos do ser humano ou de animais. No contexto dos quadrinhos, as<br />

onomatopéias são representadas graficamente do mesmo modo da linguagem escrita, e aparecem<br />

inseridas no quadro junto à imagem pictórica, formando uma composição visual de peso plástico<br />

significante. Cirne (1975) afirma que o ruído nos quadrinhos é além de sonoro, visual.<br />

A tipografia ajuda a compor o efeito do som da palavra, que simula o ruído. Dependendo do<br />

tamanho do corpo da letra, tem-se a impressão de que o som é alto ou baixo, dependendo da cor<br />

empregada na tipografia, ou mesmo se a família tipográfica é apresentada distorcida de alguma<br />

forma (como pontas ou ondulações), tem-se a idéia de que certa palavra foi proferida com um<br />

som agudo ou grave, diferente das demais. Se há uma repetição da onomatopéia, entende-se que<br />

o som é repetitivo.<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

1.1.4.Balão<br />

O balão é outro elemento característico das Histórias em Quadrinhos. Nele apresentam-se os diálogos,<br />

pensamentos, sonhos, e o discurso direto narrativo. Para Eisner (2001), o balão tem como<br />

antecedente histórico os filactérios, faixa com palavras escritas junto à boca dos personagens em<br />

algumas pinturas de artistas cristãos da Idade Média. O balão organiza os diálogos, textos, ordem<br />

e pensamentos com o objetivo de estabelecer relações entre os personagens da história e das<br />

cenas.<br />

Tanto o balão quanto a onomatopéia, as linhas de movimento e o tempo e espaço nos quadrinhos<br />

sofreram modificações nas formas de serem projetados e percebidos com as mudanças tecnológicas.<br />

Explanaremos a seguir as histórias em quadrinhos digitais e suas características.<br />

2.Histórias em Quadrinhos Digitais<br />

Com a popularização do computador pessoal (PC) na década de 80, os artistas despertaram interesse<br />

na utilização da tecnologia digital para a produção de histórias em quadrinhos.<br />

Embora inicialmente se tratasse apenas da digitalização das histórias em quadrinhos impressas,<br />

com o passar do tempo, e com o surgimento de programas com interfaces mais convidativas ao<br />

uso, surgem as primeiras obras totalmente produzidas digitalmente.<br />

Franco (2004) aponta a veiculação da primeira história em quadrinho online no Minitel francês,<br />

mas conclui afirmando que as experiências com a tecnologia digital ocorreu quase que simultaneamente<br />

em outros países da Europa e nos Estados Unidos.<br />

Moya (1986) e McCloud (2000) apontam que a história em quadrinho Shatter, lançada em 1985 por<br />

Mike Saenz e Peter Gillis foi uma das pioneiras na produção por meio digital.<br />

A partir da década de 90 era visível o aumento do número de obras que fazia uso de colorização<br />

digital e surgiram as primeiras adaptações para CD-ROM, mas era visível que ao longo do século XX<br />

as histórias em quadrinhos digitais tiveram como parâmetro de diagramação do suporte impresso,<br />

não explorando as possibilidades oferecidas pelo meio.<br />

Com o advento da internet e a criação de interfaces gráficas cada vez mais amigáveis, os quadrinhos<br />

começaram a passar por um momento de experimentação, onde os autores começaram a<br />

explorar os recursos proporcionados pela hipermídia (FRANCO, 2004). A partir desse momento o<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

o suporte digital começou a ser utilizado de forma mais ativa, permitindo a criação de histórias<br />

que não se prendiam mais ao modelo para impressão, possibilitando, por exemplo, a criação de<br />

histórias não-lineares e que se utilizavam de múltiplos links.<br />

A facilidade de divulgação dos trabalhos pela internet também foi um grande contribuinte para<br />

que os autores começassem a escolher esse meio. Pois, com a internet é possível realizar uma<br />

produção desvinculada de editoras, onde o autor pode divulgar seu material a baixos, ou nenhum<br />

custo, ter o seu próprio tempo de produção e ter maior liberdade de expressão.<br />

O contato entre autor e leitor também foi otimizado, permitindo respostas rápidas e quase instantâneas<br />

do público, que pode acessar as páginas em qualquer lugar do mundo, fator extremamente<br />

importante e interessante para um autor que deseja melhorar cada vez mais o seu trabalho.<br />

Além disso, possibilita um maior envolvimento do leitor com a história, com suas sugestões<br />

tendo a possibilidade de serem incorporadas pelo artista.<br />

O desenvolvimento de novas tecnologias oferece a cada dia que passa diferentes possibilidades de<br />

leitura e visualização das histórias em quadrinhos, podendo trazer inclusive modificações em seu<br />

conceito. Sem dúvida, as possibilidades hipermidiáticas e a conexão entre as pessoas modificaram<br />

o modo como os quadrinhos são produzidos.<br />

2.1.Elementos das Histórias em Quadrinhos Digitais<br />

Podemos citar, dentre os elementos de linguagem das histórias em quadrinhos digitais a utilização<br />

da hipermídia e da interatividade, de sons, barra de rolagem, possibilidades de leitura e produção<br />

coletiva através da internet.<br />

2.1.1.Hipermídia<br />

Entende-se por hipermídia o conjunto de multimeios formado por uma base tecnológica comunicacional<br />

multilinear e interativa. Sua estrutura inclui a informação representada em forma de nós<br />

não-hierárquicos conectados por links possíveis de serem acessados de acordo com decisões coordenadas<br />

(LEÃO, 2002). A hipermídia é responsável pela interação e reação do receptor usuário,<br />

habilitando-o a navegar e perceber o quadrinho de modo diferente. Com ela é possível a leitura<br />

de trabalhos não lineares, com narrativas paralelas.<br />

Hipertexto é o conjunto de textos conectados entre si por links ou hiperlinks. O hiperlink é uma<br />

estrutura da internet que permite que uma palavra ou imagem se torne um portal para outras<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

informações em outra página. Se um quadrinho possuir referências visuais ou literárias, pode utilizar<br />

esse recurso para que o leitor conheça mais sobre aquelas referências.<br />

2.1.2.Interatividade<br />

Tavares apud Franco (2004) explica que a interatividade é uma qualidade própria das novas tecnologias<br />

de comunicação que garante a conversibilidade dos dados sob forma numérica; assegura<br />

a comutação da informação e, deste modo, garante ao receptor a possibilidade de intervir instantaneamente<br />

sobre a mensagem, ao atualizar os estados possíveis de sua matriz operacional.<br />

Paula Filho (2000) explica que a interação é a possibilidade de controle de um meio ou de fazer<br />

alterações neste. A interatividade pode ser medida em níveis, que pode ser desde o mais básico,<br />

quando o leitor tem apenas as opções de avançar e retornar; um nível intermediário, no qual<br />

o receptor pode optar por caminhos diversos ou pode interagir com sons e imagens; e um nível<br />

avançado, caracterizado pelo leitor ter a capacidade de contribuir com a narrativa participando<br />

como co-autor da obra.<br />

Wiener apud Franco (2004) define interatividade explicando também a diferença dos meios passivo<br />

e reativo. O primeiro, passivo, mostra de forma clássica que quem recebe a mensagem, envia<br />

como retorno um sinal de que a mensagem foi recebida, ou seja, o sinal enviado por um veículo<br />

(canal) tem que chegar ao receptor de maneira que este só contemple a chegada desse sinal. Se<br />

existe uma participação do público, é apenas a de conferir o sinal recebido. O segundo, reativo,<br />

abre a possibilidade de o emissor enviar mais de um sinal, dando ao receptor o poder de optar na<br />

escolha de uma delas. Neste caso o público reage aos vários sinais, escolhendo o caminho a ser<br />

navegado. Na terceira categoria, interativa, podemos não só optar, como intervir, mudar as relações<br />

indiciais que o mundo dos signos nos oferecem, como também inventarmos novos destinos<br />

para o desenleio das linguagens.<br />

Podemos classificar as webcomics pelos níveis básico, intermediário e avançado de interação. No<br />

primeiro nível, se encontra as webcomics cujo receptor tem como única opção a apreciação do<br />

material, com botões de passagem de quadros. No nível intermediário, o usuário é convidado a<br />

interagir com a webcomic, seja clicando em imagens para descobrir links escondidos ou outras<br />

imagens escondidas, acionando animações ao passar o mouse sobre um quadro ou, por exemplo,<br />

escolhendo caminhos na narrativa. O nível avançado é aquele onde o leitor também pode contribuir<br />

de alguma forma, seja votando por um final, ou criando uma continuação da história. Tudo<br />

depende da intenção do criador da webcomic em fazer seu público participar mais ou menos do<br />

processo de criação.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

2.1.3.Produção coletiva<br />

Com a internet, a comunicação entre artistas de qualquer lugar do mundo foi otimizada, possibilitando<br />

assim uma maior interação entre eles. Dessa interação, começaram a surgir trabalhos<br />

colaborativos, podendo ser apenas uma compilação de várias histórias, como uma revista que<br />

publica diversas em uma mesma edição, bem como trabalhos produzidos de forma coletiva, onde<br />

cada um realiza a sua parte dentro de uma mesma história.<br />

É comum encontrar trabalhos onde há distribuição de tarefas de uma produção, como a separação<br />

clássica entre quem roteiriza, desenha, arte-finaliza e coloriza, mas, com a mídia digital,<br />

juntamente com a internet, a possibilidade da realização de trabalhos simultâneos dentro de uma<br />

mesma tela é muito mais efetiva, permitindo que enquanto uma pessoa está desenhando em um<br />

local, um parceiro já esteja colorindo o seu trabalho do outro lado do mundo ao mesmo tempo.<br />

Este tipo de atividade simultânea permite uma maior compreensão e conexão entre a produção<br />

dos vários artistas, pois esses podem estar realizando correções a partir da opinião do outro de<br />

maneira rápida e eficiente.<br />

2.1.4.Tridimensionalidade<br />

O uso de programas de modelagem de imagens em três dimensões para construção de personagens<br />

e cenário criou várias possibilidades de edição para produzir quadrinhos, como a criação de<br />

bibliotecas de imagens editáveis, sendo necessário criar o personagem ou objeto apenas uma vez,<br />

e poder utilizá-lo em todos os ângulos e poses imagináveis quantas vezes for preciso. O tempo<br />

despendido nesta modelagem dependerá da estética pretendida, sendo recompensado mais tarde<br />

pela facilidade de uso do modelo sem a necessidade de refazê-lo. A maioria dos programas de<br />

edição apresenta modelos prontos para que seus usuários sirvam-se deles como base de criação.<br />

O artista pode optar por mesclar elementos 3D com desenhos criados de forma tradicional. Esta<br />

prática serve para criar uma atmosfera única e uma diferenciação dos outros trabalhos que utilizam<br />

modelagem 3D.<br />

Machado apud Franco (2004) comenta que o resultado plástico das imagens obtidas por manipulação<br />

em programas gráficos 3D, possuem “impressionante padronização das soluções, (...) uma<br />

uniformidade generalizada, (...) uma absoluta impessoalidade”. É necessário lembrar que estes<br />

programas têm apresentado uma evolução em relação à preocupação estética principalmente no<br />

que tange a diferenciação, e, consequentemente, têm se tornado uma ferramenta mais atrativa<br />

aos desenvolvedores de quadrinhos digitais.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

2.1.5.Barra de rolagem<br />

Assim como o passar de páginas nos quadrinhos impressos, a barra de rolagem permite que o leitor<br />

navegue de acordo com o seu ritmo. Uma das possibilidades que a barra de rolagem oferece,<br />

é a continuidade infinita e de tamanhos não padronizados se comparados ao impresso, tornando<br />

possível a navegação e leitura horizontal ou vertical prolongada.<br />

Franco (2004) cunha o termo Infinite Canvas, uma das novas possibilidades que a Internet proporciona<br />

para os artistas e também possibilita quebrar o formato dominante. Em uma modalidade de<br />

apresentação de quadros que excluem a rigidez dos requadros (contorno do quadrinho) e sarjetas<br />

(o espaço entre os quadrinhos), McCloud (2001) coloca em prática as barras de rolagens (componente<br />

da web, que servem para correr a página na direção horizontal e vertical), que servem<br />

como elementos de navegação, gerando uma imersão da parte do leitor, uma vez que os próximos<br />

quadrinhos ficam parcialmente ocultos e geram curiosidade suficiente da parte de quem os lê, e<br />

também desenvolve outros sentidos narrativos, uma vez que os quadros podem se alongar à vontade<br />

por não haver limites físicos.<br />

Além de possibilitar um suporte infinito, o a barra de rolagem cria a possibilidade de resguardar<br />

as melhores partes da história para o momento do leitor finalmente prestar atenção nelas. Essa<br />

possibilidade rompe com a visualização geral de uma página, pois os quadros são apresentados de<br />

forma mais gradual, não permitindo o leitor a ver o final da sequência sem antes passar pelo meio.<br />

2.1.6.Sons<br />

É comum a inclusão de sons nas histórias em quadrinhos digitais. Muitos autores afirmam que colocar<br />

sons na webcomic em detrimento dos recursos gráficos de reprodução do som é descartar uma<br />

das fortes características dos quadrinhos, que é estimular a imaginação do leitor, que participa<br />

ativamente da história, interpretando onomatopeias e balões.<br />

Ao utilizar dubladores para dar voz aos personagens, força-se o leitor a uma interpretação das<br />

falas, e isso pode comprometer a identificação com o personagem. Esta identificação é uma<br />

ligação de empatia, que faz o leitor levar a leitura adiante ou não. Quando o leitor tem o controle<br />

do modo como as falas são lidas, ele pode decidir por ler com menos ou mais sarcasmo, medo,<br />

angústia, alegria, e controlar o tempo que leva para cada palavra ser proferida, fazendo da leitura<br />

uma forma pessoal.<br />

As onomatopeias ambientam os leitores, e essa é uma forma particular de conexão do leitor com<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

o mundo que o personagem vive, pois o som correspondente é buscado na memória do leitor,<br />

reavivando lembranças e criando o clima sugerido.<br />

Contudo, é necessário lembrar que a inclusão de sons, se bem trabalhada, não elimina a existência<br />

da representação gráfica da onomatopéia ou dos balões de fala, mas pode coexistir com estes,<br />

contribuindo para caracterização, ambientação e imersão do usuário-leitor.<br />

2.1.7.Animação<br />

Recurso que gera bastante discussão, a animação faz parte das possibilidades do meio digital. A<br />

problemática em cima deste item gira em torno de quando a história deixa de ser um quadrinho<br />

para se tornar um vídeo.<br />

Segundo Scott McCloud (1993) a diferença básica entre a animação e as histórias em quadrinhos é<br />

que a primeira é seqüencial em tempo, enquanto a segunda, é sequencial em espaço.<br />

Segundo Franco (2004) muitos críticos de webcomics discordam da inclusão desse recurso nos<br />

quadrinhos, devido à diferença que animação e quadrinhos lidam com o tempo e espaço, uma<br />

vez que o leitor de histórias em quadrinhos controla seu ritmo de leitura da forma que desejar,<br />

enquanto o espectador vê a cena no ritmo que o animador programar. Perde-se grande parte da<br />

autonomia do leitor ao se empregar a animação; uma vez que ele não tem que imaginar a ação,<br />

pois a está vendo.<br />

Sendo assim, é preciso utilizar animações de forma mais restrita e planejada, como por exemplo,<br />

fazer uso de imagens animadas para algumas cenas ou animações de ambientações, itens que não<br />

quebrem o ritmo de leitura pessoal.<br />

Com a análise dos elementos das histórias em quadrinhos digitais e de seus elementos, é evidente<br />

que o número de recursos e possibilidades é amplo.<br />

Discussão à guisa de considerações finais<br />

A comunicação é uma das atividades indispensáveis ao homem, sendo essencial para o desenvolvimento<br />

de tecnologias, devido ao seu poder de divulgar informações. Todas essas reflexões têm o<br />

intuito de pensar as mudanças no planejamento, execução, distribuição e leitura das histórias em<br />

quadrinhos com o meio digital.<br />

A linguagem das histórias em quadrinhos passou por uma transformação a partir dos recursos<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

multimidiáticos. Assim como no suporte impresso, os vários elementos dos quadrinhos digitais<br />

podem aparecer simultaneamente, gerando inúmeras variações e possibilidades. Um exemplo<br />

interessante é um quadrinho digital coreano “Mistério curto” [1] que utiliza um modelo vertical<br />

de leitura, para ser lido com a barra de rolagem. Inicialmente se apresenta como uma historia<br />

simples, com quadrinhos estáticos, porém à medida que o leitor desce a página ele aciona quadrinhos<br />

que contam com uma animação curta com som, que nesse caso tem por objetivo causar<br />

susto no leitor.<br />

Outro exemplo interessante é o site “Impulse freak” [2] uma história colaborativa que recebe<br />

trabalhos de diferentes artistas, que podem continuar a história apresentada da onde tiverem<br />

maior interesse. Esse projeto quebra com a leitura linear, pois cada cena/página pode contar com<br />

até duas opções de continuação e duas de volta, narrativa possibilitada apenas no meio digital.<br />

A interatividade aqui acontece em vários níveis, pois o leitor pode optar por qual linha narrativa<br />

seguir, bem como pode participar ativamente da construção da sequência.<br />

Como foi dito anteriormente, as histórias em quadrinhos que fazem uso dos recursos tridimensionais<br />

podem mesclar desenhos tradicionais com modelos em três dimensões. Mas esta não é uma<br />

prática exclusiva das histórias em quadrinhos digitais: todas as edições do quadrinho japonês impresso<br />

Negina, de Ken Akamatsu, tiveram os cenários da história criados em Computação Gráfica,<br />

pois assim seria mais fácil trazer à tona todos os ambientes cheios de detalhes que os personagens<br />

transitariam, sem ter a necessidade de redesenhá-los em detalhes e em diferentes ângulos o<br />

tempo todo.<br />

É possível dizer que a história das histórias em quadrinhos recebeu nas últimas décadas dois<br />

grandes marcos, a grande utilização do meio digital para a sua produção, inserindo novos elementos<br />

na caracterização das histórias em quadrinhos digitais, e a utilização da internet, que otimizou<br />

a divulgação de trabalhos autorais desvinculados de editoras e possibilitou uma maior interação<br />

tanto entre artistas, permitindo a realização de trabalhos cooperativos, como a relação entre<br />

artista e leitor, com respostas mais rápidas e de várias partes do mundo.<br />

Afirmamos que as possibilidades são inúmeras com a utilização de recursos próprios da mídia digital<br />

como navegação com tela infinita, sons, animações, tridimensionalidade e produção coletiva.<br />

Contudo, estes recursos precisam ser utilizados com cautela por exigirem estudo e experimentação<br />

para não prejudicar a leitura e imersão do leitor/usuário e para não descaracterizar a mídia<br />

enquanto história em quadrinhos.<br />

Referências<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

AZEVEDO e SOUZA, Valdemarina B. de. Pesquisa bibliográfica. Porto Alegre, 1995.<br />

CIRNE, Moacy. Para Ler os Quadrinhos. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1975.<br />

CIRNE, Moacy. Bum! A Explosão Criativa dos Quadrinhos. 5. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1977.<br />

CIRNE, Moacy. Quadrinhos, Sedução e Paixão. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.<br />

COUPERIE, Pierre e outros. História em Quadrinhos & Comunicação de Massa. São Paulo: MASP,<br />

1970.<br />

EISNER, Will. Quadrinhos e <strong>Arte</strong> Seqüencial. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001.<br />

FRANCO, Edgar Silveira. HQtrônicas: Do Suporte Papel à Rede Internet. São Paulo: Annablume &<br />

Fapesp, 2004.<br />

GOIDANICH, Hiron Cardoso. Enciclopédia dos quadrinhos. Porto Alegre: L&PM, 1990.<br />

GUIMARÃES, Luciano. A Cor Como Informação. São Paulo: Annablume, 2001.<br />

IMPULSE FREAK. Disponível em . Acesso em 4 de<br />

outubro de 2011.<br />

JANSON, Horst Woldemar. História Geral da <strong>Arte</strong>. São Paulo: Martins Fontes, 1993.<br />

LEÃO, Lucia. A estética do labirinto. São Paulo: <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2002.<br />

LUYTEN, Sonia M. Bibe. (Org.). O que é Histórias em Quadrinhos. São Paulo: Paulinas, 1985.<br />

Mc CLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo: M. Books, 1993.<br />

Mc CLOUD, Scott, Reinventando os quadrinhos. São Paulo: M. Books, 2000.<br />

McLUHAN, Marshall. Os Meios de Comunicação como Extensão do Homem. São Paulo: Cultrix,<br />

1974.<br />

MISTÉRIO CURTO. Disponível em


Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

o=20&weekday=tue>. Acesso em 4 de outubro de 2011.<br />

MOYA, Álvaro de. História da história em quadrinhos. Porto Alegre: L & PM, 1986.<br />

PAULA FILHO, Wilson de Pádua. Multimídia: conceitos e aplicações. Rio de Janeiro: LTC, 2000.<br />

SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos. São Paulo: Ática, 1995.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades<br />

das mídias digitais<br />

Berenice Santos Gonçalves Dra. Engenharia de Produção - UFSC – UFSC<br />

berenice@cce.ufsc.br<br />

Alexsandro Stumpf Mestrando em <strong>Design</strong> e Expressão Gráfica – UFSC<br />

alexsandro@unochapeco.edu.br<br />

Mariana Dória Graduada em <strong>Design</strong> – UFSC marimk2002@gmail.com<br />

Resumo<br />

Este estudo apresenta como foco o campo do design editorial e as transformações tecnológicas<br />

e comunicacionais ocorridas a partir da disseminação das mídias digitais. O<br />

método de pesquisa adotado foi de natureza analítico interpretativa. A fundamentação<br />

iniciou-se a partir de conceitos que, embora tenham surgido nas mídias tradicionais,<br />

foram potencializados e ampliados pelo meio digital. Assim, os conceitos de interface,<br />

navegação, interatividade e hipertextualidade foram aprofundados, e balizaram a identificação<br />

e a avaliação de publicações digitais, bem como subsidiaram os principais eixos<br />

de análise, a saber: elementos de interfaces, níveis de interatividade, estrutura de navegação<br />

e critérios ergonômicos relativos à orientação. Após a análise de três produtos digitais<br />

escolhidos ressalta-se que os conceitos de navegação global e local, muito utilizados<br />

no contexto dos sites para internet, ainda não são plenamente caracterizados. O principal<br />

diferencial das publicações digitais consiste no potencial de interatividade, podendo atingir<br />

níveis de criação somados a recursos textuais de comunicação síncrona e assíncrona.<br />

Palavras-chave:<br />

livro, publicação digital, multimídia editorial, interface gráfica, hipermídia.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Introdução<br />

A partir do crescente desenvolvimento das ferramentas digitais, observa-se o surgimento de novas<br />

modalidades de publicação. O design editorial tem a oportunidade de assimilar novos recursos,<br />

tanto para navegação e orientação do leitor, quanto para tornar a experiência de leitura interativa,<br />

diferenciada e única.<br />

O objetivo principal do estudo teve como foco a análise de novas modalidades de publicações,<br />

sobretudo aquelas que buscam o conceito referencial de livro, surgidas (e expandidas) a partir<br />

das potencialidades das mídias digitais. Buscou-se, ainda, caracterizar a influência das chamadas<br />

“novas mídias” na geração, distribuição e recepção de produtos editoriais, a saber: livro, jornal<br />

e revista e avaliar a linguagem visual das interfaces gráficas desses novos produtos à luz dos<br />

seguintes conceitos: interatividade, navegação e hipertextualidade.<br />

Para tanto, a pesquisa foi realizada em três etapas distintas: fundamentação, seleção de produtos<br />

digitais/livros e análise interpretativa de produtos. Para seleção dos critérios de análise, uma<br />

revisão sobre os conceitos de navegação, interface, ergonomia e usabilidade no meio digital<br />

foi efetuada. Tais conceitos subsidiaram a delimitação dos critérios finais de análise, a saber:<br />

os elementos de interface, a estrutura de navegação, os níveis de interatividade e critérios<br />

ergonômicos focados na orientação. Foram escolhidas três publicações de referência para a<br />

efetivação da análise interpretativa: Northanger Abbey de Jane Austen, pela Amazon em formato<br />

AZW para leitura no aplicativo Kindle for PC; Caderno de Viagem de André Lemos, pela Editora<br />

Plus em formato PDF para leitura no aplicativo Adobe Reader; e The War of the Worlds de H.<br />

G. Wells, pela Bookglutton para leitura online através de navegador. A partir da efetivação da<br />

análise, apresenta-se na discussão e nas considerações finais deste documento o estado atual dos<br />

livros digitais. A fragilidade na aplicação dos conceitos de navegação global e local foi demarcada.<br />

Entretanto, identificou-se um grande potencial de interatividade das edições digitais de livros,<br />

chegando ao nível de criação.<br />

Ressalta-se que o design gráfico direcionado às publicações digitais mantém a função de mediação<br />

entre conteúdo e leitor, colaborando para a compreensão da mensagem e a eficácia do processo<br />

comunicacional. Entretanto, em virtude da ampliação das possibilidades interativas do meio<br />

digital, o planejamento específico do processo de interação e navegação merecem um estudo<br />

específico.<br />

A familiaridade dos leitores com a internet traz hábitos, metáforas ou simulações além daquelas<br />

transportadas das publicações tradicionais para as digitais. As publicações digitais na atualidade<br />

representam a mescla desses dois universos vivenciados pelo usuário/leitor.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

As publicações frente às novas tecnologias<br />

O conceito de livro e de publicações periódicas vem sendo ampliado pelas novas tecnologias<br />

que distribuem informação de forma cada vez mais abrangente. Eles podem ser agora digitais e<br />

encontrados em bibliotecas na internet, lidos de modo online e em dispositivos específicos.<br />

As publicações periódicas tiveram uma evolução dentro do meio digital. “Tony Quinn, no artigo<br />

Digital magazines: a history localiza a relação das revistas do Reino Unido com a mídia on-line a<br />

partir de 1982, ano em que algumas revistas começaram a usar ferramentas como correio eletrônico<br />

e avisos on-line” (NATANSOHN et al., 2009, p.4). A relação do leitor com as revistas e jornais, num<br />

fornecimento de informações mútuo, é importante para a sobrevivência da publicação e com a<br />

internet se teve a oportunidade de ter uma conversa mais rápida e abrangente com o público. Os<br />

periódicos científicos tiveram sua primeira manifestação ao disponibilizar material na íntegra em<br />

meio eletrônico, transportando o impresso para a tela.<br />

Os anos 90 representaram o surgimento do CD-Rom, uma mídia importante para os periódicos, que<br />

se expandiu rapidamente. (IBID, p.5). Havia aqui a oportunidade de fornecer material exclusivo<br />

aos seus assinantes, como documentos, fotos e vídeos no meio digital que complementassem as<br />

matérias e artigos publicados. Materiais que tratavam de descobertas científicas traziam materiais<br />

elaborados para sua explicação. Mesmo revistas de entretenimento podiam trazer um material<br />

diferenciado para agradar seu leitor, além da simples disponibilização das edições na íntegra e o<br />

resgate de edições antigas.<br />

Nessa fase, ao publicar um título em meio eletrônico e disponibilizálo<br />

na web, os editores científicos procuravam maior rapidez na busca<br />

de informação, facilidade de acesso e agilidade na divulgação dos<br />

resultados das pesquisas, chance igualitária de acesso aos cientistas<br />

mais dispersos geograficamente, entre outros benefícios (CASTEDO &<br />

GRUSZYNSKI, 2009, p.2).<br />

Revistas, jornais e periódicos criaram seus domínios para seguir com esta abordagem, dando<br />

continuidade a idéia do CD-Rom. Quando a internet se popularizou e pessoas e empresas<br />

começaram a distribuir material com uma maior velocidade, observou-se o surgimento de sites que<br />

disponibilizavam revistas gratuitamente. Isso é feito através de imagens das páginas digitalizadas<br />

e é possível se ter acesso a edições antigas. Muitas editoras se sentiram ameaçadas por este tipo<br />

de atividade e passaram a disponibilizar edições fora de circulação em seus próprios sites. Os<br />

jornais também fazem uso dos sites para disponibilizar a edição digitalizada e fornecer material<br />

complementar às notícias da edição, bem como atualizações minuto a minuto.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

“Em 2006, Quinn aponta o lançamento de revistas interativas com versões somente digitais,<br />

trazendo como exemplo a Monkey, da editora Dennis, considerada a primeira revista masculina<br />

digital semanal do mundo”. (NATANSOHN et al., 2009, p.5). O uso de diversos programas e mídias<br />

(som, imagem, vídeo) em um mesmo material é a aposta das publicações digitais. A Monkey<br />

Mag, citada por NATANSOHN et al. (2009), por exemplo, possui vídeos em suas próprias páginas,<br />

e anúncios de produtos interativos, onde o leitor pode girá-los 360°. Com isso, podemos ver<br />

a adaptação e a criação de novas formas narrativas, como uma notícia contada em um jornal<br />

através de imagens seqüenciais e sons que RAMOS (2009) apresenta como “histórias fotográficas”.<br />

A partir do surgimento de novos programas, plug-ins e formatos no meio digital, as publicações<br />

passam a se adaptar para agregar estes novos recursos. O leitor na era digital busca experiências<br />

diferentes e informação em alta velocidade, fácil de ser encontrada e fácil de ser relacionada,<br />

seguindo caminhos para sua própria interpretação.<br />

O fenômeno da convergência tecnológica e cultural, além de permitir a<br />

produção e distribuição de material jornalístico em várias plataformas<br />

e suportes multimediáticos (vídeos, textos, áudio, etc.) propicia várias<br />

formas (simultâneas) de consumo e de agregação social, gera novos<br />

protocolos de participação e práticas culturais (NATANSOHN et al.,<br />

2009, p.13).<br />

Com o livro não foi diferente. Há anos outras mídias e suportes são utilizados para apoiar ou<br />

suportar o livro. Os livros de áudio apresentam seu conteúdo como gravações, podendo utilizar<br />

voz, músicas e efeitos sonoros. Surgiram para dar suporte a materiais impressos, oferecer uma<br />

leitura de um texto ou criar uma ambientação para a história similar a uma rádio-novela. Desde<br />

os tempos do vinil e da fita cassete, existem livros de áudio, cujo suporte foi evoluindo com o<br />

tempo, passando pelo CD e chegando até o formato digital em mp3. É muito comum a associação<br />

destes com um material impresso, principalmente em obras infantis, onde a criança tem nas mãos<br />

ilustrações impressas e ouve a história sendo contada através da fita ou CD. Este tipo de mídia<br />

também é parceira dos livros digitais, pois alguns aplicativos possuem opções de conversão do<br />

texto em som.<br />

Com o advento da internet, os eBooks (do inglês “eletronic book”, ou “livro eletrônico”) se<br />

popularizaram e trouxeram recursos diversos para o leitor. A oportunidade de utilizar links e<br />

gerenciar os arquivos e páginas por meio de softwares transformou a leitura. Há uma grande<br />

diversidade de formatos, desde simples documentos de texto ou scans de páginas reais até arquivos<br />

com imagens elaboradas e animações.<br />

O uso de diversas mídias em um único formato, possibilitou aos e-books e aos jornais e revistas<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

digitais, uma rápida ascensão no mercado editorial, demonstrando que os recursos hipermidiáticos<br />

fortalecem a experiência de leitura frente às mídias digitais.<br />

Conforme pesquisa divulgada em setembro de 2011 pela Aptara[1], empresa americana<br />

especializada em prestar serviços para o mercado editorial na produção de livros digitais, “os<br />

e-books são a força dominante do mercado atual de publicação, com um crescimento de 40% das<br />

vendas em 2010 e com mais de um terço dos editores inquiridos a publicarem, em 2011, mais de<br />

75% dos seus títulos em formato e-book.” (APTARA, apud PINHEIRO, 2011).<br />

Uma outra tendência observada é a dos livros publicados em blogs (páginas da internet mantidas<br />

por uma pessoa para a colocação de comentários ou pensamentos) onde o autor, a cada semana<br />

ou mês, disponibiliza um capítulo. Em inglês, este tipo de livro é chamado de blook, origem em<br />

“looks like a book” (“parece com um livro”, em inglês) ou uma simples contração de blog e book.<br />

Unindo estas diversas mídias e formas de apresentação do conteúdo, temos o chamado hiperlivro,<br />

um conjunto de documentos hipermídia, ou seja, de diferentes formatos apoiados por uma<br />

plataforma computacional. A hipermídia permite o acesso a diferentes textos, imagens e sons<br />

em um mesmo documento ou local. Além disso, os links entre seus elementos possibilitam uma<br />

navegação não linear, de modo mais interativo, a partir de caminhos criados pelo próprio usuário.<br />

Este tipo de recurso permite que o usuário tenha diversos tipos de experimentações durante o<br />

processo, pois ele pode ler o conceito e ter imagens e vídeos de suporte para a ajuda de sua<br />

compreensão.<br />

O hipertexto tem sua presença demarcada por toda a internet. O hiperlivro utiliza uma estrutura<br />

ao mesmo tempo baseada no livro tradicional e na navegação por links.<br />

A estruturação de conteúdos em hipermídia exige em sua organização<br />

ligações entre diferentes unidades de conteúdos na forma de links,<br />

além disso, é implícito o uso de recursos multimídia que auxiliam na<br />

representação dos conteúdos a serem estudados (BRITO, 2007, p.91).<br />

Além disso, é uma maneira interativa de leitura, pois permite que a pessoa encontre o seu próprio<br />

caminho através dos links e conteúdos, além da possibilidade de interagir com as informações. Por<br />

ser uma ferramenta baseada na internet, é possível estruturar e editar os conteúdos de maneira<br />

colaborativa. Isso abre possibilidades para a forma de criação do livro e para sua utilização em<br />

programas de aprendizagem. O hiperlivro pode ser editado e atualizado conforme a necessidade<br />

do curso onde esteja inserido.<br />

A metáfora da página é utilizada, mas de maneira diferenciada do conceito utilizado na internet<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

em geral. A página dentro do hiperlivro serve um propósito de organização, definindo a estrutura<br />

do material e determinando unidades que facilitam a navegação de forma não-linear. Com estas<br />

unidades definidas, o usuário pode retornar para um ponto anterior e seguir a leitura de forma<br />

linear após ter se desviado para conferir algum conceito apresentado, por exemplo.<br />

O livro está ganhando ainda mais força ao se desenvolver em diferentes mídias, o que faz com que<br />

ele alcance diferentes públicos e modificando sua abrangência.<br />

Se não, o que é um livro? É o conjunto de páginas de papel ou outro<br />

material unido entre si. Quer dizer, a página em si não desaparece<br />

por estar na Internet ou no papiro, ela continuará existindo para<br />

dar seqüência a um documento, para dar uma união. E estas páginas<br />

poderão conter textos, ilustrações ou música (MÁQUINA, s.d.).<br />

Potencialidades do meio digital<br />

Ainda é comum a idéia de que uma publicação digital deva ser uma simulação do impresso no<br />

papel. Entretanto, o meio digital pode fornecer experiências diferenciadas:<br />

No ciberespaço as revistas se reconfiguram tanto na produção, na<br />

distribuição quanto no consumo. Na produção e consumo, pela<br />

hipertextualidade e interatividade propiciada em diversas plataformas<br />

onde o produto circula e pela possibilidade de inclusão dos leitores<br />

nas estratégias editoriais das revistas. Na distribuição, pela criação de<br />

novos formatos, cada vez mais criativos e originais (NATANSOHN et al.,<br />

2009, p.1-2).<br />

A primeira possibilidade que o meio digital abre para as publicações é o alcance. Pessoas por<br />

todo o globo podem acessar determinado material, descarregá-lo em seu computador e utilizálo.<br />

Jornais conceituados, como o Times, são visualizados por pessoas em todo o globo. Isto torna<br />

comum a produção em inglês para a distribuição via internet. Além disso, não é necessária a<br />

espera pela entrega do material. Conexões de banda larga tornam o download de um arquivo leve<br />

em PDF quase imediato. Estes arquivos podem ser equivalentes ao material impresso e a decisão<br />

de como obter a informação é relacionada à preferência do leitor e à rapidez com que ele pode<br />

obter determinado conteúdo.<br />

Os leitores de revistas científicas em geral têm hoje a possibilidade de<br />

ler um artigo tanto em papel quanto na tela do computador. O que eles<br />

decidem fazer está sujeito as suas preferências pessoais – que passam<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

pela facilidade/dificuldade de acesso -, a seus projetos de leitura,<br />

bem como às características do grupo de pares do qual fazem parte.<br />

Fica claro que, atualmente, as formas de apresentação, impressa ou<br />

eletrônica, acabam complementando uma à outra (CASTEDO, 2009,<br />

p.36).<br />

Os arquivos que antigamente eram estáticos estão incorporando tecnologias que envolvem<br />

animação. Um dos objetivos é simular a relação física com o papel e os objetos. “A tecnologia<br />

flip page foi criada para simular o folheio de revistas. É um avanço que, associada ao formato<br />

PDF, permite que a experiência de leitura no computador de réplicas de revistas impressas se<br />

aproxime da experiência ‘real’” (NATANSOHN et al., p.8). Este tipo de recurso é muito utilizado<br />

em publicações feitas primeiramente para o meio impresso e depois transpostas para o meio<br />

digital. Contudo, é uma abordagem que não envolve um projeto gráfico especial para o meio<br />

digital, o que poderia agregar muito mais valor ao produto.<br />

Da mesma forma, a internet e a comunicação digital só vão valer a<br />

pena se puderem proporcionar estruturas inovadoras e diferentes,<br />

impossíveis de se criar em outras mídias. Só aí poderemos dizer que<br />

estamos descobrindo sua verdadeira linguagem. Até lá estaremos com<br />

mímicas pobres apesar de bonitinhas (RADFAHRER, 2001, p.32).<br />

Segundo Radfahrer (2001), os principais recursos da internet são a personalização – que permite<br />

um contato individual – e a manipulação ou interatividade – que torna o contato uma experiência<br />

única. Os documentos são encontrados de maneira fácil a partir de sistemas de busca ou listas<br />

em bibliotecas virtuais e podem ser consultados sem uma ordem específica entre eles ou dentro<br />

deles. Além disso, há a oportunidade de participação ativa do leitor no processo de comunicação<br />

somada à partilha de um mesmo documento por diversas pessoas.<br />

O sistema de login também tem uma função de mapeamento e análise.<br />

Ele ajuda a mapear os usuários e analisar o uso que estes fazem do<br />

sistema, a fim de que possamos ter informação sobre necessidades<br />

de atualização, conteúdos preferidos e ferramentas mais usadas<br />

(FERNANDEZ et al., 2009, p.9).<br />

Fica claro que a maior vantagem do meio digital é a capacidade de agregar diversas mídias em um<br />

mesmo produto. Assim, Radfahrer (2001) leva em conta ainda outras características da internet:<br />

• Adimensionalidade – não ter dimensões físicas estimula a investigação para se chegar<br />

ao maior volume de informação possível.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

• Hipertexto – os assuntos podem apresentar diversos níveis de profundidade, com<br />

ligações entre eles, criando caminhos dentro dos documentos.<br />

• Multimídia – a combinação de diversos formatos (som, fotografias, vídeos, desenhos<br />

animados e texto) permite uma comunicação mais abrangente. Sendo utilizada dentro<br />

de uma estrutura de hipertexto, é chamada de hipermídia.<br />

O site Wikipedia é construído sobre uma estrutura de hipertexto: cada termo possui ligações<br />

para a definição de outros termos dentro do texto, formando uma teia de conceitos que podem<br />

ser consultados conforme o leitor obtém informações e sente a necessidade de outras para<br />

complementá-las.<br />

Usando hipertexto, o usuário pode se mover através de estruturas<br />

de informação — não seqüencialmente, mas fazendo “pulos” entre<br />

os vários tipos de dados de que necessita. Com hipermídia, pode-se<br />

acessar a informação expressa em uma enorme variedade de formatos<br />

(RADFAHRER, 2001, p.63).<br />

Estes documentos interligados podem apresentar recursos multimídia, o que amplifica a experiência<br />

do leitor e formando, conforme já definido por Radfahrer (2001), uma hipermídia. Além de ler uma<br />

descrição de um termo, ele pode ver imagens sobre ele, vídeos que demonstram sua utilização e<br />

ouvir sons que remetem ao objeto estudado.<br />

Além de potencializar a combinação de todas essas linguagens, a<br />

digitalização permite a organização reticular dos fluxos informacionais<br />

em arquiteturas hipertextuais, de estrutura não-sequencial,<br />

multidimensional, que dá suporte às infinitas opções de um leitor<br />

imersivo (LEVY apud CASTEDO, 2009, p.46).<br />

O fascínio sobre esta possibilidade está na oportunidade do leitor obter a informação de uma<br />

maneira próxima a como ela é processada dentre de seu cérebro: por associação de idéias. Grandes<br />

quantidades de informação podem ser acessadas por diferentes rotas. Além disso, não há início,<br />

meio e fim na leitura, pois as ligações formam caminhos infinitos, fazendo com que o receptor<br />

cesse a pesquisa quando estiver satisfeito. O ritmo de navegação e aprendizagem também é<br />

ditado pelo leitor, que acessa os nós necessários para sua evolução dentro do material.<br />

Os traços que caracterizam a hipermídia definidos por Santaella e apresentados por Padovani<br />

e Moura (2008) são: hibridização (utilização de múltiplas linguagens), arquitetura hiper (uma<br />

organização reticular de fluxos numa arquitetura hipertextual), extensibilidade (a partir das<br />

opções adotadas pelos usuários, as associações são radicalmente imprevisíveis) e interatividade<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

(não há uso reativo ou passivo, são necessárias escolhas de caminhos).<br />

A multimídia e os recursos apresentados trazem a possibilidade de uma publicação interativa,<br />

onde o leitor interage com os elementos em tela, podendo agregá-los, modificá-los, movê-los.<br />

Algumas histórias online proporcionam interatividade por meio de hipertextos e outras, usando<br />

incrementos do navegador, oferecem produções em multimídia com som e movimento o tempo todo.<br />

(MCCLOUD, 2006). Anúncios interativos [2] são muito proveitosos, principalmente para as revistas<br />

e jornais. O usuário conhece nas “páginas” da publicação o produto e pode ser imediatamente<br />

redirecionado para o site da empresa para obter mais informações e mesmo efetuar a compra. O<br />

comércio virtual tem nestes meios uma grande oportunidade.<br />

A interatividade pode ser medida em níveis. Golfetto & Gonçalves (2009) com base em Santaella<br />

(2004) assumem que:<br />

• Interatividade zero nos materiais que são acompanhados do início ao fim linearmente;<br />

• Interatividade linear quando os materiais são folheados e saltados em avanços e<br />

recuos;<br />

• Interatividade arborescente quando se tem um menu para seleção;<br />

• Interatividade lingüística apresenta palavras-chave, formulários, etc.<br />

• Interatividade de criação onde o usuário pode compor uma mensagem por<br />

correspondência;<br />

• Interatividade de comando contínuo nos materiais onde é permitida a modificação,<br />

o deslocamento de objetos através de manipulação do usuário.<br />

Quanto maior a interatividade, mais profundos serão a imersão e o<br />

envolvimento do leitor, influenciando sua concentração, sua atenção,<br />

interpretação e compreensão da informação. A interatividade incentiva<br />

a tomada de decisão por parte do usuário e a sensação de controle<br />

sobre os resultados a serem obtidos. (PADOVANI & MOURA, 2008, p.17)<br />

O uso de recursos multimídia, como Longui (2009) reforça em seu texto, ainda pode ser considerado<br />

modesto. A maioria ainda usa apenas texto, imagens e sons de maneira separada ou consecutiva.<br />

A combinação dos elementos de maneira apropriada é ainda difícil. O meio impresso perdura<br />

a tanto tempo que somos acostumados com o que ele pode oferecer. O próprio texto surgiu a<br />

partir da tradição oral. Cada nova tecnologia apresenta um reflexo do que já foi feito e é preciso<br />

adaptá-la para utilizar todo o seu potencial e fazê-la valer à pena. “Assim, cada vez que uma nova<br />

tecnologia se estabelece, apreenderíamos o conhecimento por ela configurado por simulação,<br />

com os critérios e os reflexos mentais ligados às tecnologias intelectuais que a precederam”<br />

(CASTEDO, 2009, p.39).<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Livros digitais<br />

O livro digital, chamado de eBook (eletronic book) surgiu com a ideia de transmitir textos pela<br />

internet, a tecnologia tem evoluído e levado o livro eletrônico cada vez mais longe. Muitos dos<br />

documentos encontrados para download na internet são apenas imagens digitalizadas de páginas<br />

de um livro impresso. É preciso determinar a diferença entre livro digitalizado e livro digital.<br />

Os livros digitalizados não são próprios do meio eletrônico, mas sim imagens de livros impressos<br />

organizadas em um documento. Os livros digitais são feitos especificamente para uso em aparelhos<br />

eletrônicos, como computadores e outros dispositivos de leitura, mesmo que utilize apenas texto.<br />

Para tratar de um livro digital, deve-se pensar em três itens: o livro como texto do autor ou<br />

escritor, o reader como o aplicativo de leitura e o dispositivo de leitura como o suporte do eBook.<br />

Segundo Procópio (2010, p.46) “o aplicativo ou software reader é uma espécie de browser. Traz<br />

todas as facilidades dos navegadores da internet e mais algumas ferramentas específicas para<br />

livros eletrônicos”.<br />

Um livro digital, baseado em texto, é criado a partir de um texto digitado pelo autor em um<br />

programa como o Microsoft Word ou mesmo o Bloco de Notas do Windows. Existem editoras<br />

virtuais que se ocupam do próximo passo, mas nada impede o autor de realizar a tarefa. Através<br />

de linguagens HTML, por exemplo, adicionam-se marcações ao texto para indicar como o livro<br />

será apresentado ao leitor. Essas marcações indicaram ao software de publicação como tratar<br />

cada elemento. Este programa vai ajustar o texto e as indicações aos formatos dos aplicativos de<br />

leitura. O eBook, então, está pronto para a distribuição.<br />

Vale lembrar que, como os livros tradicionais, os eletrônicos também estão protegidos por direitos<br />

autorais, impedindo sua distribuição, cópia e comercialização sem prévia autorização do autor.<br />

Esse gerenciamento de direitos digitais é conhecido no mercado editorial de livros eletrônicos como<br />

Digital Rights Management (DRM). Segundo Procópio (2010), trata-se de um método de direitos<br />

autorais que trabalha a conscientização do leitor, em conjunto com tecnologias de criptografias<br />

para arquivos. Para tanto, diversos sites especializados, como lojas e bibliotecas virtuais, só<br />

disponibilizam seus arquivos com o uso do DRM.<br />

Os aplicativos de leitura também podem funcionar como um navegador, levando o usuário a<br />

livrarias e bibliotecas virtuais, algumas em parceria com a empresa do programa, possuindo livros<br />

gratuitos para estes usuários. Mas para que o acesso ao livro seja possível, deve-se tomar cuidado<br />

com o formato que se está adquirindo, pois os readers não são compatíveis com todo e qualquer<br />

formato de arquivo.<br />

Entre os diversos formatos de arquivos de livros eletrônicos, o mais popular ainda é o formato PDF<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

(Portable Document Format), isso porque ele pode ser lido em diversas plataformas e mantém a<br />

mesma configuração visual dos livros impressos em papel. Entretanto, o formato que mais cresce<br />

em termos de publicações é o formato ePub (Eletronic Publication), “criado para funcionar como<br />

um único formato oficial para distribuição e venda de livros digitais” (DUARTE, 2011). O ePub é um<br />

formato livre e aberto e que possui como principal característica o ajuste automático do texto na<br />

tela do dispositivo de leitura, além de possibilitar a inserção de links em textos e imagens.<br />

Outros arquivos que também já estão amplamente difundidos no cenário de livros digitais são<br />

o formato APP – aplicativo destinado principalmente para dispositivos de formato tablet, e que<br />

permite ser desenvolvido em diversos padrões e linguagens de programação, utilizando-se de<br />

diversos recursos hipermidiáticos, como som, imagens, áudio e vídeo; e o formato AZW – específico<br />

para o dispositivo Kindle, um dos pioneiros no segmento de aparelhos dedicados à leitura. Este<br />

formato também é característico de texto fluído, mas limita-se em recursos de interação e<br />

flexibilidade de layout.<br />

Percebe-se que, além do formato e do aplicativo de leitura, o dispositivo eletrônico também é<br />

fundamental no processo de leitura do eBook. Os livros eletrônicos podem ser utilizados a partir<br />

de dispositivos especializados que possuem formato e peso semelhantes aos dos livros tradicionais,<br />

com a vantagem clara de se poderem armazenar diversas obras no mesmo espaço da estante. Os<br />

eBooks podem ser utilizados a partir de computadores de mesa, notebooks, smartphones e até<br />

mesmo do mp4, que possui aplicativos simples para leitura de textos; além dos equipamentos<br />

dedicados à leitura (e-readers) e, mais recentemente, dos aparelhos tablets.<br />

Diante de tantos dispositivos eletrônicos que permitem a visualização dos eBooks, alguns<br />

apresentam características específicas que promovem novas experiências de leitura ao usuário.<br />

A tela sensível ao toque e a utilização do papel eletrônico, que reflete a luz ao invés de iluminar<br />

pixels, tendo uma imagem mais estável e menos cansativa aos olhos do leitor, são exemplos de<br />

tecnologias que buscam aproximar ainda mais o usuário de uma melhor sensação de leitura na<br />

tela de um aparelho digital.<br />

Além disso, a leitura dos livros eletrônicos é facilitada com algumas ferramentas baseadas nos<br />

hábitos de leitura do livro tradicional. Os aplicativos possuem funções como: marca-páginas, onde<br />

o usuário indica a página onde parou a leitura; blocos de anotações para indicar reflexões feitas<br />

durante a atividade; dicionário embutido para traduções ou busca de sinônimos; marcação de<br />

texto, podendo destacar trechos do livro e desmarcá-los quando quiser. Além das comodidades da<br />

tecnologia, como o controle de luminosidade, para se ajustar ao ambiente e aos olhos sensíveis,<br />

e o ajuste do tamanho da fonte. Há também o recurso do “tablet PC”, que seria uma espécie de<br />

computador em forma de prancheta, onde você pode ler seus livros e fazer anotações com sua<br />

própria caligrafia.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

O suporte digital apresenta diversas vantagens, como: a facilidade de navegação através de links a<br />

determinadas seções da obra, menor espaço físico para armazenamento, facilidade de obtenção,<br />

possibilidade de leitura em diversas situações de iluminação, pois a tela de leitura possui sua<br />

própria energia e menor custo de produção. Apesar disso, também apresenta suas desvantagens,<br />

pois o suporte digital deixa áreas abertas para crimes, como cópias ilegais, e eventuais roubos de<br />

aparelhos de leitura, mais visados do que livros impressos. Também há problemas quanto à perda<br />

dos arquivos por erros das máquinas ou defeitos e a fragilidade de tais aparelhos, o que leva os<br />

usuários a terem cuidados extras.<br />

Materiais e métodos<br />

Para o presente estudo adotou-se uma metodologia de investigação, através de revisão<br />

bibliográfica e análise qualitativa. A revisão bibliográfica apresentada anteriormente serviu<br />

de base para o desenvolvimento da análise. Assim, buscou-se identificar as características dos<br />

produtos analisados, através de descrição e interpretação. As informações levantadas durante a<br />

análise e comparadas aos conceitos determinados durante a revisão bibliográfica darão margem<br />

às conclusões do projeto.<br />

Primeiramente foram selecionados os produtos digitais (livros) a serem analisados. Durante o<br />

levantamento opções, percebeu-se a existência de grande quantidade de materiais digitalizados<br />

ou transcritos, sem preocupações com o desenvolvimento dos aspectos interativos. Ao mesmo<br />

tempo, foram encontrados livros infantis que tinham uma grande quantidade de recursos interativos<br />

e hipermidiáticos. Entretanto, estes não foram considerados para esta análise em virtude da<br />

especificidade dos aspectos pedagógicos, não contemplados no presente estudo[3].<br />

Assim, para a análise, foram selecionados três produtos editoriais que empregam diferentes níveis<br />

de interatividade e recursos. Com isso, efetivou-se um paralelo, demonstrando as diferentes<br />

possibilidades apresentadas em cada exemplo. Ressalta-se que cada produto editorial selecionado<br />

era disponibilizado em um formato diferente, a saber: AZW (para o Kindle for PC), PDF (para o<br />

Adobe Reader) e HTML (para leitura online através de navegador). Todos eles foram acessados e<br />

lidos a partir de um mesmo dispositivo, no caso um mesmo computador[4] tradicional, permitindo<br />

que a comparação fosse realizada sem a influência de outros tipos de dispositivos.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Produto Formato de arquivo Programa de leitura<br />

Título: Northanger Abbey (fig. 19)<br />

Autor: Jane Austen<br />

Editora: Amazon<br />

AZW (formato<br />

proprietário do Kindle)<br />

Kindle for PC<br />

Título: Caderno de Viagem (fig. 20)<br />

Autor: André Lemos<br />

Editora: Editora Plus<br />

Título: The War of the Worlds (fig. 21)<br />

Autor: H. G. Wells<br />

Editora: Bookglutton<br />

PDF (Portable Document<br />

Format)<br />

HTML (Hyper Text Markup<br />

Language)<br />

Adobe Reader<br />

Navegador Mozilla Firefox<br />

Quadro 1. Produtos selecionados para análise, seus formatos e programas de leitura.<br />

Fonte: do Autor.<br />

Figura 1. Northanger Abbey de Jane Austen, pela Amazon, no Kindle for PC.<br />

Fonte: http://www.amazon.com/Northanger-Abbey-ebook/dp/B000JML7YC/ref=pd_ybh_1?pf_rd<br />

_p= 280800601&pf_rd_s=center-2&pf_rd_t=1501&pf_rd_i=ybh&pf_rd_m=ATVPDKIKX0DER&pf_rd_<br />

r= 17N09YFQX5SECEWYA7DH.<br />

Figura 2. Caderno de Viagem de André Lemos, pela Editora Plus em PDF.<br />

Fonte: http://editoraplus.org/caderno-de-viagem.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Figura 3. The War of the Worlds de H.G. Wells, pela Bookglutton para leitura online.<br />

Fonte: http://www.bookglutton.com/detail/H+G+Wells/The+War+of+the+Worlds/31.html.<br />

A análise foi iniciada por um fichamento do produto, objetivando, principalmente, a identificação<br />

e caracterização das peças. Os itens apresentados nesta etapa foram: Título, nome do autor,<br />

editora, tipo de produto, formato, dispositivo de leitura, programa de leitura, número de páginas,<br />

uso de tipografia, uso de cores, uso de imagens. Além disso, a Editora ou o site de hospedagem que<br />

apresenta o livro também foram apresentados, uma vez que a maneira como o usuário encontra<br />

o material também é importante. Também serve para destacar o estado do mercado editorial no<br />

meio digital e como está a aceitação do público. As primeiras percepções de características de<br />

navegação e ergonomia são retomadas nas etapas seguintes da análise e aprofundadas segundo o<br />

conhecimento da área.<br />

Para a análise da interface, foram descritos em um primeiro momento os elementos de interface.<br />

Menus, botões, ícones, janelas, caixas de diálogo, caixas de mensagem, listas, textos e links, e<br />

tela foram identificados os que estão presentes no produto analisado e, de forma descritiva, como<br />

eles são utilizados. Buscando uma visualização melhor do emprego dos recursos, imagens foram<br />

utilizadas para apresentar a localização espacial dos elementos supracitados, bem como suas<br />

características formais. A utilização de elementos em conjunto, sua organização, a elaboração de<br />

ícones, símbolos e elementos tipográficos.<br />

A navegação também foi analisada de forma descritiva, começando pelos comandos para a<br />

navegação, seguindo pela identificação do uso de elementos para navegação global e navegação<br />

local, bem como menus e links profundos. Mais uma vez estes elementos foram apresentados<br />

e destacados em imagens das interfaces dos livros digitais. Muitos aspectos da navegação são<br />

definidos pelo aplicativo de leitura, mas cabe aos responsáveis pelo produto definirem durante o<br />

projeto e elaboração do produto editorial que recursos serão disponibilizados, como por exemplo,<br />

a construção de um sumário para navegação. Através da navegação e da leitura, a estrutura de nós<br />

em que foi construído o produto pôde ser apresentada, através de mapa de ligações. O produto,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

então, foi classificado de acordo com as estruturas apresentadas durante a revisão bibliográfica<br />

(linear em cadeia, linear em anel, hierárquica, directed acyclic graph, hipercubo, hipertoro<br />

e rede). A partir da estrutura também puderam ser identificadas as estratégias de navegação<br />

que podem ser utilizadas durante a leitura, a saber: scanning, exploring, browsing, searching e<br />

wandering, conforme apresentados na revisão. (PADOVANI e MOURA, 2008).<br />

Navegação global<br />

Navegação local<br />

Estrutura do sistema<br />

Estratégias de navegação<br />

Navegação<br />

Elementos responsáveis pela apresentação dos<br />

nós principais que vão guiar o usuário dentro da<br />

organização do sistema.<br />

Elementos responsáveis pela navegação para<br />

aprofundamento do conteúdo.<br />

Como os nós de informação estão organizados<br />

e podem ser acessados pelo usuário - linear em<br />

cadeia, linear em anel, hierárquica, directed<br />

acyclic graph, hipercubo, hipertoro, rede<br />

Maneira como o usuário pode explorar o produto<br />

e conhecer seu conteúdo - scanning, exploring,<br />

browsing, searching, wandering.<br />

Quadro 2. Itens analisados na navegação.<br />

Fonte: Do autor.<br />

As estruturas dos produtos, bem como a forma como a navegação é feita se aliam ao conteúdo<br />

para determinar um nível de interatividade. A partir do levantado anteriormente na análise,<br />

pôde-se determinar, dentro dos níveis identificados durante a revisão bibliográfica, em qual nível<br />

de interatividade se encontra a peça analisada. Como níveis de interatividade, considerou-se:<br />

interatividade zero, linear, arborescente, lingüística, de criação e de comando. (SANTAELLA<br />

apud GOLFETTO & GONÇALVES, 2009). Algumas características podem trazer mais de um nível de<br />

interatividade para a peça. Isto também é determinado pelo objetivo do usuário em sua tarefa e<br />

sua visão sobre as possibilidades do livro digital.<br />

Discussão<br />

A partir das três análises realizadas, efetuou-se uma síntese, reunindo-se as características em<br />

comum e destacaram-se os principais pontos dos produtos em questão. A seguir, apresenta-se um<br />

quadro comparativo considerando o uso dos principais recursos identificados em livros digitais. O<br />

quadro a seguir também permite a comparação entre os produtos analisados.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

306


O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Recursos possíveis<br />

em uma edição<br />

digital<br />

Ferramenta de busca<br />

textual<br />

Northanger Abbey -<br />

Amazon<br />

Não<br />

Caderno de Viagem -<br />

Editora Plus<br />

Sim<br />

The War of the<br />

Worlds - Bookglutton<br />

Apenas através do<br />

navegador, o que<br />

causa o erro de<br />

navegação através da<br />

tecla TAB.<br />

Animações contextuais<br />

(ilustrativas)<br />

Não Não Não<br />

Animações interativas Não Não Não<br />

Som Não Não Não<br />

Vídeos Não Não Não<br />

Ampliação de página<br />

(zoom)<br />

Vários níveis de<br />

ampliação<br />

Sinalização de áreas<br />

ativas<br />

Sinalização visual de<br />

hiperlinks<br />

Navegação por páginas<br />

ampliadas<br />

Mudança de página<br />

com ampliação<br />

ativada<br />

Segmentação de<br />

conteúdo sensível ao<br />

clique<br />

Navegação por<br />

sumário<br />

Navegação por prévisualização<br />

de<br />

página<br />

Navegação por<br />

digitação de número<br />

de<br />

página<br />

Não, apenas mudança<br />

no tamanho de fonte.<br />

Não, apenas mudança<br />

no tamanho de fonte.<br />

Sim<br />

Sim<br />

Não, apenas mudança<br />

no tamanho de fonte.<br />

Não, apenas mudança<br />

no tamanho de fonte.<br />

Sim Sim Sim<br />

Não aplicável.<br />

Sim, na mudança do<br />

tamanho de fonte.<br />

Sim, na mudança do<br />

tamanho de fonte.<br />

Não<br />

Sim, mas não em<br />

todos.<br />

Sim.<br />

Sim<br />

Sim, mas com poucos<br />

itens.<br />

Sim<br />

Sim, na mudança do<br />

tamanho de fonte.<br />

Sim, na mudança do<br />

tamanho de fonte.<br />

Sim<br />

Não Sim Não<br />

Sim Sim Não<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

307


O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Navegação pelo<br />

teclado<br />

Seleção e cópia de<br />

conteúdo de texto<br />

Impressão em alta<br />

resolução<br />

Impressão de<br />

múltiplas páginas<br />

Hiperlinks para fora<br />

da edição<br />

Sim<br />

Sim<br />

Sim, mas pela tecla<br />

de espaço, não pelas<br />

setas direcionais<br />

Sim Sim Sim<br />

Não Não Não<br />

Sim Sim Não<br />

Não Sim Sim<br />

Visualização offline Sim, somente. Sim.<br />

Visualização em tela<br />

cheia (full screen)<br />

Instruções de uso ou<br />

ajuda<br />

Ferramenta de<br />

anotação (notes)<br />

Ferramenta de realce<br />

(highlights)<br />

Compartilhamento<br />

com outros usuários<br />

Sim, com download do<br />

arquivo<br />

Sim Sim Sim<br />

Sim, através do menu<br />

Sim, através do menu<br />

Sim, em uma página<br />

do site específica<br />

Sim Sim Sim<br />

Sim Sim Não<br />

Não Sim Sim<br />

Quadro 3. Recursos possíveis em edições digitais.<br />

Fonte: Adaptado de GOLFETTO & GONÇALVES (2009, p.8)<br />

A partir do exposto no quadro 3, percebe-se que recursos interativos e que construiriam uma<br />

experiência diferenciada, como o uso de animações, vídeos e sons, não são utilizados pelos livros<br />

analisados. Sua forma ainda está muito ligada ao material impresso tradicional. Também devese<br />

considerar que alguns gêneros, como os romances, admitiriam menos recursos interativos,<br />

pois tem como base textos antigos que já estão em domínio público e que não receberam novos<br />

projetos. Livros projetados especificamente para uma edição digital, como é o caso de Caderno de<br />

Viagem, já estariam mais abertos ao uso destes elementos. Por outro lado, ferramentas de notas<br />

e marcações estão presentes nos três produtos.<br />

Os livros analisados foram considerados de tamanho médio (com 250 páginas em média), que<br />

utilizam como base o texto em tons de cinza. Apenas Caderno de Viagem possui imagens que<br />

complementem o texto, utilizando cores ou não. Os outros dois produtos são primariamente em<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

308


O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

tons de cinza, principalmente pelo fato de apresentarem apenas texto. O código cromático é<br />

utilizado nas ferramentas e recursos.<br />

As interfaces iniciais apresentam um destaque para a página do livro, e para a navegação, seja<br />

com áreas bem definidas ou botões grandes. O elemento principal é o texto, uma vez que tratamse<br />

de romances. Contudo, pela quantidade de recursos disponíveis, os ícones possuem funções<br />

importantes, podem aparecer acompanhados por texto, o que reforça seus significados e são<br />

utilizados em sua maioria nos botões das interfaces. Apenas o livro Caderno de Viagem possui<br />

links em maior quantidade, inclusive links para locais externos ao produto, que complementam o<br />

texto, ajudam o leitor a se localizar e fornecem informações complementares ao assunto tratado<br />

no material. Com exceção de Northanger Abbey, a navegação dos demais produtos é apoiada pelo<br />

sumário, que funciona como um menu para seleção de um ponto específico da edição.<br />

Os conceitos de navegação global e navegação local, muito utilizados no contexto dos sites para<br />

internet, não se encaixam plenamente no caso dos livros digitais. Aqui tratou-se a navegação global<br />

como o sumário, que é uma analogia ao livro tradicional e traz a estrutura do livro. O sumário é um<br />

elemento presente nos livros tradicionais e que serve de referência para a navegação. As seções<br />

do livro devem estar determinadas de forma clara, de maneira que o usuário possa rapidamente<br />

identificar o ponto do produto que deseja visualizar. Em um romance serve para a busca de<br />

uma passagem que se deseja relembrar ou para a retomada da leitura, que ocorre de maneira<br />

mais linear. Entretanto, nem todas as publicações apresentavam sumário, como é o caso do livro<br />

Northanger Abbey, e mesmo assim, podia-se realizar saltos com uma certa nível de orientação<br />

sobre a parte do livro onde se estava, função dos elementos da navegação global. Há uma barra<br />

de progresso através da qual se percebe o processo de leitura, fornecendo uma localização geral<br />

dentro do livro, além de ser uma ferramenta para saltos dentro do texto. O sumário aparece nos<br />

dois outros livros, sendo que o livro Caderno de Viagem possui poucos itens neste e o livro The<br />

War of the Worlds não tem títulos para os capítulos, utilizando apenas sua numeração no sumário.<br />

A navegação local dos produtos analisados ocorre apenas na mudança de página, ao se avançar<br />

ou retroceder. Não há links dentro das próprias páginas dos livros analisados para aprofundar o<br />

conteúdo em cima de determinado conceito, apenas links exteriores ou para saltos dentro do livro.<br />

Por ser a principal forma de navegação, a mudança de página deve ocorrer de maneira intuitiva.<br />

Para isso, utiliza-se tanto a memória em relação aos livros tradicionais, ao se colocar setas de<br />

avanço ou retrocesso nas laterais das páginas, como a memória em relação a outros programas,<br />

ao se usar a barra de rolagem e o scroll do mouse, o teclado ou uma área de navegação.<br />

Também observa-se o caso da navegação para além do livro, como o catálogo da Bookglutton, a<br />

partir do qual se pode selecionar outro livro para leitura. Seria uma espécie de navegação global<br />

dentro do contexto de uma plataforma de leitura ou site de editora. O programa Kindle for PC<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

também fornece uma lista dos livros do usuário como uma espécie de biblioteca, podendo ser<br />

acessada a qualquer momento durante a leitura. É mais um tipo de navegação durante o uso dos<br />

livros digitais, ocorrendo entre edições ou bibliotecas. Estes elementos específicos do livro digital<br />

não são tratados com tanta clareza dentro dos conceitos de navegação global e local. Um estudo<br />

mais aprofundado nesta área pode trazer novos conceitos para avaliações e análises de outros<br />

livros, bem como uma melhor classificação dos elementos de navegação das edições digitais.<br />

Os livros podem apresentar até um nível de interatividade de criação, em virtude da possibilidade<br />

de anotações ao longo texto, comentários que podem ser compartilhados e apresentados a outros<br />

usuários dentro do contexto determinado. Pode-se optar por uma leitura linear, sem utilizar os<br />

recursos dos arquivos e programas, tendo-se uma interatividade linear. O programa Kindle for<br />

PC e a plataforma de leitura da Bookglutton mesmo gravam o ponto do livro onde o usuário<br />

parou sua leitura para que não haja necessidade de uma busca pelo livro, tornando o processo<br />

claramente linear. Os produtos oferecem recursos ao usuário, mas cabe a ele determinar o nível<br />

de interatividade que desejará experimentar durante a leitura.<br />

Em sua maioria, os critérios ergonômicos são tratados de maneira coerente. Quanto à orientação,<br />

tem destaque o livro The War of the Worlds, que possui condução bem resolvida, com elementos<br />

convidativos e instruções simples presentes durante seu uso. Assim como os demais materiais,<br />

fornece feedback e ajuda, além de ter suas áreas de interface definidas para indicar ao usuário<br />

onde agir.<br />

A carga de trabalho é minimizada pela legibilidade boa nos produtos, com recursos de mudança<br />

no tamanho da fonte ou de zoom, recursos de navegação que evitam a sobrecarga da memória<br />

de curto prazo e uma boa clareza visual na maioria dos elementos. Quanto à legibilidade, têm-se<br />

como destaque Northanger Abbey, que através do programa possui recursos não só para mudar<br />

o tamanho da fonte, mas também para mudar a cor da página e seu brilho, podendo o usuário<br />

ajustar conforme sua vontade para uma configuração que lhe pareça mais confortável. Problemas<br />

apresentados quanto à clareza visual, estão principalmente relacionados a elementos que podem<br />

iniciar alguma ação. Botões sem forma definida e principalmente links sem indicação. No caso de<br />

Caderno de Viagem, há dois links presentes em todas as páginas, que além do texto que os forma<br />

não ter muito destaque, não há indicação de que gerem alguma ação. A menos que o usuário os<br />

perceba e se interesse em passar o mouse sobre eles, o que faz com que a forma do cursor se<br />

altere, eles não serão percebidos. De forma similar é tratado o menu sumário do mesmo produto.<br />

Os códigos são comuns a outros programas, sendo em sua maioria conhecidos pelos usuários e bem<br />

utilizados nos rótulos, como textos e/ou ícones. A padronização é visivelmente bem trabalhada<br />

nos três produtos, com algumas poucas variações na configuração da página.<br />

Considerações finais<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Ao longo do estudo identificou-se que há uma grande quantidade de formatos, programas e<br />

dispositivos que já são utilizados na criação e leitura de livros digitais. Cada formato trabalha<br />

com recursos específicos e determina as possibilidades do produto, tanto para sua interatividade<br />

como para a elaboração de seu projeto gráfico. As publicações tradicionais, conforme se dava<br />

a ascensão do meio digital, também aproveitaram alguns recursos, ampliando seus conceitos,<br />

linguagem gráfica, transformando o processo de leitura.<br />

As ferramentas e recursos interativos, como as notas e marcações, são os pontos fortes das edições<br />

digitais de livros. Estas simulam do que pode ser realizado em um livro tradicional, possibilitando,<br />

ainda, o compartilhamento das idéias com outros leitores. Neste sentido, destaca-se o livro The<br />

War of the Worlds e a plataforma de leitura da Bookglutton, pois esta permite o acesso a uma rede<br />

social focada nos livros publicados em seu site. Assim, comentários podem ser compartilhados<br />

pelos usuários para resolução de dúvidas, discussões, bem como utilizar o diálogo em tempo<br />

real para as leituras em grupos. Cria-se assim uma experiência rica e se trata a interpretação do<br />

texto de uma maneira diferenciada, uma vez que conclusões podem surgir destas discussões. Os<br />

destaques das passagens de texto, feitos normalmente em amarelo são uma simulação também<br />

dos marcadores nos impressos tradicionais. Apesar de ser uma cor vibrante, é usada com cuidado<br />

e não atrapalha a leitura e serve bem ao propósito do destaque.<br />

O livro Northanger Abbey e o programa Kindle for PC trazem diferentes oportunidades de configuração<br />

da página, podendo o usuário ajustar tamanho de fonte, cor e brilho da página conforme a luz<br />

ambiente e suas preferências pessoais até o ponto que se sentir mais confortável. Apesar de as<br />

setas nas laterais da página não estarem sempre visíveis, a aproximação do mouse destas áreas já<br />

as revela, sendo um processo bastante intuitivo de navegação, ainda sendo auxiliado pelo uso das<br />

teclas direcionais do teclado para avançar e retroceder as páginas. A navegação, porém, ocorre<br />

com base na mudança de página em página, sendo muito difícil uma orientação geral dentro do<br />

livro. Não há sumário e os saltos devem ser feitos através da barra de progresso ou da caixa de<br />

diálogo para avanço que utiliza como parâmetro a numeração dos parágrafos. Por outro lado, o<br />

programa salva o progresso do usuário, abrindo sempre o livro na última página lida, o que facilita<br />

sua navegação, já que o usuário não precisa procurar a seção do texto onde estava na última vez,<br />

nem criar uma marcação para isso.<br />

O arquivo em PDF tem poucos recursos de customização, sendo o tamanho da página, fonte,<br />

cores todos fixos. Caderno de Viagem, porém, aproveita outros recursos, como o uso de links nas<br />

legendas e nos textos e imagens em quantidade. É de um gênero diferenciado. Enquanto os outros<br />

livros analisados são romances antigos, este já foi produzido tendo em vista a edição digital. O<br />

arquivo é lido offline e há várias maneiras de avançar pelas páginas, seja pela área de navegação<br />

na barra de ferramentas, seja pelo teclado pelas setas direcionais, tanto no eixo horizontal como<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

no vertical, ou pelo mouse através da barra de rolagem ou do botão de scroll. Outros programas<br />

rotineiros utilizam uma ou mais destas formas de navegação, sendo bastante conhecidas pelos<br />

usuários. Além disso, o formato PDF já é amplamente difundido na internet, sendo conhecido<br />

por grande parte dos usuários. Não há como salvar o progresso de leitura, sendo que o usuário<br />

deve marcar a página onde parou de ler para prosseguir em um próximo momento. Para isso ele<br />

pode se basear em sua memória ou nos recursos de marcação do arquivo. A Adobe já disponibiliza<br />

gratuitamente um outro programa especial para a leitura de edições digitais, o Digital Editions,<br />

que salva o progresso do usuário e organiza bibliotecas, com pastas e grupos para uma grande<br />

quantidade de livros. O programa lê arquivos em formato PDF e ePub, os mesmos em que está<br />

disponível o livro Caderno de Viagem.<br />

O livro The War of the Worlds, de H. G. Wells, apresentado pelo aplicativo de leitura da Bookglutton<br />

foi o que melhor utilizou possibilidades do meio digital online, oportunizando conversas em tempo<br />

real durante a leitura do livro, suportadas pela apliativo. Sua interface possui áreas bem definidas,<br />

com a página, as abas laterais de conversa e marcações e a área de navegação. O uso de cor para<br />

diferentes áreas é fundamental para a identificação dos elementos, bem como sua coerência<br />

formal. Apesar de haver oportunidade de navegação pelo teclado, a partir da tecla de espaço para<br />

avançar páginas, isto não é informado ao usuário e as tentativas de outros meios de navegação via<br />

teclado (setas direcionais, tecla Tab) podem resultar em frustrações, uma vez que são recursos<br />

comuns em outros programas de leitura e mesmo em sites na internet. A navegação fica muito<br />

restrita à área inferior da interface.<br />

O design gráfico do livro tem a função de fazer a mediação entre conteúdo e leitor, colaborando<br />

para a compreensão da mensagem e a eficácia da comunicação. Em virtude das possibilidades do<br />

meio digital, deve-se realizar projeto específico de interação e navegação. A familiaridade dos<br />

leitores com a internet traz metáforas ou simulações além daquelas transportadas das publicações<br />

tradicionais para as digitais. As publicações digitais na atualidade representam a mescla dessas<br />

experiências trazidas desses dois universos.<br />

Notas<br />

[1] O relatório completo da pesquisa pode ser obtido por meio do link http://stream.aptaracorp.<br />

com/Aptara_eBook_Survey_3.pdf.<br />

[2] Aqui se utilizam os conceitos também referidos por Padovani & Moura (2008); Interação:<br />

processo de comunicação estabelecido entre o usuário e o sistema durante a realização de tarefas;<br />

Interatividade: característica variável que se refere ao quão pró-ativo a configuração do sistema<br />

permite que o usuário seja durante o processo de interação.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

[3] O universo infantil exige um tratamento diferenciado, sendo utilizados estímulos diferentes<br />

do que para os adultos. Os livros infantis exigem grande atenção às ilustrações e sua articulação<br />

com o texto para prender a atenção das crianças, por exemplo.<br />

[4] Processador Intel Core 2 Duo, som e vídeo onboard, Memória RAM de 3GB, placa de rede Intel,<br />

gravador de CD/DVD, teclado, mouse ótico, monitor Philips de 17” com resolução de 1280 x 1024<br />

px. Equipamento Disponível no Laboratório de Hipermídia (HIPERLAB) no EGR/CCE – UFSC.<br />

Referencias<br />

CASTEDO, Raquel da Silva. Revistas Científicas on-line de Comunicação no Brasil: a produção<br />

editorial sob o impacto da tecnologia digital. UFRGS. Faculdade de Biblioteconomia e<br />

Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação. Porto Alegre 2009.<br />

Volume I Dissertação (mestrado) 284p.<br />

CASTEDO, Raquel. GRUSZYNSKI, Ana. A produção editorial de revistas científicas on-line: uma<br />

análise de publicações brasileiras da área da Comunicação. In Anais do Congresso Brasileiro de<br />

Ciências da Comunicação. Curitiba: Intercom, 2009. CD-ROM.<br />

DUARTE, Márcio. <strong>Design</strong> editorial e digital publishing: perguntas frequentes. 22 set. 2011.<br />

PageLab. Disponível em: http://www.pagelab.com.br/2011/design-editorial-e-digital-publishingperguntas-frequentes/.<br />

Acesso em: 07 out. 2011.<br />

FERNANDEZ, Andréa Ferraz, et al. Modelo de Produto Híbrido para Comunicação Digital Online:<br />

Execução de Projeto para Produção Colaborativa e Coletiva de Conhecimento. In Anais do<br />

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Curitiba: Intercom, 2009. CD-ROM.<br />

GOLFETTO, Ildo Francisco. GONÇALVES, Berenice Santos. Edições Digitais de Periódicos:<br />

Gradações de Interatividade e Potencial Hipermidiático. In Anais do Congresso Brasileiro de<br />

Ciências da Comunicação. Curitiba: Intercom, 2009. CD-ROM.<br />

LONGHI, Raquel Ritter. Os nomes das coisas: em busca do especial multimídia. In Anais do<br />

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Curitiba: Intercom, 2009. CD-ROM.<br />

MÁQUINA de ler. [s.d] Disponível em . Acessado em: 26 ago. 2008.<br />

MCCLOUD, Scott. Reinventando os Quadrinhos. São Paulo: M. Books do Brasil, 2006.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

NATANSOHN, Graciela. SILVA, Tarcísio. BARROS, Samuel. Revistas Online: cartografia de um<br />

território em transformação permanente. In Anais do Congresso Brasileiro de Ciências da<br />

Comunicação. Curitiba: Intercom, 2009. CD-ROM.<br />

PADOVANI, Stephania. MOURA, Dinara. Navegação em hipermídia: uma abordagem centrada no<br />

usuário. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2008.<br />

PINHEIRO, Carlos. Relatório Aptara revela a força do ebook. Sintra, 27 set. 2011. Ler ebooks.<br />

Disponível em: http://lerebooks.wordpress.com/2011/09/27/relatorio-aptara-revela-a-forca-doebook/.<br />

Acesso em: 07 out. 2011.<br />

PROCÓPIO, Ednei. O livro na era digital. São Paulo: Giz Editorial, 2010.<br />

RADFAHRER, Luli. <strong>Design</strong>/Web/<strong>Design</strong>: 2. São Paulo: Market Press, 2001.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como<br />

guardiões da memória.<br />

Mártyres, Mayra Ferreira. Mestranda em <strong>Design</strong> Gráfico: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

mayra.martyres@gmail.com<br />

Silva, Jofre. PhD. Professor do Mestrado e dos cursos de Graduação em <strong>Design</strong> da <strong>Universidade</strong><br />

<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>. jofre@anhembi.br<br />

Resumo<br />

A finalidade deste artigo e relatar o resultado parcial da dissertação de mestrado<br />

em <strong>Design</strong> Gráfico que analisa os cartões postais da cidade de Belém do Pará no<br />

período denominado Belle Époque (1870 a 1912), por retratarem as principais realizações<br />

da época e as melhorias urbanísticas que representava a ideia de cidade<br />

moderna. Avaliaremos o avanço tecnológico dos meios gráficos, a reprodutibilidade<br />

técnica, elemento propulsor no desenvolvimento dos meios de comunicação<br />

postal e como eles condicionaram e divulgaram lembranças dos lugares retratados<br />

e “imprimiram” a ideia de como era viver nesse período, tornando-se “guardiões<br />

da memória”. Analisar as dimensões entre o cartão postal e a cidade é fundamental<br />

para entendermos a importância da imagem e o design utilizado na confecção<br />

dos cartões portais, artifícios que alteram o olhar do leitor e o uso que os sujeitos<br />

sociais fazem dele, atribuindo uma concepção imaginativa sobre determinados<br />

espaços para sua melhor comercialização.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong>, cartão postal e tecnologia, Belém do Pará.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

Introdução<br />

Este artigo tem como proposta analisar o design do cartão postal da cidade de Belém do Pará,<br />

datados de 1870 a 1912, a partir de material coletado com colecionadores e publicados no livro<br />

intitulado Belém da Saudade (SECULT-PA, 1998), como um fenômeno de produção de sentido e<br />

como meio de comunicação interpessoal, onde a tecnologia na reprodução das artes gráficas<br />

incorporada ao design do postal tornou-se instrumento de difusão cultural fazendo do mesmo,<br />

um objeto de consumo, pois “[...]o postal ilustrado é em simultâneo um meio de comunicação<br />

interpessoal, um instrumento de difusão e de publicidade associado às indústrias culturais, um<br />

objeto de consumo e um objeto de coleção” (CORREA, 2008, p.118).<br />

Os postais dessa época retratam uma cidade (Belém do Pará) que vivia um período de grande<br />

transformação, a Belle Époque [1], principalmente na sua estrutura urbana, toda advinda da sua<br />

principal fonte de riqueza, a extração da borracha. A industrialização do látex [2] e a invenção<br />

do pneumático [3] na Europa, estabeleceram uma relação de dependência entre as indústrias da<br />

região amazônica, europeia e norte americana, onde o Pará tinha a matéria prima e a Europa a<br />

industrialização. Em decorrência do capitalismo estrangeiro infiltrado na região, Belém do Pará<br />

foi se urbanizando tendo a frente à figura do Intendente Antônio Lemos [4] que administrou a<br />

cidade por 15 anos.<br />

A chamada Belle Époque paraense, por reproduzir um cenário Europeu em plena América do Sul,<br />

refletia o ritmo das exportações e se desdobrava na arquitetura e nas atitudes sociais de seus<br />

habitantes, que segundo Sarges (2002), passaram a ser manifestadas por meio do vestuário, da<br />

construção de prédios luxuosos, cafés, instalação de luz elétrica, bondes e ferrovias, criação de<br />

parques, praças e cinemas.<br />

Figura 1: Avenida 22 de junho.<br />

Fonte: (SECULT-PA, 2002).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

316


O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

Nesse cenário, o design do cartão postal com as suas novas tecnologias gráficas torna-se<br />

importante registro fotográfico da elite paraense, que se utilizou do postal, esse renovador meio<br />

de comunicação, para expressar e divulgar para o mundo, a modernidade de sua cidade.<br />

Os cartões postais passaram a representar importante fonte de registro fotográfico para subsidiar<br />

a leitura e compreensão da historia da cidade, além de registrar elementos de design agregados a<br />

tecnologia vigente. Por isso, é importante o estudo do design dos cartões, hoje, como representação<br />

de uma época, ou seja, “representações visuais e mentais do mundo, que todos carregamos, e é<br />

transmitida como que em herança, social e individual. A imagem é um órgão da memória social”<br />

(PESAVENTO apud RAMOS; PATRIOTA; PESAVENTO, 2008, p.19).<br />

Metodologia<br />

Ao iniciarmos a pesquisa percebemos que deveríamos elaborar um critério de seleção, ou seja,<br />

um recorte, já que o universo de cartões postais existentes era imensurável. Assim partimos<br />

da análise de cartões postais datados de 1882 a 1912, reunidos no Livro Belém da Saudade com<br />

foco no design desenvolvido na época, ou seja, a escolha do cartão postal como um suporte de<br />

adequação de forma e função, aos objetivos sociais e políticos do produto e a tecnologia utilizada,<br />

nesse período, para produção em massa.<br />

A pesquisa é de natureza científica documental, com objetivos descritivos, obedecendo a<br />

procedimentos de fontes bibliográficas e forma de abordagem qualitativa, se baseando em<br />

métodos dedutivos e se valendo de materiais imagéticos.<br />

Para a pesquisa se desenvolver na relação teórico-prática se faz necessário:<br />

• Revisão histórica, políticas e social da cidade de Belém do Pará na época da borracha, Belle<br />

Époque (1870 a 1912). Analisando o processo histórico, seu modelo de desenvolvimento, sua<br />

economia e seus conflitos.<br />

• Leitura da Literatura especializada, (ou mesmo na Internet), banco de informações e de<br />

registros iconográficos, obtenção de fontes de registros técnicos (planos municipais), científicos<br />

(publicações acadêmicas), além de jornais e revistas, em seguida estudo da mídia e análise das<br />

características utilizadas pelas gráficas para produção de massa<br />

• Seleção de imagens de cartões postais que retratassem a temática abordada e finalmente a<br />

escolha do livro Belém da Saudade, como um recorte para análise do tema abordado. Seleção<br />

dos carões postais do livro que seriam sujeitos da análise final.<br />

Para estudo das questões centrais deste artigo e para possibilitar reflexões acerca dos aspectos<br />

necessários a serem atingidos, faremos uma análise preliminar de alguns aspectos que serão<br />

abordados com mais profundidade na dissertação final.<br />

Formataremos no desenrolar deste artigo o caminho interpretativo e a investigação sócio-culturalpolítica<br />

sobre o assunto, cartão postal, registrado e valorizado no período da Belle Époque, e as<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

transformações técnicas e do design que existiam até esse período (1870 a 1912).<br />

A História dos cartões-postais: uma introdução<br />

Para compreender adequadamente o estudo do design dos postais, é interessante o conhecimento<br />

de sua história. Conhecer as suas origens, o sentimento provocado por estas imagens, nos ajuda<br />

a obter o melhor entendimento de como sua reprodutibilidade em massa passou a funcionar<br />

como elemento propagador da construção da imagem das cidades idealizadas pelas elites e pelos<br />

Estados.<br />

Oficialmente os postais foram lançados em 26 de janeiro de 1869. Emmanuel Hermman (austríaco)<br />

produziu uma coleção intitulada “um novo meio de correspondência postal” onde sugere as<br />

autoridades de seu país o uso de cartões abertos. Rapidamente a sugestão é aceita e entra em<br />

vigor no dia 1º de outubro do mesmo ano (VASQUEZ, 2002).<br />

Figura 2: 1º Cartão postal produzido por Emmanuel intitulado “um novo meio de<br />

correspondência postal”.<br />

SOBRENOME AU-<br />

Fonte: História da Cartofilia 2010).<br />

TOR<br />

Pedaço de cartolina de dupla face, de tamanho pequeno, o cartão postal se caracterizou sempre pela<br />

economia de linguagem. Eram conhecidos como bilhetes postais e os primeiros eram monopólios<br />

do governo, que fazia a impressão e regulamentava a circulação no território nacional.<br />

No Brasil os postais chegam no ano de 1880, introduzido pelo Decreto no 7.695 de 28 de abril e<br />

“possuíam em um dos lados, o timbre do governo que os editava e o local reservado a expedição<br />

e, no outro, o espaço reservado a mensagem” e duas eram as classe dos bilhetes postais utilizadas<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

em território nacional conforme relata Miranda (1986),<br />

[...] os destinados a correspondência interna, de cor azul, ao preço de<br />

50 réis os simples e 100 réis os duplos, isto é com resposta paga, e os<br />

referentes a correspondência internacional, com os países que faziam<br />

parte da União Postal Universal, de cor laranja, a razão de 80 e 100<br />

réis. Posteriormente foi criada uma terceira, de cor verme (MIRANDA,<br />

1986, p.13).<br />

Figura 3: Cartão postal de correspondência interna simples.<br />

Fonte: RHM Filatelistas (2010).<br />

Figura 4: Cartão postal de correspondência interna duplo.<br />

Fonte: RHM Filatelistas (2010).<br />

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Figura 5: Bilhete Postal de 20 réis, em cor vermelha.<br />

Fonte: RHM Filatelistas (2010).<br />

Seu baixo custo e simplicidade contribuíram para o postal ser um sucesso imediato no meio das<br />

comunicações. Na perda do monopólio oficial no final do século, o cartão postal passa a ser<br />

confeccionado pela iniciativa particular, associando a mensagem verbal a diferentes padrões<br />

ilustrativos. Uma face do cartão postal passa a ser utilizada por ilustrações e fotografias, “chegando<br />

a se desdobrarem em duas e até mesmo em três cartelas com uma só paisagem de 180o” como<br />

relata Miranda (1986, p.13).<br />

Figura 6: Cartão Postal de duas dobras com vista panorâmica do Cais do Porto de 1909.<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

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Em 1870, com os cartões-gravuras do livreiro Leon Besnardeau [5], que mostravam retratos da<br />

guerra fraco-prussiana, e com o advento da ilustração, o cartão postal em razão de tal inovação,<br />

se torna objeto de desejo dos franceses que reivindicam o país como pioneiro na utilização das<br />

gravuras e ilustrações no design dos postais.<br />

As primeiras imagens foram surgindo nos anversos dos cartões postais por volta de 1875. Os novos<br />

padrões gráficos passaram a utilizar métodos de impressão feitos pelos processos de litogravura<br />

[6], fotografia, fotolitografia [7] e pinturas aquareladas.<br />

Os primeiros cartões postais ilustrados que sucederam o bilhete-postal, sem a estampa do Correio,<br />

produzidos no Brasil, possuíam design inspirado em motivos art-nouveau com alegorias florais,<br />

elaboradas vinhetas e artísticos grafismos conhecida como Gruss aus..., expressão alemã que<br />

significa Saudações de..., mas que também era traduzida como Lembranças de ou Recordações<br />

de. Hoje são peças valiosas pela raridade, pela beleza artística e por terem sido produzidas antes<br />

de 1900, como relata Gerodetti, João Emílio – Cornejo, Carlos (2004, p. 242).<br />

A partir de então, a produção e comercialização local se desenvolvem, expandindo-se pelas<br />

principais cidades do país. Surgem as primeiras séries nacionais: litografias coloridas, gravadas a<br />

buril produzido por Victor Vergueiro Steidel.<br />

Figura 7: Cartão Postal produzido por Victor Vergueiro Steidel<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998)<br />

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Os primeiros cartões postais com imagens de Belém do Pará, sem a marca de edição, é da série<br />

“Sud America”, de Albert Aust, impressos na França, que também foi pioneira em cartões postais<br />

de Pernambuco, Paraná e Bahia com o mesmo padrão gráfico que seria adotado futuramente pela<br />

Papelaria Silva, situada em Belém do Pará.<br />

Figura 8: Cartão Postal da série “Sud América” onde mostra o tradicional caminho que levava ao<br />

Convento de Santo Antônio (edificado no séc. XVIII)<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

Esse processo, na concepção de Benjamin (1955), permitiu às artes gráficas irem ilustrando<br />

o cotidiano, porém, poucas décadas após a invenção da litografia, as artes gráficas foram<br />

ultrapassadas pela fotografia.<br />

O advento da fotografia nos cartões postais influenciou a mentalidade dos homens com a<br />

possibilidade de conhecer visualmente o mundo. De acordo com Vasquez (2002), isso ocorreu pelo<br />

crescimento do uso da imagem no cotidiano, que com a evolução tecnológica se tornou acessível<br />

a um grande contingente populacional.<br />

Os cartões postais eram em maioria, produzidos por livrarias, papelarias e casas editoriais. O<br />

emprego da palavra cartão-postal como sinônimo dos pontos turísticos de uma cidade ou de uma<br />

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bela vista urbana viria, assim, desta época, onde o discurso que se pautava era pela intervenção<br />

do Estado no espaço urbano, com a finalidade de modernizá-lo e embelezá-lo, modificando a<br />

imagem do país no exterior.<br />

Figura 9: Cartão Postal do Mercado de Ferro (Vêr-o-peso), construção em ferro vindo da Europa<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

A evolução tecnológica “ao multiplicar o reproduzido, coloca no lugar de ocorrência única a<br />

ocorrência em massa” e permite “à reprodução ir ao encontro de quem preende, actualiza o<br />

reproduzido em cada uma das suas situações” (BENJAMIN 1992, p.79). Desta forma, a estrutura<br />

do cartão postal no seu design frente e verso, na comunicação privada (remetente e destinatário)<br />

e na utilização de imagens massivas, reproduzem um diálogo entre a história da arte e a história<br />

da tecnologia no design do cartão postal, utilizando-se da reprodutibilidade técnica enquanto<br />

suporte de reprodução e circulação de imagens públicas.<br />

Imagens Reprodutíveis no design dos cartões postais<br />

O cartão-postal, com o advento da técnica fotográfica incorporado no seu design, era, na época,<br />

o meio mais adequado de realçar alguns detalhes do espaço urbano que referenciava a atuação da<br />

sociedade, na construção e na seleção de alguns de seus conceitos e imagens representativas do<br />

momento vivido. Essa nova tecnologia reforça o que diz Kneller (1980) que<br />

a tecnologia, com base cientifica, pode ser aplicada para desenvolver<br />

técnicas e organizar as atividades humanas, reforçando o social e o<br />

cultural, porém essas inovações tecnológicas precisam mostrar a<br />

necessidade de se utilizar esse produto e de que eles agregam valores<br />

a sociedade (KNELLER, 1980, p.259).<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

Essa nova função do cartão postal, de reproduzir imagens da cidade e divulgar nos lugares mais<br />

distantes as paisagens em destaque, provocando em quem o recebia uma imagem positiva do que<br />

está sendo representado, levou alguns estudiosos a acreditarem que essa era uma forma possível<br />

de documentar todas as apreensões de uma época, fazendo desses cartões postais um elo de<br />

comunicação do passado com o presente, guardando, para a posteridade, a memória de uma<br />

época através de um acervo de imagens o que era a paisagem, o espaço e as práticas da cidade<br />

naquele momento preciso. Como afirma Sevcenko (1999)<br />

[...] o postal parece revelar o minucioso trabalho que incide na<br />

conquista da paisagem pelo olhar do viajante. A conjunção que se<br />

estabelece com o texto e a imagem, sublinhada a atitude deliberada<br />

do remetente em persuadir o destinatário a compartilhar, ao seu modo<br />

o gosto da viagem. De uma maneira ou de outra, o cartão procura<br />

estabelecer uma comunicação entre o ausente e assim restituir uma<br />

distância (SEVCENKO, 1999, p.425).<br />

Figura 10: Cartão Postal da Avenida 16 de Novembro, mostrando os bondes elétricos e os<br />

quiosques de vendas das passagens que se espalhavam pela cidade.<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

Essa organização formal, de elementos visuais - tanto textuais, quanto não-textuais-, no design<br />

desses cartões postais da época, denotam a preocupação dos livreiros e fotógrafos em compor<br />

peças gráficas reproduzíveis com o objetivo expressamente comunicacional, com finalidades<br />

propagandistas.<br />

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Figura 11: Cartão Postal da Fábrica Palmeiras fundada em 1892<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

Como somos levados a “ler” imagens e o que elas significam, um ponto muito relevante é a<br />

concepção do ver e do interpretar que estão ligados a essas imagens. Além da fisiologia da visão<br />

que vai definir como as vemos e da psicologia que dá a percepção como a interpretamos, existe o<br />

fator cultural que influencia essa construção e a relação mais efetiva entre a obra e o observador,<br />

pois elas estão ligadas às relações espaciais que experimentamos no dia-a-dia.<br />

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Figura 12: Cartão Postal do vendedor de peixe da coleção “Costumes Paraenses”<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

Esses cartões postais têm como matéria-prima o real, mas sempre o olhar de quem vê acrescenta<br />

algo, mesmo quando produzem imagens, aparentemente fiéis, o olhar escolhe e modifica, por<br />

conseguinte, estabelecendo relações de valor do que se lê e o que se deseja.<br />

É na década de 1970, como cita Vasquez (2002), que os postais de fotógrafos-autores e os de<br />

reprodução de obra de arte, produzidas e editadas pelos museus, propiciam a valorização das<br />

imagens captadas e o prestígio do fotógrafo, modificando assim, o valor e o uso dos postais como<br />

peça de colecionadores.<br />

Figura 12: Cartão Postal do Boulevard da República, de série numerada da Editora Tavares<br />

Cardoso & C. – Livraria Universal, onde se localiza o prédio da Recebedoria Pública, seu anexo e<br />

o Mercado de Ferro.<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

Desta forma, os postais que eram utilizados para informar e registrar os lugares em que se<br />

esteve ou está, tiveram sua função de memória e de registro potencializada com o avanço dos<br />

novos meios de comunicação, visto que, o postal, separa e reúne, renova e recupera o passado e<br />

contemporâneo.<br />

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Considerações Finais<br />

O resultado inicial da análise alcançado foi a percepção de uma temporalidade das cidades e<br />

da sociedade estampada nos postais, transferindo para estes suportes, a importante função de<br />

promoção de alguns espaços de destaque no contexto dos meios de comunicação. Portanto, a<br />

partir do conhecimento da história dos cartões-postais, dois agentes foram terminantes para a<br />

permanência de sua constituição e divulgação enquanto um recorte de paisagem de destaque:<br />

o primeiro foi o Estado, por intermédio das intervenções urbanas e o segundo foram os avanços<br />

tecnológicos que possibilitaram um maior acesso aos cartões postais.<br />

Com o realismo das imagens estampadas nos cartões postais, advinda do aprimoramento das<br />

técnicas de impressão, os lugares retratados acabam sendo indicadores de reconhecimento<br />

do destinatário, proporcionando uma percepção afetiva e desencadeando um processo de<br />

familiaridade com o local retratado.<br />

Hoje, esses cartões postais são meios de registro documental, armazenados de maneira<br />

estruturada, revelando os acontecimentos que nos permitem resgatá-los, interpretá-los e alicerçar<br />

a construção da memória coletiva por intermédio dos seus elementos gráficos, tecnológicos e<br />

históricos. Devemos ainda considerar que somente por meio das gerações é que se fixam a cultura,<br />

se comunicam os valores, as crenças e o sentido histórico dos fatos.<br />

Notas<br />

[1] Para a maioria dos europeus, a época entre 1871 e 1914 foi a Belle Époque. As potências<br />

europeias se orgulhavam dos seus avanços e as mudanças realizadas entre os séculos XIX e XX,<br />

também afetaram a sociedade brasileira significativamente. De meados dos anos de 1890 até a<br />

Grande Guerra, a orquestra econômica global gerou grande prosperidade no país. O enriquecimento<br />

baseado no crescimento explosivo dos negócios formou o plano de fundo do que se tornou conhecido<br />

como “os belos tempos” (Belle Époque). No Brasil, a atmosfera do surto amplo de entusiasmo do<br />

capitalismo gerou uma sensação entre as elites de que o país havia se posto em harmonia com as<br />

forças da civilização e do progresso das nações modernas (SARGES, 2000).<br />

[2] Latex: suco leitoso de certas plantas, principalmente das Asclepiadáceas, Euforbiáceas<br />

e Sapotáceas, sendo comercialmente mais importante o da seringueira, do qual se fabrica a<br />

borracha. (Weiszflog, Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, 2010)
<br />

[3] Pneumático: coberta externa, de borracha e tecido, da câmara-de-ar da roda de um veículo<br />

(WEISZFLOG, Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, 2010).<br />

[4] Intendente Antônio Lemos: nascido em São Luís do Maranhão, aos 17 anos se alistou na Marinha<br />

de Guerra, sentando praça como escrevente da Armada. Servindo a Marinha, Lemos fez incursões<br />

no Rio da Prata durante a Guerra do Paraguai (entre 1864 e 1870) com a corveta “Paraense” a<br />

fim de ajudar no bloqueio de Montevidéu. Em Belém, operou na Companhia de Aprendizes de<br />

Marinheiro do Pará e na Companhia de Aprendizes de Artífices do Arsenal de Marinha. A 22 de<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

junho de 1897 (aniversário da promulgação da Constituição do Pará, no regime republicano),<br />

Lemos disputou a Intendência Municipal. O cargo de intendente municipal (hoje prefeito) foi<br />

criado pela Lei Orgânica dos Municípios, em 28 de outubro de 1891. Em 1897 foi a vez de Antônio<br />

Lemos, que teve mais de seis mil votos contra 600 do seu adversário. Em 1900, Lemos viria a se<br />

reeleger para a Intendência de Belém, que neste período, era governada pelo Intendente Paes de<br />

Carvalho (1897-1901), que enfrentara crises econômicas e políticas (ROCQUE, s/d)<br />

[5] Leon Besnardeau: estabelecido em Sille Le Guillaume, no cantão de la Sarthe, foi apontado por<br />

muitos anos como o verdadeiro criador das ilustrações postais (MIRANDA,1986)
<br />

[6] Litogravura: técnica de gravura, em que o grafismo é desenhado diretamente em uma matriz<br />

de pedra (calcário). Baseia-se na propriedade de repulsão entre água e as substâncias gordurosas<br />

(tintas). Com a pedra molhada, a tinta de impressão só adere às partes que contêm imagem e<br />

permite, sob pressão, a reprodução dessa imagem sobre o papel (SILVA, 2008).<br />

[7] Fotolitografia: técnica de produção de fotolitos (filme translúcido, gravado a partir de uma<br />

emulsão fotossensível, que funciona como matriz para a impressão. Pode ser usado em diversos<br />

métodos de impressão) e filmes (SILVA, 2008).<br />

Referências<br />

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. 17. ed., São Paulo: Editora Cultrix, 1977.<br />

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. (1992)<br />

CORREIA, Maria da Luz. Cartão Postal: o tempo de uma cidade. In Logos Comunicação e<br />

<strong>Universidade</strong>, ano 16, n.29, 2o semestre 2008.<br />

COUCHOT, Edmond. A <strong>Tecnologia</strong> na <strong>Arte</strong>: da Fotografia a realidade virtual. Porto Alegre: ed.<br />

UFRGS, 2003.<br />

GERODETTI, João Emílio - CORNEJO, Carlos. Lembranças do Brasil: as capitais brasileiras nos<br />

cartões-postais e álbuns de lembranças. São Paulo: Ed. Solaris, 2004.<br />

KNELLER, G. F. A ciência como atividade humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.<br />

KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo:Ateliê Editorial, 2001.<br />

--------------. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999.<br />

MIRANDA, Victorino C. Chermont. A Memória Paraense no Cartão Postal (1900-1930). Rio de<br />

Janeiro: Editora Liney, 1986.<br />

RAMOS, Alcides Freire; PATRIOTA, Rosangela; PASSAVENTO, Sandra Jataht. Imagens na História.<br />

São Paulo: Hucitec, 2008.<br />

ROCQUE, Carlos. Antônio Lemos e Sua Época. Belém: Cejup,1996.<br />

SARGES, Maria de Nazaré. Riquezas produzindo a Belle Époque (1870-1912). Belém:<br />

Paka-Tatu, 2000.<br />

SEVCENKO, Nicolau; e outros. História da vida privada no Brasil 3 - República: da Belle Époque<br />

à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.<br />

SECRETARIA DE CULTURA DO ESTADO. Belém da Saudade: a memória de Belém do início do<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

século em cartões postais. 2 ed.. Belém: SECULT, 1998.<br />

SILVA, Claudio. Producão Gráfica: novas tecnologia. São Paulo: Editora Parcrom, 2008.
<br />

VASQUEZ, Pedro. Postaes do Brazil. São Paulo: Metalivros, 2002.<br />

VENTURINI, Carolina Maria M. Cartão Postal: o tempo de uma cidade. In Lato& Sensu, n.2, 2001.<br />

Site<br />

http://www.logos.uerj.br/PDFS/29/11MARIALUZCORREIA.pdf> Acesso em: 10 Jul. 2011.<br />

http://www.logos.uerj.br/antigos/logos_29/logos_29.htm > Acesso em: 04 Mai. 2011..<br />

http:// www.girafamania.com.br/introducao/cartofilia.html > Acesso em: 16 out. 2010..<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Danusa Almeidade de Oliveira Mestranda/<strong>Universidade</strong> Federal do Rio Grande do Sul<br />

danusaoliveira@yahoo.com.br<br />

Resumo<br />

Junto aos diferentes suportes de leitura, os livros digitais (e-books) se apresentam<br />

como uma promessa de inovação no mercado editorial. No entanto, as interações<br />

inseridas em alguns livros digitais denunciam o uso de um código que vai além do<br />

alfanumérico, mostrando uma quebra na forma linear da escrita e do pensamento.<br />

Portanto, o presente artigo busca refletir sobre a figura do escritor e do leitor na<br />

era digital, tendo como base as ideias de Vilém Flusser. Procura-se compreender<br />

para quem se escreve quando pensamos em hipertexto, visto que há uma forma de<br />

escrita (feita para o aparelho) que está em formação.<br />

Palavras-chave:<br />

Escritor, leitor, livros digitais.<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Introdução<br />

O tempo se esvai e o presente se desfaz. No entanto, sem a intenção de apontar as novas tecnologias<br />

como a única responsável para esse fenômeno, mostra-se importante pensar nos efeitos<br />

que essas mesmas tecnologias ocasionam. Encontramo-nos “[...] instalados no movediço, no<br />

cambiante, no renovável, no efêmero, numa época em que paradoxalmente [...] vivemos mais<br />

tempo” (CARRIÈRE, 2010, p.57). Andamos inseguros quanto às nossas ações e entramos em conflito<br />

com nossas emoções devido, muitas vezes, pela intranquilidade e pela incerteza do porvir.<br />

Ao invés de vivermos o presente tomando o passado como orientação, permitimos que a mente se<br />

torne inquieta pelo amanhã. Então, “[...] não vivemos mais um presente plácido, estamos sempre<br />

buscando nos preparar para o futuro” (ECO, 2010, p.57) como se esse pudesse de modo volátil,<br />

passar ao nosso lado despercebido, sem ser sentido, sem ser aproveitado, sem nos permitir fazer<br />

parte dele. Esse comportamento social é apontado pelo filósofo Vilém Flusser (1983) como período<br />

pós-industrial, onde “[...] o tempo é abismo [...] O tempo não mais flui do passado rumo ao futuro,<br />

mas flui do futuro rumo ao presente. E o futuro não está mais na ponta de uma reta: é ele o<br />

horizonte do presente, e o cerca de todos os lados.” (FLUSSER, 1983, p.125). O tempo, portanto,<br />

deixa de ser linear onde se percebia de forma nítida o passado e o futuro, ambos interligados,<br />

apresentando uma lei de causa e efeito. O período pós-industrial, ao contrário, tem uma dinâmica<br />

do tempo que segue o modelo cibernético (FLUSSER, 1983).<br />

Dessa forma, a capacidade da tecnologia de gerar entusiasmo pelo novo pode vir a ser perturbador,<br />

como se fosse possível perder o significado da existência ao não se desfrutar desse novo,<br />

ou seja, ao não se ter certa tecnologia e ao não se conhecer o funcionamento da mesma, que,<br />

geralmente, apresenta-se como evento imperdível. Mas é possível não fazer parte desse processo<br />

estando o indivíduo envolvido pela técnica e pelos programas? Por isso a necessidade de reflexão<br />

sobre os aparatos tecnológicos a partir da transformação do nosso olhar em relação ao mundo.<br />

Com o aperfeiçoamento das máquinas e com as mudanças que nossa compreensão sofreu quanto<br />

ao significado de tempo e de espaço, cada aparelho passou a exigir uma determinada prescrição.<br />

Para Flusser (1983), o termo prescrição acompanha o homem há muito tempo, antes da própria<br />

máquina, estando relacionado a um modo ou padrão de comportamento estabelecido. O próprio<br />

homem recebeu por escrito determinadas diretrizes como se fosse um mero aparelho, como<br />

aconteceu com os mandamentos registrados em placas. A Revolução Industrial também merece<br />

destaque pela forma como ditou normas ao homem em relação ao uso das máquinas, contudo,<br />

é com a revolução da informática que essa prescrição em relação aos programas se completou.<br />

Nesse contexto, Flusser (2010, p.70) compreende o programa como “[...] uma obra escrita que<br />

não se dirige a seres humanos, mas a aparelhos [...]”, portanto, a escrita que marca a sociedade<br />

pós-industrial escapa do alfabeto a que estamos acostumados e vai ao encontro do chamado códi-<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

go binário cuja combinação e sequência lógica de dados permite a criação de programas (softwares)<br />

que prescrevem aos aparelhos como deve ser o seu funcionamento.<br />

Diante dessa conceituação, pode-se pensar que o alfabeto chega ao seu fim. Um sinal de que está<br />

sendo ultrapassado para cair em um possível esquecimento. Todavia, ao invés de se pensar na<br />

decadência desses símbolos gráficos, é necessário um olhar atento à evolução que ocorre, visto<br />

que a “[...] relação entre os códigos digitais e alfabéticos não é uma contradição dialética entre<br />

códigos que produzem e códigos que criticam imagens [...] trata-se muito mais, nesse caso,<br />

da emergência de uma nova experiência espaço-temporal [...]” (FLUSSER, 2010, p.164). Porém,<br />

quem se mostra responsável por essa escrita pós-industrial? Quem a decodifica? Devido a tais<br />

motivos, este artigo se propõe a refletir sobre a figura do escritor e do leitor na era digital, visto<br />

que são dois personagens envolvidos e relacionados tanto com a produção da escrita quanto com<br />

a interpretação da mesma. Para isso, serão utilizados os livros digitais (documento digital) como<br />

exemplo de prescrição, a fim de se discutir, à luz das ideias de Flusser, quem é o escritor e o leitor<br />

da pós-escrita. Para completar a discussão, serão abordados outros autores como os estudiosos<br />

Alberto Manguel e Roger Chartier.<br />

O gesto de escrever<br />

A escrita e a imagem possuem uma relação inseparável que não pode ser ignorada ao se falar<br />

sobre o próprio ato de escrever. Flusser (1985, p.23) interliga ambos os códigos ao afirmar que<br />

as imagens servem de intermediárias entre o mundo e o homem, “[...] isto é, o mundo não lhe<br />

é acessível imediatamente”. Contudo, ao invés das imagens serem decifradas como mediações<br />

desse universo, o homem se perde na idolatria vivenciando e tomando as imagens como sendo o<br />

próprio mundo que o cerca, causando a “magicização da vida” (FLUSSER, 1985, p.23), cujo resultado<br />

torna as imagens um reflexo da realidade. Ou seja, a magicização se dá quando o homem<br />

passa a viver em função das imagens que ele mesmo cria. Porém, isso gera um conflito na contemplação<br />

e na leitura da imagem. O indivíduo passa a ser escravo da própria criação, prendendo-se<br />

às imagens com adoração, não distinguindo com facilidade que elas não passam de “[...] códigos<br />

que traduzem eventos em situações, processos em cenas” (FLUSSER, 1985, p.07). É em oposição<br />

a isso que a escrita linear nasce, “[...] tratava-se de transcodificar o tempo circular em linear,<br />

traduzir cenas em processos. Surgia, assim, a consciência histórica, consciência dirigida contra<br />

as imagens” (FLUSSER, 1985, p.08). Essa consciência histórica surge com a organização das ideias<br />

ao se escrever linearmente, possibilitando o indivíduo a pensar de forma crítica a partir de uma<br />

determinada lógica.<br />

O texto, portanto, ganha a responsabilidade de ser a ponte entre imagem e homem a fim de que<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

esse, então, compreenda o mundo. Por isso dizer que textos explicam e decodificam imagens,<br />

criando uma nova dialética em que texto e imagem se confundem. Em um determinado momento<br />

a imagem se mostra conceitual, ao invés de mágica, deixando tal magia a cargo do texto, desestruturando<br />

a ordem dos dois, trocando o modo de leitura de ambos. Mas independente disso, o<br />

texto em si também pode provocar e levar o homem novamente ao extremo, gerando a textolatria,<br />

ou seja, o indivíduo não consegue decifrar os textos, perdendo a habilidade de recompor a<br />

imagem que é codificada pelo alfabeto. Diante desse quadro, Flusser (1985) alerta quanto à crise<br />

dos textos, pois não ocorrendo a decodificação dos mesmos, não ocorre a reconstrução em forma<br />

de imagens e o homem não consegue produzir sentindo. Com isso, a história perde seu dinamismo<br />

e permanece estagnada. Consequentemente, cria-se uma fenda, uma lacuna que necessita ser recuperada.<br />

O que possibilita o surgimento das imagens técnicas – “[...] produtos indiretos de textos<br />

- o que lhe confere posição histórica e ontológica diferente das imagens tradicionais” (FLUSSER,<br />

1985, p.10). Ou seja, são geradas imagens feitas por aparelhos, como a fotografia, com o intuito<br />

de vencer a crise instaurada sobre os textos.<br />

No entanto, é importante refletir sobre a força que a escrita possui e o seu potencial como mediadora,<br />

pois antes mesmo do manuscrito e do impresso, a escrita já era cercada por uma aura<br />

de poder, até pelo fato de ser um código que somente poucos conseguiam decifrar. As imagens,<br />

ao oferecerem de forma instantânea e rápida um número maior de informações, passaram a permitir,<br />

no percorrer do olhar, uma noção do todo e uma interpretação autônoma e independente<br />

mesmo quando veloz demais ou incompleta. Não há necessariamente uma ordem obrigatória para<br />

os olhos seguirem a fim de se decifrar uma imagem. Fato que a escrita limita na sua linearidade,<br />

porque não é possível contemplar o todo de uma única vez, dependendo da extensão do texto<br />

– como nos livros impressos que são compostos por inúmeras páginas. A decodificação letra por<br />

letra é mais vagarosa e exige paciência, pois no desenrolar do conteúdo as informações vão, ao<br />

mesmo tempo, tornando-se imagens mentais que se ligam às experiências já vividas. Os níveis de<br />

compreensão e interpretação de textos e imagens são, portanto, diferentes, sendo válido lembrar<br />

que se a imagem requer maior cuidado para sua interpretação, a escrita pode também esconder<br />

nas suas entrelinhas sentidos ambíguos, ideias paradoxais que somente um leitor mais atento consegue<br />

compreender. Diante disso, por que não pensar que a escrita é tão ou mais influente que a<br />

imagem? A crise do texto pode existir devido à incompreensão do homem em relação às palavras,<br />

mas isso significa que a escrita enfraqueceu diante da imagem? Se a escrita não representasse<br />

instrumento de influência, os livros - que são uma compilação da escrita - não teriam sido limitados<br />

a classe Eclesiástica na Idade Média e não teriam sido queimados na Antiguidade. A escrita<br />

mostra a sua resistência por ter sobrevivido às censuras, servindo como mensageira de revolução<br />

e de autoritarismo, fazendo parte de jogos políticos interessados na sua capacidade de influenciar<br />

os leitores. Mesmo com a forte presença das imagens técnicas na pós-modernidade, as máquinas<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

passaram por um processo de planejamento e de escrita. Em algum momento se escreveu o que<br />

deveria ser organizado e se aproveitou as mudanças que a escrita sofreu ao longo do tempo para<br />

criar os mesmos programas que geram as tais imagens técnicas. Isso mostra o quanto a escrita<br />

ainda está presente. Sendo ela aperfeiçoada ou não pela tecnologia, foi a linearidade que contribuiu<br />

para a evolução da própria técnica, revelando a força do alfabeto e, consequentemente,<br />

do gesto de escrever. Quanto a isso, Flusser (2010) afirma que a escrita linear está envolvida com<br />

a organização e com o alinhamento do pensamento. É a forma linear do ser humano que autoriza<br />

a existência do pensar e do agir.<br />

Todo escrever está “correto”: é um gesto que organiza os sinais gráficos<br />

e os alinha. E os sinais gráficos são (direta ou indiretamente) sinais para<br />

o pensamento. Portanto, escrever é um gesto que orienta e alinha o<br />

pensamento. Quem escreve, teve de refletir antes. E os sinais gráficos<br />

são aspas para o pensamento correto. Numa primeira aproximação com<br />

a escrita, evidencia-se um motivo oculto por trás do escrever: escrevese<br />

para se colocar os pensamentos nos trilhos corretos (FLUSSER, 2010,<br />

p.20).<br />

Todavia, Flusser (2010) admite que as máquinas sejam mais rápidas quando se trata da escrita<br />

e faz um alerta quanto à possibilidade da máquina construir de forma mais variada e veloz uma<br />

consciência histórica que ultrapassará a que nós humanos construímos. Vale reforçar, então, que<br />

a crise que ameaça o texto é anunciada por Flusser (1985) não apenas pela textolatria em que o<br />

homem se deixou conduzir, mas principalmente porque a própria escrita tem sofrido modificações<br />

na sua forma linear de apresentação, devido à lógica das máquinas cuja escrita é organizada por<br />

elas próprias obedecendo ao código binário. A partir desse ponto, para maiores discussões, utilizemos<br />

o livro digital (e-book) como exemplo de documento que, em alguns casos, permite não apenas<br />

o uso de uma escrita não linear no seu conteúdo, mas também uma leitura diferenciada por<br />

meio de aparelhos como os computadores ou leitores específicos para livros digitais (e-readers).<br />

Um conceito para livros digitais<br />

As novas tecnologias, aliadas ao uso da internet, tem provocado desafios no próprio modo de se<br />

ler, como também tem modificado o mercado editorial, transformando as formas de distribuir,<br />

de acessar e de gerar conhecimento (FURTADO, 2006). As mensagens transformadas em conteúdo<br />

digital apresentam maior interatividade e dinamismo, sendo possível submeter informações a<br />

diferentes operações como anotar e corrigir; apagar e decompor; adicionar e reorganizar elementos.<br />

Há, portanto, uma mudança tanto na estrutura física em que se apresenta o texto quanto na<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

forma de se ler. Tais características podem ser encontradas nos e-books e nos seus diferentes<br />

suportes de leitura que permitem outra lógica de manuseio em comparação aos livros impressos:<br />

[...] a apregoada extinção de um suporte material e a sua substituição<br />

por um ‘não-suporte’ revelou-se, na realidade, a substituição por uma<br />

variedade de suportes tecnológicos que promovem simultaneamente<br />

abruptas distinções e homogeneizações nos textos e nos leitores. Os<br />

novos suportes eletrônicos apresentam diversas formas e usos, haja<br />

vista que os livros digitais podem ser acessados e lidos em praticamente<br />

qualquer equipamento de informática, seja um computador pessoal de<br />

mesa, um laptop, um notebook, um PDA ou um ebook. (FARBIARZ e<br />

FARBIARZ, 2010, p.114)<br />

O significado para “livro digital” suscita alguns debates sobre o tipo de conteúdo (se esse é criado,<br />

desde o início, em forma digital ou se é digitalizado) e o tipo de meio (se a informação pode ser<br />

acessada em computador ou em dispositivos de leituras, também chamados de e-book readers ou<br />

apenas e-reader). Dessa forma, e-book abrange “[...] desde um simples arquivo digital do conteúdo<br />

de um livro até ao arquivo digital acompanhado pelo software que possibilita o acesso e<br />

a navegação do conteúdo.” (FURTADO, 2006, p.44). Para melhor compreensão do significado de<br />

e-book também é preciso destacar que o design do livro digital, assim como suas possibilidades<br />

de interação, está aliado ao tipo de suporte utilizado para a leitura. O computador suporta certas<br />

extensões de e-books como PDF (Portable Document Format), exigindo o programa Adobe Reader<br />

instalado; e como Epub (Eletronic Publication) que pode ser acessado pelo programa Adobe Digital<br />

Editions. Já os dispositivos de leitura mostram diferentes funções e aplicativos entre si, suportando,<br />

geralmente, tanto a extensão Epub quanto PDF. Os principais suportes (e-readers) para os<br />

e-books são: Kindle, Sony (Galaxy), Cool-er, Positivo Alfa, iPad – todos comercializados no Brasil.<br />

Também é possível acessar livros digitais através de celulares, especialmente por meio do iPhone,<br />

do Smartphone ou de aparelhos que aceitam aplicativos em Java[1].<br />

Em razão dos diferentes dispositivos e formatos de arquivos, surge a necessidade de um maior<br />

conhecimento técnico – tanto da área de webdesign quanto de design gráfico - por parte daqueles<br />

que trabalham com a produção de livros a fim de atenderem as peculiaridades técnicas na<br />

produção dos livros digitais. Tal fato se torna evidente quando determinados e-books possibilitam<br />

acesso a imagens, vídeos, sons e hiperlinks, funcionando como janelas ao longo da história contada.<br />

Nem todos os e-books oferecem efeitos de interação, assemelhando-se, ou sendo na prática,<br />

uma cópia do conteúdo impresso já existente. Entretanto, novos livros lançados, antes mesmo de<br />

serem elaborados, já passam pelo planejamento de serem pensados diretamente para aparelhos<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

de leitura, preocupando-se com o tipo de suporte em que a história será narrada. Caso a extensão<br />

do arquivo permita a combinação de hipertextos e de animações, é possível que alguns aparelhos<br />

e-readers sejam o ideal para o envolvimento do leitor junto ao conteúdo. Relacionado a esse<br />

processo, Flusser (2010) observa<br />

A revolução da informática, essa produção de sinais e sua inserção<br />

em campos eletromagnéticos, quebrou de maneira evidente o modo<br />

de pensar tipográfico. Os novos sinais, que aparecem em monitores<br />

de computador e nas telas dos televisores, são mais vestígios que se<br />

gravam em um objeto, eles não são mais “tipográficos”. E o modo de<br />

pensar, que as novas informações produzem, não é mais um modo de<br />

pensar, que as novas informações produzem, não é mais um modo de<br />

pensar tipográfico, tipicante (FLUSSER, 2010, p.67).<br />

A mudança na estrutura do texto e a fragmentação da leitura conduzem o pensamento a um<br />

roteiro ainda não conhecido, uma nova ordem de pensar que segundo Flusser (2010, p.68) pode já<br />

ser “pressentido”. Contando que o homem possui um apego ao livro como objeto, não será apenas<br />

medo em excesso de nossa parte, considerar que essa mudança na escrita pode nos confundir<br />

quanto à classificação do que consideramos como texto e imagem? Nosso pensamento pode também<br />

se confundir com isso a tal ponto de ter dificuldades de pensar de modo organizado quando<br />

necessário? Flusser (2010, p.21) contribui para que outros questionamentos sejam levantados ao<br />

dizer que as linhas escritas “[...] não orientam os pensamentos apenas em sequências, elas orientam<br />

esses pensamentos também em direção ao receptor. Elas ultrapassam seu ponto final ao<br />

encontro do leitor”. Impossível, portanto, não indagar quem é o leitor e o escritor no contexto<br />

digital.<br />

O escritor e o leitor na era digital<br />

Para se compreender a figura do escritor e do leitor na pós-modernidade, é necessário recuperar<br />

o passado, recordando que as primeiras tabuletas de argilas escritas contribuíram para que se<br />

superasse a limitada capacidade da memória humana de armazenar informações. A partir desses<br />

registros primários, qualquer pessoa recuperava o passado sem necessitar do relato de quem vivenciou<br />

os acontecimentos gravados (MANGUEL, 1997). Desse modo, é fácil pensar que a figura<br />

do escritor tenha nascido dessa superação do homem em vencer o tempo, deixando um código<br />

repleto de significado que, ao ser interpretado, revelava uma parte da história. Manguel (1997)<br />

reforça tal ideia do seguinte modo:<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Uma vez que o objetivo do ato de escrever era que o texto fosse resgatado<br />

– isto é, lido -, a incisão criou simultaneamente o leitor, um papel<br />

que nasceu antes mesmo de o primeiro leitor adquirir presença física.<br />

Ao mesmo tempo em que o primeiro escritor concebia uma nova arte<br />

ao fazer marcas num pedaço de argila, aparecia tacitamente uma outra<br />

arte sem a qual as marcas não teriam nenhum sentido. O escritor era<br />

um fazedor de mensagens, criador de signos, mas esses signos e mensagens<br />

precisavam de um mago que os decifrasse, que reconhecesse seu<br />

significado, que lhes desse voz. Escrever exigia um leitor. (p.207)<br />

A ligação entre escritor e leitor se dá justamente pelo fato de que o texto ganha sentido ao ser decodificado,<br />

sendo que o leitor pode fazer interpretações diferentes em relação ao que lê, mesmo<br />

que o escritor tenha uma mensagem específica para transmitir. Foi com Gutemberg que o gesto<br />

de escrever sofreu mudanças, pois a manipulação dos tipos gerou um pensamento tipificante, levando<br />

aqueles que escreviam a perceber que controlavam tipos e não caracteres. O predomínio<br />

das máquinas, no período moderno, mostra o auge desse pensamento tipificante, onde se relega<br />

aos aparelhos a capacidade de certos trabalhos antes feitos manualmente, por isso “a tipografia<br />

pode ser compreendida como o modelo e o embrião da revolução industrial; as informações não<br />

devem ser impressas apenas em livros, mas também em têxteis, metais e plásticos” (FLUSSER,<br />

2010, p.66). É por tal motivo que se torna pertinente pensar nessa sociedade pós-industrial, cuja<br />

informação se mostra gravada em telas, onde textos e imagens aparecem em superfícies. Quem<br />

são os escritores que fazem essa impressão? Quem são os leitores que decifram os códigos impressos<br />

nessas telas?<br />

Escritores em potencial para o livro digital<br />

Para Flusser (2010), os textos se completam ao encontrarem um leitor porque cada linha escrita é<br />

feita para ser concluída. Portanto, o gesto de escrever está fundando no fato de ser escrito para<br />

alguém, que esteja disposto a abraçá-lo, a fim de dar-lhe sentido a partir de diferentes formas<br />

de leitura. Contudo, conforme observa Flusser (2010, p.54), dirige-se o escritor para o receptor<br />

que está ao seu alcance, ao contrário do que se pensa quando se imagina que o escritor escreve<br />

para a multidão, afinal “ao alcance de quem escreve, estão apenas os receptores com quem ele<br />

compartilha canais de transmissão por meio de seus textos. Por isso, ele não escreve diretamente<br />

ao seu receptor, ele escreve muito mais ao seu mediador”.<br />

Esse mediador a quem Flusser (2010) se refere está centrado na figura do editor que há muito<br />

tempo ocupa a tarefa de ler os textos, fazer apontamentos e modificar o que, segundo sua per-<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

cepção, pode não estar coerente. Portanto, é válido lembrar que, no século XVIII, é que se apresenta<br />

a figura do editor como o profissional que busca de forma comercial a circulação dos<br />

livros, controlando o processo de produção e distribuição (CHARTIER, 1998). Porém, o editor e o<br />

autor passam a enfrentar momentos de tensão devido a essa relação próxima entre ambos, onde,<br />

em alguns momentos, o processo de organização das ideias fica a cargo do editor. Esse conflito<br />

justificava-se devido à existência de um público consumidor: o leitor.<br />

Todavia, se o editor atua como um filtro em relação ao texto do autor, modificando, cortando,<br />

alterando o que foi escrito, a fim de entregar um texto que impressione um determinado público,<br />

por que não dizer que o editor passa, então, a também ser autor da obra escrita? O editor intervém<br />

com sugestões, com restrições e com critérios do que pode tornar a obra mais atraente e<br />

vendável. Flusser (2010, p.55), diz que “um texto impresso não é apenas aquele que transformou<br />

(capturou, impressionou) o editor, ele é também um texto que foi modificado (que foi apreendido<br />

e que causou impressão) pelo editor”. O autor pode encontrar no editor seu primeiro leitor,<br />

porém, é por meio do diálogo entre ambos, na influência do que deve ser alterado na produção,<br />

que o editor também se torna escritor. Ao estruturar uma ideia que pode vir a ganhar vida em<br />

uma forma material (um livro), o escritor costuma se utilizar de uma linguagem própria, com<br />

base em sua cultura e sua preferência literária para escrever e registrar suas inspirações. Ele é o<br />

proprietário da ideia central, cujo desenvolvimento pode se tornar uma obra palpável e concreta.<br />

Contudo, o editor, mesmo não sendo o dono da ideia, ele articula as melhores possibilidades de<br />

venda e distribuição dessa ideia, ganhando autoridade para retirar, limitar certas partes do texto,<br />

sugerindo mudanças a tal ponto de moldar o conteúdo quando necessário. A partir disso, é possível,<br />

então, dizer que o editor se apresenta como coautor, caminhando junto com aquele que<br />

elabora a ideia e a desenvolve. O trabalho do editor em cortar e revisar os textos não deixa de<br />

ser uma forma de modificar o que está escrito, mesmo quando o escritor concorda. Tal ação pode<br />

criar uma aparência de censura, já tão conhecida na história do livro, visto que a escrita, em<br />

diferentes momentos, foi revestida pelo próprio homem como um perigo a ser controlado. Contudo,<br />

os editores seguem uma lógica de mercado onde o texto e o seu conteúdo são vistos como<br />

o produto em si, necessitando de reparos e observações para uma boa colocação mercadológica.<br />

Conforme Flusser (2010) afirma:<br />

O texto impresso é consequência de um aperto de mãos entre aquele<br />

que escreve e o editor, ele apresenta vestígios de ambas as mãos [...]<br />

esse aperto de mãos é um dos gestos mais afáveis que existe, pois é,<br />

simultaneamente, dos mais públicos e dos mais íntimos: o editor está<br />

lá para quem escreve; aquele que escreve está para o editor; e ambos<br />

para o leitor (FLUSSER, 2010, p.55).<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Entretanto, é necessário pensar nesses dois escritores (autor e editor) inseridos no atual contexto<br />

digital, levando em consideração as mudanças que a escrita e os seus suportes estão enfrentando.<br />

Os suportes passaram do papiro para o pergaminho e, atualmente, passam do papel para o digital.<br />

Há nessa transição uma desestrutura que, talvez, possa ser comparada, somente, ao período em<br />

que o rolo presenciou o surgimento do códice. Gutenberg causou uma revolução na cultura ao<br />

transformar o modo de escrita (a partir de tipos). Porém, o formato do livro (códice) permaneceu<br />

o mesmo.<br />

Na sociedade pós-industrial, a presença dos livros digitais mostra a alteração no formato códice,<br />

apresentando um formato digital. Portanto, modifica-se o modo de produção do livro, assim como<br />

o seu próprio formato. Consequentemente, para que o formato digital seja gerado, possibilitando<br />

a criação do e-book, é necessário o uso de outros códigos além do alfanumérico. Porém, cabe ao<br />

escritor ou ao editor compreender tais códigos – padronizados para web e voltados para a área de<br />

programação [2]?<br />

Flusser (2010) alerta que na revolução da informação predomina aqueles que manipulam os<br />

aparelhos, indagando para quem esses escrevem. Na concepção de Flusser (2010, p.67), “[...]<br />

eles escrevem muito mais para os aparelhos [...] trata-se de um outro escrever e teria, por conseguinte,<br />

de receber uma nova denominação: ‘programar’”. Com os livros digitais a tendência<br />

é aumentar o número de escritores, principalmente os independentes, que, anteriormente, não<br />

conseguiam editores como parceiros para a revisão de suas ideias e para a colocação dessas no<br />

mercado editorial. Contudo, com os e-books, o editor pode ser dispensado pelo autor para se realizar<br />

a produção do livro digital, necessitando apenas que alguém tenha conhecimento dos códigos<br />

necessários para a criação do e-book. Isso não significa que a tarefa do editor se torne menor ou<br />

desnecessária, pois seu trabalho envolve estratégias mercadológicas que podem criar espaços de<br />

divulgação para livros impressos e para livros digitais, sendo sua atividade ainda relevante quando<br />

se trata de publicidade e venda. O que se busca refletir é o fato de que a presença do editor como<br />

coautor pode, nesse cenário, não estar presente para que as ideias ganhem um determinado formato,<br />

apesar do livro digital também carecer de gerenciamento e de revisão.<br />

Caso um escritor deseje contratar um programador para a realização do seu livro, não será papel<br />

de quem programa revisar e cortar o texto, tal e qual um editor. Da mesma forma, autor e editor<br />

podem até estudar os códigos indispensáveis para se gerar o e-book. No entanto, o programador,<br />

por ter a capacidade de articular o código binário, assim como outros códigos presentes na web,<br />

possui mais agilidade e competência para isso. Portanto, se o autor permanece trabalhando junto<br />

ao editor, pode-se dizer que o programador seria uma terceira espécie de escritor? Mesmo que<br />

sua escrita seja voltada para o aparelho, para uma superfície, não é ele que consegue dar uma<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

nova forma ao conteúdo? Flusser (2010, p.72) crê que “[...] o ato de programar não pode ser, na<br />

realidade, denominado escrever. É um gesto em que se manifesta um modo de pensar diferente<br />

daquele por ocasião do escrever”. Em outras palavras, o raciocínio lógico não equivale ao da escrita<br />

alfanumérica porque se assemelha ao pensamento matemático. É, ao mesmo tempo, uma<br />

decodificação do alfabeto para uma tradução do mesmo para outro código. O programador prescreve<br />

ao invés de escrever.<br />

Os programadores são ‘homens novos’, um tipo de homem que não existia<br />

em sociedades precedentes. Assumem-se jogadores com programas,<br />

para os quais o que conta não é a modificação do mundo, mas o jogo. A<br />

realidade, para eles, é o jogo do funcionamento. Os símbolos que manipulam<br />

para projetarem programas significa funcionamento [...] para<br />

eles o homem é funcionário a ser programado para viver em contexto<br />

simbólico [...] se observarmos como programa verificaremos que não<br />

se estão dando sempre conta que são eles próprios, programados para<br />

programarem (FLUSSER, 1983, p.37-38).<br />

Assim, o próprio programador acaba sendo funcionário, pois, ao compreender os programas e ao<br />

programar para que os aparelhos dominem o comportamento dos indivíduos, tende ele próprio<br />

a ser dominado, uma vez que o seu comportamento passa a ser automatizado pelas máquinas.<br />

Portanto, se o programador não pode ser considerado um escritor; pode, ao menos, ser apontado<br />

como o novo mediador entre escritor e leitor quando se trata de livros digitais. O escritor na era<br />

digital não pode mais ser apontado como um único indivíduo, a não ser que, sozinho, consiga manipular<br />

diferentes técnicas para alcançar o resultado final de sua escrita: o e-book. Se tal habilidade<br />

não lhe for característica, a figura do escritor estará além de um único indivíduo, visto que<br />

pode existir ainda a presença do editor e do programador. Três personagens que juntos realizam a<br />

árdua tarefa de combinar diferentes códigos para obter um novo modo de aproximar-se do leitor.<br />

O leitor da pós-escrita<br />

Esse novo leitor, assim como o escritor, também apresenta reflexos da pós-escrita. O leitor<br />

do futuro, não está mais encerrado nas bibliotecas e salas de aula, isolado em seu universo<br />

particular, pois as mudanças no ato de ler variam, rompendo com antigos modos de se ver,<br />

perceber e sentir o livro como objeto. Agora é possível compartilhar anotações feitas no momento<br />

da leitura, salvar trechos preferidos e conferir, dentro das redes sociais, aqueles que<br />

também apreciam as mesmas também apreciam as mesmas passagens. Com os e-books, torna-se<br />

alternativo não apenas o local físico onde se lê como também a ordem em que se realiza a leitura,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

o modo como o pensamento vai alinhar-se a escrita – se é preferível navegar por um link ou se é<br />

mais confortável seguir um modo linear assistindo a possíveis animações presentes durante a narrativa.<br />

Esse leitor, portanto, aprende a ter mais independência, assim como adquire sozinho ou<br />

junto a um grupo, certos conhecimentos de informática que lhe autorizam compreender como os<br />

programas funcionam e como os aparelhos podem ser utilizados para seu benefício. Nas previsões<br />

de Flusser (2010):<br />

O leitor do futuro senta-se diante da tela para acionar informações<br />

armazenadas. Não se trata mais de uma leitura passiva (de uma escolha)<br />

de fragmentos de informação ao longo de uma linha pré-escrita.<br />

Trata-se muito mais de uma associação ativa de transversais entre elementos<br />

de informação disponíveis. É o próprio leitor que produz então<br />

a informação de acordo com seu objetivo, a partir dos elementos<br />

de informação armazenados. Nessa produção de informação, o leitor<br />

dispõem de diversos métodos de associação que lhe são sugeridas pela<br />

inteligência artificial (atualmente, os métodos de acionar são conhecidos<br />

por menus), mas ele pode também utilizar seus próprios critérios<br />

(FLUSSER, 2010, p.167).<br />

O leitor da era digital, que também tende a ser um usuário da web, está além do aparelho, pois<br />

ao entender a lógica de funcionamento da máquina, pode entrar em conflito com algumas regras<br />

do jogo estipulada por programadores. Cabe aqui citar, como exemplo, o episódio do livro digital<br />

Alice no País das Maravilhas lançado para versão iPad, cuja versão completa não apresenta tantas<br />

animações como insinua a campanha publicitária. Quando o leitor percebe esse tipo de intenção<br />

mercadológica, pode sentir-se lesado de algum modo. A partir dessa tensão, caso deseje, o leitor<br />

consegue facilmente articular-se nas redes sociais, utilizando-as como instrumento para denunciar<br />

sua insatisfação, compartilhando na rede um fato que pode não somente alertar outros<br />

leitores, mas também pressionar os produtores do livro a deixarem as informações mais claras em<br />

relação ao produto anunciado. O leitor se apresenta, então, ativo não apenas no seu modo de<br />

leitura, mas no seu comportamento como leitor e usuário. São outras experiências de leitura e de<br />

relação com o livro.<br />

Também é válido lembrar que o leitor que se utiliza da tela (seja do computador ou do e-reader)<br />

se assemelha ao leitor medieval e ao leitor moderno, pois o formato do livro permite acesso a<br />

referências, paginação e notas, onde o virar de páginas aproxima o indivíduo da história narrada<br />

(CHARTIER, 1998). Para a pesquisadora Lupton (2006) também afirma que o poder de intervenção<br />

constante do usuário sobre o equipamento eletrônico é, atualmente, muito maior, possibilitando<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

melhor controle e aproximação física por quem manipula o objeto. Ou seja, um leitor pode ser<br />

atraído pela interação e pelas aplicações que os aparelhos apresentam, mesmo quando parece se<br />

estabelecer uma relação fria e distante entre tecnologia e usuário.<br />

O livre arbítrio de como manipular a tela diante de si faz do navegador um leitor com diferentes<br />

desejos e expectativas. Já para a pesquisadora Santaella (2004, p.182), “não há mais tempo para<br />

a contemplação. A rede não é um ambiente para imagens fixas, mas para animação. Não há mais<br />

lapsos entre a observação e a movimentação”. Por isso, o leitor acostumado ao sistema de interação<br />

que a internet possibilita, acaba demonstrando um perfil mais dinâmico em relação aos<br />

livros digitais. Lupton (2006) explica ser desse poder de escolha a origem da impaciência do leitor<br />

digital. É uma questão cultural o fato de não ser contemplativo, mas, sim, inquieto, distraído,<br />

em busca de diferentes caminhos que podem lhe desviar de uma leitura linear. Portanto, o leitor<br />

do futuro é livre devido as suas múltiplas possibilidades de fazer associações, interligando informações<br />

históricas, científicas, com base na literatura ou com base em outras áreas, por meio de<br />

uma leitura tanto linear quanto uma leitura repleta de hipertextos (FLUSSER, 2010).<br />

Conclusão<br />

Para Chartier (1998) não importa onde ou como, a leitura passa pela produção de sentido do<br />

homem, independente do formato utilizado e do tipo de arquivo dominado pelo leitor. Caso não<br />

exista o interesse desse leitor em utilizar seus códigos culturais para aplicar naquilo que chega aos<br />

seus sentidos, tanto um texto eletrônico quanto um livro impresso deixam de ter significado para<br />

sua vida. Por isso, pode-se afirmar que a escrita, ao formar o texto, espera sempre pela bondade<br />

de alguém que possa decifrá-lo para ser completo.<br />

Mas Machado (1997), ao falar de livro do futuro, busca prever como pode ser o modo de leitura em<br />

função do progresso tecnológico. Para o autor, não se deve pensar o e-book como sendo uma cópia<br />

tal e qual de um livro impresso, porque senão temos como resultado somente uma transferência<br />

de uma mídia para outra e não a criação de uma interface adequada aos novos suportes:<br />

Acima de tudo, os novos livros deverão ser escritos em “camadas” ou<br />

níveis diferenciados de aprofundamento, aproveitando a estrutura tridimensional<br />

das escrituras hipertextuais, de modo que se possa fazer<br />

uma leitura apenas informativa, quando se quiser somente saber do<br />

que se trata, mas também se possa mergulhar fundo na argumentação,<br />

se o interesse do leitor for mais longe (MACHADO, 1997, p.186).<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Nesse sentido, é possível afirmar que o e-book tem estrutura semelhante a um site devido a possibilidade<br />

de se criar hipertextos. A estratégia de organização e planejamento de um e-book deve<br />

obedecer ora ao mundo da web e ora ao mundo gráfico, agregando os dois para a construção do<br />

projeto que em seu modo de visualização pode gerar significados diferentes em função do tipo de<br />

suporte. Por tal motivo, junto aos projetos gráficos, surge a necessidade de compreender novas<br />

ferramentas de trabalho. É preciso aliar conhecimentos anteriores às novidades tecnológicas para<br />

aproveitar os diferentes suportes de leitura que se destacam (Kindle, Cool-er, Positivo Alfa ou iPad<br />

e Galaxy que se assemelham a minicomputadores, por exemplo).<br />

Porém, o livro digital se apresenta como elemento visível da transformação que a cultura escrita<br />

está sofrendo. Os escritores da era digital, dificilmente atuarão sozinhos, sendo necessário tanto<br />

para esses autores como para os leitores a necessidade de aprender a reescrever para fazer parte<br />

do mundo digital. Caso compreendamos os códigos digitais como uma continuação e um prolongamento<br />

“[...] da produção de imagens pré-alfabética e da produção de texto alfabética, pode-se<br />

dizer que temos de aprender a transcodificar tudo: não apenas tudo o que já foi escrito como também<br />

o que ainda será escrito” (FLUSSER, 2010, p.166). Porém, esse reaprendizado é difícil, pois,<br />

para Flusser (2010), a grande questão está em aprender a repensar a nossa história com diferentes<br />

códigos. De fato, há uma nova linguagem dominada por programadores. Contudo, a alienação em<br />

que o homem se encontra data muito antes da própria tecnologia, onde não se consegue perceber<br />

o outro e o mundo sem se perder na própria loucura. Cria-se a escrita para explicar a imagem,<br />

depois se retorna às imagens para se interpretar a escrita, para mais tarde se criar códigos além<br />

dos que existem para que se consiga dar ordens às máquinas, deixando que essas influenciem o<br />

comportamento humano, modificando o modo de ler, de escrever e de pensar. Em si as mudanças<br />

são árduas, mas talvez um dos desafios esteja no modo como o autor, o leitor e o editor devem<br />

explorar esse novo código a seu favor, a fim de não se perder por completo a razão crítica.<br />

Notas<br />

[1] Disponível em: .<br />

Acesso em: 15 jul 2011.<br />

[2] Padrões Web (ou Web Standards) tem por objetivo a criação de uma web universal. Web<br />

Standards é um conjunto de normas, diretrizes, recomendações, notas, artigos, tutoriais e afins<br />

de caráter técnico, produzidos pelo W3C e destinados a orientar fabricantes, desenvolvedores<br />

e projetistas para o uso de práticas que possibilitem a criação de uma web acessível a todos,<br />

independentemente dos dispositivos usados ou de suas necessidades especiais. Disponível em:<br />

. Acesso em: 20 jul 2011.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Referências<br />

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1998.<br />

FARBIARZ, Alexandre; FARBIARZ , Jackeline Lima. Do códice ao eBook: o texto e o suporte. In:<br />

COELHO, Luiz Antonio L.; FARBIARZ, Alexandre (Org). <strong>Design</strong> - Olhares Sobre O Livro. Teresópolis:<br />

Editora Novas Ideias, 2010.<br />

FLUSSER, Vilém. A escrita: há futuro para a escrita? São Paulo: Annablume, 2010.<br />

______________. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985.<br />

______________. Pós-história: vinte instantâneos e um modo de usar. São Paulo: Duas Cidades,<br />

1983.<br />

FURTADO, José Afonso. O papel e o pixel. Do impresso ao digital: continuidades e transformações.<br />

Florianópolis: Escritório do livro, 2006.<br />

ECO, Umberto; CARRIERE, Jean-Claude. Não Contém com o fim do livro. Tradutor: Umberto<br />

Telles. São Paulo: Record, 2010.<br />

LUPTON, Ellen. Pensar com tipos: guia para designers, escritores, editores e estudantes. São<br />

Paulo: Cosac Naify, 2006.<br />

SANTAELLA, Lúcia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus,<br />

2004<br />

MACHADO, Arlindo. Formas Expressivas da Contemporaneidade. In: ______. Pré-cinemas e Póscinemas.<br />

Campinas: Papirus, 1997.<br />

MANGUEL, Alberto. Uma história de leitura. Tradução Pedro Maia soares. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, 1997.<br />

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Olympio José Pinheiro UNESP / FAAC Bauru holin@uol.com.br<br />

Rogerio Zanetti Gomes Doutorando no Programa TIDD PUC SP UNOPAR / UEL<br />

hola@rogerioghomes.com<br />

Figura 2 e 6 com<br />

problema<br />

Resumo<br />

Com o objetivo de analisar a convergência entre os campos das artes visuais e do<br />

design, partimos da reflexão teórica acerca das relações entre eles para a conceituação<br />

de linguagem híbrida e seu efeito, a hibridização. Em seguida, apresentamos<br />

um breve panorama do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira (MCB), para<br />

introduzir os designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira, da empresa ,OVO.<br />

Depois dessa contextualização, analisamos a hibridização presente em dois de<br />

seus produtos, premiados pelo MCB, a cadeira Cadê e o cabideiro Huevos Revoltos,<br />

os quais possuem características artísticas e são comercializados e reconhecidos<br />

objetos do design brasileiro.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>s visuais, Hibridismo.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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,OVO – O hibridismo no design brasileiro contemporâneo<br />

Introdução<br />

Nesta pesquisa, refletimos sobre a natureza do design e sobre a tênue linha que separa o universo<br />

da criação artística da produção industrial ou pós-industrial. Para tal, analisamos os processos de<br />

hibridação entre o design e as artes visuais, em produtos do design brasileiro contemporâneo,<br />

especificamente, nos produtos desenvolvidos pelos designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira,<br />

detentores do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira e responsáveis pela empresa ,OVO.<br />

Focalizando a inter-relação de linguagens e a miscigenação ou hibridismo, fundamentamos a<br />

significação do objeto em Santaella e a miscigenação cultural em Canclini. Apresentamos um<br />

breve histórico do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira, de modo a destacar produtos de design<br />

com características híbridas. Assim, selecionamos dois produtos, a cadeira Cadê, premiada com<br />

o primeiro lugar na categoria mobiliário residencial, em 1995, e o cabideiro Huevos Revueltos,<br />

também primeiro lugar, na categoria utensílios, em 2005, ambos projetados por Luciana Martins<br />

e Gerson de Oliveira.<br />

Esta pesquisa de investigação qualitativa foi realizada, num primeiro momento, no Museu da Casa<br />

Brasileira, em março de 2009, com a equipe que coordena o Prêmio <strong>Design</strong>, com a colaboração<br />

expressiva do Professor Auresnede Stephan Pires, que integrou a comissão de premiação por 12<br />

edições. Buscaram-se informações sobre o processo de trabalho, o desenvolvimento dos produtos<br />

e o processo de pesquisa realizado pelos designers selecionados. Assim, propomo-nos a analisar as<br />

contribuições do campo da arte e do design, com suas linguagens e funções e a hibridação dessas<br />

linguagens, presente em muitos produtos-objetos da arte contemporânea. Sendo os campos do<br />

design e da arte de natureza subjetiva, uma vez que trabalham a função estética das mensagens,<br />

analisamos as contribuições entre as duas áreas com intuito de reconhecer o produto híbrido na<br />

construção de sentido desta linguagem, no seio da sociedade contemporânea.<br />

Relações entre a arte e o design<br />

A discussão sobre o caráter artístico do design é uma das questões que, tradicionalmente, mais<br />

preocupam os jovens que se deparam com problemas conceituais pela primeira vez. A resposta<br />

mais simples à questão “o design é uma arte ou não?” é a que avalia que este não deve ser<br />

assim considerado, pois, de acordo com a história da arte, a partir do século XIX, nesse conceito<br />

encaixavam-se as produções individualistas e transcendentes, enquanto os designers sempre<br />

defenderam uma atividade funcional, que atendesse à sociedade. No século XIX, novas necessidades<br />

socioeconômicas levaram a uma cisão nas atividades ditas artísticas e houve, a partir daí, uma<br />

diferenciação gradual, mas bastante evidente, entre designers e artistas plásticos.<br />

Por outro lado, é importante ressaltar que o termo “arte” não é restritivo, isto é, não deve estar<br />

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atrelado a qualquer atividade profissional. Neste sentido Gombrich (1999, p.15) apresenta uma<br />

leitura relativista da arte, ao afirmar que “nada existe realmente a que se possa dar o nome de<br />

arte”, ou seja, a arte é um valor e não um fenômeno da cultura.<br />

O historiador italiano Argan (1992) propõe uma visão mais abrangente da arte moderna, ao<br />

entendê-la como um momento de reavaliação, de crise histórica, que atinge (ou abrange) todas<br />

as manifestações artísticas legítimas da modernidade, entre elas, a arquitetura, o urbanismo e os<br />

vários campos do design. Vale ressaltar, entretanto, que, devido à reestruturação do consumo de<br />

massa, no período pós-moderno, que produziu a fetichização acentuada da produção industrial,<br />

novas definições epistemológicas do design se fazem necessárias, o que o afasta, consideravelmente,<br />

da arte contemporânea.<br />

Hibridização no design brasileiro<br />

Muitas artes são hibridas pela própria natureza: o teatro, a ópera e a performance são as mais<br />

evidentes. Conforme Santaella (2003, p.135), são consideradas híbridas as produções artísticas<br />

que se utilizam de: “linguagens e meios que se misturam, compondo um todo mesclado e<br />

interconectado de sistemas de signos que se juntam para formar uma sintaxe integrada”.<br />

Os processos de hibridização ou processos de intersemiose tiveram seu início nas vanguardas<br />

estéticas do século XX, com o Cubismo e, desde então, gradualmente se acentuaram até<br />

alcançar níveis de tal forma entrelaçados que colocaram em cheque o conceito de artes plásticas<br />

(SANTAELLA, 2003).<br />

A razão para o desenvolvimento de processos de intersemiose talvez seja a necessidade de se<br />

procurar entender a complexidade contemporânea, pois, segundo Santaella (2003), a hibridização<br />

é fruto do progresso tecnológico e das descobertas no campo da percepção, que possibilitaram aos<br />

artistas as misturas de materiais e inúmeros meios e suportes, que favoreceram a sobreposição e a<br />

sincronização das culturas artesanal, industrial-mecânica, industrial-eletrônica e teleinformática.<br />

Não existem mais limites entre as técnicas, pois a arte solicita, cada vez mais, outras percepções<br />

além da visão. O fim do ciclo desconstrutor da arte moderna, seu ponto de chegada, coincidiu<br />

com o ponto de partida de um fenômeno que passou a marcar, crescentemente, os caminhos da<br />

arte: a explosão dos meios de comunicação e da cultura de massas no contexto de uma expansão<br />

tecnológica que não cessava de avançar (SANTAELLA, 2003).<br />

Duchamp foi o primeiro a se dar conta das repercussões que os objetos industrialmente produzidos,<br />

quer dizer, objetos-signos, traziam para a arte (SANTAELLA, 2003). Nas suas enigmáticas<br />

contravenções, ele evidenciava, ironicamente, que, assim como qualquer imagem tem um caráter<br />

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de signo, pois se trata, obviamente, de uma forma de representação, qualquer objeto também tem<br />

uma natureza sígnica ou quase-sígnica, que lhe é própria e que é ditada por sua funcionalidade.<br />

Do mesmo modo que uma palavra muda de sentido quando se desloca de um contexto para outro,<br />

também os objetos encontram, nos usos, inevitavelmente contextuais, a consumação de seus<br />

significados.<br />

Duchamp é uma espécie de rito de passagem: momento em que a era mecânica industrial sai do<br />

seu apogeu e dá início à era eletrônica, pós-industrial. É por isso, também, que a art pop, na<br />

sua reação ao desmesurado crescimento dos meios e dos produtos da cultura de massas, não foi<br />

senão a explicitação de uma atividade estética inseparável da critica, que já estava implícita em<br />

Duchamp.<br />

Observa-se, por outro lado, que a mistura de imagens não se dá somente no universo das artes,<br />

embora aconteça nesse meio, de modo privilegiado. No cotidiano, de forma natural, as imagens<br />

se acasalam e se interpenetram, a ponto de se poder afirmar que essa mistura constitui o estatuto<br />

da imagem na contemporaneidade.<br />

O design, no Brasil, nos anos de 1980 não produziu quantidade significativa, mas iniciou um novo<br />

processo para o reconhecimento de uma estética brasileira, multicultural e mestiça. Assim, abriuse<br />

um novo caminho para os designers brasileiros, por intermédio da decodificação do próprio<br />

pluralismo estético local, cujo modelo, em sua forma mais madura, surge a partir da segunda<br />

metade dos anos de 1990. A nova realidade do país conduziu a esse novo modelo, que começou a<br />

pôr em evidência uma estética múltipla, em que se nota uma forte presença dos signos híbridos e<br />

de uma energia particularmente brasileira.<br />

Branzi (apud Moraes, 2006, p.170) observa a afinidade do pensamento múltiplo pós-moderno com<br />

a realidade local brasileira, ao afirmar que o “Brasil foi um país destinado a viver em uma pósmodernidade<br />

de fato”. A heterogeneidade local, desta vez, está presente, no design brasileiro,<br />

como aspecto positivo, um espelho do mix social existente no país.<br />

O ideal pluralista do design brasileiro continua a apresentar muitos desafios, uma vez que se<br />

desenvolve em uma sociedade cujos maiores conflitos foram e ainda são gerados pela complexidade<br />

de decodificação da grande diversidade existente.<br />

Cabe notar que um novo cenário é delineado, a partir dos anos de 1990, no design ocidental,<br />

quando se abre um grande espaço para o debate sobre a sociedade da mídia e da informação, do<br />

conhecimento e do saber. Os autores Lyotard, Hassan e Bell observam a importância da mídia e<br />

da nova tecnologia da informação para a criação de uma nova realidade ‘desmaterializada’ para<br />

o homem pós-industrial. Eles afirmam que, se o produto industrial foi o símbolo da era moderna,<br />

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a informação seria o símbolo da era pós-moderna, o que sugere que, o modernismo foi a cultura<br />

da sociedade industrial e o pós-modernismo seria a cultura da sociedade pós-industrial (MORAES,<br />

2006).<br />

É importante reconhecer que a globalização, em curso, traz:<br />

[...] de forma acentuada, para dentro da cultura do design, elementos,<br />

códigos e conceitos de sentidos múltiplos, híbridos e sincréticos, mas,<br />

ao mesmo tempo, tende a valorizar a essência da cultura local”. [...]<br />

“o design passa a ser entendido como metáfora de um conjunto de<br />

conceitos gerando significados e conferindo valor na sua significância,<br />

e tudo isto hoje passa a ser considerado ao se desenvolver um novo<br />

produto. (MORAES, 2006, p.192).<br />

Existe, ainda, a questão da estética, que passa do âmbito subjetivo para seguir a ética e o modelo<br />

comportamental de determinados grupos sociais. Por tudo isto, o design deixou de ser uma<br />

atividade somente do âmbito projetual e passou ao patamar intelectual. Hoje, pode-se, assim,<br />

falar, de fato, da existência de uma cultura do projeto.<br />

Premio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira<br />

Os objetos e seu design representam a cultura de seu tempo. Neste sentido, Suzan Yelavich,<br />

diretora do Cooper-Hewitt, o museu nacional do design dos Estados Unidos, afirmou (apud Ferlauto,<br />

2006, p.10) que “lugares, produtos, assim como o ciberespaço, quase todas as coisas produzidas<br />

pelo homem expressam ideias sobre como viver – e são o resultado de ideias de design”.<br />

Desse modo, faz-se necessário o registro referente a essa produção que se caracteriza conforme<br />

o modo de viver e os costumes da sociedade. Por reconhecer os valores socioeconômicos e<br />

antropológicos do design, em 1986, Jorge da Cunha, na época secretário da Cultura do Estado<br />

de São Paulo, e o publicitário Roberto Dualibi, diretor do Museu da Casa Brasileira, idealizaram a<br />

criação do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira. Segundo Marlene Acayaba, diretora do Museu<br />

no período de 1995 a 2002, o Prêmio <strong>Design</strong> MCB tem, como objetivos, promover o “[...] ofício do<br />

designer, estimular a adoção de soluções de arte e tecnologia brasileiras e revelar novos talentos”<br />

(ACAYABA, 2001, p.7).<br />

Este prêmio, que foi criado por uma instituição cultural pública, é mantido pela Secretaria de<br />

Estado da Cultura do Estado de São Paulo e não tem interesses comerciais, mas busca agregar<br />

personalidades importantes, tanto na área de projetos quanto da produção teórica. Esses fatores<br />

o credenciaram como o termômetro por excelência área, pois assumiu a tarefa de definir e exibir<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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o design brasileiro, de formar o gosto popular e de sensibilizar o empresariado e o poder público<br />

para a valorização do mesmo, bem como, do profissional, o que o tornou o grande incentivador<br />

dessa produção.<br />

O Prêmio <strong>Design</strong> do MCB, um dos primeiros concursos de design de produtos, assistiu às mudanças<br />

econômicas, tecnológicas e de comportamento dos últimos anos, e, sem dúvida, é uma referência<br />

fundamental para os profissionais do design nacional. Desde o início da instituição do prêmio,<br />

existe um comprometimento com a construção de mecanismos que busquem a qualidade e a<br />

inovação no design do país. A semente plantada por esses dois visionários frutificou, pois propiciou<br />

a percepção consciente da sociedade, sobre a importância do design para a economia do país e o<br />

atendimento às premissas dessa produção, que consiste na busca pela melhoria da qualidade de<br />

vida e do bem estar do cidadão, o que demonstra a sua grande evolução ao longo dos anos.<br />

O Prêmio <strong>Design</strong> MCB, que, atualmente, está sob a responsabilidade do arquiteto Giancarlo<br />

Latorraca como diretor técnico, e de Miriam Lerner, como diretora geral, foi gerido, desde a sua<br />

instituição, por: Roberto Duailibi (1985-1988), Maria de Lourdes Janotti (1988-1989), João Marino<br />

(1989-1991), Cláudia Vada (1991-1992), Carlos Bratke (1992-1995) e Marlene Acayaba (1995-2002);<br />

e Adélia Borges (2002-2006).<br />

,OVO – Luciana Martins e Gerson de Oliveira<br />

,Ovo é o nome da loja-atelier da dupla de designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira, que é<br />

não só um lugar de trabalho, mas também, um espaço para realização de palestras, workshops e<br />

cursos. A palavra ,Ovo, que acompanha os sócios desde o início de suas atividades no campo do<br />

design, partilha significados e sentidos relevantes à criação. Além do sentido próprio da palavra<br />

ovo, que remete à ideia de origem, criação, o uso da vírgula, como parte integrante da identidade<br />

visual da marca, como demonstrado abaixo, exerce a função de pausa e tempo, o suspiro de uma<br />

ação, neste caso, a criação. “É simplicidade, formação, humor, dá uma ideia de duplicidade.<br />

Congrega conceitos de nosso trabalho” afirma Luciana, em entrevista concedida ao autor.<br />

Figura 1: Logotipo da empresa ,OVO.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

A dupla Luciana Martins e Gerson de Oliveira estreou no campo do design em 1991 e, desde<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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o início, seus produtos marcam território com forte personalidade. “Dizem coisas para além<br />

do uso pragmático”, como afirma Mara Gama, na apresentação dos designers no site oficial da<br />

dupla (GAMA, 2009). Seus objetos possuem um fio condutor, um pensamento que fica entre o<br />

estranhamento e a dúvida, que é respondida a partir do uso cotidiano. As peças são reconhecíveis<br />

não só pela qualidade plástica, mas, também, pelos procedimentos artísticos e de comunicação.<br />

A relação com as artes plásticas vem desde o início precoce da dupla, que, apenas dois anos depois da<br />

estreia, participa de duas exposições coletivas de designers: a exposição Entre Objetos, na galeria<br />

Montessanti-Roesler, e outra, no MASP, intitulada Iluminativa. Em 1994, são selecionados para a<br />

8ª edição do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira. A expressiva capacidade de comunicação e<br />

uma sutil contaminação com universos mais artísticos conferem ao trabalho da ,OVO dimensões<br />

mais simbólicas (GUEDES, 2008, p.202).<br />

Em 1995, os designers recebem o primeiro prêmio, pela famosa e lúdica cadeira Cadê, objeto de<br />

estudo desta pesquisa. No mesmo ano, participam da exposição Entre Objetos, com três luminárias,<br />

das quais, duas foram produzidas com algodão-bolinha, e a outra, com material de primeiros<br />

socorros, como gazes, o que deu à peça uma leveza superior à sugerida por suas dimensões. A<br />

cadeira Cadê também integrava o conjunto exposto nessa mostra. A curadora da exposição, Maria<br />

Alice Milliet (1995), comenta, no texto de apresentação da exposição:<br />

As pessoas interessadas em arte e design ficam confusas quando o trabalho<br />

dos criadores é levado a extremos que abalam noções estabelecidas.<br />

Na maioria dos casos, a resistência ao inusitado não se deve ao apego<br />

à tradição. O público, disposto a aceitar novidades veiculadas pelos<br />

meios de comunicação disponíveis no mercado, desconfia do que<br />

ocorre à margem da produção massificada. Os bloqueios à percepção<br />

e a desconfiança dificultam a aparição de qualquer coisa que ouse<br />

existir fora do sistema de grande circulação. Isso acontece com as artes<br />

plásticas e o design, mas também na música, no cinema, no teatro e<br />

na literatura, quando surgem como produções independentes. Embora<br />

reconhecidas pela crítica como sendo os segmentos mais criativos,<br />

são acolhidos com reserva pelos consumidores até que absorvidos por<br />

empresas de porte que entram no circuito, via de regra, previamente<br />

expurgada dos excessos. Só está disponível para o incomum quem<br />

guarda ainda a curiosidade da criança e o espírito aventureiro do jovem<br />

(MILLIET, 1995).<br />

A Itália é o país líder mundial no segmento do design e foi em Milão, cidade centro desse processo,<br />

que Luciana e Gerson fizeram sua primeira incursão no exterior, ao apresentar a cadeira Cadê, na<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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,OVO – O hibridismo no design brasileiro contemporâneo<br />

1ª edição da mostra Brasil Faz <strong>Design</strong>, que ali recebe nova premiação.<br />

Em 1997, com apenas seis anos de incursão no campo do design, são selecionados pelo designer<br />

francês Philippe Starck, para a exposição <strong>Design</strong> Mit Zukunft, em Bremen, Alemanha. No mesmo<br />

ano, acontece a exposição Subjetos no MuBE – Museu Brasileiro da Escultura. O título da exposição<br />

é um neologismo, que une os termos sujeito e objeto e se refere, entre outras coisas, à relação<br />

que se estabelece entre o autor e o usuário, através do objeto. A exposição coletiva foi organizada<br />

pelos designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira, pelos Irmãos Campana e por Jacqueline<br />

Terpins. Em 1998, Luciana e Gerson apresentam suas criações em Miami, na exposição <strong>Design</strong><br />

Brazil, na 5 Contemporany <strong>Design</strong>ers.<br />

Na virada do século XX, em 2000, realizam a exposição Playground na galeria Brito Cimino <strong>Arte</strong><br />

Contemporânea onde expõem, pela primeira vez, Huevos Revueltos, peça comercializada, hoje,<br />

também na loja do MOMA, em New York, e que é objeto do presente estudo. O objeto que dá título<br />

à exposição é um tapete multiuso, produzido em couro, material que confere calor e conforto. O<br />

tapete é, ao mesmo tempo, um sofá, no chão, pois o volume acoplado forma um espaço lúdico para<br />

se deitar, ler, ou para outras inúmeras utilizações. Para Luciana Martins, a exposição Playground<br />

serviu para mostrar que a linha que separa a arte do design está mais embaralhada do que nunca.<br />

“São dois universos que cada dia mais se fundem em um só. O que ajuda a definir o que é arte e<br />

o que é design é o contexto, se está exposto numa galeria, museu ou loja”, explica Luciana, em<br />

depoimento à revista Casa Vogue.<br />

No texto crítico da exposição, Grossmann (2000) comenta:<br />

Observando atentamente os objetos expostos na galeria e também<br />

aqueles que estão presentes no catálogo, deduzo que são possuidores<br />

de uma qualidade geométrica, e por extensão abstrata. Neste<br />

âmbito, as qualidades essenciais de cada objeto independem de seu<br />

uso, função ou até mesmo sua estética. Desta forma, o contexto de<br />

utilidade, funcionalidade ou exposição são secundários, ou seja, não<br />

é primordial promover um debate acerca da classificação destes:<br />

não resolve denominá-los arte ou design, mesa ou cadeira, etc. Em<br />

essência, cada objeto é uma singularidade, algo que basta a si próprio.<br />

Como conjunto, os objetos são também generalidades, princípios<br />

elementares. Neste estado eles estado, eles estão muito próximos ao<br />

universo da matemática pura, que estuda as propriedades das grandezas<br />

em abstrato (GROSSMANN, 2000).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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,OVO – O hibridismo no design brasileiro contemporâneo<br />

Figura 2: Vista parcial da Exposição Playground.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

Em 2000, Luciana e Gerson retornam a Milão para mais uma edição da mostra Brasil Faz <strong>Design</strong> e,<br />

posteriormente, apresentam seu trabalho no Museu de <strong>Arte</strong> Moderna do Rio de Janeiro – MAM RJ,<br />

e no Museu da Casa Brasileira – MCB, em São Paulo.<br />

Em 2001, é em Portugal que a dupla aporta, desta vez, na Bienal da Prata. No Brasil, os designers<br />

participam da exposição comemorativa do cinquentenário da Bienal de São Paulo, criada por<br />

Ciccilo Matarazzo, em 1951, no segmento Rede de tensão, que explora limites fronteiriços da<br />

arte. É importante ressaltar que, desde o seu início, a Bienal vem acolhendo o design, pois, já<br />

na primeira edição, premiou o artista-designer suíço, Max Bill, com o primeiro lugar na categoria<br />

escultura, com a obra Tripartida. Este fato foi bastante positivo para o Brasil, pois, em 1953, Bill<br />

retorna e se encontra com Pietro Maria Bardi, então diretor do MASP, quando trocam informações<br />

para aperfeiçoamento do IAC – Instituto de <strong>Arte</strong> Contemporânea, que facilitou o contato de artistas<br />

brasileiros com oportunidades de estudos na UfG, em Ulm, na Alemanha.<br />

Em novembro de 2002, Luciana e Gerson inauguram sua loja-ateliê ,OVO - na Vila Olímpia, em São<br />

Paulo, com a exposição Home Sweet Home. O título da mostra batiza a peça multifuncional, feita<br />

em aço inox e acrílico e fixada à parede, que possibilita sentar, escrever, pendurar um casaco, ou<br />

utilizá-la como estante. O caráter lúdico, característico da dupla, continua presente nesta nova<br />

fase profissional.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Em 2004, acontece um fato diferenciado: Eduardo Brandão, curador e sócio da Galeria Vermelho,<br />

convida-os para criar um produto-objeto, para a mostra Hora Aberta, com uma funcionalidade<br />

específica, a de acomodar o espectador dos vídeos da mostra. Hoje, o produto, denominado<br />

‘Campo’, é comercializado, ou seja, o produto criado inicialmente para uma mostra de arte, em<br />

2008 passa a ser produzido, industrialmente, como objeto em sua função original, a de servir como<br />

assento. O objeto carrega, na sua configuração, características de uma instalação; disponibiliza<br />

criações modulares extremamente versáteis, que lembram uma colméia; e apresenta, ainda, uma<br />

elegante cartela de cores expandidas. O objeto-obra tem um produto complementar, para maior<br />

comodidade e conforto do usuário: uma manta-almofada, o que vem reforçar o caráter lúdico<br />

escultórico do produto, pois este se configura de acordo com a referência e a interação do usuário.<br />

Figura 3: Exposição Hora Aberta - objeto campo.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

Ainda no ano de 2004, em parceria com sua vizinha, a Galeria Brito Cimino <strong>Arte</strong> Contemporânea,<br />

concebem a exposição Sala de <strong>Arte</strong>. Para esta ação, a proximidade física tornou a relação arte<br />

design ainda mais forte, a tal ponto que o muro que dividia os imóveis foi derrubado, rompendo,<br />

simbolicamente, os limites dos campos de atuação das duas linguagens. Assim, as relações vão<br />

além da simples vizinhança, pois “muitos dos artistas que a Brito Cimino representa rompem com<br />

as barreiras do suporte tradicional. Tentamos aproximar estas obras com o espaço de uma casa.<br />

Procuramos fazer associações construtivas, dos aspectos formais, dos materiais, para promover o<br />

diálogo”, diz Gerson de Oliveira, em entrevista concedida ao autor, sobre a exposição. Num amplo<br />

exercício de linguagens e rompimento de limites, assumindo a hibridação entre arte e design,<br />

artistas como Rochelle Costi, Regina Silveira e Ana Maria Tavares, representados pela galeria,<br />

também atuam nos limites da arte e se utilizam de procedimentos de produção industrial.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Figura 4: Sala de <strong>Arte</strong>.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

Em 2005, surge uma oportunidade ímpar na carreira da dupla Luciana Martins e Gerson de Oliveira,<br />

quando esta é convidada, pelo curador Felipe Chaimovich, para participar do Projeto Parede, no<br />

MAM, em São Paulo. Este projeto este criado em 1996. Era a primeira vez, até aquele momento,<br />

que os designers participavam deste renomado e disputado espaço expositivo, que convida apenas<br />

dois artistas por ano, pois o período de exibição é de seis meses, o que propicia um altíssimo nível<br />

de visibilidade aos autores. Para esta exposição, foi retomado e ampliado o objeto Home Sweet<br />

Home, então assumido como uma instalação denominada de Projeto P.A., título que reafirma as<br />

características híbridas utilizadas pela dupla, desta vez, no campo da linguística, carregado de<br />

dualidade na interpretação e significação entre as linguagens verbal e não verbal.<br />

Pode-se afirmar que esta é uma das características marcantes da linguagem da ,OVO, que estimula<br />

e instiga um exercício interpretativo do espectador-usuário que, diante de suas criações, não fica<br />

passivo. Em relação ao projeto P.A., há várias possibilidades imagéticas, pois pode ser interpretado<br />

como “prova de artista”, terminologia utilizada no campo da gravura, mas, também, pode ser<br />

a abreviatura de “Para Ação”, ao assumir múltiplas ações exercidas pelo corpo, como sentar,<br />

apoiar, pendurar, recostar, subir, sustentar e até mesmo deitar.<br />

A obra, que utiliza a linha como elemento visual, numa operação aparentemente simples, como<br />

um desenho realizado sem retirar o lápis do papel, num traçado único, é de aço inox, acrílico<br />

e madeira, com pintura em poliuretano emborrachado, e tem, aproximadamente, 20 metros<br />

de extensão e oscilações de altura respaldadas por tabelas antropométricas. Este é o conceito<br />

fundamental do projeto, pois estas alterações de alturas determinam a função ou a ação que<br />

pode ser exercida pelo espectador-usuário. A obra propicia a interação dos visitantes do museu,<br />

que podem experienciar as situações propostas pelos designers. Essa ação, não usual num museu,<br />

aproxima o espectador do terreno da arte e do design. “Há um uso real, não é ficção. O trabalho<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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foi pensado para funcionar”, afirma Gerson. O procedimento de variar alturas foi resgatado da<br />

mesa Camelô, de 1998, premiada com menção honrosa na 10ª edição do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da<br />

Casa Brasileira.<br />

Figura 5: Vista parcial do Projeto P.A. – MAM SP.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

A linha, além das variações de alturas, também apresenta variações de espessura, o que confere<br />

resistência ao material que recebe a carga do corpo para as diferentes ações cotidianas e agrega<br />

valor ao desenho do objeto. Cabe colocar que foram utilizados alguns Huevos Revueltos na<br />

composição da instalação, sobre a qual comenta Gerson: “O trabalho veio da ideia de que existem<br />

diferentes alturas para essas ações referenciais do corpo”. A obra-objeto integra a coleção do<br />

Museu de <strong>Arte</strong> Moderna de São Paulo.<br />

Ainda em 2005, os designers retornam ao Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira, então na 19ª<br />

edição, quando recebem três premiações: o primeiro lugar, na categoria utensílios, com Huevos<br />

Revueltos – objeto de investigação desta pesquisa; uma menção honrosa, na mesma categoria,<br />

com Box in the Box; e na categoria Mobiliário residencial, um 2º lugar com a cadeira Terceira.<br />

Luciana e Gerson conheceram-se no final dos anos de 1980, na USP, no espaço da ECA, Escola<br />

de Comunicação e <strong>Arte</strong>s, especificamente, no curso de cinema, ambiente que proporcionou<br />

e possibilitou as primeiras experiências lúdicas e sensoriais com o espaço vivenciado por seus<br />

personagens imaginários. Desta formação em cinema, percebe-se a transposição de elementos<br />

textuais para a linguagem visual, como movimentos, direção, enquadramentos; o uso de recurso<br />

da memória imagética, ações lúdicas, articulações da forma e um intenso exercício de gravar,<br />

velar, revelar, conceitos constituintes de seus objetos.<br />

A transposição também se realiza ao se permitir que a projeção da película cinematográfica se<br />

desprenda do plano vertical da projeção e invada a malha urbana, proporcionando experiências<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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sensoriais em espaços públicos e privados. Hoje, este cenário passa a ser a casa inserida no espaço<br />

urbano, vivenciada por usuários que valorizam ações lúdicas e que privilegiam a reflexão no uso<br />

atribuído aos objetos que compõem seu habitat particular, seu espaço reservado no universo – sua<br />

casa.<br />

Figura 6: Cabideiro Huevos Revueltos e Cadeira Cadê.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

Os objetos dos designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira, selecionados para comentários<br />

mais aprofundados, neste artigo, foram delimitados pela classificação: 1º lugar no Prêmio <strong>Design</strong><br />

Museu da Casa Brasileira; para a cadeira Cadê, contemplada, em 1995 com o Prêmio Joaquim<br />

Tenreiro na categoria Mobiliário Residencial; e o cabideiro Huevos Revueltos, premiado, em 2005,<br />

na Categoria Utensílios.<br />

Cadeira Cadê<br />

Nome perfeito para definir um cubo em tecido elástico, com estrutura em vergalhões de aço.<br />

Este produto é carregado de valores sígnicos e questionadores, pois proporciona a investigação do<br />

usuário em relação ao objeto, a iniciar-se pelas questões: “Por onde devo me sentar?”, “Cadê a<br />

frente?”, “Cadê o encosto?”<br />

O objeto fascina por esse questionamento que a forma proporciona ao espectador-usuário,<br />

reforçado pelo espaço negativo gerado pelo corpo do mesmo. Assim, remete à definição de forma<br />

negativa, em que o espaço delimita a forma. A forma será configurada pela interação do usuário<br />

com o objeto: o elastano, material resiliente, carregado de memória, retorna ao estado físico<br />

inicial assim que o usuário se levanta, ou seja, à configuração do cubo. Esta ação reaparecerá na<br />

mesa Mientras Tanto, premiada na 4ª edição do “Brasil Faz <strong>Design</strong>”, em 2000.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A cadeira foi desenvolvida a partir de uma brincadeira lúdica com a afilhada da dupla e atua no<br />

campo da arte, quando se considera a forma como massa ocupando o espaço, conceito clássico<br />

herdado da escultura e ato relacionada à performance ou body art, ao delimitar o espaço negativo<br />

do sentar-se.<br />

Segundo Borges (1996)<br />

A Cadê subverte o dogma da Bauhaus de transparência da construção, a<br />

idéia de que a forma de um produto deve levar a uma rápida percepção<br />

de sua função e de seu modo de uso. [...] O projeto transcende a<br />

contestação com bom humor e soluções técnicas apuradas, resultando<br />

numa poltrona confortável. Depois do prêmio do Museu, a Probjeto<br />

decidiu produzi-la. (BORGES, 1996, p.70)<br />

Figura 7: Cadeira Cadê.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

Esta atitude da Probjeto é confirmada pelo Professor Auresnede Pires Stephan, em entrevista ao<br />

autor, no Museu da Casa Brasileira, quando disse que o Prêmio confere uma chancela aos produtos<br />

e aos designers, o que influencia o seu ciclo no mercado e lhe agrega valor. A cadeira Cadê também<br />

recebeu prêmio na mostra Brasil Faz <strong>Design</strong> em Milão, em 1995, e está publicada na renomada<br />

edição suíça 50 Chairs de Mel Byars, de 1997.<br />

Huevos Revueltos<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Os Huevos Revueltos, produto premiado com o primeiro lugar, na categoria utensílios, no 19º<br />

Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira, em 2005, traz aproximações com as práticas dos ready<br />

made de Duchamp. Neste caso, em específico, os designers não se apropriam diretamente dos<br />

objetos, as bolas de bilhar, mas as utilizam como referentes para exercer um procedimento<br />

projetual de espaço e tempo. Como aponta Milliet (1995)<br />

Como elo de ligação entre arte moderna e as manifestações contemporâneas<br />

é impossível não destacar a atitude irônica e premonitória de Marcel<br />

Duchamp: as apropriações de objetos industrializados – os ready-madepromovidos<br />

ao universo da arte. Deslocou com seu gesto a função social<br />

do artista, não mais o gênio criador de obras únicas ou modelos para a<br />

indústria mas alguém capaz de escolha, de crítica, de interação criativa<br />

com o seu entorno. (MILLIET, 1995)<br />

Figura 8: Huevos Revueltos, interação do usuário com objeto.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

O redimensionamento do objeto faz parte do processo de construção de Huevos Revueltos – as<br />

bolas de bilhar, para exercerem a função de cabide, sofrem alterações no seu dimensionamento; a<br />

transposição de planos é definitiva nessa produção, pois há um deslocamento do plano horizontal<br />

do jogo para uma ação lúdica de interação com o sujeito, que tem total liberdade para exercer<br />

a instalação do produto, de modo a simular ou não uma jogada no plano vertical de uma sala<br />

de jantar, de jogos ou mesmo em um escritório e, quem sabe, é a bola oito para uma decisão<br />

comercial. Sem dúvida, Huevos Revueltos contempla ações interativas e retoma o senso de humor<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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característico da linguagem dos designers, num extremo refinamento entre a poética e a produção<br />

industrial.<br />

Considerações Finais<br />

A produção da dupla Luciana Martins e Gerson de Oliveira, desde o início, apresenta uma linguagem<br />

instigante e carregada de fortes valores indiciais, que transcende o seu uso pragmático. Essa<br />

qualidade estética diferenciada é reconhecida, no mercado, pela singularidade de sua linguagem<br />

ímpar, oriunda das artes visuais, como consequência do repertório de formação acadêmica em<br />

cinema de seus autores.<br />

A cadeira Cadê carrega, em seu corpo matérico, questões imagéticas relacionadas ao repertório<br />

da escultura, tais como, massa, peso e espaço. Já o seu uso, que está subentendido num primeiro<br />

olhar, remete a questões da performance, ou ainda, da body art, ao se considerar a interação do<br />

usuário com o produto. No campo da arte, a relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto,<br />

por meio do olhar, propicia um diálogo enigmático e desafiador, que coloca em cheque a função<br />

primeira do produto e abre inúmeras possibilidades de interpretação. A cadeira Cadê apresenta<br />

características resilientes, proporcionadas pelo uso do elastano, tecido elástico. Somente a<br />

interação com o usuário a transformará e a configurará como um objeto utilitário e não somente<br />

contemplativo.<br />

O cabideiro Huevos Revueltos também possibilita uma interação com o agente-consumidor, ao<br />

lhe proporcionar a experiência de realizar a instalação de diversas maneiras. Nessa ação de<br />

interação e intervenção no espaço, o usuário articula uma configuração para o objeto, de modo a<br />

determinar a sua funcionalidade. A interação e a intervenção são possibilidades presentes na arte<br />

contemporânea, quando esta propicia uma articulação do pensamento em relação à obra-objeto.<br />

Huevos Revueltos é uma produção que remete às reflexões propostas por Duchamp, ou seja,<br />

a transposição da significação original do objeto para uma nova função, fundamentada num<br />

argumento poético, cuja gênese está na memória imagética que esse objeto carrega, como valor<br />

simbólico ocidental. Huevos Revueltos possibilita ainda uma operação de inversão de valores e de<br />

planos, pois o plano horizontal do jogo de bilhar pode assumir uma projeção no plano vertical,<br />

o que resulta numa ação lúdica: o usuário-agente, ao interagir, numa construção criativa, para<br />

configuração e simulação de uma possível jogada, compõe a peça como melhor lhe convém.<br />

A trajetória da dupla é notória e de grande receptividade e reconhecimento no campo do design<br />

e no da arte. Eles atuam em eventos de relevância tanto em espaços públicos quanto privados,<br />

haja vista que Huevos Revueltos são comercializados na sessão de design do MOMA, integram<br />

coleções de importantes museus e figuram em anuários do design internacional como nos produtos<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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,OVO – O hibridismo no design brasileiro contemporâneo<br />

midiáticos de notoriedade.<br />

Sem sombra de dúvida, as proposições da dupla, Luciana Martins e Gerson de Oliveira, aproximam<br />

os campos das artes visuais e do design de modo a gerar uma miscigenação na operação promovida<br />

pelo usuário. Assim, pode-se perceber a construção de um o diálogo em torno do repertório da<br />

arte transportado para um produto de design, projetado para suprir uma demanda de mercado<br />

de um público alvo ávido por conceitos contemporâneos que traduzam seus anseios de reflexão e<br />

interação com o seu entorno.<br />

Referências<br />

ACAYABA, Marlene Milan (Org.). 11º ao 15º Premio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira 1997-2001.<br />

São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2001.<br />

ARGAN, Giulio Carlo. <strong>Arte</strong> moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.<br />

BORGES, Adélia. Prêmio <strong>Design</strong>: 1986-1996. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 1996.<br />

FERLAUTO, Claúdio. 16º ao 20º Prêmio museu da Casa Brasileira. (Coordenação Adélia Borges).<br />

São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2006.<br />

GAMA, Mara. Sobre a Ovo: Disponível em: . Acesso<br />

em: 04 maio 2009.<br />

GROSSMANN, Martin. Exposição Playground. Galeria Brito Cimino. São Paulo, 2000.<br />

GOMBRICH, Ernest H.. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1999.<br />

GUEDES, Guta. Experimenta design. Lisboa, 2008<br />

MILLIET, Maria Alice. Exposição entre objetos. Galeria Nara Roesler. São Paulo, maio 1995.<br />

MORAES, Dijon de. Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem. São Paulo: Edgard<br />

Blücher, 2006.<br />

SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano. São Paulo: Paullus, 2003.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a<br />

Chita<br />

Pedro Shalders Porto Mestrando em <strong>Design</strong>, PUC- Rio<br />

pedroporto@gmail.com<br />

Resumo<br />

O presente artigo tem o propósito de apresentar os processos criativos e métodos<br />

de trabalho do ilustrador na criação das ilustrações para o livro infantil A Seda e<br />

a Chita de Paula Acioli. Serão vistos neste estudo alguns conceitos discutidos por<br />

ilustradores e pesquisadores da área de literatura infantil, que serão apresentados<br />

durante a descrição do processo, a fim de demonstrar que algumas destas teorias<br />

desenvolvidas aplicaram-se durante a fase prática do método descrito.<br />

Palavras-chave:<br />

ilustração; livro infantil; design gráfico<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

362


A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

Introdução<br />

Este artigo tem o propósito de narrar o método de trabalho do ilustrador na concepção, elaboração<br />

e finalização de ilustrações para um livro infantil, a partir de um texto proposto pela autora Paula<br />

Acioli. A narrativa deste processo de criação será de forma linear, demonstrando como a evolução<br />

de cada etapa é fundamental para a continuidade do projeto. Aqui, o ilustrador depende de<br />

diversas ações das partes envolvidas para evoluir em seu trabalho.<br />

Serão vistos neste artigo alguns conceitos discutidos por ilustradores e pesquisadores da área de<br />

livro infantil, que serão apresentados durante a descrição do processo, a fim de demonstrar que<br />

algumas destas teorias desenvolvidas aplicaram-se durante a fase prática do método descrito.<br />

Trabalhou-se aqui com a obra, A Seda e a Chita, encomendada ao ilustrador pela editora Memória<br />

Visual, representada pela editora Camila Perlingeiro. Este projeto atravessou uma série de etapas,<br />

para a sua concepção, com o objetivo de tornar-se algo material, ou seja, um livro impresso.<br />

Existiu um longo processo de produção, que envolveu uma equipe de profissionais dedicados à sua<br />

realização. Camila Perlingeiro foi responsável por montar esta equipe de criadores, influenciando<br />

diretamente no processo criativo destes em todas as etapas do projeto. Esta equipe foi formada<br />

por Paula Acioli, autora do livro, Pedro Porto, ilustrador e autor desta dissertação e pela designer<br />

Marcela Perroni.<br />

Primeira reunião do projeto – leitura do texto e esboços<br />

O ponto inicial do projeto foi marcado pela reunião entre a autora e o ilustrador, a fim de que<br />

definissem as características visuais das personagens e a escolha das ilustrações para os momentos<br />

mais importantes da história. O texto do livro foi lido em conjunto e estas marcações, feitas<br />

pela autora, destacaram os trechos que depois viriam a ser as ilustrações do livro. Este processo<br />

iniciou a passagem das descrições verbais da autora para a interpretação em linguagem visual do<br />

ilustrador. O diálogo criativo entre as duas partes transformou as palavras em desenhos, iniciados<br />

por croquis esquemáticos feitos durante a conversa. Este foi um dos momentos em que aflorou a<br />

união criativa entre escritora e artista. O enlace verbo/visual iniciou-se neste diálogo ilustrado e<br />

evoluiu, constantemente, no decorrer do projeto.<br />

É importante ressaltar que esta etapa precedeu a fase de pesquisa de imagens. Portanto, o resultado<br />

obtido, ou seja, o que foi posto no papel pertencia ao repertório imaginário do ilustrador e da<br />

autora. Esses esboços não representavam o que viria a ser a linguagem visual do livro, continham<br />

apenas as ideias e anotações que nortearam o desenvolvimento dos croquis e das ilustrações em<br />

outras etapas.<br />

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Pesquisa visual<br />

A pesquisa visual do projeto não foi apenas uma função do ilustrador, mas também, a autora do<br />

livro se encarregou de pesquisar e fornecer conteúdos para demonstrar suas ideias em forma de<br />

imagens. Ambos se encarregaram da pesquisa iconográfica referencial em periódicos, revistas,<br />

internet, catálogos de moda, livros ilustrados e até tecidos reais.<br />

A partir do momento em que o universo e o estilo das ilustrações foram escolhidos, a pesquisa<br />

em diferentes mídias foi de grande enriquecimento para a concepção do repertório visual do<br />

projeto. Esta etapa foi fundamental para a elaboração das personagens e cenários do livro. Neste<br />

momento, o processo se assimilou àquele descrito pelo autor e ilustrador Rui de Oliveira no qual<br />

“qualquer trabalho que faço passa antes por uma fase de referências e pesquisas. Quando começo<br />

a ler um texto e esboçar as ilustrações, já penso logo qual o estilo apropriado àquelas palavras, e<br />

onde está este estilo” (OLIVEIRA, apud NECYK, 2007, p.113).<br />

A ilustradora Lima (1999) afirmou a importância da pesquisa iconográfica para a construção visual<br />

do livro:<br />

A pesquisa de conteúdo e de imagens é fundamental para o trabalho do<br />

ilustrador. O visual do livro vai sendo construído antes mesmo de chegar<br />

ao papel através de um passeio por diversas imagens pesquisadas que<br />

possam transmitir melhor uma intenção. A criação de personagens<br />

envolve, muitas vezes, um elaborado trabalho de pesquisa para construir<br />

a personalidade que será representada tanto por palavras como por<br />

imagens (LIMA, 1999, p.93).<br />

A história de A Seda e a Chita é passada no Rio de janeiro e diversas cenas do livro mostram a<br />

ação das personagens em diferentes cenários da cidade. Por este motivo, foi necessária a ida do<br />

ilustrador para estes locais específicos para registrar em fotografias estas paisagens. Este registro<br />

foi fundamental para a criação destas ilustrações e será descrito com detalhes no tópico de<br />

finalização das ilustrações, adiante. É importante ressaltar que esta fase não foi necessariamente<br />

fechada, pois ao longo do processo de trabalho alguns questionamentos surgiram, requerendo a<br />

busca de novas referências.<br />

Criação das personagens<br />

As personagens do livro em questão foram concebidas no imaginário da autora, Paula Acioli<br />

e transformadas em linguagem visual pelo ilustrador, Pedro Porto, ou seja, este processo de<br />

transfiguração de linguagens pôde ser considerado um ato criador. Segundo Ostrower (2009, p.9)<br />

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“criar é, basicamente, formar; é poder dar forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo de<br />

atividade”. Estas novas configurações geradas deram origem às imagens das personagens e este<br />

processo será descrito neste tópico.<br />

Os primeiros esboços das personagens foram desenvolvidos na presença da autora e antes da<br />

pesquisa de imagens. Nesta primeira reunião foram definidos também, proporções, cor do cabelo,<br />

tom da pele, roupas e acessórios utilizados pelas meninas. Vale ressaltar que o processo de criação<br />

seguiu os conceitos desenvolvidos por Ostrower (ibidem) em que “O ato criador abrange, portanto,<br />

a capacidade de compreender, e esta por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar.”<br />

No processo criativo, foram selecionadas e impressas dezenas de imagens de crianças em<br />

diferentes posições e ações para referenciar os esboços. A pesquisa feita pela autora foi de<br />

grande importância, pois nela havia imagens de crianças pesquisadas e fotografadas por ela, que<br />

condiziam com as características das meninas. O uso do papel vegetal ou da mesa de luz, por<br />

deixar o papel translúcido, facilitou a cópia das proporções em um novo papel sobreposto. Estes<br />

desenhos foram feitos em forma de estudos e serviram como base para muitos dos rascunhos e<br />

ilustrações das personagens do livro, como demonstra figura 1 abaixo.<br />

Figura 1: Pesquisa visual e estudos das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Os esboços foram iniciados com traços soltos e espontâneos feitos a lápis e uma linha de ação<br />

funcionou como o esqueleto do desenho. Tal linha definiu a atitude e ação das personagens. Formas<br />

geométricas foram utilizadas para definir as proporções deste desenho esquemático, que foi o<br />

primeiro passo para a criação da figura das meninas. Este processo pôde ser comparado à escultura<br />

em argila ou massas de modelar, como se o traço lapidasse a forma geométrica para definir as<br />

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características principais da figura. O uso da mesa de luz e novas folhas foram importantes para<br />

a evolução destes rascunhos, uma vez que, antes de serem finalizados em nanquim, chegou-se a<br />

um croqui definitivo, demonstrado nas figuras adiante.<br />

Figura 2. Estudos e esboços das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Figura 3. Estudos e esboços das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Após o desenho a lápis bem definido, iniciou-se o processo de finalização, usando nanquim. As<br />

folhas foram fixadas com fita-crepe na mesa de luz porque nesta etapa os traços do desenho foram<br />

representados com bastante firmeza, utilizando canetas de nanquim. O estilo do traço escolhido<br />

requer precisão, fator fundamental para a o momento de colorir. O software gráfico Adobe<br />

Photoshop C.S3 utilizado para colorir, trabalha com as ferramentas de seleção e preenchimento,<br />

portando, neste momento, não poderia haver falhas nas linhas. Estas têm grande importância por<br />

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prenderem a atenção do leitor e levá-lo a percorrer toda a sua extensão, ao mesmo tempo em que<br />

imprimem ritmo e movimento à imagem, conforme afirmou Biazetto (2008).<br />

As canetas de nanquim utilizadas são descartáveis e suas pontas têm diferentes espessuras, que<br />

variam entre 0.1 mm e 0.8 mm. Uma característica do traço escolhido para o a finalização é<br />

a variação de espessura. O ato de engrossar as linhas e criar massas em preto é um fator que<br />

demonstra volumes e sombras no desenho.<br />

Uma vez digitalizado, em alta resolução, a ilustração finalizada em nanquim necessitou de alguns<br />

ajustes com o uso do software para que o resultado do colorido fosse o melhor possível. Os<br />

contrastes foram modificados para o traço tornar-se mais escuro e qualquer erro que tivesse<br />

ocorrido no momento da finalização pudesse ser consertado. A ferramenta de preenchimento<br />

colore com perfeição os espaços vazios envolvidos pelas linhas - sem falhas. O ilustrador separou<br />

em camadas os traços, os primeiros tons de cores, as sombras e as luzes. As sombras foram feitas<br />

com a sobreposição destas camadas, com uma leve alteração no tom da camada frontal. O mesmo<br />

processo pôde ser feito para adicionar a luz. A estampa foi finalizada em um arquivo separado e<br />

aplicada no momento de finalização da menina em questão.<br />

Figura 4. Finalização e colorido das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Figura 4. Finalização e colorido das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

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Para colorir digitalmente, o ilustrador utilizou uma ferramenta chamada tablet, que é uma caneta<br />

digital sensível ao toque e movimento. O tablet cumpre a função do mouse, simulando uma<br />

caneta, um lápis e até mesmo um pincel.<br />

Uma vez finalizadas, as personagens foram apresentadas para a autora da história. Para que<br />

fossem aceitas, passaram por diversos ajustes até que a aprovação definitiva fosse feita. Como<br />

já visto, autora participou efetivamente do processo criativo da concepção das personagens. As<br />

roupas e acessórios utilizados pelas personagens, por exemplo, foram criadas pela autora, que<br />

utilizou a linguagem da ilustração.<br />

Storyboard<br />

Segundo o autor e ilustrador Uri Shulevitz (1985), o storyboard é um modelo bidimensional, com<br />

todas as páginas desenhadas num pedaço de papel, que permite a visão geral do que será o livro<br />

e como cada página se relaciona com a outra e ao todo. Para demonstrar que esta etapa se refere<br />

a um planejamento prévio, o autor compara o desenho do storyboard com uma planta baixa feita<br />

por um arquiteto, antes de construir uma casa. Segundo o autor, “esta visão geral de todo o livro<br />

facilita o planejamento dos principais elementos visuais” (SHULEVITZ, 1985, p.68). Explica que<br />

para fazer um storyboard basta desenhar retângulos do tamanho de selos em uma folha de papel<br />

para representar as páginas do livro.<br />

Figura 6. Storyboard e marcações no texto.<br />

Fonte: Do autor.<br />

A criação do storyboard do projeto ocorreu em mais uma reunião entre a escritora do livro e<br />

o ilustrador. As anotações dos momentos-chave do texto, feitas anteriormente pela autora,<br />

facilitaram este processo. Este foi mais um momento de união criativa entre ambos, no qual as<br />

duas linguagens, verbal e visual, interagiram e influenciaram-se. Reiterando o que afirma Necyk<br />

(2007), de que o trabalho do ilustrador e do designer não é apenas intuitivo, pois existe um<br />

planejamento com objetivo específico. A autora confere ao texto a base de toda a concepção do<br />

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livro infantil. Diz: “é com base no texto, trabalho desenvolvido por outra pessoa, que o estilo<br />

gráfico é igualmente desenvolvido e aplicado” (NECYK, 2007, p.114).<br />

O diálogo estabelecido possibilitou que diversas ideias fossem esboçadas e escritas para, enfim,<br />

serem sintetizadas em uma única imagem. As representações visuais criadas foram rascunhos<br />

simples e esquemáticos que continham os elementos principais das figuras. Esta etapa definiu o<br />

número de ilustrações principais e vinhetas a serem feitas e foi fundamental para a criação da<br />

boneca do livro.<br />

Criação da boneca do livro<br />

O formato do livro foi definido pela editora em 20x20cm, influenciado por valores de impressão,<br />

produção gráfica e apresentação para o mercado. A editora organizou e distribuiu o texto pelo<br />

número de páginas, também definido por ela. Esses aspectos estabelecidos viabilizaram a criação<br />

da boneca do livro, que foi um modelo que possibilitou a visão do livro como um todo.<br />

Shulevitz (1985) define a boneca como um modelo tridimensional fiel ao formato e ao número de<br />

páginas do livro impresso e afirma que junto com o storyboard, são as principais ferramentas de<br />

pensamento do ilustrador. Um modelo foi criado, tornando-se o principal guia do projeto. Nele<br />

foram ilustrados todos os rascunhos, anotadas as pendências e as revisões a serem feitas.<br />

A produção desta boneca norteou outra reunião entre a autora e o ilustrador, na qual ambos<br />

recortaram pedaços do texto e colaram nas páginas estabelecidas pela editora, o que possibilitou<br />

a produção dos rascunhos em enlace com o texto. O fato reitera o que afirma Shulevitz (1985,<br />

p.73) que “a distribuição das palavras em suas páginas mostra como elas se relacionam com as<br />

imagens”. O autor ainda sinaliza que, folheando as páginas da boneca, o ilustrador experimenta a<br />

progressão da história, como o leitor fará e a relação das páginas umas com as outras.<br />

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Figura 7. Criação da boneca do livro.<br />

Fonte: Do autor.<br />

A boneca do livro foi fundamental para a direção de arte do projeto gráfico, uma vez que essa função<br />

foi executada por outra pessoa. A boneca guiou a programação visual do projeto, demonstrando a<br />

posição das imagens e sua relação com o texto. Vale destacar que a autora também utilizou este<br />

modelo para rascunhar suas ideias e demonstrar a posição de determinadas ilustrações na página.<br />

Finalização das ilustrações principais<br />

Toda a arte-finalização das ilustrações do livro que trata este artigo foi feita com o uso do<br />

software gráfico Adobe Photoshop C.S 3. Este programa tem diversos recursos de edição e pintura<br />

de imagens, que permitem a obtenção de diferentes estilos e resultados finais. Devido à grande<br />

variedade de ferramentas e modos de edição, a descrição dos processos será resumida, e somente<br />

alguns destes comandos serão citados.<br />

Partindo do princípio de que “toda ilustração é uma interpretação”, conforme Hunt (2009), foram<br />

definidos três grupos para as imagens do livro: as ilustrações principais, as vinhetas e os elementos<br />

de apoio. As ilustrações principais, consideradas mais importantes, ocupavam uma ou duas páginas<br />

e tinham um nível de complexidade maior para sua execução, pois contavam com a presença das<br />

personagens interagindo com um cenário. As vinhetas foram ilustrações menores, que ocupavam<br />

apenas um pedaço da página. Os elementos de apoio foram pequenas imagens de flores, pássaros<br />

e borboletas usadas nas composições finais ou para adornar o texto em algumas páginas do livro.<br />

As ilustrações principais foram representadas de acordo com a explicação de Nodelman (1988),<br />

em que “a maioria dos livros infantis se apresentam no sentido horizontal porque a forma humana<br />

é comprida, e o espaço restante é utilizado pelo ilustrador para inserir informações adicionais<br />

sobre ambiente, cenário etc.”. (NODELMAN, apud NECYK, 2007, p.99)<br />

Finalização da ilustração do Morro Dois Irmãos<br />

Existiu uma etapa antes de colorir as ilustrações no computador, que foi um momento de criação<br />

importante para o resultado final, pois parte das cores utilizadas foram feitas manualmente com<br />

pincel e tinta. Neste momento, o ilustrador passou a utilizar apenas os materiais de desenho e<br />

pintura e criou manchas de tinta aquarela, guache e ecoline em folhas de papel específicas para a<br />

técnica de pintura. As tonalidades e os movimentos dados a estas manchas foram escolhidos para<br />

cumprir papéis específicos nas ilustrações. Por exemplo, as manchas azuis foram utilizadas para<br />

água e céu, os tons terrosos para as montanhas e os troncos de árvores, os verdes para a grama,<br />

as folhas e as florestas.<br />

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A criação deste repertório foi feita para enriquecer o resultado gráfico das ilustrações, pois essas<br />

manchas possuem textura e fluidez e dão um caráter mais orgânico aos desenhos. Após este<br />

momento, as ilustrações são digitalizadas para o computador e sua representação passa a ser<br />

em pixels [1], o que permite que sejam editáveis. Este processo de finalização envolve uma<br />

metodologia desenvolvida pelo ilustrador e o seu passo a passo será demonstrado abaixo.<br />

Figura 8. Exemplo de finalização, utilizando o software gráfico.<br />

Fonte: Do autor.<br />

A foto de referência foi impressa para que a silhueta dos morros fosse traçada por cima da<br />

fotografia com nanquim em uma folha de papel vegetal. Este procedimento agilizou o processo<br />

e garantiu a fidelidade do desenho da referência. Em seguida, o traço foi digitalizado para o<br />

programa Adobe Photshop C.S 3 e se iniciou o processo de coloração.<br />

Uma mancha de tom marrom, digitalizada anteriormente, foi inserida no arquivo para representar<br />

a textura de pedra. Ela foi posicionada por cima do desenho em uma nova camada e os pedaços<br />

que ficaram para fora do contorno foram apagados. Uma nova mancha com a tonalidade azul, em<br />

outra camada, foi inserida no arquivo para representar a água. A tonalidade do azul foi escurecida<br />

com a sobreposição de camadas na opção de multiplicação. Esta multiplica as cores das camadas<br />

e a cor resultante é sempre a mais escura. Este efeito é semelhante ao de se passar o marca-texto<br />

várias vezes em cima do mesmo lugar no papel.<br />

Novas manchas de aquarela na tonalidade de verde foram adicionadas na pintura para representar<br />

a mata. A referência fotográfica impressa foi o que baseou o posicionamento das texturas na<br />

imagem, assim como os desenhos das sombras e luzes, feitos em uma nova camada com o uso do<br />

tablet.<br />

O céu é representado por uma mancha de aquarela em uma camada por trás das outras com<br />

sua opacidade em 30%. Uma camada com a ilustração de pássaros voando foi adicionada para<br />

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enriquecer o desenho. Esta imagem representou a paisagem sem a interferência da cidade.<br />

Figura 9. Exemplo de finalização utilizando o software gráfico.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Finalização da ilustração de Ipanema.<br />

Esta ilustração foi definida entre o ilustrador e a autora da história na fase de storyboard. A<br />

autora ressaltou que um elemento muito importante para esta imagem seria o calçadão da praia<br />

de Ipanema, local onde as meninas apareceriam brincando juntas. O cenário da praia também<br />

deveria ser representado e, segundo a autora, não poderiam faltar o quiosque, a ciclovia e os<br />

frequentadores do calçadão.<br />

Foram registradas pelo ilustrador diversas fotografias do local para servir de base para a criação<br />

da imagem final. Este registro foi um importante auxílio para a marcação da perspectiva e para<br />

referenciar o desenho do cenário. Estas imagens foram impressas para que os contornos fossem<br />

desenhados por cima com auxílio da mesa de luz, conforme imagem abaixo:<br />

Figura 10. Finalização em nanquim por cima de fotografia.<br />

Fonte: Do autor.<br />

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No caso da criação do desenho que representou o padrão de pedra portuguesa da calçada, foi<br />

tirada uma fotografia do topo de um edifício situado em frente à praia. Esta imagem referenciou<br />

o desenho deste padrão na vista superior. A ferramenta de distorção do programa gráfico permitiu<br />

que este padrão fosse colocado em perspectiva na calçada da imagem final.<br />

Figura 11. Ilustração e distorção da calçada para a perspectiva.<br />

Fonte: Do autor.<br />

As figuras humanas, os coqueiros e outros elementos pertencentes à cena foram finalizados no<br />

nanquim, separadamente e digitalizados para o computador. Em seguida, utilizando o Photoshop,<br />

a composição do desenho foi montada e iniciou-se o processo de coloração. Esta metodologia de<br />

colorir, utilizando as manchas de tinta digitalizada, descrita no tópico acima, foi utilizada em<br />

todas as ilustrações do livro.<br />

Figura 12. Composição do cenário de Ipanema.<br />

Fonte: Do autor.<br />

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O Morro Dois Irmãos, no fundo, foi finalizado separadamente, como demonstram as figuras 8 e 9.<br />

Esta imagem foi posicionada na composição final, já colorida, assim como as personagens principais<br />

em suas respectivas ações. Alguns detalhes de arte-final referentes à iluminação foram feitos<br />

quando a imagem já estava colorida e composta. Uma nova camada foi adicionada e colorida para<br />

representar o tom alaranjado do pôr-do-sol refletido na calçada e no teto do quiosque. O mesmo<br />

processo foi feito para criar as sombras projetadas na imagem. As personagens, já finalizadas em<br />

arquivos distintos, completaram a composição final da ilustração.<br />

Figura 13. Ilustração final de Ipanema.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Finalização da ilustração da fábrica<br />

Esta ilustração foi referente a um momento de grande relevância no enredo da história. Portanto,<br />

foi definido, a partir da boneca, que seria representada em página dupla. Durante a reunião<br />

do storyboard, a autora do livro ressaltou alguns detalhes que não poderiam deixar de ser<br />

representados e que basearam a pesquisa visual desta imagem. Foi sugerido que as personagens<br />

estivessem em primeiro plano, olhando para a fábrica, que seria representada com a aparência<br />

antiga e com pinturas no estilo Graffiti [2] em suas paredes.<br />

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A partir destas informações, foi iniciada a pesquisa iconográfica referente a esta ilustração. Muitas<br />

imagens de fábricas foram buscadas na Internet, porém não foram encontradas fotografias com<br />

um ângulo de visualização ideal para a representação deste desenho. Esta dificuldade pôde ser<br />

superada com o uso de um software gráfico chamado Google SketchUp 7.0. Este é uma programa<br />

que trabalha com a construção de objetos em 3D no computador. A fachada de uma fábrica virtual<br />

foi criada com o programa, que permite sua visualização em diferentes ângulos. A vista frontal da<br />

imagem foi escolhida para representar a ilustração.<br />

Figura 14. Referências fábrica e modelo criado no Sketchup 7.0.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Em seguida, foi iniciado o processo de finalização e coloração da ilustração. A referência criada<br />

no Sketchup facilitou esta etapa, uma vez que as linhas criadas no programa se assemelhavam<br />

aos traços feitos em nanquim. As texturas utilizadas no software não foram aproveitadas, pois se<br />

diferenciavam da linguagem adotada no livro. As ilustrações que simularam as pinturas em Graffiti<br />

foram criadas separadamente e em seguida aplicadas nas paredes da fábrica, conforme figura 15.<br />

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Figura 15. Coloração da fábrica e aplicação de elementos.<br />

Fonte: Do autor.<br />

As personagens foram esboçadas a lápis, a partir de referências pertencentes à pesquisa de<br />

imagem, finalizadas com nanquim e coloridas em arquivos separados. Este mesmo procedimento<br />

foi feito com a parte da ilustração do cenário que representou o primeiro plano - gramado e<br />

árvore. Nesta imagem, foram adicionadas outras ilustrações, que já haviam sido finalizadas num<br />

momento que precedeu esta etapa: os pássaros, a borboleta e as flores já haviam sido coloridos e<br />

foram acrescentadas apenas no momento da composição final.<br />

Figura 16. Esboço e arte-final das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Após a reunião entre o ilustrador e a designer do projeto, esta imagem sofreu uma leve alteração<br />

para que o texto fosse posicionado. A fábrica teve que subir na composição para que a mancha de<br />

texto fosse diagramada no local onde está representado o asfalto:<br />

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Figura 17. Ilustração final com a mancha tipográfica.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Projeto Gráfico do Livro.<br />

A programação visual do livro envolve o formato, número de páginas, tipo de papel, tipo de<br />

impressão, encadernação, tamanho das letras, distribuição de texto e imagem e números de<br />

cores de impressão, entre outros. Segundo Morais (2008), esses itens são de grande importância,<br />

pois interferem significativamente no modo de construir o livro. Conforme Oliveira (2007, p.45),<br />

para que o programador visual e o ilustrador dêem um caráter estético e sensorial ao objeto<br />

livro, é necessário um aguçado conhecimento de projeto gráfico. O autor apresenta as dicotomias<br />

palavra/espírito e imagem/corpo para indicar que palavra e imagem são indissociáveis.<br />

Foram realizadas duas reuniões entre o ilustrador e a designer para iniciar a execução do projeto<br />

gráfico do livro. Esta etapa ocorreu durante o processo de finalização das ilustrações e norteou<br />

sua direção de arte, conforme sinaliza Odilon Morais (2008) sobre a crescente importância da<br />

participação do ilustrador na elaboração do projeto gráfico do livro como um todo. Este conceito<br />

discutido por Morais (2008) corrobora as dicotomias de Oliveira (2007, p.45) apresentadas<br />

anteriormente, quando este afirma que “a qualidade de um livro e a condução da sua leitura<br />

dependerão sempre da integração entre a palavra e a ilustração dada pelo design”.<br />

A reunião de criação do projeto gráfico – entre o ilustrador e a designer - ocorreu uma semana<br />

após o início da fase de finalização das ilustrações, o que permitiu que o ilustrador entregasse<br />

algumas imagens finais e elementos de apoio, para que fosse iniciado o trabalho da designer. As<br />

manchas de tinta criadas e digitalizadas também foram fornecidas para compor parte do projeto<br />

gráfico. Os elementos de apoio serviram de adorno ao texto em diversas páginas e foram usados<br />

na composição das ilustrações principais e vinhetas. A importância destes elementos seu deu,<br />

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principalmente, no ritmo do livro e foram utilizados ao longo de todo o projeto. Este encontro foi<br />

importante, pois o ilustrador pôde demonstrar e explicar como os diferentes grupos de ilustrações<br />

deveriam se comportar ao longo do livro. O uso da boneca foi fundamental para esse diálogo, já<br />

que os esboços das ilustrações finais estavam representados nela. Apesar desta direção de arte,<br />

a designer teve liberdade para propor e criar novas soluções para o projeto gráfico. A figura 18<br />

abaixo refere-se à composição entre uma vinheta e os elementos de apoio:<br />

Figura 18. Composição entre elementos de apoio e vinheta.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Nesta etapa, a designer teve as funções de diagramação do texto junto às ilustrações, escolha<br />

da tipografia utilizada e finalização para a produção gráfica. O texto, separado anteriormente<br />

pela editora, foi reorganizado pela designer e harmonicamente posicionado com as imagens. A<br />

ocupação espacial das páginas ocorreu de quatro diferentes maneiras, conforme demonstrado por<br />

Necyk (2007)<br />

A ocupação espacial na página da ilustração em relação ao texto pode se dar de quatro maneiras<br />

principais: a ilustração é aplicada numa área separada do texto; a ilustração é aplicada parcialmente<br />

em união ao texto; o texto é aplicado de modo a intermediar ou se relacionar com a forma da<br />

ilustração; o texto é aplicado dentro da área da ilustração (NECYK, 2007, p.101).<br />

Todas as ilustrações finais e vinhetas foram concebidas pelo ilustrador visando à união com o texto.<br />

Porém, somente com o trabalho da designer em andamento puderam ser observados problemas<br />

referentes aos espaços destinados ao texto nestas composições. Uma reunião para as revisões<br />

desta etapa foi realizada entre o ilustrador, a designer e a autora. Neste encontro, as modificações<br />

foram anotadas na boneca do livro e estas questões puderam ser resolvidas com alterações na<br />

composição das imagens, reorganização do texto nas páginas, ou, em um dos casos, o redesenho<br />

completo de uma ilustração.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

A última etapa de elaboração do projeto gráfico foi a composição da capa. Esta, por tratar-se<br />

de um elemento de extrema importância na relação entre o leitor e o livro, terá o seu processo<br />

descrito no tópico seguinte.<br />

Programação Visual da Capa<br />

A revisão de Fernando Paixão (2008) sobre o livro Era uma vez uma capa, de Alan Powers (2008),<br />

afirma que a capa representa o rosto apresentado ao mundo. A primeira impressão de simpatia ou<br />

não, é obtida através da visualização da capa. Paixão questiona “quantas vezes não abrimos uma<br />

obra justamente porque a capa nos seduz e nos convida para além dela?” (POWERS, 2008, p.1).<br />

Segundo Necyk (2007, p.108), a capa é extremamente importante para que as primeiras relações<br />

entre o leitor e o livro sejam estabelecidas e é a parte “que possui maior chance de receber<br />

investimento mais alto, por se configurar como elemento-chave de venda”.<br />

Powers (2008) afirma que a capa estabelece um importante papel no envolvimento físico do livro<br />

com o leitor. Embora não se possa olhá-la no momento em que o livro é lido, é o contato visual<br />

com a capa que o define como objeto físico a ser apanhado, manipulado, deixado de lado ou<br />

guardado. Atualmente, apesar dos inúmeros recursos de impressão, o grande desafio dos artistas e<br />

designers é atrair a atenção para a capa em meio a tantos estímulos visuais em diferentes mídias.<br />

Devido à sua experiência no mercado editorial, a editora teve importante papel na direção de arte<br />

da capa. O briefing [3] passado para o ilustrador e a designer, foi que a capa deveria representar um<br />

momento-chave, as cores deveriam ser vibrantes e chamativas, a tipografia legível, harmonizando<br />

com as ilustrações das personagens e o fundo e comportando-se conforme a linguagem visual do<br />

interior.<br />

Foi discutido pela equipe de criação do projeto que a principal mensagem do livro é a amizade.<br />

Portanto, as personagens foram representadas abraçadas, com suas roupas originais, em uma<br />

nova ilustração - exclusiva para a capa. Para o plano de fundo desta imagem foi escolhido o<br />

mesmo fundo da ilustração de Ipanema. Essas características justificaram a escolha para o uso<br />

desta representação visual na capa. Esse processo seguiu os conceitos apontados por Nikolajeva e<br />

Scott (2006, p.45) que afirmam que, “em geral, a escolha da imagem da capa reflete a ideia dos<br />

criadores e do editor a respeito do momento mais dramático ou da situação mais interessante da<br />

história”.<br />

Seguindo os conceitos apresentados por Biazetto (2008) de que a cor é o elemento visual com<br />

maior grau de sensibilidade e emoção do processo visual, a imagem da capa foi intensamente<br />

colorida com a função de atrair o leitor. O público-alvo do livro foi determinante para a sua<br />

escolha de cores. Por se tratar de meninas entre 5 e 11 anos de idade, os tons de rosa, lilás, azul<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

e laranja predominaram na composição.<br />

A tipografia escolhida pela designer do projeto possuía ornamentos e adornos, que remetiam aos<br />

movimentos de tecidos contra o vento. Estes floreios davam um toque feminino à tipografia, de<br />

boa legibilidade e justificaram sua escolha:<br />

Figura 19. Tipografia e capa.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Conclusão<br />

Assim como a própria descrição deste artigo, o desenvolvimento do projeto teve que respeitar a<br />

interdependência de cada etapa do processo. Pôde-se observar que desde a primeira reunião entre<br />

o ilustrador e a autora, simples esboços foram evoluindo em cada etapa, ajudando a amadurecer<br />

as ideias até tornarem-se ilustrações finalizadas. As reuniões entre a equipe de criação foram<br />

importante para a comunicação das partes, divisão de funções e evolução das etapas.<br />

As diferentes fontes de pesquisa de imagem e sua constante atualização basearam e inspiraram o<br />

ilustrador na concepção das ilustrações, desde seus esboços preliminares até suas artes-finais. A<br />

participação da autora na pesquisa ajudou na visualização de suas ideias pelo ilustrador e foram<br />

determinantes para que as características visuais das personagens fossem definidas.<br />

A criação e a finalização das personagens e das ilustrações seguiram a mesma metodologia:<br />

rascunho a lápis, finalização em nanquim, digitalização e coloração, utilizando o software gráfico.<br />

O uso desta metodologia garantiu um resultado bastante satisfatório e unificado para todas as<br />

ilustrações finais.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

As ferramentas de auxílio criadas - storyboard e boneca - facilitaram a visão do projeto como um<br />

todo e foram os principais guias em todas as etapas. Estas foram fundamentais para a evolução<br />

dos rascunhos e da definição de diferentes grupos de ilustração.<br />

O uso de diversas ferramentas de desenho e pintura, misturadas com os recursos gráficos dos<br />

softwares, possibilitaram uma finalização mais rica e elaborada das ilustrações. Estas ferramentas<br />

auxiliaram também nas dificuldades relacionadas à perspectiva e à composição dos desenhos.<br />

O trabalho em conjunto entre a designer e o ilustrador foi fundamental para a criação de uma<br />

unidade gráfica no projeto gráfico e na capa do livro.<br />

Notas<br />

[1] Um pixel é o menor componente de uma imagem digital.<br />

[2] O Graffiti é a pintura feita com spray, nos muros das cidades.<br />

[3] O briefing é um conjunto de informações passadas em uma reunião para o desenvolvimento de<br />

um trabalho.<br />

Referências bibliográficas<br />

BIAZETTO, Cristina. As cores na ilustração do livro infantil e juvenil. in: OLIVEIRA, Ieda de. O<br />

que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil, São Paulo: DCL, 2008. p.77.<br />

HUNT, Peter. Crítica, Teoria e Literatura Infantil, São Paulo: Cosac Naify, 2009.<br />

LINS, Guto. Livro Infantil? Projeto Gráfico Metodologia e Subjetividade. 2ª Ed. Rio de Janeiro:<br />

Rosari, 2004.<br />

LIMA, Graça. O <strong>Design</strong> Gráfico do Livro Infantil Brasileiro, a década de 70 – Ziraldo, Gian Calvi,<br />

Eliardo França. Dissertação de Mestrado em <strong>Design</strong>: Departamento de <strong>Arte</strong>s e <strong>Design</strong>, PUC- RJ,<br />

1999.<br />

NECYK, Bárbara. Texto e Imagem: um olhar sobra o livro infantil contemporâneo. Dissertação<br />

de Mestrado em <strong>Design</strong>. Rio de Janeiro: Departamento de <strong>Arte</strong>s e <strong>Design</strong>, PUC- RJ, 2007<br />

NIKOLAJEVA e SCOTT, Maria e Carole. How Picturebooks Work. Routeledge: New York, 2006<br />

MORAIS, Odilon. O projeto gráfico do livro infantil e juvenil. in: OLIVEIRA, Ieda de. O que é<br />

qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil, São Paulo: DCL, 2008. p. 50.<br />

OLIVEIRA, Ieda de (Org.). O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil, São Paulo:<br />

DCL, 2008.<br />

OLIVEIRA, Rui de. Pelos Jardins Boboli: Reflexões sobre a arte de ilustrar para crianças e<br />

jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007<br />

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 24ª Ed. Petrópolis- RJ: Editora Vozes,<br />

2009.<br />

PAIXÃO, Fernando in: POWERS, Alan. Era uma Vez uma Capa. História da literatura infantil. Rio<br />

de Janeiro: Cosac Naify, 2008.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

SHULEVITZ, Uri. Writing With Pictures: How to Write and Illustrate Children´s Books. Nova<br />

York: Watson Guptil, 1985.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas<br />

locais<br />

Sheila Cibele Sitta Preto. Mestranda. <strong>Universidade</strong> Federal de Santa Catarina – UFSC.<br />

cibelesittap@gmail.com<br />

Valéria Ilsa Rosa. Mestranda. <strong>Universidade</strong> Federal de Santa Catarina – UFSC.<br />

valeriadesigner2009@hotmail.com<br />

Richard Perassi Luiz de Sousa. Doutor em Comunicação e Semiótica: PUC/SP; Professor do<br />

Pós- <strong>Design</strong> / EGR/CCE: UFSC - perassi@cce.ufsc.br<br />

Luiz Fernando Gonçalves de Figueiredo.Doutor em Engenharia. Docente do Programa<br />

de Pós-Graduação em <strong>Design</strong> - Departamento de <strong>Design</strong> - UFSC. lff@cce.ufsc.br<br />

Resumo<br />

O presente trabalho considera as relações conceituais existentes entre “Naturalismo”<br />

e “Teoria dos Sistemas” e sua aplicação na área de <strong>Design</strong>, enfatizando as<br />

qualidades estético-visuais e simbólicas dos produtos locais e, também, priorizando<br />

a sustentabilidade dos recursos naturais. Por meio do pensamento sistêmico, esse<br />

relacionamento prevê a possibilidade de projetos sustentáveis para comunidades<br />

criativas e locais em ações situadas. Estas comunidades são consideradas sistemas<br />

sócio-produtivos cuja atividade artesanal é desenvolvida com uso de recursos<br />

naturais. Esta atividade pode e deve ser incrementada por meio do pensamento<br />

sistêmico aplicado em projetos de <strong>Design</strong> com o intuito de aprimorar os produtos,<br />

valorizar sua origem cultural, definir e expressar sua identidade. O trabalho<br />

junto às comunidades é amparado por estudos teóricos e pesquisa descritiva, com<br />

observação sistemática da situação. Como resultado do processo, há a produção<br />

conjunta de um mapa sistêmico cuja função é elucidar questões e colaborar no<br />

planejamento dos processos de <strong>Design</strong>. Assim, os conhecimentos obtidos serão<br />

disponibilizados e utilizados na consolidação e ampliação da autonomia produtiva<br />

dos sistemas comunitários.<br />

Palavras-chave:<br />

Doutrina filosófica, sistemas naturais, desenvolvimento sócio-produtivo.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

Introdução<br />

Os princípios da corrente filosófica “Naturalismo” são relacionados à visão sistêmica no contexto<br />

da área de <strong>Design</strong>, com base em pesquisa teórica realizada em fontes secundárias, como livros,<br />

artigos e outros trabalhos acadêmicos. A busca do material de pesquisa e as relações aqui propostas<br />

caracterizaram, previamente, os estudos exploratórios que permitiram a composição e o<br />

relacionamento das ideias apresentadas.<br />

Os conhecimentos teóricos obtidos foram também relacionados com práticas de <strong>Design</strong>. Estas são<br />

desenvolvidas junto a comunidades criativas e locais, consideradas como grupos sócio-produtivos.<br />

A visão sistêmica é adotada na pesquisa e no planejamento da atuação dos designers junto a esses<br />

grupos. A atuação também é precedida de estudos exploratórios para seleção e reconhecimento<br />

das comunidades, prevendo ainda o desenvolvimento de pesquisa qualitativo-descritiva, com o<br />

uso de técnicas padronizadas de coleta de dados, como a observação sistemática. Gil (2007) menciona<br />

que neste tipo de pesquisa um dos objetivos possíveis é a descrição das características de<br />

determinada população.<br />

Os estudos teóricos e o desenvolvimento de pesquisas de campo, como suporte para ação participativa,<br />

buscam incrementar a pesquisa científico-aplicada, com aspectos de pesquisa participante.<br />

Assim, o conhecimento é posto à disposição da comunidade na busca em conjunto de<br />

soluções e oportunidades ao desenvolvimento sócio-produtivo. De acordo com Soriano (2004,<br />

p.25), a pesquisa científica é relevante quando seus objetivos são “[...] identificar problemas e<br />

descobrir inter-relações entre fenômenos e variáveis específicas”. Pois, assim, possibilita-se “[...]<br />

previsões que permitam estruturar políticas e estratégias”.<br />

Neste texto, é apresentada a corrente filosófica “Naturalismo” e, também, suas relações e possibilidades<br />

na área de <strong>Design</strong>, relacionadas à visão sistêmica em <strong>Design</strong>. Isso é considerado nos<br />

estudos realizados em “comunidades criativas” locais, visando desenvolver ações situadas. Apresenta-se<br />

também, um resumo dos estudos e dos procedimentos que são propostos juntos e conjuntamente<br />

com as comunidades.<br />

A reflexão sobre os princípios naturalistas com relação à visão sistêmica promove o aprimoramento<br />

teórico sobre o tema. Esse aprimoramento sedimenta a base teórica que sustenta o planejamento<br />

das ações de pesquisa e a atuação junto às comunidades atendidas, por meio dos projetos<br />

desenvolvidos.<br />

Naturalismo: uma atitude filosófica<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

Para Almeida (2009), “Naturalismo” não é uma teoria homogênea, devido à existência de diversas<br />

teses filosóficas que fazem referência a essa denominação. O conceito mais abrangente propõe<br />

Naturalismo como corrente filosófica que engloba vários pontos de vista, entre esses: Materialismo<br />

e Racionalismo, além de não admitir a existência de nada que seja exterior à natureza.<br />

Os seres humanos, portanto, são percebidos como fenômenos naturais resultantes da evolução<br />

(Evolucionismo). Assim, o conceito de realidade é reduzido à experimentação do mundo natural e<br />

exclui qualquer elemento sobrenatural ou princípio transcendente (Materialismo). Por exemplo,<br />

Deus (existência) é um ser transcendente, mas a ideia (representação) de Deus é transcendental<br />

(ALMEIDA, 2009).<br />

Na concepção naturalista, a moral deve basear-se nos princípios que regem a natureza. Portanto,<br />

os princípios naturais são os fundamentos das regras de conduta dos seres humanos. Os processos<br />

cognitivos também são considerados processos naturais. Assim, a possibilidade de conhecimento<br />

é inerente à natureza humana, não sendo justificada por intervenções, por exemplo, da natureza<br />

divina. “O pensamento naturalista propõe como crença verdadeira que somos capazes de representar<br />

mentalmente o mundo a nossa volta, sejam coisas, processos ou acontecimentos” (DUTRA,<br />

2005, p.83).<br />

Por ter desistido de investigar as causas metafísicas, a ciência moderna assumiu uma posição<br />

materialista e naturalista, desconsiderando questões sobrenaturais. Para Abbagnano (1998), o<br />

verbete “naturalismo” apresenta três diferentes significados<br />

[...] (1) doutrina que considera os poderes naturais da razão mais eficazes<br />

que os produzidos pela filosofia (racionalismo naturalista); (2)<br />

doutrina que desconsidera a existência de qualquer coisa fora da natureza;<br />

(3) doutrina que submete os preceitos culturais (do direito, da<br />

moral e da religião, entre outros) aos parâmetros naturais, com base<br />

nos mesmos conceitos que a ciência usa para explicá-los (ABBAGNANO,<br />

1998, p.712).<br />

Para Matos (2010), a partir das ideias de John Dewey (1859-1952), o pensamento naturalista<br />

aproximou a filosofia das ciências naturais, seja com relação aos resultados ou aos métodos de<br />

pesquisa. Anteriormente, David Hume (1771-1776) já considerava o pensamento como algo natural<br />

ao ser humano, sendo que o conhecimento possível provém da observação direta do mundo.<br />

Nesta perspectiva, pressupõe-se que o homem não determina seu conhecimento, porque esse<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

decorre de um processo natural, do qual ele próprio é um sistema determinado. Como sistema<br />

naturalmente determinado, o ser humano é inserido no contexto sistêmico do mundo natural ou<br />

no ecossistema, sendo percebido em conjunto com outros sistemas naturais, sendo que, neste<br />

escopo, os sistemas culturais também descendem diretamente dos naturais.<br />

A perspectiva sistêmica naturalista abriga a visão evolucionista, sob a qual não há necessidade do<br />

contexto sobrenatural, porque nada foi criado. O próprio planeta Terra e tudo que nele vive ou<br />

progride decorre da evolução, inclusive, os pensamentos humanos e sua cultura (HUXLEY, 1959).<br />

Assim, além da área biológica, a teoria darwinista foi disseminada por todos os campos do conhecimento.<br />

Maturana e Varela (2001) são exemplos de teóricos da área de Biologia que, a partir desse<br />

escopo, tratam da compreensão e do conhecimento humano, considerando a evolução biológica.<br />

Proposta a partir da década de 1920, a “Teoria dos Sistemas” advém igualmente da área de Biologia.<br />

Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-1972) foi o fundador da teoria, contrariando a visão analítica<br />

cartesiana. Assim, Bertalanffy (2008, p. 62) propôs que um conjunto sistêmico representa mais<br />

que a soma de suas partes, porque “[...] é um conjunto de partes ou elementos que forma um<br />

todo unitário ou complexo”. Para Bertalanffy (2009, p.15-16), em síntese, “[...] o conceito de<br />

sistema constitui um novo ‘paradigma’”, constituindo-se como uma “nova filosofia da natureza”.<br />

Isso é coerente porque a “Teoria dos Sistemas” também ultrapassou os limites da área de Biologia,<br />

com a identificação dos sistemas físicos ou químicos e dos sistemas políticos ou sociais.<br />

Por fim, na doutrina proposta por Edmund Hurssel (1859-1938), denominada Fenomenologia, assinalou<br />

que se percebe o mundo dos objetos ou fenômenos a partir de um “ponto de vista natural”,<br />

que alimenta a crença de que os objetos existem materialmente e exibem propriedades que são<br />

percebidas (ZITKOSKI, 1994). Essa perspectiva confirma a visão naturalista de que os poderes<br />

naturais da razão são mais eficazes que os produzidos pela filosofia, corroborando também com a<br />

abordagem realista que considera o ser humano capaz de conhecer a realidade, porque é parte<br />

dessa realidade e, portanto, é estruturado de maneira coerente com o mundo que pretende conhecer.<br />

A abordagem fenomenológica fundamenta os métodos baseados na observação e descrição dos<br />

fenômenos. Assim, juntamente com a visão sistêmica, compõe a base de desenvolvimento da<br />

pesquisa descritiva, por meio da observação sistemática da situação, como é apresentada neste<br />

trabalho.<br />

Comunidades Criativas, de Prática e Local<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

O termo “comunidades criativas” pode ser definido como grupos de pessoas que se organizam por<br />

iniciativa própria, para transformar as suas comunidades em locais melhores para viver, trabalhar,<br />

aprender, interagir e resolver problemas socioambientais. Criam pequenas contribuições que se<br />

antecipam a grande mudança necessária para a sociedade reorientar-se para a direção da sustentabilidade<br />

de acordo com Manzini (2008). Para o autor são grupos que possuem<br />

[...] modos de vida em comum, nos quais espaços e serviços são compartilhados;<br />

atividades de produção baseadas nas habilidades e recursos<br />

de uma localidade específica, mas que se articulam com as mais amplas<br />

redes globais (como acontece com alguns produtos típicos locais); [...]<br />

redes que unem de modo direto e ético produtores, e consumidores<br />

(como as atividades do comércio justo), entre outros (MANZINI, 2008,<br />

p.63).<br />

Essas comunidades são classificadas de tal maneira, pois oferecem benefícios sociais. A produção<br />

e o consumo cultural das “comunidades criativas” são realizados na maioria dos casos em centros<br />

históricos, zonas ribeirinhas e espaços vazios que geralmente são cedidos pela prefeitura<br />

da região. Nessas comunidades seus indivíduos são considerados “[...] pessoas que, de forma<br />

colaborativa, inventam, aprimoram e gerenciam soluções inovadoras para novos modos de vida.”<br />

(MERONI, 2007). Por isso são consideradas “comunidades criativas”, pois “[...] aplicam sua criatividade<br />

para quebrar os modelos dominantes de pensar e fazer e, com isso, conscientemente ou<br />

não, geram as descontinuidades locais [...].” (MANZINI, 2008, p.65).<br />

Para tanto, essas comunidades são compostas pelos atores sociais, participantes das atividades ou<br />

colaboradores e tendem a ter uma solidariedade territorial e interesses centrados em projetos de<br />

infraestrutura social, além disso, são consideradas segundo Buarque (2008)<br />

[...] grupos sociais e segmentos diferenciados na sociedade que constituem<br />

conjuntos relativamente homogêneos, segundo sua posição na<br />

vida econômica e na vida sociocultural, e que, por sua prática coletiva,<br />

constroem identidades, interesses e visões do mundo convergentes,<br />

procurando espaços de influenciação no jogo de poder. (BUARQUE,<br />

2008, p.92, grifo do autor).<br />

Essas comunidades também podem ser consideradas uma forma particular de desenvolvimento local<br />

se vinculadas a projetos locais, apresentando tendenciosamente uma grande homogeneidade<br />

social e econômica e capacidade de organização e participação comunitária.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

As ações da localidade contam ainda, com a colaboração da vizinhança, que se organiza na forma<br />

de redes projetuais. Isso pode ser constatado pela participação das pessoas em diversas iniciativas<br />

coletadas durante as visitas e pesquisas de campo feitas em comunidades (há caso de mulheres,<br />

por exemplo, que participam da produção, fazem revezamento de tarefas, e auxiliam conforme o<br />

aumento da demanda, além de colaborarem com outras ações desenvolvidas na região).<br />

Muitas dessas “comunidades criativas” percebem apenas o valor de seus produtos em si, pois<br />

armazenam seus produtos em embalagens de outros produtos já conhecidos no mercado e industrializados,<br />

acarretando assim, um menor valor, além de não poderem ser utilizadas devido às leis<br />

de propriedade industrial.<br />

Por isso, torna-se necessário a partir de estratégias de Gestão de <strong>Design</strong> auxiliar essas “comunidades<br />

criativas” no que se refere à valorização de seus produtos por meio da consolidação de<br />

suas marcas utilizando, sobretudo as funções práticas e estéticas do design como fator de diferenciação<br />

e competitividade.<br />

A partir da criação das marcas, os integrantes dessas comunidades passam a valorizar suas próprias<br />

atividades e as desenvolvidas na região. Elas também servem como identidade que procura representar<br />

a região. Então, se pode concluir que uma “comunidade criativa” não pode ser projetada,<br />

mas o design pode, por ser o elemento que identifica e promove o seu desenvolvimento. Assim,<br />

os territórios regionais podem se beneficiar da aproximação estratégica do design, que é capaz<br />

de ligar as pessoas e lugares numa visão diferente de desenvolvimento, onde os recursos locais e<br />

a criatividade das pessoas são empenhados na tarefa desafiante de cuidar das relações humanas<br />

(MERONI, 2008).<br />

[...] o conceito de comunidade de prática foi construído justamente<br />

em torno da atividade de um grupo e indivíduos com interesses comuns<br />

que, em um dado domínio, compartilham práticas mutuamente negociadas,<br />

compreensões, crenças, opiniões, valores e comportamentos<br />

(FIALHO, 2011, p. 271-272).<br />

O termo “comunidade” é relacionado ao que é coletivo ou comum. Neste caso, indica o que é<br />

comunitário, ou seja, o que pertence ao coletivo.<br />

O termo “local” é relacionado ao conceito de lugar (lócus), sendo que o termo adquiriu um<br />

caráter restritivo, sendo diferente dos termos “regional” ou “nacional”, que são indicativos de<br />

lugares maiores e institucionalizados. Portanto, “local” é um termo que não apresenta um caráter<br />

oficial ou institucional e também não indica grande extensão ou amplitude. Para Bourdin (2001) o<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

local construído é visto como<br />

Uma forma social que constitui um nível de integração das ações e dos<br />

atores, dos grupos e das trocas. Essa forma é caracterizada pela relação<br />

privilegiada com um lugar, que varia em sua intensidade e em seu<br />

conteúdo. A questão se desloca então da definição substancial do local<br />

à articulação dos diferentes lugares de integração, à sua importância,<br />

à riqueza de seu conteúdo [...] (BOURDIN, 2001, p.56).<br />

As palavras, “criativa” e “prática”, relacionadas ao termo “comunidade”, assumem sentidos complementares.<br />

Pois, a palavra “criativa” deve ser aqui compreendida como muito próxima ao significado<br />

da palavra “produtiva”. Mas, devido às suas características, essa produção necessita de<br />

alguma inventividade. Todavia, é uma produção de caráter predominantemente material e, por<br />

isso, requer também uma prática.<br />

Etienne Wenger cunhou o termo “comunidades de prática”, considerando que essas são compostas<br />

por pessoas que desenvolvem e discutem a respeito de uma atividade comum: “[...] (1) pode<br />

ser a principal ocupação das pessoas dessa comunidade; (2) pode ser algo que se faz no decorrer<br />

de sua principal ocupação; (3) pode ser algo que se faz nas horas livres” (MACEDO, 2010, p. 143).<br />

A realização de iniciativas locais produtivas é um dos princípios do desenvolvimento sustentável.<br />

Assim, promove-se a criação de comunidades baseadas na cooperação e na solidariedade que, por<br />

meio do trabalho, tentam suprir pelo menos suas necessidades básicas.<br />

Na área de <strong>Design</strong> Sustentável, Manzini (2006, p.2) considera que comunidades criativas são “[...]<br />

grupos de pessoas engajadas para a solução ou criação de novas possibilidades para problemas<br />

comuns, a partir de um processo de construção de um conhecimento social voltado para a promoção<br />

da sustentabilidade social e ambiental”. Há diferentes ambientes em que são desenvolvidas<br />

essas soluções, podendo ser no lar (co-housing), “[...] nos bairros (como projeto de mobilidade<br />

compartilhada), movimentos sociais ou cooperativas (como produção de alimentos orgânicos e<br />

reciclagem de materiais)”. Assim, cabe aos designers “identificar essas inovações e reorientações<br />

sociais”, compreendendo como podem servir para a promoção da sustentabilidade.<br />

De acordo com a ampliação da percepção, a conscientização e a iniciativa dos seus integrantes,<br />

as comunidades criativas promovem soluções mais rápidas, eficientes e duradouras para os problemas<br />

que surgem constantemente dentro de seus contextos. Isso ocorre a partir do desenvolvimento<br />

de diretrizes e, entre essas, estão as de sustentabilidade ambiental, econômica e social.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

Os projetos desenvolvidos no âmbito da comunidade devem ser realizados com intuito de envolver<br />

os seus mais diversos atores. O objetivo é criar comunidades criativas e autônomas, capacitadas<br />

para autogestão. Além de serem igualmente capazes de integração e colaboração com outras<br />

comunidades, conseguindo resolver de maneira criativa os seus problemas.<br />

Sobre o aproveitamento de oportunidades em comunidades criativas, Alcoforado (2010, p.10)<br />

menciona o uso dos recursos que a natureza ou o ambiente oferecem para desenvolver produtos.<br />

Para tanto, as comunidades aproveitam a tecnologia e o conhecimento decorrentes da tradição e,<br />

assim, conciliam a necessidade de sobrevivência com a preservação cultural.<br />

A Visão Sistêmica<br />

O termo “sistema” é de origem grega (synístanai), indicando “colocar junto ao mesmo tempo”.<br />

Assim, systema passou a designar a “reunião de diversas partes diferentes”, significando também<br />

“combinar” ou “ajustar”, “formar um conjunto”.<br />

A abordagem sistêmica do conhecimento considera que os sistemas apresentam algum grau de<br />

abertura e, assim, relacionam-se entre si, compondo o macro-sistema natural. Isso propõe o pensamento<br />

sistêmico como uma dinâmica integradora e, também, funda um processo metodológico<br />

adotado em diversos campos de estudo, incluindo os sociais. Para Senge (1995, p.23), “[...] o<br />

compor-tamento de todos os sistemas segue certos princípios em comum, cuja natureza está<br />

sendo descoberta e articulada”.<br />

Por sua vez, Seleme (2006, p.94) considera que o método sistêmico é o conjunto de passos que<br />

permite o entendimento de uma situação de transformação organizacional (ou social) e a construção<br />

de ações sustentáveis.<br />

O fenômeno percebido como um sistema apresenta uma dinâmica em que os estados internos<br />

são alterados por influências externas. Porém, a dinâmica interna também influencia o ambiente<br />

externo. Portanto, a abordagem sistêmica propõe a observação desse duplo fluxo de influências.<br />

“O pensamento sistêmico abrange diversos métodos, ferramentas e princípios, os quais têm como<br />

objetivo examinar a relação entre as forças interiores a um sis¬tema e seu ambiente externo<br />

(PASTORE et al., 2009, p.16).<br />

A partir disso, é possível construir conhecimentos capazes de promover a regulação do sistema a<br />

partir da definição dos problemas, da configuração de objetivos e do desenvolvimento de soluções<br />

coerentes. Nesse processo, é possível recriar o próprio meio ambiente.<br />

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Foi dito que a doutrina naturalista considera “os poderes naturais da razão” como sendo superiores<br />

aos processos produzidos pela filosofia racionalista. Por sua vez, a teoria fenomenológica<br />

propõe primeiramente a suspensão dos juízos no momento da percepção do fenômeno. Assim, há<br />

um contato direto entre a sensibilidade e a realidade, propiciando sua apreensão pelos “poderes<br />

naturais da razão”. Esse conhecimento tácito (ou estético) é necessário para a posterior explicitação<br />

lógica do fenômeno percebido.<br />

Nonaka e Takeuchi (1997) propõem que a trans¬missão do conhecimento tácito requer o aprendizado<br />

mediante a experiência direta, valorizando a interação entre o indivíduo e o mundo e dos<br />

indivíduos entre si (interação intersubjetiva).<br />

A compreensão dessa vivência interativa pode ser representada em palavras e outros esquemas<br />

conceituais, configurando o processo (hermenêutico) de explicitação do conhecimento apreendido,<br />

para que esse possa ser comunicado. Assim, apesar de serem entidades separadas, o conhecimento<br />

tácito (propiciador dos poderes naturais da razão) e o conhecimento explícito (decorrente<br />

da razão lógico-filosófica) são complementares. Isso gera a possibilidade de compartilhamento de<br />

experiências e permite que o intangível seja representado e se torne tangível.<br />

Como é proposta no desenvolvimento do trabalho junto às comunidades, a pesquisa descritiva faz<br />

interagir a percepção sensível (conhecimento tácito) com a interpretação e a descrição lógica do<br />

fenômeno estudado (conhecimento explícito). Por sua vez, a observação sistemática da situação,<br />

organiza logicamente e previamente um plano de apreensão ordenada da realidade. Portanto, os<br />

momentos de percepção e vivência são regidos pela suspensão dos juízos, visando o conhecimento<br />

tácito e o uso dos poderes naturais da razão. Contudo, esses momentos são previamente planejados<br />

de acordo com a razão metodológica da pesquisa. Os conhecimentos apreendidos também<br />

são explicitados por meio de linguagens lógicas, com o uso de palavras e de esquemas, como o<br />

mapa sistêmico.<br />

O mapa sistêmico tem como função a construção de uma estrutura sistêmica que determina “[...]<br />

os padrões de comportamento da organização (ou comunidade) por meio da identificação das relações<br />

causais entre fatores e sobre a situação de interesse” (ANDRADE, 2006, p.112).<br />

O planejamento da produção coletiva e o enfrentamento dos problemas comunitários com soluções<br />

conjuntas, visando a sustentabilidade do processo requerem que os conhecimentos apreendidos<br />

por cada indivíduo sejam explicitados e compartilhados. Portanto, as comunidades em estudo são<br />

grupos de conhecimento compartilhado que se apóiam nos processos de aprendizagem.<br />

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O processo de aprendizagem depende dos processos de informação e comunicação, que permitem<br />

o compartilhamento das vivências e dos conhecimentos e, também, reflexões e discussões sobre<br />

significados, distinções, uni¬ões e relações entre efeito-causa-efeito. Pois, além do plano individual,<br />

isso deve ocorrer no plano coletivo, fixando princípios, identificando problemas e propondo<br />

objetivos comunitários, de maneira que ideias e soluções sejam coerentes e convergentes com os<br />

propósitos comuns. “A aprendizagem é um processo trans¬formador das relações entre as partes<br />

de um sistema, isso não resta dúvida. Entretanto, ela não vem de um motivo gratuito.” (PASTORE<br />

et al., 2009, p.17).<br />

<strong>Design</strong> Sistêmico<br />

Como campo modernista de estudos e atividades, a área de <strong>Design</strong> foi decorrência da Revolução<br />

Industrial e, como essa, é descendente direta do pensamento racionalista-positivista. Em princípio,<br />

a missão proposta foi o planejamento da própria sociedade industrial, projetando os produtos<br />

que caracterizariam essa realidade. Portanto, havia um macro-sistema em emergência e sua<br />

configuração estava também a cargo dos designers. Isso promoveu a visão idealizadora (idealista)<br />

da atuação do designer que se dispunha a projetar (modelar) por meio dos produtos a própria<br />

realidade.<br />

A consolidação da sociedade industrial e a configuração desta era denominada de pós-industrial<br />

determinaram uma realidade complexa, que deve ser considerada no seu todo, sempre que se<br />

pensa em tratar alguma de suas partes. Isso provocou a necessidade da visão estratégica que,<br />

seguindo a perspectiva sistêmica, considera a totalidade como unidade complexa, a qual não<br />

permite o tratamento de situações isoladas ou descontextualizadas. Sobre isso, Krucken (2008)<br />

considera que<br />

Inicialmente centrado no projeto de produtos físicos, seu escopo vêm<br />

evoluindo em direção a uma perspectiva sistêmica. O principal desafio<br />

do design na contemporaneidade é, justamente, desenvolver e/ou<br />

suportar o desenvolvimento de soluções a questões de alta complexidade,<br />

que exigem uma visão alargada do projeto, envolvendo produtos,<br />

serviços e comunicação, de forma conjunta e sustentável (KRUCKEN,<br />

2008, p.23).<br />

Esse pensamento identifica a dimensão estratégica do design, considerando a relação entre o local<br />

e o global e propondo pensar, conjuntamente, os diversos saberes de uma organização social,<br />

sua cultura ou tradição, seus desdobramentos futu¬ros, seus valores, seus conflitos e suas neces-<br />

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sidades, entre outras possibilidades.<br />

A visão sistêmica permite o planejamento de estratégias para compor siste¬mas do tipo produtoserviço.<br />

Para sua concretização, as estratégias devem ser desenvolvidas por meio de táticas que<br />

coordenam as operações do design. Como um sistema, o processo do design atua como processador<br />

de informações, incorporando inputs ou sinais de entrada e produzindo outputs, como<br />

soluções de saída (Figura 01).<br />

Figura 01: <strong>Design</strong> como um sistema processador de informações Fonte: Adaptada de Santos (2000, p.24).<br />

A abordagem sistêmica oferece um escopo ampliado para o processo de projetação em <strong>Design</strong>. A<br />

abordagem sistêmica se estabelece a partir dos dados obtidos no decorrer do processo ampliado,<br />

para obtenção de um conhecimento específico. Isso propicia a previsão das validações necessárias<br />

e orienta a busca da eficácia e da eficiência do projeto.<br />

Com o olhar voltado para a comunidade, os designers podem identificar possibilidades ou constatar<br />

iniciativas criativas empreendidas pelos indivíduos. Isso caracteriza as “comunidades criativas”,<br />

como grupos de pessoas que (1) se organizam localmente; (2) resolvem problemas de<br />

maneira colaborativa; (3) geram soluções sustentáveis. Manzini (2008) considera que essas ações<br />

comunitárias repercutem socialmente, porque oferecem pequenas contribuições para orientar a<br />

sociedade como um todo na direção da sustentabilidade. Para Manzini (2008), há três modos de<br />

interação dos designers com a comunidade. (1) A primeira se estabelece a partir da base (bottomup),<br />

com a participação ativa das pessoas internamente interessadas; (2) a segunda ocorre pela<br />

intervenção de instituições externas, acontecendo de fora para dentro ou de cima para baixo<br />

(top-down); (3) a terceira é caracterizada por trocas de informações entre organizações similares<br />

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(peer-to-peer).<br />

Inserido na realidade das “comunidades criativas”, o papel profissional do designer é compreender<br />

as peculiaridades do ambiente, com a finalidade de inserir o design de maneira colaborativa e<br />

eficiente, visando o aprimoramento ou desenvolvimento dos processos comunitários informativocomunicativos<br />

e produtivos.<br />

No decorrer de sua prática, a abordagem sistêmica produziu instrumentos de planejamento que<br />

auxiliam o trabalho com as comunidades. Um desses instrumentos é o mapa sistêmico, cuja estrutura<br />

determina “[...] os padrões de comportamento da organização por meio da identificação das<br />

relações causais entre os fatores e sobre a situação de interesse” (ANDRADE, 2006, p.112).<br />

O Mapa Sistêmico<br />

A profissionalização dos processos produtivos necessita dos recursos do design. As comunidades<br />

trabalham com recursos naturais ou com materiais sustentáveis, apresentando contribuições e<br />

orientações para a sociedade. Porém, necessitam também de orientações e recursos para inserir<br />

sua produção na sociedade.<br />

O mapa sistêmico auxilia na função de elucidar os participantes das “comunidades criativas”, de<br />

práticas e locais, sobre o processo necessário para o desenvolvimento do processo produtivo, solucionando<br />

problemas e profissionalizando a inserção dos produtos fabricados na sociedade.<br />

A partir de uma estruturação básica e versátil, o mapa sistêmico indica as etapas necessárias ao<br />

processo produtivo, permitindo ainda a expressão de alterações ou modificações no processo em<br />

planejamento, inclusive, com a inserção de novas etapas (Figura 02).<br />

Pesquisa aplicada das comunidades criativas<br />

Acerca desta visão operacional, do produto final, a intervenção do design pode atuar na adaptação<br />

dos produtos às necessidades, preferências e tendências dos usuários dotando ao produto características<br />

estéticas, funcionais, formais, simbólicas, culturais, ergonômicas, entre outras, e influenciando<br />

em questões como qualidade aparente, identificação, valorização e transmissão dos<br />

atributos e diferenciação.<br />

Além disso, a organização destes pequenos produtores familiares em grupos produtivos familiares<br />

(“comunidades criativas”) tem demonstrado ser uma das alternativas no setor para viabilizar inú-<br />

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meras questões relativas à escala de produção, margem de lucro, questões culturais, comercialização,<br />

permanência no meio rural, entre tantas outras.<br />

Sendo assim, nota-se que as “comunidades criativas”, principalmente, têm buscado verticalizar<br />

suas atividades, processando seus produtos e os comercializando já em condições de serem consumidos,<br />

o que vêm proporcionando maior valor agregado aos produtos.<br />

O desenvolvimento de uma identidade para os produtos de comunidades locais permite mais que a<br />

unificação da comunicação de produtores independentes, também abre caminhos para que toda a<br />

região passe a trabalhar sistematicamente os valores transmitidos pela marca criada – qualidade,<br />

tradição, seriedade, profissionalismo etc. Isso só tende a auxiliar na adição de valor dos produtos<br />

constituindo uma forma eficaz de elevar a renda dos pequenos produtores, fixando-os assim,<br />

em suas comunidades, sem dar margem para que pensem em deixar seu trabalho ou seu local de<br />

origem para obter melhores condições de vida e financeiras. “Nesta valorização e comunicação,<br />

o <strong>Design</strong>, especificamente o gráfico, vem contribuindo de forma decisiva com soluções efetivas,<br />

que se manifesta na interface visual dos produtos.” (PEREIRA, 2004, p.14).<br />

As principais funções das marcas comerciais são identificar o produto e o fabricante, diferenciar<br />

um produto dos concorrentes, permitir ao consumidor reconhecer o produto e repetir a compra,<br />

além de proteger o produto de imitações. Segundo Pereira (2004, p.12) “Sabe-se que a apresentação<br />

dos produtos nas gôndolas é fundamental para reforçar os atributos de marca e para aumentar<br />

a probabilidade de sucesso das vendas.” Pois assim, a partir de uma utilização adequada<br />

e consciente do design, este pode possibilitar uma suposta melhoria na percepção dos possíveis<br />

compradores/clientes, contribuindo para a competitividade do produto no mercado. Por isso,<br />

torna-se de suma importância a participação dos próprios produtores na definição das propostas<br />

escolhidas e também no refinamento das definitivas para que apontem ideias e demonstrem a<br />

percepção que possuem dos produtos que elaboram. Além dos próprios produtores também se faz<br />

necessário a participação dos clientes nesta etapa criativa que envolve a criação das identidades<br />

e uma nova aparência para os produtos destas comunidades devido à análise de preferências e<br />

gostos pessoais em busca de harmonia e equilíbrio entre a relação cliente inicial [produtores] e os<br />

clientes finais [consumidores].<br />

A busca da identidade dentro da homogeneidade é, portanto, o espaço de valorização das particularidades,<br />

ressaltando os atributos próprios dos locais, sua especificidade e, por último, sua<br />

vantagem competitiva. (BUARQUE, 2008, p.38, grifo do autor).<br />

Este acompanhamento e trabalho consistem em seguir e cumprir os seguintes objetivos: promover<br />

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ações relacionadas ao design para potencializar as atividades dessas comunidades na busca da<br />

sustentabilidade; promover a integração entre o desenvolvimento econômico, social e cultural;<br />

desenvolver produtos mais adequados à realidade de mercado por meio do design; promover<br />

a transformação social por meio da valorização do produto e do design; transferir tecnologias<br />

de design para as comunidades de entorno; identificar e integrar os grupos produtivos locais no<br />

processo para desenvolvimento local; buscar a Gestão de <strong>Design</strong> que mais se adéque a realidade<br />

local; revisar processos gerenciais internos; identificar os condicionantes físicos relacionados ao<br />

trabalho dentro das comunidades.<br />

Os procedimentos para o desenvolvimento dessas atividades têm seu foco em metodologias colaborativas<br />

associadas a metodologias de design, pesquisas participativas e pesquisa social. Além<br />

disso, para melhor andamento do projeto devem-se aliar os aspectos práticos e não somente<br />

permanecer na teoria. O profissional de design que está inserido nessas comunidades acompanha<br />

os participantes no que se referem às suas culturas, histórias, processos etc. A partir dessas experiências<br />

de convívio, conversas e trocas de informações é que são elaboradas as identidades<br />

visuais dessas “comunidades” visando à inserção destas no mercado e também agregação de valor<br />

aos seus produtos. Então, buscam-se elementos oriundos dessas culturas devido à identificação<br />

de gostos, costumes, para não gerar certo afastamento de suas origens. Sendo assim, o design apresenta-se<br />

como um valor transformador inserido no contexto de uma sociedade contemporânea<br />

que está em constante processo de transição.<br />

Essas comunidades também podem ser consideradas uma forma particular de desenvolvimento<br />

local se vinculadas a projetos locais, apresentando tendenciosamente uma grande homogeneidade<br />

social e econômica e capacidade de organização e participação comunitária. As ações da<br />

localidade contam ainda, com a colaboração da vizinhança, que se organiza na forma de redes<br />

projetuais. Assim, os territórios regionais podem se beneficiar da aproximação estratégica do<br />

design, que é capaz de ligar as pessoas e lugares numa visão diferente de desenvolvimento, onde<br />

os recursos locais e a criatividade das pessoas são empenhados na tarefa desafiante de cuidar das<br />

relações humanas (MERONI, 2008).<br />

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Figura 02: Mapa Sistêmico. Fonte: do autor.<br />

De modo geral, o processo de atuação inicia com o reconhecimento da realidade física e simbólico-cultural<br />

da comunidade e, também, de sua produção. Isso permite o reconhecimento e a<br />

configuração da identidade comunitária que, de modo sistêmico, é relacionada à identidade dos<br />

produtos. Portanto, a composição do mapa tem origem na descrição dessa identidade e dos temas<br />

de interesse da comunidade.<br />

Posteriormente, são discutidos os temas e os conceitos de interesse, de modo individual e coletivo,<br />

promovendo o alinhamento dos conhecimentos entre os participantes da comunidade. A coleta,<br />

a descrição e a interpretação das informações compõem o panorama conceitual (briefing) para a<br />

projetação das ações e dos produtos de <strong>Design</strong>, considerando-se principalmente duas vertentes,<br />

sendo a primeira composta pelos recursos naturais e a segunda pelo processo produtivo. Pois, a<br />

proposta de sustentabilidade requer a complementaridade entre as duas vertentes.<br />

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Por fim, o projeto do conjunto de produtos ou do produto final, que foi previamente proposto e<br />

desenvolvido como projeto sustentável, deve também mostrar-se culturalmente identificado com<br />

a comunidade. Isso orienta e permite a confecção de um sistema de identificação (por exemplo,<br />

rótulos) e proteção (por exemplo, embalagens) para a produção local. Há uma diversidade de<br />

produtos de diferentes naturezas que podem ser projetados e desenvolvidos a partir das atividades<br />

de <strong>Design</strong>. Mas, geralmente, os produtos de identificação, comunicação e proteção são prioritários.<br />

Considerações finais<br />

Em comparação com a doutrina positivista, a perspectiva naturalista se alinha ao viés materialista.<br />

Porém, ao investir radicalmente na imanência do conhecimento, a partir do mundo natural, o<br />

pensamento naturalista rompe com o racionalismo idealista cartesiano. Pois, aceita que a razão<br />

naturalista, cuja base é sensível-intuitiva, é mais poderosa que a razão filosófica (especialmente<br />

a cartesiana).<br />

Os pressupostos da doutrina naturalista fornecem a base para uma perspectiva biológica do conhecimento,<br />

sustentando teoricamente a abordagem evolucionista da realidade e do conhecimento<br />

e, do mesmo modo, sustenta a teoria e a abordagem sistêmica. Por sua vez, a teoria sistêmica<br />

considera a totalidade indissociável em partes (o todo é maior e mais complexo que a soma das<br />

partes). Assim, repudia a possibilidade analítica que, também, foi proposta por Descartes.<br />

A valorização da razão naturalista aproxima-se conceitualmente da proposta fenomenológica,<br />

cuja perspectiva abriga as modalidades de pesquisa qualitativa e interpretativa. Portanto, a<br />

abordagem sistêmica e a pesquisa descritiva, adotadas na pesquisa desenvolvida nas “comunidades<br />

criativas”, são direta e indiretamente sustentadas no pensamento naturalista.<br />

Atualmente, está em curso o processo de revisão da relação entre a cultura e a natureza, mediada<br />

pela ideia de sustentabilidade e pelas práticas de produção sustentáveis, privilegiando a<br />

preservação dos recursos naturais. Isso recoloca a visão naturalista na qual a natureza é fonte da<br />

vida e do conhecimento, no foco das preocupações sociais. Assim, o pensamento focado no mundo<br />

natural é princípio e fim da abordagem prevista no processo de pesquisa e participação relatado<br />

neste texto.<br />

O pensamento e os procedimentos voltados para a sustentabilidade ecológica e econômica das<br />

“comunidades criativas locais” propõem a produção, a organização e a aplicação de conhecimentos<br />

extraídos do ambiente comunitário.<br />

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Os conhecimentos são utilizados no aprimoramento e desenvolvimento de atividades produtivas<br />

como, por exemplo, na produção de artesanato. Com base na tradição cultural comunitária, o<br />

processo produtivo, geralmente, advém de conhecimentos empíricos que, em parte, são transmitidos<br />

de maneira intersubjetiva, de modo tácito.<br />

Os processos produtivos subsidiam parcialmente a vida comunitária. Mas, de modo geral, carecem<br />

de intervenções formais que colaborem na explicitação, na organização, no desenvolvimento e na<br />

profissionalização dos processos produtivos. Isso é obtido com o auxílio do design, esclarecendo e<br />

valorizando os pontos fortes da produção e dos produtos locais.<br />

A produção de grande parte das comunidades depende dos produtos naturais, como a flora local.<br />

Assim, os processos de fabricação respeitam os ciclos naturais de produção da matéria-prima, que<br />

são relacionados à prática da sustentabilidade ambiental. Os processos se desenvolvem em ciclos,<br />

como o ciclo de vida dos agentes sociais, da vida dos produtos e das próprias comunidades, porque<br />

os sistemas são cíclicos.<br />

Como sistemas abertos, as comunidades criativas são cíclicas e permeáveis. Essa permeabilidade<br />

permite a participação da cultura do design no ciclo de vida cultural-produtivo das comunidades.<br />

Sob a abordagem sistêmica, a participação do design busca desenvolver uma espiral de profissionalização<br />

e progresso sustentável no processo criativo-produtivo das comunidades. Assim, a influência<br />

do design propõe elevar o nível do processo produtivo comunitário, atuando na mediação<br />

e na organização das relações internas e externas ao sistema comunitário.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

Teresa Cristina Santos Rebello Mestranda em <strong>Design</strong> - <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> –<br />

São Paulo – SP tete.rebello@gmail.com<br />

Resumo<br />

Nos últimos anos, percebeu-se um crescimento no acesso à internet no mundo<br />

todo e a participação de grande parte de seus usuários em redes sociais como<br />

Orkut, Facebook, Twitter, etc., que proporcionam o compartilhamento de ideias e<br />

experiências, e a criação de vínculos em torno de interesses comuns, traduzidos<br />

em relacionamentos pessoais, formais e informais. O contexto comunicacional e<br />

também cultural dessas redes, atraiu a atenção de marcas que viram nesse espaço,<br />

mais uma forma de dialogar com seus consumidores e, mais recentemente,<br />

de vender seus produtos e serviços, configurando um contexto de interação social<br />

com a possibilidade de consumo do e-commerce. O presente artigo tem como<br />

proposta apresentar o aplicativo LikeStore, uma plataforma independente de e-<br />

commerce dentro do Facebook, como forma de justificar uma nova experiência de<br />

compra por parte dos usuários dessa rede, moldada por estratégias para envolvêlo<br />

de uma forma mais integrada com as marcas ali presentes.<br />

Palavras-chave:<br />

redes sociais, consumo, e-commerce, LikeStore.<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

Introdução<br />

Nos últimos anos, percebeu-se um crescimento do acesso à internet no mundo todo, e, a<br />

participação de grande parte de seus usuários nas chamadas redes sociais, como Orkut, Facebook,<br />

Myspace, Twitter, Linkedin, dentre outras. Essas redes sociais proporcionam a seus usuários o<br />

compartilhamento de ideias e experiências e a criação de vínculos em torno de interesses comuns,<br />

traduzidos em relacionamentos pessoais, formais e informais. Este contexto comunicacional e,<br />

portanto, cultural, atraiu a atenção de marcas, que viram nas redes sociais mais uma forma de<br />

dialogar e interagir com seus consumidores. Mais recentemente, o desenvolvimento de aplicativos<br />

vem tornando possível vender produtos e serviços dentro dessas redes, configurando um contexto<br />

de interação social com a possibilidade de consumo. Esta estratégia, denominada social commerce,<br />

emprega ferramentas colaborativas de redes sociais para auxiliar no processo de consumo de<br />

produtos e serviços online.<br />

Castells (1999, p.78-79) já afirmava no final da década de 1990, que as tecnologias da informação<br />

iriam remodelar a base material da sociedade em ritmo acelerado e que as redes interativas de<br />

computadores cresceriam exponencialmente, criando novas formas e canais de comunicação,<br />

moldando a vida e, ao mesmo tempo, reconfigurando-se pela convergência entre mídias. Nesse<br />

sentido, para o autor, a sociedade vem se constituindo pelo exercício de acesso à informação<br />

como matéria-prima; da flexibilidade das organizações e instituições em processos reversíveis<br />

de modificação; da capacidade de reconfiguração, tornando possível reprogramar-se devido às<br />

constantes mudanças; e, a lógica das redes, implantando materialmente processos e organizações.<br />

Saad (2003, p.23) já afirmava que, estudar os impactos de uma inovação tecnológica de ruptura<br />

e propor formas de atuação empresarial adequadas para fazer desta inovação um componente<br />

de competitividade, exige uma boa dose de adaptabilidade de pesquisadores, estrategistas e<br />

empresários. Segundo a autora, estamos tratando de uma ambiente em constante mudança:<br />

tecnológica e de produtos e serviços; um ambiente que vivencia velocidade e instantaneidade.<br />

Ugarte (2008), por sua vez, discorre sobre como a mudança na estrutura da informação marcada<br />

pelo surgimento das ferramentas pessoais de computação (os computadores pessoais) e de uma<br />

rede global distribuída de comunicações (a internet), que conectou milhões de computadores<br />

hierarquicamente iguais, contribuiu para uma nova distribuição de poder, fase que ele denominou<br />

Era das Redes Distribuídas. Para o autor<br />

as redes distribuídas são um sistema pluriárquico, onde ninguém<br />

depende de ninguém para fazer circular mensagens, ou seja, não há<br />

hierarquia e que, quanto mais membros existem em uma rede, maior<br />

valor ela terá para um não-membro, conferindo consequentemente<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

maior valor ao produto (UGARTE, 2008, p.40-43).<br />

o que ele chama de Efeito Rede. Sobre isso, Sibilia (2008, p.21) chama atenção para o rápido<br />

crescimento da rede social Facebook em seus três primeiros anos de vida, o que levou a Microsoft<br />

a comprar, em 2007, 1,6% de seu capital, justificando a transação pelo potencial que o crescente<br />

número de usuários do serviço representava em termos publicitários. Neste sentido, a estratégia<br />

do Facebook estaria em converter cada usuário da rede em um eficaz instrumento de marketing<br />

para dezenas de companhias que vendem produtos e serviços na internet. Para a autora, isso<br />

permitiria o monitoramento das transações comerciais realizadas pelos usuários da grande<br />

comunidade virtual. Seria então uma nova forma de conexão e compartilhamento de informações,<br />

permitindo aos usuários manterem seus amigos melhor informados sobre seus interesses, além de<br />

servir como referência confiável para a compra de algum produto.<br />

Seguindo a tendência que sugere o engajamento dos indivíduos em um processo de promoção<br />

da marca que potencialize o próprio consumo, em maio de 2011, é lançado um aplicativo de<br />

e-commerce para o Facebook, o LikeStore[1],<br />

tornando possível vender produtos e serviços nessa rede, unindo a força da interação entre amigos<br />

nas redes sociais, com o poder de conversão de vendas do e-commerce.<br />

Nesse sentido, o presente artigo tem como proposta apresentar o aplicativo LikeStore como forma<br />

de justificar uma nova experiência de compra para os usuários da rede social Facebook, moldada<br />

por estratégias para envolvê-lo de uma forma mais integrada com as marcas e empresas presentes<br />

na rede, no sentido de firmar um maior elo de afinidades entre as partes.<br />

As Redes Sociais<br />

Os anos 1990, marcados pelas redes digitais de comunicação, configuraram um processo de<br />

interconexão crescente no qual as pessoas passaram a ter acesso simultâneo a diversas mensagens,<br />

individualizadas ou coletivas, em diversos meios. Nesse sentido, as redes sociais proporcionaram<br />

mudanças culturais na maneira como interconectados, nos construímos, interagimos e nos<br />

comunicamos; nos expressamos; e, nos apresentamos para o mundo. Este processo de comunicação,<br />

contínuo e colaborativo entre seus usuários demandou uma nova postura de atualização por parte<br />

das empresas que devem saber fazer uso das informações que circulam ali de forma efetiva na<br />

geração de ideias criativas e inovação para os negócios.<br />

Segundo Jenkins (2008, p.47) ver um anúncio e comprar um produto já não basta, assim, uma<br />

empresa deve convidar o público para entrar na comunidade da marca. Para Spyer (2007), as<br />

redes sociais como são conhecidas hoje, teriam sido uma evolução dos sites de relacionamento,<br />

populares até o final dos anos 1990, que ajudavam as pessoas a encontrar parceiros. Essas redes<br />

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teriam surgido para atender a demanda por relacionamentos em outros níveis como o profissional e<br />

o social, ou ainda, por temas de interesse específico. Para o autor, a característica diferenciadora<br />

dos novos social networking services é que eles não se limitaram a cruzar informações para<br />

aproximar desconhecidos com potencial de relacionamento, mas também oferecer possibilidades<br />

de reconstrução social na internet, potencializando a rede de familiares, amigos e colegas. Nesse<br />

sentido,<br />

O programa funciona como uma agenda de endereços coletiva: cada<br />

usuário cria seu perfil preenchendo um formulário e, a partir daí,<br />

procura conhecidos que também estejam cadastrados no sistema. Na<br />

medida em que você encontra essas pessoas, pode convidá-las a fazer<br />

parte da sua rede de contatos, que funciona como uma caderneta de<br />

endereços: uma relação de nomes de conhecidos e suas informações<br />

pessoais, com a diferença de que essas cadernetas se interconectam<br />

permitindo que uma pessoa explore a lista de conhecidos das outras<br />

(SPYER, 2007, p.71).<br />

Recuero (2009, p.24) também evoca reflexões sobre as mudanças que a internet trouxe para a<br />

sociedade contemporânea. Para a autora, a mais significativa é a possibilidade de expressão e<br />

sociabilização através das ferramentas de comunicação mediada pelo computador. As pessoas<br />

envolvidas na rede, nomeada de “atores” pela autora, em processos de construção, interação e<br />

comunicação com outros atores, deixam rastros ou pistas que permitem o reconhecimento dos<br />

padrões de suas conexões e a visualização de suas redes sociais. Para Recuero (2009), uma rede<br />

social é definida como o conjunto de dois elementos: de atores (pessoas, grupos ou instituições)<br />

e de suas conexões (interações e laços sociais).<br />

Neste sentido, os atores nas suas representações (seja um blog, um perfil no Orkut, um fotolog,<br />

etc.) ou construções identitárias (considerando que nem sempre eles são discerníveis), vão moldar<br />

as estruturas sociais através da interação e da constituição de laços sociais (RECUERO, 2009,<br />

p.24-25). A partir da observação dessas interações, é possível perceber elementos como o grau<br />

de intimidade entre os interagentes, a natureza do capital social trocado e outras informações<br />

que auxiliam na percepção da força do laço que une cada par, demonstrando que os laços sociais<br />

ajudam a identificar e compreender a estrutura de determinada rede social (IBIDEM, p.43).<br />

Percebe-se então, as redes sociais como fluxos informacionais que refletem a conexão em rede<br />

proposta por Castells (1999); uma outra forma de interação social; uma outra mídia, na qual a<br />

informação circula, é filtrada e repassada; conectada à conversação, onde é debatida, discutida,<br />

gerando a possibilidade de outras formas de organização social baseadas em interesses das<br />

coletividades (RECUERO, 2011, p.15-16).<br />

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O Brasil é um dos dez países que mais acessam redes sociais, de acordo com pesquisa realizada<br />

em abril de 2010 pelo IBOPE Inteligência em parceria com a Worldwide Independent Network of<br />

Market Research (WIN)[2]. Os resultados mostram que 87% dos internautas brasileiros acessam<br />

redes sociais, com tendência de crescimento, já que 20% da população pretende entrar no mundo<br />

das redes sociais num futuro próximo.<br />

Já o levantamento da empresa comScore [3] aponta o Brasil como o quinto país do mundo no<br />

uso das redes sociais. Na comparação entre os meses de julho de 2009 e julho de 2010 o país<br />

teve crescimento de 47% no acesso a esse tipo de site (de 23.966 milhões para 35.221 milhões<br />

de visitantes únicos) [4].Esses dados chamam a atenção das empresas que enxergam nas redes<br />

sociais uma oportunidade de mercado, mas que, mesmo assim, demandam alguns cuidados, já<br />

que estar presente nelas significa entrar em território ainda pouco conhecido; uma adaptação<br />

a outras formas de diálogo e conversação com seus consumidores; e, um indicativo para outras<br />

formas de serviços, marketing, publicidade e vendas, agora mais direcionados e conversacionais,<br />

considerando que estes consumidores estão em rede, curtindo, comentando, discutindo,<br />

participando, compartilhando e comprando.<br />

O Social Commerce<br />

Com a diversificação dos suportes comunicacionais, das técnicas e modos de contato e de<br />

relacionamento com o consumidor, facilitados pelas tecnologias digitais e mapeados na internet,<br />

um varejista deixou de ter somente a loja de vizinhança como concorrente para enfrentar muitos<br />

outros. Essa diversificação fez surgir o varejo sem loja, por exemplo, tendo o comércio eletrônico<br />

como um de seus expoentes. Para dar conta dessas mudanças, uma empresa, independente de seu<br />

porte, passou a atuar em multicanais de vendas, com o objetivo de atender seus consumidores onde<br />

quer que eles estejam, da forma mais conveniente, através de abordagens mais diversificadas, de<br />

discursos mais específicos (segmentados), se fazendo mais presente no seu cotidiano.<br />

Jenkins (2008) concorda que o comportamento do consumidor é outro a partir dessas mudanças.<br />

Para ele,<br />

Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos<br />

consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis<br />

e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são<br />

migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a<br />

meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos<br />

isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o<br />

trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos<br />

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consumidores agora são barulhentos e públicos (JENKINS, 2008, p.45).<br />

Percebe-se que os consumidores se tornaram mais vulneráveis, curiosos e exploradores graças à<br />

grande quantidade de informação disponível na rede, o que também gerou insegurança, devido às<br />

dificuldades de escolha, de conhecimento, de orientação, de familiaridade e de confiança diante<br />

de ofertas sempre renovadas e modificadas.<br />

Como forma de minimizar essas dificuldades, o consumidor passou a recorrer à internet para<br />

checar a opinião de outros consumidores sobre determinada marca, produto ou serviço, no intuito<br />

de tomar uma decisão de compra mais acertada, endossada e validada por alguém com quem<br />

compartilhe interesses, valores e opiniões.<br />

Segundo Spyer (2007, p.148), graças à internet, o consumidor tem encontrado formas para<br />

contra-argumentar a opinião especializada sobre produtos, que muitas vezes reflete somente os<br />

interesses dos fabricantes. Segundo o autor, a ideia se popularizou principalmente com a Amazon.<br />

com [5], que desde o início estimula seus usuários a compartilharem opiniões com a comunidade<br />

compradora.<br />

É sabido que, na situação de compra, o consumidor age em decorrência de várias influências de<br />

ordem interna e externa, que se combinam, se excluem e se somam, no intuito de criar nele, uma<br />

atitude favorável em relação a uma marca, produto, serviço ou ideia.<br />

Para Kotler e Armstrong (2000, p.77), essas influências podem ser de ordem psicológica, pessoal,<br />

social e cultural. Kotler e Keller (2006) colocam que, dentre outros fatores, o comportamento<br />

do consumidor é influenciado sobremaneira por fatores sociais, como grupos de referência,<br />

família, papéis sociais e status. Para Churchill e Peter (2000, p.160), os grupos de referência são<br />

aqueles grupos de pessoas que influenciam os pensamentos, os sentimentos e o comportamento<br />

do consumidor. Segundo Kotler (1998) existem os grupos de afinidade denominados primários e<br />

secundários. Os grupos primários são constituídos pela família, pelos amigos, pelos vizinhos e pelos<br />

colegas de trabalho; com estes grupos a pessoa interage mais continuamente e informalmente. Já<br />

os grupos secundários são constituídos pela religião, sindicatos e profissões, os quais tendem a ser<br />

mais formais e exigem interação menos contínua (KOTLER,1998, p.177).<br />

Levando em consideração essas definições, percebe-se a importância que os grupos de referência<br />

têm sobre o comportamento das pessoas envolvidas, já que influenciam a auto-imagem e<br />

constituem referência para as mesmas. Essa curadoria ou o endosso de uma marca, produto ou<br />

serviço que acontece hoje nas redes sociais digitais, também sugere uma nova experiência de<br />

compra, moldada por estratégias para envolver o consumidor de uma forma mais integrada com<br />

a marca.<br />

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Nesse sentido, ganha força um tipo de transação comercial, inserido nas redes sociais digitais,<br />

o Social Commerce (fusão dos termos social media + e.commerce); uma vertente do comércio<br />

eletrônico (e-commerce) que emprega ferramentas colaborativas de redes sociais para auxiliar no<br />

processo de consumo de produtos e serviços online.<br />

Segundo Marsden (2010), o social commerce teria como principais vantagens a monetização da<br />

mídia social, a otimização das vendas online e a inovação do modelo de negócio. Sugere, portanto,<br />

um reforço na conscientização sobre a descoberta de um produto, um acelerador na seleção do<br />

mesmo e um ativador de defesa, já que funciona como um referencial a outros consumidores.<br />

Ainda segundo o autor, o social commerce apresenta duas estratégias principais: ajudar as pessoas<br />

a se conectarem aos lugares onde elas compram (como o exemplo da Amazon, que convida seus<br />

usuários a opinar e discutir sobre produtos em seu próprio site de e-commerce), bem como ajudálas<br />

a comprar nos lugares onde estão conectadas (como, por exemplo, a rede americana de<br />

eletrônicos Best Buy, com uma plataforma de vendas dentro do Facebook) (MARSDEN, 2010, p.2).<br />

Considera-se então, que o social commerce ajuda na conquista de novos consumidores para<br />

impulsionar vendas (já que tem acesso à rede de amigos dos clientes); diminui a distância entre<br />

clientes e empresa (já que a venda é baseada na recomendação de pessoas que conhecemos,<br />

acompanhamos e/ou confiamos); maximiza o tempo dos usuários e a troca de experiências entre<br />

eles; reduz os riscos de uma compra inadequada; além de propor soluções baseadas em interesses<br />

comuns (IBIDEM, p.7).<br />

Segundo o relatório Webshoppers 23ª edição elaborado pela e-bit, foram faturados R$ 14,8<br />

bilhões em vendas de bens de consumo no e-commerce brasileiro em 2010, o que significou um<br />

acréscimo de 40% comparado aos R$ 10,6 bilhões registrados em 2009. Em 2010, mais de 23<br />

milhões de consumidores fizeram, ao menos, uma compra online, com 40 milhões de pedidos<br />

em todo território nacional. No primeiro semestre de 2011, a estimativa é de um faturamento<br />

em torno de R$ 8,8 bilhões, valor maior que todo o faturamento do ano de 2008, que foi de R$<br />

8,2 bilhões. Esses dados apontam que as pessoas de fato vêm fazendo compras online, nas mais<br />

variadas categorias de produtos. O mesmo relatório aponta que os itens mais vendidos em 2010<br />

foram eletrodomésticos (14%), livros, assinaturas de revistas e jornais (12%), saúde, beleza e<br />

medicamentos (12%), informática (11%), e eletrônicos (7%).<br />

Uma outra pesquisa [6] realizada com 679 brasileiros entre abril e maio de 2011 pela Oh! Panel<br />

para o Mercado Livre e divulgada em 30 de junho no site da Revista Veja, aponta que 56% dos<br />

usuários de internet no Brasil já usam as redes sociais na hora de adquirir produtos e serviços, fato<br />

que corrobora com as tendências aqui apontadas. Além disso, cerca de seis em cada dez usuários<br />

de internet do país realizam pesquisas nas redes sociais antes de comprar produtos e serviços.<br />

72,8% dos entrevistados disseram confiar mais na recomendação dos amigos presentes em redes<br />

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como Facebook, Twitter e Orkut, do que na análise de um especialista. A boa notícia para as<br />

empresas que investem ou que pretendem investir em mídias sociais é de que 40% dos brasileiros<br />

entrevistados acompanham a atuação de suas marcas favoritas nas redes para conhecer novos<br />

produtos (81%) e encontrar novas ofertas (75,6%).<br />

Também nos Estados Unidos, um relatório [7] recém divulgado pela Barkley em parceria com o<br />

Boston Consulting Group constatou que a geração denominada millennial ou geração Y [8], na<br />

sua grande maioria, precisa da ajuda de amigos e familiares antes de tomar qualquer decisão de<br />

compra, inclusive em qual restaurante comer. Eles usam as redes sociais e a tecnologia móvel para<br />

recolher essas opiniões. O estudo apontou que 68% deles não irão tomar uma decisão importante<br />

sem consultar sua rede de contatos primeiramente.<br />

Motivadas por estes indicadores, muitas empresas, principalmente as de pequeno porte, vêm<br />

utilizando o Facebook, considerada a maior rede social do mundo [9], para interagir com seus<br />

consumidores, divulgar suas ações e promover sua marca, produtos, serviços e ideias, devido,<br />

muitas vezes, à escassez de recursos financeiros para investir em outras mídias e manter seus<br />

websites atualizados, o que demanda mão-de-obra especializada e, por conseguinte, cara e nem<br />

sempre acessível.<br />

Nesse sentido, o Facebook disponibilizou para seus usuários brasileiros, a partir de maio de 2011,<br />

um aplicativo de e-commerce denominado LikeStore, para explorar as possibilidades do social<br />

commerce, tornando possível vender produtos e serviços nessa rede, unindo a força da interação<br />

entre amigos nas redes sociais, com o poder de conversão de vendas do e-commerce.<br />

O aplicativo LikeStore<br />

Manovich (2008, p.2) já afirmava que, no final do século XX, o homem adicionou uma nova dimensão<br />

à sua cultura: a dimensão do software e de seus aplicativos desempenhando um papel central na<br />

formação de elementos materiais e nas estruturas imateriais que constituem a cultura. O autor<br />

chama a atenção para as empresas de TI (tecnologia da informação) que, mais do que produtos ou<br />

serviços, produzem softwares e o contexto dos aplicativos, ferramentas, plataformas, etc., que<br />

atuam no centro da economia, da cultura, da vida social e da política em todo o mundo.<br />

Para Preece, Rogers e Sharp (2005)<br />

Com os desenvolvimentos tecnológicos nos anos 1990 (redes, computação<br />

móvel e sensores infravermelhos), a criação de uma diversidade de<br />

aplicativos para todas as pessoas tornou-se uma possibilidade real.<br />

Todos os aspectos da vida de um indivíduo (em casa, em movimento, no<br />

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lazer e no trabalho, sozinho, com a família ou os amigos) começaram<br />

a ser melhoradas e estendidas projetando-se e integrando várias<br />

combinações de tecnologias computacionais. Novas formas de aprender,<br />

comunicar, trabalhar, descobrir e viver começaram a ser pensadas<br />

(PREECE, ROGERS e SHARP, 2005, p.30).<br />

O LikeStore é um desses aplicativos, uma plataforma independente de e-commerce dentro do<br />

Facebook, que tornou possível vender produtos e serviços diretamente das páginas dessa rede<br />

social.<br />

Segundo informações da empresa[10], o aplicativo apresenta como principais funcionalidades o<br />

fato de que toda a experiência ocorre dentro da fan page[11] da loja no Facebook e que cada<br />

venda efetuada é divulgada no mural[12] do comprador, ampliando a divulgação da loja, já que,<br />

mesmo sem comprar, os usuários podem curtir as ofertas e compartilhá-las em seus murais.<br />

O aplicativo disponibiliza ainda, um gerenciador para controle de estoque e gestão de pedidos<br />

em tempo real e assegura transações seguras para seus usuários através do MoiP Pagamentos<br />

(desenvolvido pela MoiP, empresa integradora de meios de pagamento), que servirá como um<br />

caixa para realizar os pagamentos feitos pela rede social, possibilitando uma análise por parte<br />

do vendedor na hora da compra, que poderá verificar de maneira rápida, se há algum risco<br />

em determinada transação comercial[13]. Já para o comprador, a ferramenta dá a opção de<br />

parcelamento nas principais bandeiras de cartões de crédito, além da opção de pagamento com<br />

boleto bancário ou débito em conta corrente.<br />

Segundo o diretor e idealizador do serviço, Gabriel Borges, inicialmente serão firmadas parcerias<br />

com marcas estratégicas para acostumar o consumidor brasileiro à ideia de comprar dentro de<br />

uma rede social, para, em um segundo momento, disponibilizar o serviço às demais empresas<br />

interessadas, que poderão transformar suas fan pages em uma vitrine de produtos, acrescentando<br />

a ela, descrições e imagens. Os usuários também poderão compartilhar compras que foram feitas,<br />

o que vai gerar buzz[14], que é a grande característica das redes sociais[15].<br />

A tecnologia e a arquitetura empregadas no projeto foram concebidas considerando evoluções<br />

futuras do aplicativo e integrações com outras redes sociais, além de customizações para futuros<br />

clientes que queiram se integrar à loja.<br />

Para Spyer (2007, p.96-97), a arquitetura da informação indica a maneira de organização da<br />

informação no espaço segundo um padrão que permite a busca e a recuperação de dados específicos.<br />

Nesse sentido, ela facilita a navegação do usuário. Para o autor, um website é composto por<br />

páginas e links dispostos em uma hierarquia que facilite a movimentação do usuário pelo espaço.<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

Nesse sentido, o desenvolvimento de um ambiente hipermidiático sugere o mapeamento das áreas<br />

de navegação para determinação dessa hierarquia da informação. O conceito de usabilidade,<br />

exercitado no contexto do <strong>Design</strong> de Interação[16], vem assegurar que um produto seja eficaz no<br />

seu uso, eficiente, seguro, útil, agradável, fácil de aprender, memorizar e de usar, sempre sob a<br />

perspectiva do usuário.<br />

O designer deve pensar na distribuição e formato dos elementos constituintes de cada página<br />

do website, pensando nos diversos contextos em que serão acessados: se no monitor de um<br />

computador, ou na tela pequena de um celular, por exemplo. Nesse sentido, ele projeta ou adapta<br />

um logotipo para a versão online, estabelece padrão de cores e cria o look and feel (aparência e<br />

sensação de uso) (SPYER, 2007, p.97).<br />

A partir de algumas figuras que ilustram o tutorial de instalação do LikeStore, pretende-se fazer<br />

uma análise referente a usabilidade e design do aplicativo, sob a ótica de Preece, Rogers e Sharp<br />

(2005), no tocante a seus princípios mais comuns: visibilidade, feedback, restrições, mapeamento,<br />

consistência e affordance. A visibilidade, para as autoras, deve deixar as funções visíveis para<br />

que o usuário saiba como proceder, como por exemplo, no painel de um carro sabemos que<br />

botões acionar para ligar o pisca-alerta, os faróis, etc. Na interação com o aplicativo LikeStore,<br />

percebeu-se que sua visibilidade é adequada, considerando que os controles para as diferentes<br />

operações são claramente visíveis (figura1).<br />

Figura 1: Visibilidade do Painel de Controle do aplicativo LikeStore (Foto: Reprodução/Camila<br />

Porto)<br />

Fonte: http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2011/07/aprenda-como-montar-<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

um-e-commerce-dentro-do-facebook.html.<br />

O feedback, relacionado ainda ao conceito de visibilidade, refere-se ao retorno de informações a<br />

respeito de que ação foi feita e do que foi realizado, permitindo à pessoa continuar a atividade.<br />

Na interação com o aplicativo, o feedback, se mostrou tátil e visual, já que o usuário clica nas<br />

opções desejadas em cada um dos passos dados para a criação da loja online.<br />

Figura 2: Feedback referente a alteração do nome da aba Minha Loja (Foto: Reprodução/Camila<br />

Porto)<br />

Fonte: http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2011/07/aprenda-como-montarum-e-commerce-dentro-do-facebook.html.<br />

O conceito de restrição, por sua vez, refere-se à determinação das formas de se delimitar o tipo<br />

de interação que pode ocorrer em determinado momento. A ideia deste princípio é restringir<br />

as ações dos usuários somente às permitidas naquele estágio da atividade, impedindo que ele<br />

selecione opções incorretas e erre. Na interação com o aplicativo, percebemos que alguns ícones<br />

ficam apagados, demonstrando que não serão utilizados naquela etapa da operação, situação que<br />

também pode ser observada na figura 2.<br />

Já o mapeamento refere-se à relação entre os controles e seus efeitos no mundo, como as setas<br />

utilizadas para representar o movimento para cima ou para baixo do cursor em um teclado de<br />

computador. A consistência, por sua vez, refere-se a projetar interfaces de modo que tenham<br />

operações semelhantes para a utilização de tarefas similares. Elas seguem regras, tais como o uso<br />

da mesma operação para selecionar todos os objetos, como, por exemplo, clicar sempre com o<br />

botão esquerdo do mouse para realizar operações. Na interação com o aplicativo, o mapeamento<br />

e a consistência, por sua vez, foram considerados adequados, já que seguem os padrões pré-<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

412


Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

concebidos em tarefas similares.<br />

E, por fim, o affordance, que é um termo utilizado para se referir a um atributo de um objeto que<br />

permite às pessoas saber como utilizá-lo. A ideia é dar uma pista sobre o objeto, no intuito de<br />

facilitar a interação, através de, por exemplo, botões, ícones, links e barras de rolagem (PREECE,<br />

ROGERS E SHARP, 2005, p.43-47).<br />

Na interação com o aplicativo, consideramos o affordance adequado, já que o aplicativo é de<br />

fácil entendimento por parte do usuário, através de botões, links e ícones que indicam o que este<br />

deve fazer em cada uma das etapas de implantação da fan page. A figura 3 demonstra o uso, por<br />

exemplo, de botões que indicam a ação que o usuário deve fazer para criar a associação com o<br />

aplicativo.<br />

Figura 3: Confirmação da associação de página (Foto: Reprodução/Camila Porto)<br />

Fonte: http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2011/07/aprenda-como-montarum-e-commerce-dentro-do-facebook.html.<br />

Considerações Finais<br />

É inegável que o surgimento e a difusão da internet expandiram os horizontes das pessoas a partir<br />

do momento que elas encontraram motivos e menos dificuldades para acessar e compartilhar<br />

informação. O crescente número de usuários barateia o acesso à tecnologia e expande o alcance<br />

da rede, fatores que chamam a atenção das empresas, que enxergam nas redes sociais, uma<br />

outra forma de interagir com seus consumidores, configurando-se, nesse sentido, como mais uma<br />

oportunidade de mercado. Porém, o assunto não pode ser tratado como um modismo, demandando<br />

por parte das empresas, investimentos em pesquisas qualitativas e técnicas de observação de<br />

usuários em ação nesse ambiente, um território ainda pouco conhecido e explorado. Precisa-se<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

413


Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

levar em conta que os consumidores passaram por transformações - principalmente da segunda<br />

metade do século XX até nossos dias - que os deixaram mais vulneráveis em relação às suas escolhas,<br />

curiosos e exploradores frente a tantas marcas e opções. São agentes dessas transformações e<br />

não meros observadores, se configurando como autores e atores de suas próprias escolhas de<br />

consumo. São consumidores que querem e precisam ser estimulados, requisitados e seduzidos pelas<br />

marcas, ao invés de serem simplesmente informados como acontecia no passado. Eles querem<br />

outras experiências, sejam elas de vida, de compra ou outras, e, nesse sentido, estratégias são<br />

moldadas para envolvê-los de uma forma mais integrada com as marcas, firmando um maior elo de<br />

afinidades entre as partes. Todos esses fatores somados, exigem uma outra postura por parte das<br />

empresas, que devem se orientar para uma comunicação mais transmidiática; para a adequação<br />

do discurso e do diálogo em cada um dos suportes comunicacionais onde estiver presente, no<br />

intuito de potencializar os pontos de contato com o consumidor, o que também vai demandar<br />

outras técnicas de vendas e outros tipos de abordagens. Além disso, com o acesso facilitado ao<br />

ferramental tecnológico (em especial aos softwares e seus aplicativos), outras experiências são<br />

passíveis de acontecer com estes consumidores e, nesse sentido, o aplicativo LikeStore reflete<br />

a solicitação de um mercado que quer comprar de um jeito diferente, amparado pelas opiniões<br />

e interesses de amigos e grupos de interesse, configurando-se como uma outra experiência de<br />

compra na contemporaneidade.<br />

Notas<br />

[1] Fonte: http://likestore.zendesk.com/entries/20213138-o-que-e-a-likestore. Acesso em<br />

28/06/2011.<br />

[2] Brasil está entre os dez países que mais acessam redes sociais. Disponível em Data de publicação: 23/07/2010. Acesso em 25 de julho de 2010.<br />

[3] Empresa de pesquisa de mercado que fornece dados de marketing e serviços para as maiores<br />

empresas da Internet.<br />

[4] Disponível em http://www.magoweb.com/clinicadigital/2010/08/30/marketing-digitalpesquisa-revela-que-brasil-e-5%c2%ba-do-mundo-em-redes-sociais.<br />

Acesso em 26/09/2010.<br />

[5] Amazon.com é uma empresa de comércio eletrônico dos Estados Unidos da América, com sede<br />

em Seattle, Estado de Washington. Foi uma das primeiras companhias com alguma relevância a<br />

vender produtos na Internet. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Amazon. Acesso em 31/07/2011.<br />

[6] Fonte: http://2nd.com.br/metade-dos-brasileiros-consultam-as-redes-sociais-antes-decomprar-na-internet.<br />

Acesso em 28/07/2011.<br />

[7] http://2nd.com.br/metade-dos-brasileiros-consultam-as-redes-sociais-antes-de-comprar-nainternet.<br />

Acesso em 28/07/2011.<br />

[8] Geração de pessoas nascidas após 1980, época de grandes avanços tecnológicos e prosperidade<br />

econômica. Os pais, não querendo repetir o abandono das gerações anteriores, encheram-os de<br />

presentes, atenções e atividades, fomentando a autoestima de seus filhos. Eles cresceram vivendo<br />

em ação, estimulados por atividades, fazendo tarefas múltiplas. Acostumados a conseguirem o que<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

querem, não se sujeitam às tarefas subalternas de início de carreira e lutam por salários ambiciosos<br />

desde cedo. Uma de suas características atuais é a utilização de aparelhos de alta tecnologia,<br />

como telefones celulares de última geração, os chamados smartphones (telefones inteligentes),<br />

para muitas outras finalidades além de apenas fazer e receber ligações como é característico<br />

das gerações anteriores. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_Y. Acesso em<br />

31/07/2011.<br />

[9] Fonte: http://www.bbc.co.uk/news/technology-13712375. Acesso em 28/07/2011.<br />

[10] Fonte: http://likestore.zendesk.com/entries/20213138-o-que-e-a-likestore. Acesso em<br />

28/06/2011.<br />

[11] Segundo o Facebook, uma fan page é uma interface específica para a divulgação de uma<br />

empresa, marca, banda, etc. em redes sociais. Ao realizar a criação é possível escolher o objetivo<br />

dela, conseguindo assim, melhor segmentação do público que deseja alcançar. Fonte: http://<br />

publicidadenainternet.andaxi.com/como-ter-uma-fan-page-do-facebook-alias-o-que-e-fanpage/.<br />

Acesso em 01/08/2011.<br />

[12] Tradução literal de bulletin board e se refere ao objeto comum nas escolas e nas faculdades,<br />

usado pela comunidade de alunos, professores e administração para se comunicarem entre si<br />

por meio de recados escritos presos sobre uma superfície perfurável. O mural na web cumpre<br />

essa função – a comunicação grupal – mas se diferencia do físico porque além de disseminar<br />

informação, possibilita que a audiência dialogue entre si a partir dos anúncios (SPYER, 2007, p.46)<br />

[13] A rede social espera realizar cerca de 150 mil transações no primeiro ano de suas operações<br />

no país, com um compra média estimada de R$ 120 por usuário, gerando R$ 18 milhões em<br />

movimentações financeiras Fonte: http://www.oficinadanet.com.br/noticias_web/3854/<br />

likestore-e-loja-virtual-dentro-do-facebook. Acesso em 01/08/2011.<br />

[14] Tradução livre: Burburinho.<br />

[15] http://www.oficinadanet.com.br/noticias_web/3854/likestore-e-loja-virtual-dentro-dofacebook.<br />

Acesso em 01/08/2011.<br />

[16] <strong>Design</strong> de produtos interativos que fornecem suporte às atividades cotidianas das pessoas,<br />

seja no lar ou no trabalho (PREECE, ROGERS E SHARP, 2005, p.24).<br />

Referências<br />

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede – A Era da Informação: economia, sociedade e cultura.<br />

Volume 1, 4ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1999.<br />

CHURCHILL JUNIOR, Gilbert A.; PETER, J. Paul. Marketing: criando valor para os clientes. São<br />

Paulo: Saraiva, 2000.<br />

eBit. Webshoppers. 23ª edição. 2010.<br />

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Ed. Aleph, 2008.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

KOTLER, Philip. Administração de Marketing: análise, planejamento, implementação e controle.<br />

5ª edição. São Paulo: Atlas, 1998.<br />

________, Philip; ARMSTRONG, Gary. Introdução ao Marketing. 4ª edição. Rio de Janeiro: LTC,<br />

2000.<br />

________, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de Marketing. 12ª edição. São Paulo:<br />

Pearson Prentice Hall, 2006.<br />

MANOVICH, Lev. Software takes command. Novembro, 2008. Disponível em . Acesso em janeiro, 2011.<br />

MARSDEN, Paul. Social Commerce: Monetizando as mídias sociais. Unique Digital, 2010.<br />

MEDEIROS, Maurício. Retail do Futuro – Como será? Usefashion Journal, ano 7, n.78, Ago, 2010.<br />

PREECE, Jenny; ROGERS, Yvonne; SHARP, Helen. <strong>Design</strong> da Interação: além da interação homemcomputador.<br />

Porto Alegre: Bookman, 2005.<br />

RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.<br />

_________, Raquel. A Nova Revolução: as Redes são as Mensagens. In: BRAMBILLA, Ana (org.).<br />

Para Entender as Mídias Sociais. Creative Commons, 2011.<br />

SAAD, Beth. Estratégias para a mídia digital: Internet, informação e comunicação. São Paulo:<br />

Ed. SENAC São Paulo, 2003.<br />

SIBILIA, Paula. O Show do Eu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.<br />

SPYER, Juliano. Conectado – o que a internet fez com você e o que ela pode fazer com ela. Rio<br />

de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.<br />

UGARTE, David de. El Poder de las Redes. Barcelona: El Cobre, 2008.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos<br />

trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Thiago Reginaldo; Graduando em <strong>Design</strong>: UFSC; Bolsista PIBIC/UFSC<br />

thiagoreginaldo@yahoo.com.br<br />

Richard Perassi Luiz de Souza; Doutor em Comunicação e Semiótica: PUC/SP; Professor<br />

do Pós-<strong>Design</strong>/EGR/CCE: UFSC perassi@cce.ufsc.br<br />

Resumo<br />

O desenvolvimento do <strong>Design</strong> acontece de modo múltiplo, dinâmico e interativo,<br />

promovendo diferentes concepções sobre o que seja <strong>Design</strong> e sobre seu campo de<br />

atuação. A indicação de limites que sirvam como parâmetros ao pensamento sistemático<br />

sobre esses temas são necessários para a fundamentação teórica da área<br />

em estudo. Com o intuito de contribuir para discussões correlatas às concepções<br />

do que é design foram avaliados neste estudo os trabalhos de conclusão de curso<br />

(TCC) de Bacharelado em <strong>Design</strong> Gráfico da <strong>Universidade</strong> Federal de Santa Catarina<br />

(UFSC). Foram contabilizados 204 trabalhos apresentados a partir do ano de<br />

2005, os quais foram quantificados e hierarquizados os temas, as palavras-chave<br />

e as fontes teóricas bibliográficas. A partir disso, foram descritos e interpretados<br />

os conceitos de <strong>Design</strong> mais recorrentes nos trabalhos com o intuito de avaliar os<br />

elementos que fundamentam o design a partir do que é disseminado no curso de<br />

<strong>Design</strong> Gráfico UFSC.<br />

Palavras-chave:<br />

Teoria de <strong>Design</strong>, Conceituação, Trabalho de Conclusão de Curso<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Introdução<br />

O conceito de <strong>Design</strong> está em processo de evolução e, no momento, atravessa uma crise de<br />

identidade, sem que os autores da área consigam recortar com clareza seu objeto, que é<br />

apresentado de maneira ampla e variada. Isso propõe a necessidade de estabelecimento das<br />

bases conceituais, por meio de pesquisas documentais. Uma pesquisa deste tipo foi desenvolvida<br />

e agora é apresentada neste texto.<br />

A base de estudos ou o corpus de pesquisa é composto por 204 trabalhos de conclusão de curso<br />

(TCC), que foram apresentados a partir do ano de 2005 no curso de Bacharelado em <strong>Design</strong> do<br />

Departamento de Expressão Gráfica do Centro de Comunicação e Expressão – UFSC. A questão de<br />

pesquisa é identificar os autores e livros mais citados nesses trabalhos e conhecer seus conceitos<br />

de <strong>Design</strong>.<br />

As bases ou fundamentos da pesquisa em <strong>Design</strong>, propostas no título deste texto, são primeiramente<br />

relacionadas à produção teórica, que é desenvolvida no âmbito departamental, considerando-se<br />

os trabalhos de conclusão do curso (TCC) de <strong>Design</strong> do departamento EGR/CCE/UFSC. Para tanto<br />

houve o desenvolvimento das seguintes ações:<br />

• Pesquisa exploratória, como consulta aos professores do Departamento de Expressão Gráfica,<br />

por meio de um questionário com 06 perguntas sobre o “conceito”, as “áreas”, as “atividades”<br />

e as “características” distintivas de <strong>Design</strong>, como campo de pesquisa e conhecimento. Foram<br />

também coletados e interpretados os conceitos de <strong>Design</strong> extraídos do “Projeto da Semana<br />

Acadêmica de <strong>Design</strong> da UFSC” (CADe, 2006).<br />

• Estudos relacionados à “Classificação Brasileira de Ocupações do Governo Federal” (CBO, 2010)<br />

e às “Diretrizes Curriculares para Cursos de Graduação” (2002).<br />

• Reunião dos trabalhos de conclusão do curso de <strong>Design</strong> Gráfico EGR/CCE/UFSC, que foi<br />

atualizada até o primeiro trimestre de 2011, com a recuperação de trabalhos extraviados,<br />

recuperação e recomposição de dados sobre os trabalhos coletados e organização cronológica<br />

dos trabalhos coletados.<br />

• Estudo, escolha e efetivação dos procedimentos humano-tecnológicos de extração dos dados<br />

dos trabalhos até o ano de 2011. Foram extraídos ou recompostos o título dos trabalhos, o<br />

resumo, as palavras-chave e as referências dos trabalhos produzidos no período entre 2005 e<br />

2011.<br />

• Composição de tabelas e gráficos com os dados obtidos e descrição e interpretação desses<br />

dados, considerando-se, especialmente, as conceituações sobre <strong>Design</strong> Gráfico.<br />

A indicação da “Classificação Brasileira de Ocupações” (CBO, 2010) e das “Diretrizes Curriculares”<br />

(2002), como fontes de dados, foi consequência da leitura do artigo “Contextualizar o <strong>Design</strong>?”<br />

(ALMEIDA JUNIOR e NOJIMA, 2006), no qual seus autores indicam a necessidade de um “debate<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

epistemológico mais aprofundado”. Um aspecto necessário a se enfatizar é que no ano de 2004,<br />

houve outra proposta de diretrizes curriculares, com alterações contundentes nos cursos de<br />

<strong>Design</strong>. Atualmente, essas diretrizes de 2004 foram aprovadas e estão sendo implementadas,<br />

retirando dos diplomas de graduação em <strong>Design</strong> as especificações como <strong>Design</strong> de Produto ou<br />

<strong>Design</strong> Gráfico. Porém, todos os trabalhos considerados nesta pesquisa foram desenvolvidos<br />

dentro do curso específico de <strong>Design</strong> Gráfico. Além disso, as atividades de <strong>Design</strong> ainda são, na<br />

prática, categorizadas e relacionadas aos produtos ou à comunicação gráfico-visual, entre outras<br />

especificidades.<br />

Divergências na conceituação de <strong>Design</strong><br />

A área de design surge como atividade que acumula o maior número de tentativas de conceituação.<br />

Passado quase um século de seu surgimento, a atividade se mantém polêmica e pouco conhecida,<br />

com definições contraditórias, excludentes ou antagônicas:<br />

<strong>Arte</strong>, prática de projeto, matéria tecnológica ou científica, campo de<br />

confluência interdisciplinar, atividade de apoio às técnicas de marketing.<br />

O design tem sido isso tudo ora simultaneamente, ora organizado em<br />

torno da predominância de um ou outro desses aspectos, dependendo do<br />

viés intelectual de quem o aborde como terreno de reflexão (ESCOREL,<br />

2000, p.62).<br />

Na década passada o conceito de design experimentou uma acentuada difusão e popularização,<br />

o que pode ser considerado um fato positivo. No entanto, houve uma estranha limitação aos<br />

produtos de casa, configurando-o como uma atividade de decoração de interiores. A opinião<br />

pública expressa um modismo questionável, no qual <strong>Design</strong> é associado à ideia de complicado, de<br />

curta duração e de individualmente rebuscado, como uma promessa de um glamour instantâneo<br />

(BONSIEPE, 1997).<br />

No âmbito do senso comum, a tentativa de compreender <strong>Design</strong> evoca o preconceito de que sua<br />

função se restringe à cosmética, limitando-se a agregar alguns traços decorativos aos projetos<br />

industriais ou eletrônico-digitais, como um make-up. <strong>Design</strong> é relacionado ao desenho como<br />

projeto ou desígnio. Assim, não é sinônimo de desenho, no sentido deturpado que relaciona a<br />

palavra ao estrito ato de rabiscar. Mas, na opinião pública a atividade do design é estreitamente<br />

associada à capacidade física de desenhar (BONSIEPE, 1997).<br />

Ao indicar a necessidade de conceituação de <strong>Design</strong> Gráfico, Villas-Boas (2003) afirma sobre a<br />

dificuldade de encontrar na bibliografia corrente uma definição precisa de seu significado.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Definir o design gráfico é essencial, especialmente num momento em que<br />

ele vive uma crise patente – seja pela exaustão dos cânones nos quais se<br />

firmou ao longo do século 20, seja pela vulgarização e pela massificação<br />

de sua prática que acompanham os inegáveis e espetaculares avanços<br />

obtidos através da informatização do processo projetual (VILLAS-BOAS,<br />

2003, p.8).<br />

De acordo com Escorel (2000), entre muitos conceitos que pretendem configurar a área, está o<br />

que considera a área de <strong>Design</strong> sem um contorno ou terreno próprio e, portanto, sem definição.<br />

Isso indica a atividade do design como um amontoado de saberes e aptidões emprestadas de<br />

áreas diversas, utilizando um conjunto de modelos flexíveis e mutáveis, que se ajusta a qualquer<br />

época e circunstância. Assim, haveria um “bom design” no arco e na flecha do índio, nos objetos<br />

artesanais de séculos anteriores e, até mesmo, no caule de uma árvore.<br />

Outra tentativa de definição está correlata a que design se insere no grupo de disciplinas<br />

tecnológicas, pensando talvez, com isso, assegurá-lo da perigosa vizinhança com as formas de<br />

expressão artística ligadas ao artesanato e ao pensamento plástico ocidental (ESCOREL, 2000).<br />

Além das divergências na conceituação de “<strong>Design</strong>”, Villas-Boas (2003) assinala divergências na<br />

própria compreensão do termo “design” e no entendimento do que seja o profissional denominado<br />

como “designer”. Pois, essas são palavras amplamente usadas por aqueles que assim legitimam<br />

uma prática profissional para qual não foram especificamente preparados. Isso esvazia e banaliza<br />

os termos em função de sua popularização desregrada.<br />

Diante dessas incertezas, Löbach (2001) adverte que o conceito de <strong>Design</strong> e sua aplicação dependem<br />

do enfoque estabelecido por aquele que se dispõe discorrer sobre o tema, indicando sua origem e<br />

suas consequências. Assim, a imprecisão no posicionamento do falante determina sua insegurança<br />

e as perturbações no processo de conceituação, especialmente quando sua visão é comparada<br />

com outras conceituações. Para Löbach (2001), é necessário, portanto, considerar cinco pontos<br />

distintos para se pronunciar a respeito do tema: o primeiro deles é determinado pelo usuário, o<br />

segundo pelo fabricante, o terceiro pela crítica, o quarto pelo designer e o quinto pela defesa.<br />

Para o autor este último (defesa) é o mais louvável, pois o designer deveria atuar constantemente<br />

na defesa dos interesses dos usuários. Contudo, os compromissos com o contratante produtor<br />

impedem o <strong>Design</strong>er de realizar plenamente de forma consciente com o campo moral para<br />

privilégio dos usuários.<br />

Conceitos de <strong>Design</strong><br />

De acordo com Azevedo (1998, p.9), a palavra “design”, cuja origem é latina, adquire seu sentido<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

atual a partir da interpretação que “vem do inglês e quer dizer projetar, compor visualmente ou<br />

colocar em prática no plano intencional”. Sendo que “a ferramenta do designer hoje é o próprio<br />

ato de gerar informação” (AZEVEDO, 1998, p.11). De acordo com Löbach (2001, p.16) “o design é<br />

traduzido por nós como configuração (gestaltung)”.<br />

A ideia de “configuração” corrobora o pressuposto que orientou esta pesquisa, o qual propõe que<br />

o objeto de estudo específico de <strong>Design</strong> é a “forma” (gestalt). Isso foi considerado como parte da<br />

interpretação das respostas obtidas nos questionários enviados aos professores do departamento<br />

de Expressão Gráfica (EGR). Propõe-se que os conhecimentos e as atividades de <strong>Design</strong> são<br />

desenvolvidos a partir do estudo, da utilização, da produção, da adaptação, da representação e<br />

da significação das formas.<br />

O termo “forma” é compreendido como “princípio que determina a matéria, fazendo dela<br />

tal coisa determinada: aquilo que, num ser, é inteligível... A forma é aquilo que, na coisa, é<br />

inteligível, podendo ser conhecido pela razão (objeto da ciência)... A matéria é considerada como<br />

um substrato passivo que deve tomar forma para se tornar coisa” (JAPIASSU e MARCONDES, 1990,<br />

p.81).<br />

Flusser (2007) cita a palavra grega morphé, como origem do termo “forma” como sinônimo de ideia<br />

que organiza a matéria (hylé) amorfa do mundo. Portanto, design é o processo de formalização<br />

ou de informação da matéria, tornando-a inteligível e atribuindo-lhe sentido e funcionalidade.<br />

O dicionário de Língua Portuguesa (HOUAISS, 2006), afirma que a raiz etimológica da palavra<br />

“informação” decorre da “ação de formar, de fazer, fabricação; esboço, desenho, plano; ideia,<br />

concepção; formação, forma”. Informar ou dar forma. Para a comunicação, “informação é o ato<br />

de emitir ou de receber mensagens” (RABAÇA e BARBOSA, 1998, p.334). É competência da área<br />

de <strong>Design</strong> o projeto de formas ou mensagens não verbais, investindo características estéticas,<br />

semânticas e funcionais, que habilitam o produto para cumprir as funções de atração, significação<br />

e utilização.<br />

Em <strong>Design</strong> Gráfico, entretanto, investe-se inclusive no tratamento gráfico-morfológico das formas<br />

verbais, como na composição de logotipos, nos quais as formas dos tipos ou das letras e das palavras<br />

são tratadas e organizadas para compor um ícone especial, que identifica uma organização, um<br />

produto ou um serviço, entre outras possibilidades.<br />

A finalidade em <strong>Design</strong> é projetar produtos diversos a partir do estudo das formas. A ideia de<br />

produto como finalidade desqualifica a tradicional distinção entre <strong>Design</strong> Gráfico e <strong>Design</strong> de<br />

Produto, indicando que <strong>Design</strong> propõe diversos tipos de produto, inclusive, os produtos gráficos<br />

de comunicação.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Em síntese, o pressuposto desta pesquisa considera que, em particular, <strong>Design</strong> trata da composição<br />

ou formalização de um produto ou conjunto de produtos com finalidades práticas ou simbólicas,<br />

sendo a forma o principal objeto de estudo e a informação projetual sua atividade por excelência.<br />

Bürdek (2006) relata que a primeira tentativa de compreender a base teórica da área de <strong>Design</strong><br />

ocorreu no ano de 1977, durante o Fórum Congresso do IDZ de Berlim (Alemanha). Considerando<br />

o proposto por Krauspe (1978), Bürdek (2006, p.273) apresenta quatro linhas de interesse que,<br />

naquele momento, orientaram a reflexão sobre teoria de <strong>Design</strong>:<br />

1. Tornar transparente o processo de <strong>Design</strong> e obter métodos operacionais de projetação<br />

(Metodologia de Projeto);<br />

2. Obter controle sobre a quantificação dos fenômenos visuais (Estética da Informação);<br />

3. Desenvolver uma teoria crítica em <strong>Design</strong> (Fundamentação Político-Econômica);<br />

4. Discutir o funcionalismo, visando um “funcionalismo ampliado” (Pragmática).<br />

Para Bürdek (2006) a atividade de <strong>Design</strong> é relacionada aos conceitos de criatividade, fantasia<br />

cerebral, senso de invenção e de inovação técnica. Igualmente, gera expectativas no sentido de<br />

ser um ato cerebral. O processo de <strong>Design</strong> não envolve somente configuração visual, na qual<br />

se brincam livremente com cores, formas e materiais, porque é determinado por condições e<br />

decisões de caráter tecnológico, econômico, político e pragmático. Isso considera o contexto de<br />

desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural, os fundamentos históricos, as condições de<br />

produção técnica, os fatores ergonômicos ou ecológicos e as exigências artístico-experimentais.<br />

Ao lidar com design, é necessário refletir acerca das condições que contextualizam o projeto,<br />

considerando-as nos projetos e produtos (BÜRDEK, 2006).<br />

Desenvolver a teoria em <strong>Design</strong> significa interagir com a teoria do Conhecimento. Pois, a área<br />

de <strong>Design</strong> emergiu sob os parâmetros de produção do conhecimento científico, considerando-se<br />

teoria e metodologia, como esforços para aperfeiçoar métodos, regras e critérios próprios para<br />

que <strong>Design</strong> seja pesquisado, avaliado e melhorado (BÜRDEK, 2006).<br />

Retomando a ideia de configuração Löbach (2001) afirma que essa pode ser descrita como<br />

materialização de uma ideia, é o processo já descrito de informação ou formalização da matéria.<br />

Como os conceitos “configuração” e “design” são muito amplos, quando ambos são relacionados,<br />

a definição do objeto a ser configurado permanece em aberto. Assim, sua especificidade depende<br />

da relação entre o conceito “design” e outro conceito, que lhe tenha alguma ascendência,<br />

caracterizando o objeto de design como, por exemplo, “<strong>Design</strong> Ambiental”:<br />

<strong>Design</strong> ambiental significa, como se sabe, configuração do meio<br />

ambiente. O conceito do ambiente se une ao do design. O resultado,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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porém, continua sendo um conceito geral, que se desdobra em vários<br />

tipos de configurações do ambiente. O design industrial [...] é o conceito<br />

geral para as diversas especialidades do design compreendidas na<br />

configuração do meio ambiente. O design industrial é, portanto, uma<br />

especialidade da configuração do meio ambiente (LÖBACH 2001, p.17).<br />

Para Bonsiepe (1997), <strong>Design</strong> apresenta um déficit nos aspectos teóricos. A despeito de sua<br />

presença na vida cotidiana e na economia, <strong>Design</strong> não é um fenômeno devidamente pesquisado,<br />

aparentando um domínio sem a devida fundamentação. Há um déficit no discurso projetual devido<br />

à ausência de uma teoria rigorosa. Diante disso, Bonsiepe (1997) propõe sete caracterizações para<br />

<strong>Design</strong>, além do referencial da boa forma e das referências sócio-pedagógicas.<br />

1. <strong>Design</strong> pode se manifestar em qualquer área do conhecimento ou práxis humana, sendo mais<br />

amplo que as disciplinas projetuais, incluindo a invenção de novas práticas na vida cotidiana.<br />

2. <strong>Design</strong> é voltado para o futuro.<br />

3. <strong>Design</strong> é relacionado à inovação, como palavras que se superpõem mediadas pela ética.<br />

4. <strong>Design</strong> está particularmente ligado ao espaço retinal, mas não se limita a esse, porque seu<br />

conjunto de tarefas inclui acoplar os artefatos ao corpo humano.<br />

5. <strong>Design</strong> visa à ação efetiva, superando denominações como “forma”, “função” e “estilo”,<br />

porque diz respeito a critérios de eficiência da ação e ao comportamento social.<br />

6. <strong>Design</strong> está linguisticamente ancorado no campo dos juízos.<br />

7. <strong>Design</strong> é orientado à interação entre usuário e artefato, como domínio da interface.<br />

Bonsiepe (1997) propôs a ideia de “interface”, como um sistema que faz interagir o usuário<br />

e o artefato em função de uma tarefa. Isso estabelece uma tríade, porque há um usuário que<br />

pretende realizar uma tarefa; há também a tarefa proposta e, ainda, uma ferramenta ou artefato<br />

para efetivar sua execução. De tal modo, o processo de mediação entre essas três instâncias<br />

é denominado interface. As características do produto resultante são previstas e determinadas<br />

na interação entre o caráter do artefato, da tarefa e do usuário. A interface é representada no<br />

“diagrama ontológico do design” (Figura 1).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Figura 1: Diagrama ontológico do design<br />

Fonte: Adaptado de Bonsiepe (1997, p.10).<br />

O conceito de “interface” privilegia a ideia de que a função característica do design é mediar de<br />

maneira ergonômica e eficiente a relação entre o procedimento, o engenho ou a maquinaria e o<br />

usuário. Assim a forma está a serviço da mediação, que permite funcionalidade, considerando-se<br />

a função estética, simbólica ou prática. Outro exemplo proposto por Bonsiepe (1997) é o produto<br />

denominado “percevejo”, que é uma haste de metal fina, pequena e pontuda. Na extremidade<br />

contrária à ponta, o instrumento apresenta um circulo de metal, permitindo o apoio do polegar para<br />

pressionar e fincar o objeto sobre uma superfície. Assim, o círculo de metal atua como interface<br />

eficiente, permitindo o uso do percevejo. Sem essa interface, a haste de metal perfuraria o dedo<br />

do usuário tornando o uso do instrumento doloroso e impraticável.<br />

Enquanto Bonsiepe (1977) ancora sua conceituação nas ideias de ação, inovação e interface, Escorel<br />

(2000, p.14) assinala que “<strong>Design</strong> é uma linguagem”. Assim, Bonsiepe (1977) propõe <strong>Design</strong> como<br />

mídia e Escorel (2000) como linguagem, assinalando que o cinema e a fotografia, manifestam-se<br />

como linguagens da era industrial. Como consequência, a linguagem do design também surgiu<br />

com a indústria na Revolução Industrial, visando à reprodução seriada de um original. Como toda<br />

linguagem, <strong>Design</strong> apresenta propriedades combinatórias e associativas, sendo que as primeiras<br />

estão relacionadas aos aspectos formais (expressivos ou estéticos) e a segunda aos aspectos<br />

simbólicos do produto, o qual é decorrente da combinação desses dois aspectos.<br />

Para Escorel (2000), o amplo campo de <strong>Design</strong> é constituído por duas áreas com características<br />

linguísticas diferentes: (1) a área de <strong>Design</strong> de Produto e (2) a área de <strong>Design</strong> Gráfico. A área de<br />

produto apresenta uma organização mais uniforme, aproximando-se da linguagem fotográfica e a<br />

área gráfica apresenta uma organização mais acidentada, assemelhando-se ao cinema. A autora<br />

defende que as duas áreas, de produto e gráfico, exprimem sua linguagem através do projeto,<br />

uma vez que requerem capacidade de abrangência e de coordenação dos diferentes aspectos<br />

implicados no processo do qual resulta o produto.<br />

<strong>Design</strong> Gráfico<br />

Especificamente sobre <strong>Design</strong> Gráfico, Frascara (2000) considera que sua finalidade é produzir<br />

comunicação visual, estabelecendo uma diferença entre <strong>Design</strong> como processo e o design como<br />

produto. Portanto, neste texto, a palavra <strong>Design</strong>, começando com letra maiúscula, indica uma área<br />

de conhecimento e atividades, que se estabelece como um processo, cujo centro é determinado<br />

pela atividade projetual. Porém, cada projeto define um produto diferenciado, que apresenta um<br />

design específico, cuja palavra escrita começa com letra minúscula, caracterizando o resultado<br />

técnico-funcional, estético e simbólico decorrente do trabalho de <strong>Design</strong> como campo de criação<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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e projetação.<br />

Azevedo (1998) contextualiza historicamente a expressão gráfica, desde a necessidade de um<br />

alfabeto para se comunicar nas civilizações do Mediterrâneo e Egito até o marco histórico<br />

representado pelo uso dos tipos móveis de Gutenberg em 1454. Os primeiros tipos gráficos de<br />

chumbo propunham à letra o caráter de projeto. “Para isso surge o design gráfico, que é a parte<br />

de um projeto que se refere ao material a ser impresso” (AZEVEDO, 1998, p.33).<br />

Villas-Boas (1998) também propôs uma conceituação com base em uma contextualização mais<br />

sucinta:<br />

Em resumo por design gráfico estou me referindo a área do conhecimento<br />

e a práticas profissionais específicas relativas ao ordenamento estéticoformal<br />

de elementos textuais e não-textuais que compõem peças gráficas<br />

destinadas à reprodução com objetivo expressamente comunicacional.<br />

Ele envolve a realização de projetos gráficos (cartazes, revistas, capas<br />

de livros e discos etc.) – projetos serializados, destinados à reprodução<br />

em escala e que têm como suporte (preponderantemente) o papel e<br />

como processo de reprodução e impressão (VILLAS-BOAS, 1998, p.13).<br />

De maneira mais direta, Villas-Boas (1998) ressalta quatro aspectos básicos com relação a <strong>Design</strong><br />

Gráfico, sendo esses: (1) aspectos formais; (2) aspectos funcionais objetivos ou práticos; (3)<br />

aspectos metodológicos, e (4) aspectos funcionais subjetivos ou simbólicos. Além desses aspectos,<br />

são indicadas também quatro delimitações que foram historicamente propostas e ainda repercutem<br />

na sociedade contemporânea:<br />

1. <strong>Design</strong> Gráfico está relacionado à reprodução seriada a partir de um original, portanto, não<br />

produz peças únicas;<br />

2. <strong>Design</strong> Gráfico é dirigido ao contexto da sociedade de massas;<br />

3. <strong>Design</strong> Gráfico está relacionado ao fenômeno da “fetichização” da mercadoria;<br />

4. <strong>Design</strong> Gráfico está submetido a uma metodologia própria de projetação, principalmente, com<br />

relação à produção e à circulação.<br />

Apesar das conceituações não serem consensuais, há concordância quanto à finalidade do design<br />

gráfico, que é a comunicação. Tradicionalmente, entretanto, o designer atua como projetista<br />

e supervisor ou gerenciador do processo de produção gráfica. Assim, encarrega-se de controlar<br />

o processo expressivo-informativo do projeto, definindo a informação ou a mensagem gráfica,<br />

e de supervisionar a produção das cópias. Mas, isso não garante que o produto seja divulgado<br />

ou distribuído e, portanto, comunicado. Atualmente, com a popularização do uso da internet,<br />

há um poderoso canal de comunicação a disposição de todos os incluídos digitais. Isso contribui<br />

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para que os designers tenham um canal diretamente acessível, para promover a comunicação das<br />

informações que projetam e produzem. Entretanto, Fuentes (2006) assinala que a expressão e a<br />

informação estão intencionalmente vinculadas à comunicação:<br />

A relação entre expressão e comunicação, assim como a nossa tendência<br />

em enfatizar sua vinculação inseparável, certamente surgirá em várias<br />

ocasiões nessa proposição metodológica. A razão é muito simples: este<br />

é o conceito medular, a razão de ser do design gráfico (FUENTES, 2006,<br />

p.31).<br />

Por sua vez, Frascara (2000, p.61) corrobora a ideia de que “a comunicação é a área que fornece<br />

a razão de ser do design gráfico e representa a origem e o objetivo de todo o trabalho”. A palavra<br />

“gráfico” qualifica o termo “design”, relacionando-se à produção de objetos visuais, cujo objetivo<br />

é comunicar mensagens específicas. Usando as palavras de Gorb (2008, p.6-7), Frascara (2000, p.<br />

19) confirma que:<br />

<strong>Design</strong> gráfico, visto como uma atividade é a ação de conceber, programar,<br />

projetar e realizar comunicações visuais, produzidas em geral por meios<br />

industriais e destinadas a transmitir mensagens especificas a grupos<br />

determinados. Um design gráfico é um objeto criado por esta atividade.<br />

(GORB, apud FRASCARA, 2000, p.19)<br />

Por fim, Escorel (2000, p.39) afirma que “o design gráfico é a linguagem que viabiliza o projeto de<br />

produtos industriais na área gráfica possuindo flexibilidade e recursos inumeráveis para transmitir<br />

com eficiência as informações que lhe são confiadas”. Deste modo, a autora conclui que as questões<br />

de design gráfico estão relacionadas à identidade, sejam elas de caráter prático ou simbólico, já<br />

que o objetivo central é determinado pela relação informar e comunicar.<br />

Teoria da disciplina <strong>Design</strong><br />

Ao discutir a teoria de <strong>Design</strong> e sua edificação, Bürdek (2006) constata que ela pode ser pensada<br />

sobre a perspectiva interdisciplinar, multidisciplinar ou transdisciplinar. Porém, o autor alerta que<br />

raramente se cogita a possibilidade de ser também “disciplinar”.<br />

Bürdek (2006) cogita que isso pode acontecer devido ao fato de que os desenvolvedores de teoria em<br />

<strong>Design</strong> são pouco confiantes sobre suas contribuições, necessitando se apoiar em outras disciplinas.<br />

Com isso, a contribuição de diversas disciplinas é muito valorizada, indicando <strong>Design</strong> como área<br />

interdisciplinar, sem haver a devida compilação das contribuições teóricas da área. De tal modo,<br />

“o design sempre teve dificuldade em desenvolver algo específico, em cuja base pudesse cooperar<br />

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com outras disciplinas. Isto é incompreensível, já que a tão propalada interdisciplinaridade só<br />

pode existir quando as disciplinas individuais podem atuar em conjunto” (BÜRDEK, 2006, p.281).<br />

A perspectiva interdisciplinar é defendida por Vilas-Boas (2003), que considera <strong>Design</strong> como uma<br />

área do conhecimento em estreita ligação com as áreas de Comunicação Social, <strong>Arte</strong>s Plásticas e<br />

Arquitetura. Por outro lado, Escorel (2000) relata a posição interdisciplinar como insustentável, já<br />

que existe uma natureza particular das matérias associadas ao design, que as funde e faz assumir<br />

uma realidade diferente das disciplinas iniciais. Para a autora, por exemplo, no cinema os sistemas<br />

de signos (música, literatura, cenografia e figurinos) são inseridos em uma disciplina particular,<br />

diferenciando-se da música na sala de concerto, do texto literário no livro, da cenografia no<br />

teatro e da vestimenta no desfile de moda. No filme, os signos se alteram por estarem inseridos<br />

em um sistema particular, que é organizado como sistema disciplinar.<br />

As ciências socialmente aplicáveis, como as Ciências Sociais que abrigam a área de <strong>Design</strong>,<br />

caracterizam-se por apresentar um corpus teórico e um corpus de pesquisa. Isso configura um<br />

conjunto de teorias ou conceitos e um conjunto de fenômenos materiais, os quais são primeiramente<br />

observados ou produzidos. A relação entre os dois conjuntos ou corpus é mediada pelo método<br />

científico adotado, de acordo com a razão metodológica considerada.<br />

A área de <strong>Design</strong> é descendente direta da Ciência positiva, entretanto, o método científico foi<br />

adaptado ao processo de projetação dos produtos. Portanto, <strong>Design</strong> desenvolveu uma prática<br />

metódica e sistemática e, continuamente, os representantes da área investem no aprimoramento e<br />

na criação de metodologias. A área também se apropria de teorias de outras áreas do conhecimento<br />

para compor seu corpus teórico. Todavia, há teorias que são consideradas características da área<br />

de <strong>Design</strong>. Além da configuração especializada ou peculiar que uma área de aplicação como <strong>Design</strong><br />

pode propor sobre as teorias adotadas. Para Bürdek (2006), teoria de <strong>Design</strong> se constrói a partir<br />

do campo de Ciências Humanas, para tanto, o design necessita desenvolver algo específico, com<br />

um corpo de conhecimento próprio em sua teoria.<br />

Adotando as ideias de Maser (1972), Bürdek (2006, p.282) relata três categorias sobre as quais<br />

uma ciência se caracteriza, são essas (1) objetivo (meta); (2) objeto (assunto), e (3) método<br />

(procedimento). Apesar de não ter a pretensão de ser Ciência, <strong>Design</strong> pode se basear nessas<br />

categorias para configurar sua teoria e constituir seu caráter disciplinar (BÜRDEK, 2006).<br />

Bürdek (2006, p.283) propõe (1) como “objetivo” da ciência de <strong>Design</strong> “o desenvolvimento de<br />

uma linguagem profissional, quer dizer, formular conceitos e frases de tal forma que sejam válidos<br />

amplamente para a disciplina”. (2) O “objeto” da ciência de <strong>Design</strong> “compreende as questões de<br />

forma e contexto ou de forma e significado, que podem ser descritos com o conceito da função<br />

comunicativa” (BÜRDEK, 2006, p.283). (3) O “método” científico da ciência de <strong>Design</strong> “deve ser<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

procurado no âmbito das ciências humanas, já que não se pode descrever a essência comunicativa<br />

específica do design com a ajuda das ciências naturais ou com os métodos formais das ciências”<br />

(BÜRDEK, 2006, p.283).<br />

Seguindo Habermas (1985), Bürdek (2006) afirma que a língua é a “chave da construção da teoria”<br />

com o qual se pode ter melhor domínio das estruturas do mundo e da vida. Por meio da língua<br />

se esclarece a verdade, que é um aspecto que também diz respeito ao design. “A comunicação<br />

se desenvolve por meio de um processo contínuo de troca, que se baseia sempre em novos<br />

“entendimentos” (convenções). Os produtos não falam por si sós, eles são levados a falar por<br />

meio da linguagem” (BÜRDEK, 2006, p.283).<br />

Material e métodos<br />

O objetivo alcançado foi à identificação das bases conceituais para a pesquisa aplicada em <strong>Design</strong>,<br />

a partir dos trabalhos de conclusão do curso (TCC) de Bacharelado em <strong>Design</strong> da <strong>Universidade</strong><br />

Federal de Santa Catarina (UFSC). Para tanto, foram identificados os trabalhos de conclusão do<br />

curso (TCC) de Bacharelado em <strong>Design</strong>/UFSC, os quais foram apresentados a partir do ano 2005 até<br />

o primeiro trimestre de 2011. Foram quantificados e hierarquizados quantitativamente os temas,<br />

as palavras-chave e as fontes teóricas coletadas nos trabalhos pesquisados. Aqui, são apresentadas<br />

as interpretações decorrentes da análise das recorrências e hierarquizações quantitativas.<br />

Esta pesquisa é caracterizada como “descritiva”, porque registra, observa, analisa e correlaciona<br />

fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los (CERVO e BERVIAN, 1983). A amostragem foi<br />

composta por 204 trabalhos de conclusão do curso (TCC) de <strong>Design</strong>/UFSC, os quais correspondem à<br />

habilitação <strong>Design</strong> Gráfico, que era a única que havia até o ano de 2008. A quantidade de trabalhos<br />

coletados por ano (Gráfico 1) indicou a média de 38 trabalhos entre os anos de 2005 e 2009.<br />

Gráfico 1. Quantidade de trabalho por ano.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Em 2010, foram apresentados apenas nove trabalhos, sendo que, entre os que finalizaram o curso<br />

naquele ano, dois trabalhos foram apresentados no início de 2011. Isso parece ter refletido as<br />

mudanças ocorridas no curso a partir de 2009. Entre essas, houve a criação de mais duas opções<br />

de curso, <strong>Design</strong> de Produto e <strong>Design</strong> de Animação e o prazo de entrega do trabalho de conclusão<br />

de curso foi reduzido, em decorrência das normas estabelecidas para os cursos de graduação. No<br />

momento, o curso de Bacharelado passou por outras mudanças, reunindo as três opções de curso,<br />

Gráfico, Produto e Animação, em uma única proposta sob a denominação geral de Bacharelado em<br />

<strong>Design</strong> (GRADUAÇÃO EM DESIGN, 2011).<br />

O principal banco de dados disponível para a pesquisa foi composto pelo conjunto de cópias<br />

digitais em compact disc (CD) e de cópias impressas em formato de trabalho de conclusão de<br />

curso (TCC), que estão disponíveis na Secretaria do Curso de Graduação no Departamento de<br />

Expressão Gráfica – EGR/CCE/UFSC. Além disso, houve fontes auxiliares como sítios e páginas na<br />

internet e outras fontes de dados relacionados ao Departamento de Expressão Gráfica e ao Curso<br />

de graduação em <strong>Design</strong>.<br />

Depois da coleta dos trabalhos disponíveis, houve pesquisas diversificadas com consulta aos<br />

graduados e descoberta de outras fontes, para cobrir diversas lacunas e falhas de registro, devido<br />

ao extravio ou inexistência de trabalhos nos bancos de pesquisa. Isso resultou na amostragem<br />

de 204 trabalhos dentro de uma previsão de 220 trabalhos. Para o processo de ordenação e<br />

hierarquização foram utilizados o programa Microsoft Word e o programa Excel. Os dados foram<br />

demonstrados em tabelas de frequência e gráficos específicos para cada variável estudada.<br />

Depois de terminada a coleta, houve a interpretação dos dados recorrentes no processo de<br />

quantificação hierárquica, que são relativos ao título, ao resumo, às palavras-chave e às referências<br />

de cada trabalho disponível. O resultado foi a identificação dos autores, as referências e os<br />

conceitos que predominam na amostragem. Esses elementos fundamentam as ideias sobre <strong>Design</strong>,<br />

que são disseminadas no curso e no departamento e recuperadas nos trabalhos finais.<br />

Resultados e discussão<br />

O guia para profissionais da Associação de <strong>Design</strong> Gráfico, “O valor do design” (ADG, 2004), que é<br />

estruturado como um guia para prática profissional de design gráfico foi à publicação mais recorrente<br />

entre os trabalhos pesquisados, aparecendo em 26% da amostragem (Gráfico 2). Em ordem decrescente,<br />

os livros e, consequentemente, os autores mais referenciados foram os seguintes (Gráfico 2): “O que é<br />

(e o que nunca foi) design gráfico” (VILLAS BOAS, 23%); “O efeito multiplicador do design” (ESCOREL,<br />

17%); “Sistema de identidade visual” (PEÓN, 17%); “Sintaxe da linguagem visual” (DONDIS, 15%);<br />

“Diseño gráfico e comunicacion” (FRASCARA, 12%); “Gestalt do objeto” (GOMES FILHO, 12%); “<strong>Design</strong><br />

do material ao digital” (BONSIEPE, 11%); “O que é design” (AZEVEDO, 10%).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Gráfico 2. Obra literária no total de trabalhos.<br />

As palavras-chave mais citadas no conjunto total dos trabalhos (gráfico 3) foram: <strong>Design</strong> Gráfico<br />

(29%); <strong>Design</strong> (20%); Animação (6%); Identidade Visual (6%); Marketing (6%); <strong>Design</strong> Editorial (5%);<br />

Comunicação (5%); Metodologia (5%) e Marca (4%).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Gráfico 3. Porcentagem das principais palavras chave no geral de trabalhos.<br />

Gráfico 4. Número das principais palavras-chave por trabalho.<br />

As palavras-chave (gráfico 4) mais recorrentes nos trabalhos pesquisados foram: <strong>Design</strong> Gráfico,<br />

<strong>Design</strong>, Animação, Identidade Visual, Marketing, <strong>Design</strong> Editorial, Comunicação, Metodologia,<br />

Marca, Usabilidade. Tipografia, Sustentabilidade, Música, <strong>Moda</strong>, Internet, Hipermídia, Embalagem,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Educação, Comunicação Visual e Branding.<br />

Pelo que foi exposto até aqui, percebe-se que as referências teóricas mais recorrentes confirmam o<br />

foco em <strong>Design</strong> Gráfico. Pois, o livro mais recorrente na amostragem foi publicado pela Associação<br />

de <strong>Design</strong> Gráfico. Além disso, cinco entre os dez títulos mais encontrados foram os seguintes: “O<br />

que é (e o que nunca foi) design gráfico” (VILLAS BOAS, 23%); “Sistema de identidade visual” (PEÓN,<br />

17%); “Sintaxe da linguagem visual” (DONDIS, 15%); “Diseño gráfico e comunicacion” (FRASCARA,<br />

12%); “<strong>Design</strong> do material ao digital” (BONSIEPE, 11%). Todos esses títulos são diretamente<br />

relacionados a <strong>Design</strong> Gráfico. Isso evidencia, de maneira indicial, que o curso de Bacharelado em<br />

<strong>Design</strong>/UFSC, até o ano de 2008, era desenvolvido exclusivamente como curso de <strong>Design</strong> Gráfico.<br />

Além dos produtos de comunicação gráfico-visual, eram estudados apenas os produtos gráficos,<br />

que servem de suporte para a comunicação, como rótulos, embalagens e outros.<br />

Além disso, as palavras-chave mais citadas foram: <strong>Design</strong> Gráfico (29%); <strong>Design</strong> (20%); Animação<br />

(6%); Identidade Visual (6%); Marketing (6%); <strong>Design</strong> Editorial (5%); Comunicação (5%); Metodologia<br />

(5%) e Marca (4%). Essas palavras corroboram a evidência que focaliza <strong>Design</strong> Gráfico, excetuandose<br />

a palavra “animação”. Pois, o termo “animação” pode caracterizar outro tipo de especialidade<br />

em <strong>Design</strong>. Todavia, as animações popularmente denominadas de “2D” (duas dimensões) são<br />

produzidas com base em representações gráficas e, também, as animações digitais são decorrentes<br />

de processos gráficos. Além dessa possível exceção, entretanto, as outras palavras-chave identificam<br />

áreas bem típicas de <strong>Design</strong> Gráfico. Inclusive, sugerindo as áreas que foram privilegiadas nos<br />

trabalhos que representam os dez primeiros anos do curso: “<strong>Design</strong> Editorial” e “Identidade<br />

Visual”. A palavra “Comunicação” é relacionada ao design editorial e à identidade visual. As<br />

palavras como “Marca” e “Marketing” são mais especificamente relacionadas à identidade visual.<br />

As proposições ou discussões sobre os conceitos de <strong>Design</strong> e <strong>Design</strong> Gráfico foram pesquisadas nos<br />

trabalhos mais citados na amostragem. Portanto, consideraram-se os seguintes autores, entre os<br />

mais citados: Azevedo; Bonsiepe; Escorel; Frascara, e Villas Boas. Além desses, Bonsiepe; Bürdek,<br />

e Löbach trataram apenas da conceituação de <strong>Design</strong>, enquanto Fuentes tratou apenas do conceito<br />

de <strong>Design</strong> Gráfico. Assim, entre os autores selecionados, 07 trataram da conceituação de <strong>Design</strong>;<br />

05 trataram da conceituação de <strong>Design</strong> Gráfico.<br />

Das conceituações de <strong>Design</strong>: Azevedo (1998, p.11), propõe que um conceito síntese sobre as<br />

atividades desenvolvidas “<strong>Design</strong> é projetar, compor visualmente ou colocar em prática no plano<br />

intencional”; Bonsiepe (1997, p.10) considera que a “interface é o domínio central do design”;<br />

para Bürdek (2006, p.283), <strong>Design</strong> “compreende as questões da forma e contexto ou forma e<br />

significado, que podem ser descritos como conceito da função comunicativa”; Escorel (2000, p.14)<br />

afirma que “<strong>Design</strong> é linguagem”; Frascara (2000, p.19) que <strong>Design</strong> é “processo de programar,<br />

projetar, coordenar, selecionar e organizar uma série de fatores e elementos tendo em vista a<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

realização de objetos destinados a produzir comunicação visual”; Löbach (2001, p.12) diz que<br />

<strong>Design</strong> “é traduzido como configuração” e por fim, Villas Boas (2003, p.08) considera que “a noção<br />

de projeto é uma das mais caras ao conceito de design”.<br />

Das conceituações de <strong>Design</strong> Gráfico: Azevedo (1998, p.33) diz que é “parte do projeto que se<br />

refere ao material a ser impresso”; Escorel (2000, p.46) indica que “é uma linguagem que viabiliza<br />

o projeto de produtos industriais, na área gráfica”; Frascara (2000, p.19) considera <strong>Design</strong> Gráfico<br />

como “produção de objetos visuais destinados a comunicar mensagens específicas”; Fuentes<br />

(2006, p.31) considera que “o conceito medular, a razão de ser do design gráfico é a relação<br />

entre expressão e comunicação” e por fim, Villas Boas (2003, p.13) considera que “área do<br />

conhecimento e à prática profissional específicas, relativas ao ordenamento estético-formal de<br />

elementos textuais e não textuais, que compõem peças gráficas destinadas à reprodução com<br />

objetivo expressamente comunicacional” denomina-se <strong>Design</strong> Gráfico.<br />

A maior parte dos autores indicados acima está relacionado à área de <strong>Design</strong> Gráfico, uma vez que,<br />

mesmo quando usam a palavra “design” sem a adjetivação do termo “gráfico” são considerados<br />

aspectos especialmente do design gráfico ao conceituar ou qualificar outros elementos que<br />

caracterizam o design.<br />

De modo geral, o emissor da informação ou mensagem gráfica não é o designer, porque o cliente é o<br />

primeiro interessado em se comunicar com o público receptor. Assim, o designer gráfico atua como<br />

codificador, traduzindo na forma gráfica a ideia do emissor capturada no briefing. A necessidade<br />

de tradução indica que há uma linguagem específica do design gráfico. Desta maneira é possível<br />

concordar com Escorel (2000, p.14) que “design é linguagem”. Porém, o produto específico da<br />

linguagem é informação ou mensagem, sendo que compor uma informação é compor uma forma<br />

e expressá-la, seja na tela do vídeo ou impressa no plano do papel.<br />

Por outro lado, em sua totalidade, a mensagem ou informação gráfica não resulta apenas da<br />

relação entre formas, cores e tipografia entre outros elementos visuais. Pois, as características<br />

do suporte de impressão interferem na expressividade e na legibilidade da mensagem visual.<br />

Além disso, para cumprir sua finalidade informativa, a mensagem gráfica deve ser suportada por<br />

material condizente.<br />

Por exemplo, uma placa indicativa com o nome de uma rua precisa durar de maneira eficiente<br />

por muito tempo, mesmo sob as intempéries decorrentes das mudanças climáticas. O emissor da<br />

mensagem espera que o designer responda pela qualidade e eficácia da informação. Mas, espera<br />

também que o designer responda pela qualidade da impressão e do suporte, de acordo com<br />

as finalidades previstas. Portanto, é igualmente possível concordar com Frascara (2000, p.19),<br />

assinalando que o design gráfico é “processo de programar, projetar, coordenar, selecionar e<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

organizar uma série de fatores e elementos tendo em vista a realização de objetos destinados a<br />

produzir comunicação visual”.<br />

Relacionando o que é recorrente ou coerente nas referências estudadas, conceitua-se que:<br />

“design gráfico” é a atividade intencional de projetação do produto gráfico, usando linguagem<br />

específica, para orientar a expressão da forma ou ideia, impressa ou digital, sobre o suporte<br />

planejado, configurando todo o conjunto como informação ou mensagem, de acordo com seu<br />

significado no contexto em que está inserido. O objetivo expresso é constituir uma interface<br />

informativa eficiente, que permita a comunicação entre o emissor e o receptor. Assim, para<br />

cumprir essa finalidade, o designer, como profissional responsável, deve planejar ou realizar<br />

diversas atividades de preparação e supervisão do processo de desenvolvimento do projeto,<br />

até a entrega do produto gráfico.<br />

Considerações finais<br />

Percebendo <strong>Design</strong> como campo de estudos ou área do conhecimento, os pressupostos desta<br />

pesquisa consideram que: o objeto de estudo específico de <strong>Design</strong> é a “forma”; sua atividade é a<br />

“informação”, composta e apresentada como projeto, e sua finalidade é o “produto”.<br />

No caso de <strong>Design</strong> Gráfico, o resultado é o produto gráfico ou produto de comunicação, cuja<br />

natureza é informativa e a finalidade é comunicativa. Entretanto, para cumprir a função<br />

comunicativa, o produto gráfico deve cumprir paralelamente outras funções, como suporte<br />

específico da informação. Assim, apesar de cumprir a finalidade de comunicação, um rótulo,<br />

por exemplo, cumpre primeiramente a função de identificação do produto e uma placa cumpre,<br />

também, a função de sinalização, entre outras.<br />

Os conhecimentos e as atividades de <strong>Design</strong> são desenvolvidos em torno do estudo, da utilização,<br />

da produção, da adaptação, da representação e da significação das formas. O conceito de design<br />

se relaciona com “configuração” (BÜRDEK, 2006), “interface” (BONSIEPE, 1997), “comunicação”<br />

(FRASCARA, 2000; FUENTES, 2000) e “linguagem” (ESCOREL, 2000).<br />

A palavra “configurar” é relacionada ao ato de compor figuras. Para Bürdek (2006), <strong>Design</strong> não<br />

é apenas configuração, porque envolve condições e decisões. É possível concordar com o autor.<br />

Contudo, deve-se pensar que, tradicionalmente, o resultado das condições e decisões se estabelece<br />

como informação ou conjunto de figuras, móveis ou estáticas, planas ou tridimensionais, entre<br />

outras, as quais são reunidas como produto para cumprir determinadas funções.<br />

Löbach (2001) adverte que, “configuração”, é um termo muito amplo e aberto. Do mesmo modo,<br />

“forma” que também é sinônimo de ideia. Portanto, “design” como um termo relacionado à<br />

configuração ou à forma requer uma especificação como, por exemplo, design industrial, design<br />

gráfico ou design de produto. Frascara (2000) e afirma que a palavra “gráfico” qualifica o termo<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

design e Escorel (2000) assinala que <strong>Design</strong> é composto por duas grandes áreas: gráfico e produto.<br />

Porém, diante da linguagem digital, como propôs Azevedo (1998).<br />

Deve-se considerar, entretanto, que as palavras “forma”, “informação” ou “configuração” não<br />

são unicamente relacionadas ao processo de comunicação. Pois, toda informação propõe algum<br />

tipo de comunicação, ou seja, um produto simbólico-funcional. Mas, a finalidade principal do<br />

ato de informar ou configurar pode ser outra, por exemplo, compor o produto prático-funcional.<br />

Tradicionalmente, o predomínio da função simbólica ou da função prática estabeleceu a diferença<br />

entre <strong>Design</strong> Gráfico e <strong>Design</strong> de Produto.<br />

Por fim, há quem interpreta o termo “design” como “planejamento eficiente”, incluindo a<br />

capacidade de mediação formal ou informação que, ergonomicamente, possibilita e potencializa<br />

a relação entre o funcionamento e o uso, indicando o conceito de interface. Sobre isso, Bonsiepe<br />

(1997, p.15) assinala um potencial ao qual o indivíduo tem acesso na sua vida cotidiana, sendo<br />

que “cada um pode chegar a ser designer no seu campo de ação”. Assim, um bom design pode<br />

ser desenvolvido por todos os profissionais que não são oficialmente designers, por exemplo, um<br />

administrador. Outro exemplo é um geneticista que desenvolveu geneticamente um novo tipo de<br />

maçã e, assim, atuou como designer, porque desenvolveu ou configurou o design da fruta.<br />

A interpretação proposta no parágrafo anterior segue a tendência de transformar o termo “design”<br />

em uma “grande palavra”. Porém, grandes palavras são caracterizadas pela falta de critério.<br />

Assim, “arte”, “ciência”, “religião” e, agora “design”, dizem tudo e não definem nada. Podese<br />

dizer que todo fazer, como administrar ou desenvolver experiências genéticas, é uma arte,<br />

que toda área do conhecimento tem sua ciência e design é tudo que requer planejamento. Mas,<br />

apesar disso, há distinções claras entre artistas, cientistas e designers. Portanto, deve haver<br />

também clareza sobre o objeto de estudo, a atividade e a finalidade de cada uma dessas áreas do<br />

conhecimento.<br />

Referências<br />

ADG. O valor do <strong>Design</strong>: guia ADG Brasil de prática profissional do designer gráfico. 2 ed. São<br />

Paulo: SENAC São Paulo; ADG Brasil Associação dos <strong>Design</strong>ers Gráficos, 2004.<br />

ALMEIDA JUNIOR, Licinio Nascimento de; NOJIMA, Vera Lúcia Moreira dos Santos. Contextualizar<br />

o <strong>Design</strong>? Paraná: P&D <strong>Design</strong>. 7º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em <strong>Design</strong>,<br />

2006.<br />

AZEVEDO, W. O que é design. São Paulo: Brasiliense, 1998.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

BONSIEPE, G. <strong>Design</strong>: do material ao digital. Florianópolis: FIESC/IEL, 1997.<br />

BÜRDEK, B. E. História, teoria e prática do design de produtos. São Paulo: Edigard Blücher, 2006.<br />

CBO. Classificação Brasileira de Ocupações: CBO - 2010 – 3. ed. Brasília: MTE, SPPE, 2010.<br />

CENTRO ACADÊMICO DE DESIGN (CADe). Projeto da Semana Acadêmica de <strong>Design</strong> da UFSC.<br />

Florianópolis, SC: UFSC, 2006 (reprografia).<br />

CERVO, amando Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia científica: para uso dos estudantes<br />

universitários. 3. Ed. São Paulo: Mcgraw-Hill do Brasil, 1983.<br />

DICIONÁRIO HOUAISS DE LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: . Acesso em 19 dez. 2006.<br />

DIRETRIZES CURRICULARES. Diretrizes Curriculares - Cursos de Graduação. <strong>Design</strong> - Parecer CNE/<br />

CES nº 146, de 3 de abril de 2002. Disponível em: Acesso em: 14 out. 2011.<br />

ESCOREL, A. L. O efeito multiplicador do design. – 2. Ed. São Paulo: SENAC São Paulo. 2000.<br />

FLUSSER. V. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo:<br />

Cosac Naife, 2007.<br />

FRASCARA, J. Diseño Gráfico y Comunicacion. Buenos Aires: Infinito, 2000.<br />

FUENTES, R. A Prática do <strong>Design</strong> Gráfico: uma Metodologia Criativa. São Paulo: Editora Rosari,<br />

2006.<br />

GRADUAÇÃO EM DESIGN. Currículos dos Cursos - <strong>Design</strong>. Disponível em: . Acesso em 14 out. 2011.<br />

JAPIASSU, H., MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.<br />

LÖBACH, Bernd. <strong>Design</strong> Industrial: bases para a configuração de produtos industriais. São Paulo:<br />

Blücher, 2001.<br />

PEÓN, Maria Luísa. Sistemas de identidade visual. 2. ed. Rio de Janeiro: 2AB. 2001.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

RABAÇA, C. e BARBOSA G. Dicionário de Comunicação. São Paulo: Ática, 1998.<br />

VILLAS-BOAS, A. O que é (e o que nunca foi) design gráfico. 5. ed. Rio de Janeiro: 2AB, 2003.<br />

VILLAS-BOAS, A. Utopia e disciplina. Rio de Janeiro: 2AB, 1998.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento<br />

da criatividade e do conhecimento nas empresas<br />

Giselle Hissa Safar Mestre/<strong>Universidade</strong> do Estado de Minas Gerais<br />

giselle.safar@uemg.br<br />

Camila Gonçalves Castro Mestre/<strong>Universidade</strong> do Estado de Minas Gerais<br />

milatelcontar@gmail.com<br />

Resumo<br />

Este artigo parte da idéia de que o desenvolvimento da capacidade criativa é um<br />

dos caminhos para a geração do conhecimento e realização do potencial humano<br />

e se propõe a investigar e construir bases teóricas para a aplicabilidade, junto ao<br />

meio empresarial, de procedimentos efetivados em organizações artesanais para<br />

o desenvolvimento da criatividade. Pontua métodos importantes praticados nestes<br />

arranjos que podem ser transpostos para empresas brasileiras, assim como sua<br />

semelhança com metodologias de trabalho de empresas orientais.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Arte</strong>sanato, criatividade, potencial humano.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

A realização do potencial humano<br />

As múltiplas faces da sociedade pós-industrial têm sido objeto de investigação para teóricos das<br />

mais diversas áreas, sejam eles, artistas, cientistas ou filósofos. O desafio de um assunto tão complexo<br />

é instigante, porém sucumbir à tentação de ser abrangente é incorrer nos erros extremos<br />

da superficialidade ou da pretensão. Nada impede, contudo, a visão particular de um ou outro<br />

aspecto dessa condição pós-moderna principalmente naquelas questões de interesse imediato.<br />

Há algumas décadas já se especulava sobre o perfil do indivíduo desses novos tempos. Mumford<br />

(apud Manu, 1995, p.23) já sentenciava: “A personalidade ideal para a época que se inicia é uma<br />

personalidade equilibrada: não o especialista, mas o homem por inteiro. Essa personalidade deve<br />

estar em interação dinâmica com cada parte de seu ambiente e de sua herança”.<br />

Quase trinta anos depois as expectativas sobre esse novo homem não haviam sido satisfeitas e<br />

vinha o angustiante alerta: “Um número crescente de pessoas sente o mal do século: sentem sua<br />

depressão; estão conscientes dela, apesar de todos os tipos de esforços para reprimi-la. Sentem<br />

a infelicidade de seu isolamento e o vazio do seu estar junto” (FROMM, apud MANU, 1995, p.25).<br />

Essa angústia pós-moderna podia ser atribuída a diversas causas e os modelos sobre os quais, até<br />

então, se assentava a sociedade progressista passaram a ser questionados, tornando iminente uma<br />

mudança de paradigmas. Entretanto, era ou ainda é, necessário que essa transformação não se<br />

restrinja a esta ou aquela reforma e traga consigo a força impulsionadora de uma motivação forte<br />

– o desenvolvimento do homem.<br />

May (apud Tractenberg, s.d.) reforça: “O ser humano não pode viver muito tempo no vácuo. Se<br />

não estiver evoluindo em direção a alguma coisa acaba por estagnar-se; as potencialidades transformam-se<br />

em morbidez e desespero e eventualmente em atividades destrutivas.”<br />

Mas, como lembra Arbuckle (1995), em qualquer transformação é extremamente difícil para o indivíduo<br />

assumir o controle de seu próprio processo de mudança por que se encontra tão adaptado<br />

às estruturas existentes que perdeu sua adaptabilidade. Para que a mudança aconteça é preciso<br />

que o indivíduo a recupere, mas, num nível diferente. Se as capacidades adaptativas anteriores<br />

se davam primariamente em torno da sobrevivência e da competição, as novas capacidades são<br />

muito mais imaginativas e muito mais criativas. O que se procura hoje em dia são comunidades e<br />

empresas onde a vida valha a pena, onde as pessoas possam se tornar transformadoras, alegres e<br />

criativas produzindo maneiras equilibradas de viver e trabalhar.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

O grande obstáculo é justamente buscar a realização do potencial humano num contexto no qual<br />

a produção de bens materiais, urgente ou não, é a medida aceita do nosso progresso. Onde a<br />

sabedoria convencional se protege do que é inconveniente, caracterizando como imprecisas as<br />

conquistas que envolvem o potencial humano. Como “o produto e o meio para aumentá-lo são<br />

mensuráveis e tangíveis, o que é mensurável é melhor. Como o investimento em indivíduos não<br />

fornece um produto que possa ser visto, nem valorado, é um investimento inferior” (GALBRAITH,<br />

apud MANU, 1995, p.24).<br />

Será que os modelos atuais, sobre os quais grande parte das empresas operam, apresentam efetivamente<br />

uma esperança de solução para uma crise cujo alcance vai além do que pode ser tecnicamente<br />

solucionado? Buscar a realização do potencial humano, muito mais que otimizar pessoas<br />

para a realização de tarefas é colocar em prática<br />

[...] a crença em que a essência de todo viver criativo está em nossa<br />

habilidade para liberar nossas capacidades para moldar o mundo, enxergando<br />

as pessoas como forças transformadoras. Isto pode-se aplicar<br />

[...] a uma organização ou a uma instituição, onde a questão passa a<br />

ser como desenvolver um senso de quem você é como uma empresa, e<br />

começar a construir a si mesmo e o ambiente dentro do qual você opera<br />

(ARBUCKLE,1995, p.32)<br />

O interesse pela criatividade<br />

Temos que nos libertar da crença nos poderes mágicos dos números e<br />

parar de olhar para os cálculos como um substituto adequado para a<br />

capacidade de julgamento, ou para a precisão como sinônimo de verdade;<br />

temos, pelo menos, que suspeitar da idéia de progresso, e não<br />

confundir informação com entendimento (POSTMAN, apud MANU, 1995,<br />

p.36).<br />

As empresas japonesas têm sido o modelo e a fonte nos quais as ciências organizativas buscam<br />

referências de estratégias bem sucedidas. Embora o sucesso de seus métodos e idéias tenham o<br />

respaldo e se justifiquem por uma série de circunstâncias culturais específicas, nada impede a<br />

observação de alguns conceitos e a pertinência de sua aplicação a outros contextos.<br />

A visão japonesa sobre conhecimento, por exemplo, difere da tradição filosófica ocidental na<br />

medida em que opõe à perspectiva exclusivamente objetiva desta, a valorização da experiência<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

subjetiva e da inteligência intuitiva. A abordagem japonesa, que funde variados ensinamentos<br />

como budismo, confucionismo e mesmo grandes pensadores ocidentais, acredita na unidade entre<br />

“homem e natureza”, “corpo e mente”, entre o “eu e o outro” (NONAKA e TAKEUCHI, 1977,<br />

p.31-36).<br />

Segundo Nonaka & Takeuchi (ibid, p.57), “o conhecimento ao contrário da informação, diz respeito<br />

a crenças e compromissos; é uma função da atitude, perspectiva ou intenção específica” e<br />

pode ser classificado em dois tipos:<br />

• conhecimento explícito, que pode ser articulado através da linguagem formal, especificações,<br />

manuais, expressões matemáticas etc, podendo ser transmitido formal e facilmente entre<br />

os indivíduos;<br />

• conhecimento tácito, difícil de ser articulado na linguagem formal, sendo o tipo mais importante.<br />

Trata-se do conhecimento pessoal, oriundo da experiência adquirida e envolve fatores<br />

intangíveis como, por exemplo, crenças pessoais, perspectivas e valores. É considerado uma das<br />

principais fontes da competitividade das empresas japonesas.<br />

Nas empresas japonesas o conhecimento acumulado externamente é compartilhado de forma ampla<br />

dentro da organização, armazenado como parte da base do conhecimento da própria organização<br />

e utilizado pelos envolvidos no desenvolvimento de novas tecnologias e produtos. Ou seja,<br />

o conhecimento está na base da inovação. Quando as organizações inovam, elas não só processam<br />

informações de fora para dentro como também criam conhecimentos e informações de dentro<br />

para fora, redefinindo problemas e soluções, num processo dinâmico.<br />

A criação do conhecimento é, para os autores, resultado da interação contínua entre o conhecimento<br />

tácito e o conhecimento explícito para a qual concorreriam as faculdades criativas, pois<br />

a geração do conhecimento é dinâmica e resultante de processos subjetivos como criatividade,<br />

intuição, percepção, insight etc.<br />

Não surpreende, portanto, o vigoroso interesse nas últimas duas décadas pelo tema criatividade,<br />

uma vez que, ela está intimamente vinculada ao trabalho humano e os processos criativos surgem<br />

dentro dos processos desse fazer intencional do homem que é sempre um fazer significativo. Sob<br />

este ponto de vista, o desenvolvimento da capacidade criativa pode ser assumido como um dos<br />

caminhos para a realização do potencial humano.<br />

A idéia inicial deste artigo era uma revisão comparativa da literatura sobre criatividade nas empresas.<br />

O objetivo era contribuir para as investigações sobre a realização do potencial humano,<br />

justificado pela intensificação da competitividade e a conseqüente exigência de aplicação de<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

conhecimentos e inovação na busca permanente de soluções que possibilitassem melhores resultados.<br />

As primeiras leituras se revelaram interessantes principalmente pela confortável familiaridade<br />

que havia em encontrar idéias e práticas relativamente simples e fáceis convertidas em novidades<br />

sensacionais. Com o tempo, porém, os assuntos foram se tornando repetitivos e a entusiasmada<br />

curiosidade foi substituída pela frustração em perceber que grande parte das pesquisas sobre<br />

criatividade empresarial se concentra nos meios para produção rápida de idéias e soluções materializadas<br />

num conjunto de manuais e livros de auto-ajuda empresarial. O caráter reducionista<br />

desta afirmação não desmerece as exceções e nem diminui os méritos desse tipo de abordagem. É<br />

indiscutível a eficácia, ainda que temporária, e os aspectos positivos de recomendações práticas<br />

para que reuniões de trabalho funcionem, exercícios para relaxamento, concentração, fortalecimento<br />

e equilíbrio da mente e cultivo de hábitos mentais para produção de idéias.<br />

De fundamental importância para a mudança de rumo deste trabalho foi o contato com a abordagem<br />

diferenciada dada por Domenico De Masi no livro A Emoção e a Regra no qual foi responsável<br />

pela organização dos trabalhos de vários pesquisadores que exploram as ciências organizativas<br />

não industriais focalizando organizações especificamente voltadas à produção de idéias. Como<br />

observa De Masi (1999), o empreendimento se justificava pela inexistência de qualquer conhecimento<br />

consolidado sobre a estrutura e o funcionamento de grupos criativos que realizam trabalhos<br />

idealizadores e não apenas executivos. A apresentação e a análise, por vários pesquisadores,<br />

de casos concretos de organização do trabalho criativo desenvolvido de forma coletiva revela<br />

algumas constantes nas quais podem se basear posteriores estudos sobre a criatividade e, principalmente,<br />

levantam algumas questões bastante pertinentes em se tratando da realização do<br />

potencial criativo de grupos de trabalho:<br />

Quando é que um grupo pode ser chamado de criativo? Quais as propostas<br />

disciplinares (a sociologia, a antropologia, as ciências organizativas)<br />

que melhor contribuem para nos desvendar os segredos da criatividade<br />

coletiva? Todos os grupos podem ser criativos ou apenas aqueles que<br />

possuem determinadas características? E quais? Que peso exercem sobre<br />

a capacidade criativa de um grupo a motivação, o profissionalismo<br />

e as neuroses de seus membros individuais? [...] Quais são as causas e<br />

as possíveis soluções de conflito que nele surgem? Como se pode avaliar,<br />

de dentro e de fora, o grau de criatividade de um grupo? Como se<br />

formam e como se dissolvem os grupos criativos? Que influência exerce<br />

sobre eles o contexto no qual operam? (De MASI, 1999, p.26).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

Essa abordagem pouco ortodoxa sobre o assunto é quase uma advertência de que qualquer estudo<br />

que pretenda contribuir para o conhecimento dos mecanismos que regulam a vida e a organização<br />

de equipes criativas não pode se restringir aos ensaios, pesquisas e manuais produzidos por peritos<br />

em ciências organizativas, mas estar aberto a outras contribuições apoiadas “no bom senso, na<br />

memória direta e em regras aproximativas”.<br />

O exemplo dos pesquisadores italianos sugeriu uma alteração de rumo - a investigação em outras<br />

áreas ou atividades sobre como a questão da criatividade vem sendo tratada.<br />

A abrangência das possibilidades foi reduzida pela exigência de uma atividade coletiva – onde<br />

as contribuições individuais não se sobrepusessem ao conjunto, e que funcionasse como uma<br />

empresa desde que a produção não fosse apenas de bens materiais. Nesse cenário, a unidade<br />

de produção artesanal se apresentava como uma possibilidade desafiadora. A questão que se<br />

colocava era investigar a aplicabilidade, ao meio empresarial, de procedimentos efetivados em<br />

organizações artesanais para o desenvolvimento de seu potencial criativo.<br />

De que artesanato se trata?<br />

<strong>Arte</strong>sanato é o substantivo genericamente atribuído aos objetos que<br />

resultam do trabalho que envolve habilidades pessoais específicas, bem<br />

como ao processo pelo qual esses são produzidos, constituindo uma das<br />

mais antigas formas do trabalho humano. Utilizando material in natura<br />

ou tecnologicamente pouco sofisticados, na maioria das vezes, de sua<br />

propriedade, o artesão recebe, por meio da tradição cultural, social ou<br />

familiar, a informação e a formação necessárias para dar continuidade<br />

ao artesanato. Pode-se entender o artesanato em campos ou segmentos,<br />

de acordo com a intenção do artesão ou o fim ao qual se destina o<br />

seu trabalho. Entre os mais conhecidos, podemos identificar o artesanato<br />

em categorias que vão desde as utilidades aos ornamentos, passando<br />

pelas comidas, bebidas, vestuário, adornos, instrumentos musicais,<br />

instrumentos e ferramentas necessários ao trabalho e aos processos<br />

artesanais de produção (SANTIAGO, 1997, p.2).<br />

Segundo projeções do IBGE, o número de pessoas envolvidas no setor artesanal deve chegar perto<br />

dos 500.000 em Minas Gerais e 8.500.000 em todo o Brasil. Dos 4982 municípios brasileiros, a<br />

atividade artesanal é fator econômico dominante em 1038. O faturamento em Minas atinge cifras<br />

de um bilhão de dólares por ano e no Brasil perto de trinta bilhões de dólares anuais.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

Conforme citado em MOSTRA (1981), são objetos produzidos artesanalmente que concorrem com<br />

seus símiles industriais, inclusive em preço e volume de produção onde as vantagens da multiplicação<br />

pela máquina estão substituídas pela grande quantidade de mão-de-obra. Visto por esse<br />

ângulo, o processo artesanal tem, portanto, uma convergência industrial.<br />

O artesanato ao qual se refere este artigo, não é aquele visto apenas como produção cultural e<br />

sim, como atividade econômica viável. Com freqüência, é uma operação familiar ou uma microempresa<br />

que precisa estar integrada ao mercado mantendo, porém, sua especificidade cultural. É<br />

“[...] de natureza contemporânea, cuja motivação de quem produz é basicamente a oportunidade<br />

de gerar uma fonte complementar de renda” (BARROSO NETO, s.d.). É, em última análise, um<br />

negócio que deve ser sensível à inovação, desenvolvimento de produtos, segmentação de mercados,<br />

qualidade e preço. Ao mesmo tempo, é um setor que sempre encontrou sustentação na<br />

imaginação criadora fincada em raízes tradicionais.<br />

A observação de como vem sendo tratada a questão da criatividade nos programas e projetos de<br />

otimização do trabalho e da produção artesanais é uma perspectiva interessante por dar oportunidade<br />

de lidar com dois contextos distintos, porém não excludentes – de um lado uma atividade<br />

onde volume e estabilidade são cruciais e na qual é indispensável que haja fórmulas e técnicas<br />

racionais para garantir o atendimento da demanda. De outro, um criar e um fazer que se baseiam<br />

na maneira de viver, na espontaneidade, na recuperação e na renovação das tradições, enfim, no<br />

potencial criativo humano.<br />

Os programas e projetos<br />

O artesanato é uma forma de expressão da cultura e, como tal, vai<br />

sendo transformada. Não se deve colocá-lo numa redoma de vidro e<br />

querer que o artesão continue fazendo seu trabalho como era feito há<br />

cem anos. Isso é impossível, pois eles estão integrados à sociedade e<br />

devem responder aos impulsos dela (Primeira-dama Ruth Cardoso em<br />

entrevista à Folha de São Paulo em 16/08/99).<br />

Dedicar atenção ao artesanato num país que busca o seu pleno desenvolvimento industrial pode<br />

parecer, a princípio, uma contradição. Entretanto, a realidade do sistema produtivo na América<br />

Latina está muito mais próxima da pequena e microempresa e da produção artesanal, que dos<br />

grandes complexos industriais. Além disso, uma das poucas alternativas de sobrevivência no mercado<br />

global talvez esteja no oferecimento de produtos que tenham como valor agregado a utilização<br />

de elementos singulares do repertório cultural de uma nação ou região.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

Até bem pouco tempo atrás a condescendência cultural e o paternalismo econômico que pautavam<br />

as poucas ações efetivadas tinham um forte caráter inibidor e o potencial produtivo e<br />

de mobilização social das comunidades artesanais eram ingenuamente ignorados. A conscientização<br />

a respeito das possibilidades que o setor artesanal apresentava de aceitação no mercado<br />

internacional, de criação de oportunidades de empregos e de melhoria das condições de vida é<br />

relativamente nova e tem estimulado tanto o setor público, quanto o setor privado, no mundo, e<br />

principalmente na América Latina a lançarem programas destinados a esse grande segmento da<br />

população economicamente ativa.<br />

Segundo o Programa do <strong>Arte</strong>sanato Brasileiro, o setor artesanal brasileiro, até um passado muito<br />

recente, vinha sendo tratado com o enfoque voltado para a área social, como uma política compensatória<br />

para as camadas sociais menos privilegiadas. Na atualidade, o Brasil, assim como outros<br />

países latino-americanos, tem buscado imprimir ao setor um enfoque diferenciado, colocando-o<br />

como atividade econômica para milhares de produtores, com produtos competitivos para mercados<br />

internos e externos. Assim como outros setores, o artesanato necessita de pequenos ajustes,<br />

tanto no processo produtivo, como nas formas de organização e nas estratégias de mercado.<br />

No entanto, essa nova abordagem do artesanato, se realizada de modo pouco refletido, pode<br />

gerar mais malefícios que vantagens. As ações e eventos:<br />

[...] somente fazem sentido se forem realizados e monitorados de modo<br />

permanente. A descontinuidade deste processo pode deixar o artesão<br />

em uma delicada situação. Pressionado pelo mercado, que exige um<br />

esforço contínuo de renovação, fica sem saber qual caminho seguir. Já<br />

não pode voltar atrás e produzir aquilo que se acostumou a fazer durante<br />

anos. Tampouco consegue isoladamente oferecer produtos novos<br />

e criativos a cada seis meses (BARROSO NETO, s.d.).<br />

Ainda de acordo com o autor uma política pública comprometida com o desenvolvimento do artesanato<br />

deve ser capaz de fazer distinções e definir de modo claro quem deve fazer o que, para<br />

quem, quando e como, sem paternalismo e ingenuidade. Uma coisa é a ação social cuja meta é<br />

promover a melhoria das condições básicas de vida dos excluídos. Outra é dar efetividade aos<br />

processos de produção pré-industriais sem deterioração de sua base cultural autóctone, gerando<br />

novas oportunidades de trabalho e de renda.<br />

No que se refere aos programas, Duque-Duque (1996) observa que, normalmente, são formuladas<br />

quatro estratégias: organização da comunidade e treinamento em produção de trabalhos artesanais;<br />

conservação e uso criterioso de recursos naturais renováveis; pesquisa sócio-antropológica<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

para desenvolvimento e marketing de produtos e campanhas de promoção da imagem do setor.<br />

A análise da metodologia empregada pelos projetos mais bem sucedidos até o momento revelam<br />

algumas pontos comuns significativos, entre eles:<br />

• Desenvolvimento de uma metodologia que objetiva a valorização do saber-fazer artesanal<br />

transformando-o em atividade econômica rentável.<br />

• Compreensão do contexto local: fase de avaliação e encontro como base do princípio de<br />

criatividade. Exercício de observação da realidade geográfica, histórica e humana até chegar a<br />

uma produção concreta, informada pelo processo de observação e reflexão.<br />

• Constituição de “espaços” dinâmicos e geradores de idéias para aglutinar, analisar e divulgar<br />

diferentes experiências ou projetos.<br />

• Capacitação como a estratégia para garantir o aperfeiçoamento, a inovação e a criatividade<br />

do produto, facilitando o processo de produção e integração do artesão ao sistema produtivo,<br />

econômico e social.<br />

• Ação vinculada às condições de vida e trabalho do artesão.<br />

• Horizontalidade. Aproximação controlada sem imposição. Abordagem cautelosa. Reciprocidade<br />

de saberes.<br />

• Sustentabilidade e continuidade dos programas (banco de idéias, banco de projetos, encontros,<br />

cursos). Objetivo de resultados a médio e longo prazo.<br />

A análise dos projetos realizados revela que um procedimento unânime é a revitalização do artesanato<br />

a partir das referências locais e do aproveitamento do conhecimento empírico dos artesãos,<br />

promovendo a auto-estima e criando uma estimulação positiva. “Às vezes uma simples conversa<br />

com alguém de fora pode ser suficiente para abrir a cabeça de um artesão isolado num lugar, sem<br />

interlocutores, em relação a novas possibilidades de seu trabalho” (BORGES, 2000, p.18).<br />

Conclusão<br />

É preciso que os gerentes das empresas ocidentais “desaprendam” a<br />

antiga abordagem ao conhecimento, na qual o conhecimento pode ser<br />

adquirido, transmitido e treinado por meio de manuais, livros ou conferências.<br />

Ao invés disso devem prestar mais atenção no lado menos<br />

formal e sistemático do conhecimento e começar a focalizar os insights,<br />

intuições e palpites altamente subjetivos obtidos através do uso<br />

de metáforas, imagens ou experiências (NONAKA e TAKEUCHI, 1997)<br />

O grande desafio dos projetos já realizados para o setor artesanal era colocar o conhecimento<br />

científico e tecnológico à disposição de uma força produtiva acostumada a enfrentar as transfor-<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

mações desafiadoras tendo como única arma a capacidade de invenção, o potencial de criar e<br />

fazer do homem.<br />

À parte os ajustes que se fizeram necessários em cada situação específica, tais projetos foram<br />

felizes porque se pautaram pelo respeito ao homem seja como indivíduo, com sua história de vida<br />

e de trabalho, seja como membro de grupo.<br />

A semelhança identificada entre os princípios de geração do conhecimento do modelo japonês<br />

e as estratégias bem sucedidas aplicadas em comunidades artesanais acenam para as possíveis<br />

contribuições que estas podem trazer à realização do potencial humano já que a investigação dos<br />

procedimentos praticados nas comunidades artesanais brasileiras, por terem uma cultura própria,<br />

possibilitam uma conversão mais “nacional” entre o conhecimento tácito e explícito, bases fundamentais<br />

para a geração do conhecimento organizacional e resultado de todos os quesitos como<br />

criatividade, intuição, insigth etc.<br />

A realização do potencial humano não é algo que se alcance com rapidez, pela aplicação de algumas<br />

técnicas por melhores que estas sejam. A realização do potencial humano, como bem observa<br />

Silva (s.d.), é um movimento de caráter humanista cuja aparente inviabilidade não deve obstaculizar<br />

aqueles que realmente acreditam na possibilidade de uma mudança.<br />

No momento em que a globalização desafia os perfis nacionais, o esforço de uma empresa deve<br />

ser o de definir sua identidade para ter condições de expor-se com o poder de sua criatividade.<br />

As empresas que pretenderem concorrer nesse mercado cada vez mais competitivo terão que<br />

aprender a agregar valor nos seus ativos, buscando no conhecimento os valores intangíveis que<br />

diferenciarão os seus produtos.<br />

O fato é que a velocidade com que as transformações econômicas, tecnológicas<br />

e políticas deste fim de século é tamanha que causa perplexidade<br />

e desorientação até para os mais bem atualizados. Aqueles<br />

que não tiverem flexibilidade, conhecimentos, visão de futuro e criatividade<br />

para se adequar às mudanças de paradigmas perderão a vez<br />

(TRACTENBERG, s.d.)<br />

É preciso mobilizar-se internamente. É preciso ter humildade para aprender com inesperadas<br />

fontes de saber. Uma das maneiras talvez seja observando aqueles que vêem o homem como<br />

o portador do saber cultural, independente de qual cultura se está falando, e o demonstram<br />

elaborando estratégias cuja transposição para o contexto empresarial é perfeitamente pos-<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

sível e até mesmo desejável.<br />

Os dirigentes das empresas, portanto terão que repensar suas posturas diante das transformações<br />

decorrentes das inovações, não direcionando sua atenção apenas para as tecnologias a serem<br />

implantadas para facilitar a busca das informações, mas também, para os recursos humanos, que<br />

sentirão diretamente as mudanças no ambiente.<br />

Valorizar o conhecimento existente, compreender o contexto e criar espaços para troca de idéias<br />

e dinamização deste conhecimento. Aproximar-se cautelosamente sem imposição de métodos<br />

generalistas observando as limitações impostas pela realidade de vida e trabalho de cada um.<br />

Promover, pela capacitação, as condições propícias para o desenvolvimento do homem e por último,<br />

mas não menos importante, criar programas que tenham continuidade e se sustentem num<br />

objetivo que, mais do que a longo prazo, deve ser eterno.<br />

A lição que os projetos bem sucedidos para o setor artesanal nos dão, antes de ser simplória pela<br />

sua aparente obviedade, tem a grandiosidade da redescoberta de um valor que o senso comum<br />

já tinha como seu: que o principal detentor do processo criativo é o ser humano e que a estimulação<br />

da criatividade não pode ser ocasional nem superficial, mas sim baseada na importância<br />

dos valores culturais locais e pessoais. Isso implica no conhecimento do indivíduo e na criação de<br />

oportunidades para o compartilhamento de experiências. É simples, mas é o bastante.<br />

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em 30 de agosto de 2002<br />

BORGES, A. O Renascimento do <strong>Design</strong>. In Gazeta Mercantil, São Paulo: 6 de out. 2000. Caderno<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

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29 p. (Trabalho de aluno)<br />

DAVENPORT, H. Thomas; PRUSAK, Laurence. Conhecimento empresarial: como as organizações gerenciam<br />

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DE MASI, D. (org.). A Emoção e a Regra: os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950. 2 ed., Rio de<br />

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DUQUE- DUQUE, C. <strong>Arte</strong>sanato: um caminho para a paz. Desenvolvimento de Base. In Revista da<br />

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FRANÇA, J. L. et al. Manual para Normalização de Publicações Técnico-Científicas, 4. ed. rev. e aum.,<br />

Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, 213 p.<br />

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Mapeamento do artesanato mineiro. Belo Horizonte: FJP, 1979.<br />

HEALY, Kevin. A saga da exportação de La Khochalita – as organizações artesanais podem pagar o preço do<br />

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20, nº 20, 2-9, 1996.<br />

MANU, A. (Org.). Revista da Aldeia Humana. Florianópolis: SENAI/LBDI, 1995. 120 p.<br />

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MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, DO COMÉRCIO E DO TURISMO. Secretaria da Política Industrial.<br />

Plano Plurianual 1996-1999 – Programa do <strong>Arte</strong>sanato Brasileiro, Brasília, setembro, 1995.<br />

MOSTRA ARTESANATO E DESENHO INDUSTRIAL: UM PROCESSO CONTÍNUO, agosto, 1981, São<br />

Paulo. São Paulo: NDI / CIESP, 1981. 36 p. (Catálogo de Exposição)<br />

MOSTRA ARTESANATO E DESIGN: UM PROCESSO CONTÍNUO, 1998, Pavilhão Brasileiro da Expo<br />

98, Lisboa. São Paulo: Instituto UNIEMP, 1998. 40 p. (Catálogo de Exposição).<br />

________________. O papel do designer como agente de transformação criando novas oportunidades<br />

no artesanato popular. Projeto <strong>Design</strong>, São Paulo, 88-93, outubro, 1996.<br />

NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. Criação de Conhecimento na Empresa: como as empresas japonesas<br />

geram a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Campus, 1997. 358p.<br />

OECH, R.V. Um chute na rotina: os quatro papéis essenciais do processo criativo. São Paulo: Cultura Editores<br />

Associados Ltda, 1994.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

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SANTIAGO, M. Pesquisa, ensino e extensão sobre o artesanato. Belo Horizonte: Centro de Extensão da<br />

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SECRETARIA DO ESTADO DO TRABALHO E AÇÃO SOCIAL DO PARANÁ Desvendando o <strong>Arte</strong>sanato.<br />

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TRACTENBERG, Leonel. Transformando recursos humanos em seres humanos: contribuições humanistas<br />

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WUJEC, Tom. Manual de Ginástica Mental. São Paulo: Best Seller/Círculo do Livro, 1088.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

Ed Marcos Sarro Mestre em <strong>Design</strong> e Arquitetura pela FAU-USP/<strong>Universidade</strong> São Judas<br />

Tadeu. edsarro@edsarro.com.br prof.edsarro@usjt.br<br />

Resumo<br />

A discussão sobre a validade de uma estética para as massas e sua veiculação pelo<br />

design permeou os séculos XIX e XX, sem chegar a uma conclusão definitiva. O<br />

século XXI deverá aprofundar essa reflexão diante dos paradoxos da pós-modernidade<br />

nas artes, no design e na cultura de massa, face o risco de empobrecimento<br />

da reflexão artística pelo nivelamento entre arte e produção industrial ou pela<br />

valorização da experiência estética em detrimento da funcionalidade. Este é momento<br />

único para esse tipo de reflexão, representando o ponto de transição de<br />

um sistema lógico fundante e novas formas de estruturar a experiência humana.<br />

Palavras-chave:<br />

Cultura de massa, design, arte.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

Introdução<br />

Chaves (2004) argumenta que o conceito de cultura é muito abrangente e multifacetado, uma vez<br />

que dentro de uma mesma cultura podem conviver diversas sub-culturas. De fato, é necessário<br />

entender primeiro o que é cultura e de qual cultura se fala quando se trata do conceito de design.<br />

No tocante ao conceito de design, (e particularmente quando se trata de design gráfico), o autor<br />

afirma que nem toda a produção gráfica é design, posto que as várias culturas tendam a ter suas<br />

próprias expressões gráficas.<br />

A cultura, segundo ele, é uma manifestação universal humana e cada cultura em particular é um<br />

universo articulado. A cultura é um tecido vivo e simbólico em constante mudança e evolução. No<br />

entanto é um universo limitado: nem toda manifestação simbólica é necessariamente cultural,<br />

ficando aqui algumas áreas cinzentas.<br />

Por ser um organismo vivo, a cultura está sujeita às influências externas, pelos fluxos imigratórios e<br />

mais recentemente pelo grande alcance dos meios de comunicação de massa que tende a esboçar<br />

algum tipo de padronização. De qualquer forma, falar de cultura é falar de pluralidade. Por conta<br />

disso, falar de uma cultura de massa, “massificada”, é redundante e mesmo contraditório.<br />

A cultura de massa, a rigor, ainda no ver de Chaves (2004), não é exatamente uma cultura, porque<br />

não é cultivada espontaneamente dentro de um contexto, mas sim um conjunto de símbolos<br />

que são adotados por certa coletividade como parte do processo de identificação com as normas<br />

comerciais vigentes e explicitadas pela publicidade e pela propaganda.<br />

Assim, se pudéssemos falar de uma cultura na qual o design seria uma manifestação, ela seria a<br />

cultura industrial que segue as leis do mercado e que determina muito do que se faz em termos<br />

de design e também de arte. A cultura industrial (principalmente no mundo Ocidental e nas<br />

outras nações industrializadas) possui um fim em si mesma, sem deixar de dialogar com os outros<br />

gêneros de cultura e com o arcabouço cultural maior onde se insere. Essa relação pode inclusive<br />

trazer ruídos à comunicação entre o designer e o usuário do produto industrial, pois muitas vezes<br />

o repertório do usuário é todo formado de conteúdos simbólicos da cultura imediata ao qual<br />

pertence, com pouca capacidade de transitar pelos códigos da cultura industrial onde se insere<br />

o design. Também as questões ligadas à incorporação de novas tecnologias ao trabalho do design<br />

acabam por influenciar os modos de simbolizar e a semiose no seio da cultura geral.<br />

Assim, como operador simbólico da cultura industrial, o design não é qualquer manifestação<br />

simbólica, senão aquela que busca servir às relações de mercado dentro da cultura industrial.<br />

De qualquer forma, a relação do design com a cultura maior (a cultura étnica, nacional, regional<br />

etc.) não é também tão fria e inviável, podendo sim levar a absorver e incorporar elementos dela<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

no seu repertório.<br />

O evento fundador desta dinâmica é a Revolução Industrial, que consistiu em um conjunto de<br />

mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social.<br />

Iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX.<br />

Ao longo deste processo a era da agricultura foi superada e a máquina foi substituindo o trabalho<br />

humano; uma nova relação entre capital e trabalho se impôs e novas relações entre nações se<br />

estabeleceram. Aqui surge então o fenômeno da cultura de massa. O desenvolvimento do conceito<br />

de design decorre, então, da necessidade de um projeto que otimize a produção nas etapas de<br />

execução e a sua reprodutibilidade. É neste contexto de indústria, por exemplo, que acontece o<br />

crescimento da técnica de reprodução de imagens, agilizando e barateando sua multiplicação e<br />

relegando a pintura tradicional de cavalete ao segundo plano. Um dos aspectos mais importantes<br />

da Revolução Industrial foi mudar para sempre a percepção do fazer artístico, dentro do conjunto<br />

de desdobramentos que a produção em série ensejou em diversos segmentos da sociedade da<br />

época. O surgimento de uma “civilização da tecnologia” veio rever o conceito de cultura e, por<br />

consequência, também o teor de sua produção simbólica, nivelando expressão artística e indústria.<br />

Por exemplo, com o advento da tecnologia fotográfica, o papel da arte enquanto mimese da<br />

Natureza passa a ser re-significado, bem como o papel do artista. Ademais, cada nova mudança<br />

de era, com eventos da História, como a Segunda Guerra Mundial, a queda do Muro de Berlim e<br />

o atentado às Torres Gêmeas, representam mudanças de paradigma que ensejam reflexões sobre<br />

novos modos de produção, comportamentos e padrões culturais e estéticos.<br />

O século XX presenciou o começo de um processo de integração das linguagens da arte e da<br />

indústria: Flusser (2007) argumenta que, com o advento das telecomunicações, principalmente<br />

a televisão e seus derivados, assistimos (literalmente) ao surgimento de um novo paradigma em<br />

termos da forma de ler e escrever o mundo; na transição do pensamento linear (baseado na<br />

decifração de números e letras, registrados em linhas) para o pensamento calcado na superfície,<br />

através das imagens. Mais recentemente, com o nascimento da internet e a popularização dos<br />

aparatos informatizados, o avanço da imagem-superfície (texto não-verbal) sobre o texto linear<br />

solapou a realidade da memória e da reflexão baseada na decodificação do texto verbal.<br />

Como de fato as tecnologias tendem a conviver e se completar, após certo conflito inicial, também<br />

a produção simbólica resultante de áreas distintas tendem a desenvolver uma acomodação gradual<br />

dando origem a outras combinações e possibilidades: o projeto Merz, desenvolvido na Alemanha<br />

pós-Primeira Guerra por um grupo de artistas liderado por Kurt Schwitters, se baseava em pinturas<br />

ou colagens feitas com materiais encontrados no lixo, como jornais, impressos, quadrinhos etc,<br />

fragmentos da cultura industrial.<br />

Convém lembrar que o advento de uma cultura industrial (e sua influência no repertório visual e<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

no imaginário coletivo), ocasionou experiências estéticas como o Futurismo italiano de Marinetti<br />

e elementos da Art Decó europeu e do Streamline americano, que introduziram a representação<br />

de velocidade e aceleração no design. O jornalista do jornal The Guardian, Jones (2002) afirma<br />

que a literatura de Gertrude Stein e uma tira de histórias em quadrinhos chamada Katzenjammer<br />

Kids poderiam ter influenciado Pablo Picasso na descoberta mais revolucionária da arte desde a<br />

Renascença: o Cubismo.<br />

Salvador Dalí incorporou em sua obra ícones da cultura mediática de seu tempo (particularmente<br />

o cinema americano), como nos quadros “Homenagem ao noticiário da Fox” e “O rosto de Mae<br />

West” (cuja boca depois o escritório italiano de design Gufram transformou em sofá, figura1). Nos<br />

Estados Unidos, em 1954, Milton Glaser, Seymour Chwast, Reynold Ruffins e Edward Sorel, fundam<br />

o Push Pin Studios. O “Push Pin Style” não se prendia apenas ao que era considerado o “bom<br />

design”, mas praticou um estilo excêntrico muitas vezes inspirado na estética do século XIX e nas<br />

tendências da cultura pop, consideradas decadentes.<br />

Figura 1: Quadro “Face of Mae West which can be used as an apartment” de Salvador Dalí.<br />

Fonte: (SALVADOR, 2007).<br />

Roy Fox Lichtenstein (figura 2) procurou valorizar os clichês das histórias em quadrinhos como<br />

forma de arte, colocando-se contra o movimento que tentou criticar a cultura de massa.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

Figura 2: “Tintin in the new world” de Roy Lichtenstein.<br />

Fonte: (HENDRICKSON, 2007).<br />

Na Itália, o Archizoom, estúdio de design fundado em 1966 em Florença, produziu um rico conjunto<br />

de projetos em design e arquitetura, desenvolvendo trabalhos que abrangiam desde vestuário a<br />

objetos, móveis e arrojadas soluções arquitetônicas e urbanistas, dentro de uma visão de mundo<br />

que enfatizava um estilo de vida alternativo e criativo e a supressão de barreiras interdisciplinares.<br />

Javier Mariscal, formado em Filosofia e <strong>Design</strong>, desenvolveu a primeira história em quadrinhos<br />

underground da Espanha (“El Rollo Enmascarado”), criou o cachorrinho Cobi (mascote dos Jogos<br />

Olímpicos de Barcelona, em 1992), e desenhou a cadeira Garrini (figura 3) que faz claras citações<br />

a Mickey Mouse. No Japão o movimento kawaii trouxe para a moda e para o estilo de vida dos<br />

jovens os valores estéticos da cultura pop japonesa, influenciada pelo mangá e pelos animês. No<br />

Brasil, um exemplo contemporâneo é o trabalho de Iran do Espírito Santo que transforma objetos<br />

prosaicos do universo do desenho industrial, como lâmpadas, copos e buracos de fechadura, em<br />

esculturas de materiais como aço e acrílico.<br />

Figura 3: Cadeiras Garrini, criações de Javier Mariscal.<br />

Fonte: (FIELL e FIELL, 2005).<br />

No final do século XX, a cibernética e a revolução tecnológica advinda da disseminação da<br />

informática por praticamente todas as áreas de conhecimento humano, viriam a lançar as bases<br />

da cultura contemporânea, pós-industrial e em constante transição. Nesta primeira década do<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

século XXI, a internet e as mídias sociais, os games interativos, a telefonia móvel, a conectividade<br />

entre mídias (rádio, TV e internet) a indústria do entretenimento, a arte digital, a inserção<br />

de sistemas informatizados em produtos criando objetos inteligentes, além das tecnologias 3D<br />

começam assinalar a colonização do ciberespaço como a nossa nova fronteira. Nesse contexto,<br />

a linguagem visual, e em grande parte o uso da estética da cultura de massa (a toy art; a street<br />

art, o graffiti e ícones da cultura cibernética), passa a ser uma poderosa ferramenta de integração<br />

dos diversos sistemas pela sua grande capacidade de síntese e sua facilidade de penetração em<br />

praticamente todos os níveis sócio-culturais e econômicos.<br />

A pós-modernidade trouxe para a discussão os aspectos positivos e negativos das mudanças<br />

de paradigma que tornaram tênues alguns limites e convenções em áreas tão diversas como a<br />

cultura, as ideologias, os costumes, os valores, a arte e o design. Exemplos disso são eventos tão<br />

distintos como o FILE (Festival Internacional de Linguagens Eletrônicas, que experimenta com<br />

arte e tecnologia), o “Pictoplasma” (encontro internacional sobre criação, confecção de bonecos<br />

e cultura de personagens, na linha da toy art) e a Bienal de Veneza que tem buscado integrar<br />

arte, design, arquitetura, cinema, dança, teatro e música. Essas iniciativas têm proporcionado<br />

o diálogo entre áreas distintas e independentes, mas que compartilham bases de linguagem<br />

estrutural comuns. Por outro lado, o excessivo apelo comercial e ao consumo e o papel da China<br />

enquanto manufatura do mundo podem levar o design contemporâneo a perder força enquanto<br />

informação de primeira mão e gerador de conhecimento de qualidade. E isso não se restringe<br />

apenas ao aspecto prático e instrumental da nossa cultura material, mas reflete também o quadro<br />

maior de nossa visão de mundo.<br />

Cultura de massa, arte e design: um possível diálogo.<br />

Longe de esgotar o assunto em questão, este trabalho visa tão somente propor uma reflexão sobre<br />

o estado da arte da comunicação de massa, e sua relação com as artes e o design. Procuramos<br />

identificar que paradigmas têm norteado o fazer projetual do design contemporâneo dentro do<br />

universo maior da cultura industrial, principalmente no tocante à questão estrutural e à estética.<br />

Também refletir sobre a dialética presente nas relações entre cultura de massa e arte/design,<br />

analisando o papel do design enquanto elemento fundador da massificação da cultura e da arte<br />

(inclusive com o surgimento do kitsch, como variante estética), e também como uma possível<br />

redenção do próprio kitsch. É importante analisar a dinâmica da transformação de cultura de massa<br />

em arte e design verificando se, ao ser re-significada pelo design, a cultura de massa se torna em<br />

arte maior de fato, dentro do processo capitalista de agregação de valor ao produto. Para tanto o<br />

referencial teórico deve buscar ajuda nas ciências da linguagem (Semiótica e Semiologia visual),<br />

na psicologia da forma (Gestalt), nas teorias da comunicação, na teoria e história do design e nas<br />

ciências humanas aplicadas.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

“Bom” design x “mau” design?<br />

Diante do exposto é importante investigar se existe de fato uma dinâmica de transformação do<br />

design para as massas em design de qualidade. Se sim, quais elementos e instâncias de linguagem<br />

operariam a reestruturação da forma e do significado de modo a alterar a percepção do objeto?<br />

Uma hipótese a confirmar é se, no caso do design, existiriam níveis de design e mobilidade entre<br />

eles dentro do mesmo universo discursivo: o “mau” design se tornando “bom” design. Seria isso<br />

apenas uma questão de viés subjetivo? E no caso da arte, quais elementos ou quais dinâmicas de<br />

re-significação operariam a transformação da arte de “massa”, que está impregnada nos produtos<br />

da cultura de massa, em arte maior, supostamente com mais qualidade? Seria a exclusividade um<br />

elemento transformador da arte para as massas em arte maior? Seria o fato de que a arte boa é<br />

supostamente restrita, personalista e feita para um número limitado de consumidores ao passo que<br />

a arte de massa é, de fato, para as massas, logo com um padrão inferior de qualidade? Pensando<br />

assim, poderiam tanto a boa arte como o bom produto de design ser equiparados ao artesanato,<br />

dado o caráter personalizado e limitado da sua produção? Como explicar o caso das sandálias<br />

Havaianas, que de “calçado de pedreiro” (sendo de fato uma estilização de sandália tradicional<br />

japonesa) passaram a ostentar o status de objeto de consumo cult, sendo hoje apreciadas nos<br />

grandes centros urbanos do mundo? A partir dessa análise, quais mecanismos poderiam ser<br />

sistematizados numa linguagem de projeto, de modo a gerar soluções de design que dialoguem<br />

produtivamente com a estética contemporânea, operando a confluência objetiva entre cultura de<br />

massa, arte e design?<br />

Considerações finais<br />

Concluímos nossa análise entendendo que, de fato, estamos na transição de um conjunto de<br />

paradigmas a outro; com todos os riscos e oportunidades que ela encerra. Ainda restam (e<br />

restarão) regiões cinzentas e linhas tênues delimitando cultura de massa, arte e design que<br />

deverão estabelecer status próprio numa e noutra área, sendo, porém, permeáveis o suficiente<br />

a contaminação mútua. O que podemos afirmar de concreto é que a aceleração e a convergência<br />

deverão enriquecer os saberes humanos na construção de um senso estético inclusivo, com<br />

consequente melhoria na qualidade da produção de soluções artísticas e de design, através do<br />

aprendizado mútuo.<br />

Diante dos desafios da complexidade (Morin, 2001) e da “morte do autor” (Foucault, 1992), a<br />

distinção entre “baixa arte” e “alta arte” (tendo como arcabouço a cultura de massa) deverá<br />

ser cada vez menor, posto que a democratização dos processos criativos e a disseminação da<br />

experiência estética pela internet, via dispositivos móveis (iPhones, Blackberries, iPads, PDAs<br />

etc.), levarão a trocas simbólicas e técnicas em escala planetária como nunca visto antes na<br />

História; inclusive reeditando formas analógicas de expressão (como o a pintura e o desenho) por<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

meio de ferramentas de interface digitais e de colaboração. Isso influirá de modo decisivo nos<br />

modos de projetar e na qualidade do design advindo.<br />

Num primeiro momento, no entanto, isso poderá acarretar certa confusão de juízo e algum conflito<br />

quanto à autenticidade e à validade de algumas iniciativas e movimentos, prevalecendo por fim<br />

aquelas propostas conceitualmente mais bem estruturadas. O ajustamento desse processo passará<br />

fatalmente por mudanças no ensino de arte e design, acarretando mudanças de curriculum que<br />

enfatizem a transdisciplinaridade (não sem algum esforço de pesquisa e reflexão por parte da<br />

academia), visando dialogar com a cultura contemporânea e pós-industrial.<br />

Entendemos haver demonstrado, ainda que superficialmente, a dinâmica das transformações<br />

simbólicas de elementos da cultura de massa em arte e design (e vice versa) a partir da fundação da<br />

sociedade industrial. O estudo procurou propor uma reflexão sobre os caminhos destas interações<br />

entre a cultura de massa, a dita alta cultura (via artes) e o desenho industrial dentro dos novos<br />

paradigmas da pós-modernidade, analisando riscos e possibilidades destas relações. De fato essa<br />

análise pode ser ampliada para uma abordagem muito mais ampla, abrangendo o próprio conceito<br />

de cultura de massa e seu impacto sobre a produção material e simbólica contemporânea,<br />

refletindo sobre as implicações desta dinâmica para o desenvolvimento estético e espiritual da<br />

sociedade pós-moderna. Esperamos ter começado aqui uma investigação que vá além, analisando<br />

o impacto da cultura de massa sobre a produção simbólica da sociedade contemporânea como um<br />

todo, permitindo assim a elaboração de um corpo conceitual que enseje o desenvolvimento de<br />

uma metodologia aplicável a projetos de arte e design.<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

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http://www.guardian.co.uk/books/2002/apr/13/books.guardianreview1, Acessado em 18 maio<br />

2011, às 09:30:00.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

Roberto Carlos Sorima Mestrando em <strong>Design</strong>; <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

rcsorima@hotmail.com<br />

Gisela Belluzzo de Campos Profa. Dra.; <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

giselabelluzzo@uol.com.br<br />

Resumo<br />

O presente artigo aborda parte da produção artística de Fernanda Talavera, mais<br />

especificamente seus “Bichos Tipográficos”. Parte-se da hipótese de que o trabalho<br />

desta artista traz uma série de elementos conceituais e formais que o alinham<br />

de maneira inequívoca à agenda de temas debatidos pela arte contemporânea,<br />

dentre eles a colagem, a desconstrução e o hibridismo. Para a fundamentação<br />

desta pesquisa, foram consultados autores que, em suas obras, descrevem e discutem<br />

conceitos artísticos da modernidade, da pós-modernidade e da contemporaneidade,<br />

bem como depoimentos da própria Fernanda Talavera.<br />

Palavras-chave:<br />

Fernanda Talavera, bichos tipográficos, design gráfico, arte contemporânea.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

Introdução<br />

Fernanda Salinas Talavera nasceu em São Paulo, em 1979. Filha de pais mexicanos, recebeu, em<br />

sua formação artística, fortes influências tanto da cultura brasileira quanto da cultura mexicana,<br />

dois focos privilegiados de mestiçagens e hibridismos culturais (GRUZINSKI, 2001). Talavera expôs,<br />

pela primeira vez, em São Paulo, na Galeria Choque Cultural, em 2005. Em 2006, viajou pela<br />

Europa e participou de mostras coletivas e individuais na Alemanha, Áustria, Espanha, Bélgica e<br />

Rússia. Rapidamente, consolidou sua reputação no campo artístico e hoje tem a qualidade de seu<br />

trabalho reconhecida por pares, críticos e tipógrafos, expondo nas ruas, em galerias, em mostras<br />

em espaços públicos e também na internet.<br />

Apesar de haver recebido uma formação tradicional, ao cursar <strong>Arte</strong>s Plásticas na Fundação Armando<br />

Álvares Penteado (FAAP), Fefê, como a artista também é conhecida, reconhece um processo de<br />

desgaste e de “bloqueio” nesse período, provocado pelas restrições e pelo enraizamento excessivo<br />

das propostas artísticas acadêmicas em conceitos muitas vezes advindos de uma tradição que já<br />

não reflete mais os anseios do artista contemporâneo. Em entrevista a Moraes (2009) a artista<br />

afirma<br />

Aprendi que, para ser artista, você precisa ser livre, não precisa de uma<br />

faculdade. Ela me limitou muito, eu entrei lá livre e saí completamente<br />

bloqueada [...]. Já na rua é outra história, não existem regras. Se<br />

você quiser expor seu trabalho, você vai lá, faz e pronto, está lá, à<br />

disposição de quem quiser ver. A quantidade de gente que vê o seu<br />

trabalho é enorme, e o mais legal é que não é só a galera que frequenta<br />

galerias de arte, mas o jornaleiro, a senhorinha que lava os banheiros<br />

do hospital, o porteiro, e até mesmo o curador da Bienal. Na rua, a<br />

gente tem mais possibilidades de aproveitar o espaço, de fazer cada<br />

vez maior e de experimentar diferentes tipos de superfícies (TALAVERA,<br />

apud MORAES, 2009).<br />

Fernanda apresenta alguns temas recorrentes ao longo de sua produção criativa, entre os quais<br />

destaca-se a figura do monstro, o animal limítrofe, a criatura que não pode ser nomeada e que,<br />

segundo autores como BELLEI (2000), serve, nas artes, como representação do desconhecido e<br />

dos processos inconscientes que desorganizam as certezas e os limites estabelecidos pela cultura.<br />

Dentre suas produções, destacamos os Bichos Tipográficos, tema deste artigo, que consistem em<br />

construções realizadas com recortes de lambe-lambe – cartazes de divulgação de baixo custo,<br />

veiculados ao serem colados nos muros das cidades. Talavera constrói painéis em tamanhos<br />

diversos com partes desses cartazes em diferentes suportes, tais como muros e telas.<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

Figura 1: Bicho Tipográfico. Capa da revista Tupigrafia n. 6, 2005.<br />

Fonte: http://www.flickr.com/photos/marinachaccur/page143/<br />

Figura2: Bicho Tipográfico. Colagem sobre muro.<br />

Fonte: http://atitudeartwalk.blogspot.com/2010/08/fefe-talavera-e-seus-monstros.html<br />

Por pintar nas ruas, seu trabalho costuma ser relacionado ao grafite; do mesmo modo, em virtude de<br />

sua ascendência mexicana, muitas vezes sua obra é chamada de mural. Fernanda, porém, afirma,<br />

na mesma entrevista, preferir ser chamada de “artista” ao invés de “grafiteira” ou “muralista”,<br />

e diz não pintar apenas sobre muros, mas sobre quaisquer suportes que encontre. A respeito dos<br />

Bichos Tipográficos, a artista afirma, ainda, na mesma entrevista<br />

Fazer os bichos tipográficos para mim foi um grande passo na minha<br />

carreira de artista. Comecei pintando em pôsteres velhos e colando na<br />

rua, daí percebi que esses pôsteres por si só já eram uma obra de arte.<br />

Aquelas letras tinham vida para mim, eram tão bonitas que eu comecei<br />

a recortá-las em grande quantidade e, como eu já fazia os monstros,<br />

resolvi tentar com a colagem, e deu certo (TALAVERA, apud MORAES,<br />

2009).<br />

Interessa-nos investigar o modo como essas realizações de Talavera, os Bichos Tipográficos¬,<br />

esvaziam o sentido original do signo tipográfico e usam seus aspectos gráficos para reconstruílo,<br />

numa plástica visual que possibilita pensar em várias questões importantes para a arte<br />

contemporânea. Talavera opera na fronteira entre aquilo que se costuma nomear e catalogar<br />

como arte e o que se costuma nomear e catalogar como “não arte”. Os Bichos Tipográficos ocupam<br />

espaços destinados a peças gráficas, os citados cartazes lambe-lambe; mais do que isso, usam os<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

materiais e os elementos desses cartazes, transformando, porém, esses elementos, em outra coisa,<br />

mais especificamente em obras particulares, não reprodutíveis, individuais, feitas, projetadas e<br />

concebidas por uma única pessoa, sem nenhuma finalidade comercial ou utilitária, características<br />

habitualmente atribuídas a realizações artísticas. Entretanto, a presença desses elementos<br />

emprestados traz ecos e traços daqueles cartazes, tornando-os, de algum modo, presentes. No<br />

momento em que essa presença é identificada na peça de Talavera, podemos dizer que os Bichos<br />

estabelecem uma ligação com essas peças gráficas que, por sua vez, são, em geral, anônimas, sem<br />

autoria reivindicada ou assinatura; não possuem qualquer acabamento ou produção relacionada<br />

a um rigor artístico ou gráfico; não são, tampouco, bonitas no sentido usual do termo. Trata-se,<br />

deste modo, de trazer, para o universo artístico, elementos de uma cultura urbana, do universo<br />

gráfico da cidade, o que caracteriza claramente a instauração de novas categorias conceituais,<br />

de novas abordagens do espaço, de novas configurações de linguagem e de novas relações da arte<br />

com a cultura e a sociedade.<br />

Imagem, design gráfico e arte<br />

A modernidade pode ser entendida como um universo formado por vozes distintas que têm traços<br />

em comum, tais como a predisposição para dissolver tribos, raças, credos e classes sociais em<br />

nome de um ideal capaz de libertar o ser humano das marcas da tradição, de fundar a consciência<br />

soberana do indivíduo e, contraditoriamente, legitimar o poder invencível de sua representação<br />

coletiva, a massa (LÖWY, 2009). Nesse sentido, afirma Pevsner (1996), que<br />

o século XX é o século das massas: educação, lazer e transporte de<br />

massa, universidades com milhares de estudantes, escolas polivalentes<br />

para milhares de crianças, hospitais com milhares de leitos, estádios<br />

para centenas de milhares de espectadores. Este é um aspecto. O outro<br />

é a velocidade de locomoção, com cada cidadão dirigindo um “trem<br />

expresso particular” e alguns pilotos viajando mais depressa do que<br />

o som. Ambos são expressões do fanatismo tecnológico da época, e a<br />

tecnologia é apenas uma aplicação da ciência (PEVSNER, 1996, p.7).<br />

Essa ascendência das massas faz acontecer e traz consigo o contexto do cenário urbano; com este<br />

vêm os cartazes e os impressos de todos os tipos que irão compor grande parte do universo do<br />

que denominamos, hoje, design gráfico. São peças gráficas elaboradas com o intuito de preencher<br />

o espaço urbano e informar o transeunte, por meio de texto, mas principalmente com imagens,<br />

quer sejam fotos ou ilustrações, sobre a última guerra, o último espetáculo ou o produto medicinal<br />

mais eficiente no combate aos males recém-adquiridos (HILLER, 1969). Pôsteres são fixados nas<br />

paredes e, na sequência, novos pôsteres são colocados sobre os primeiros, formando uma espessa<br />

camada de papel capaz de derrubar o reboco dos muros, o que frequentemente acontecia. À leveza<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

pesada dos pôsteres somam-se os cadernos dos periódicos locais, regionais e internacionais, cada<br />

vez mais numerosos, lidos por um número cada vez maior de pessoas; os catálogos de produtos<br />

sem-fim, as brochuras de literatura pulp, livros cada vez menores, escritos por motivos cada vez<br />

menos relevantes, acarretando uma transformação conceitual que visa a atender um público<br />

cada vez mais deslumbrado pelas luzes elétricas dos parques de diversão (SEVCENKO, 2001), e<br />

incrementando a comunicação visual e o início do que hoje denominamos design gráfico.<br />

A imagem – quadro, fotografia, colagem, ilustração – multiplica o acesso, a constituição de<br />

olhares e os testemunhos modernos sobre o que, cada vez mais, se pode ver. A era da imagem<br />

é também a era da “obra aberta” comentada por Benjamin (1989, p.12-13), a obra inacabada,<br />

que permite a incorporação de novas partes e vários modos de interpretação. Essa abertura seria<br />

potencializada pela imagem, pelo uso irrestrito de códigos ressignificados e traduzidos, pela perda<br />

da experiência comum, pelo desinteresse na contextualização, pela ausência de uma referência<br />

que possa informar de onde certos objetos e valores vieram e, finalmente, pela desconsideração<br />

de uma tradição.<br />

Ainda segundo Benjamin (Ibid, p.16-19), com a modernidade, a noção histórica de verdade se<br />

perde, em grande parte devido ao acúmulo de comentários, notas, informações, compêndios<br />

complementares e imagens que rapidamente se somam à versão original. Essa perda da verdade,<br />

que se assenta numa única versão histórica considerada, é percebida e discutida, na literatura e<br />

nas artes visuais.<br />

Como uma resposta à constatação desse fato e à impossibilidade de uma retomada literal da<br />

tradição e do passado, a pós-modernidade nasce com uma proposta de desconstrução mais ou<br />

menos sistemática da imagem em si e de todos os conceitos que sustentavam a dicotomia imagem<br />

“versus” coisa representada pela imagem. A pós-modernidade e sua expressão, ainda presente na<br />

contemporaneidade, problematizam o uso da imagem massificada, bem como as intenções por<br />

trás de seus usos, desarticulando fronteiras e definições tradicionais e reorganizando a própria<br />

noção de tempo e espaço a partir de um enquadramento em que tudo parece cada vez mais veloz,<br />

próximo, instável e lúdico, conforme denunciam Debord (1997), Sennett (2004), Bauman (2001),<br />

Zizek (2003), Sevcenko (2001) e Cardoso (2000) entre outros autores. Esse novo enquadramento,<br />

capaz de provocar uma fratura no tempo, proporcionada pela ruptura nas memórias materializadas<br />

em registros, leis, tradições etc., ocorre durante a modernidade e abre caminho para novas regras<br />

incorporadas na contemporaneidade.<br />

Cardoso (2000) discorre sobre essa tendência no design gráfico ao afirmar que:<br />

o primeiro impacto das transformações conceituais se deu no campo<br />

do design gráfico, no qual vem se sucedendo, ao longo dos últimos<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

quinze a vinte anos, uma série de iniciativas dedicadas explicitamente<br />

á substituição de preceitos funcionalistas do passado por uma visão<br />

eclética e híbrida. Sem medo de empregar em seus projetos a desordem,<br />

o ruído e a poluição visuais (CARDOSO, 2000, p.213-214).<br />

Podemos, aqui, levantar a hipótese de que esses desdobramentos do comportamento, do uso e da<br />

interpretação das imagens, em situações de grande exposição – quer sejam imagens comerciais ou<br />

artísticas – fazem com que categorizar produções imagéticas como por exemplo, em artísticas e<br />

não artísticas, de massa ou exclusivas [1], perca, muitas vezes, sua razão de ser.<br />

Colagem, desconstrução e hibridismo<br />

Colagem, desconstrução e hibridismo são conceitos importantes não apenas para compreender a<br />

arte contemporânea, mas também outros fenômenos culturais relacionados ao uso da imagem.<br />

Usamos, aqui, o conceito de colagem em seu sentido mais usual no contexto das artes plásticas:<br />

o de uma composição configurada a partir do uso figuras, imagens e materiais de diversas<br />

procedências, superpostos ou colocados lado a lado.<br />

O termo “desconstrução”, no contexto deste artigo, é usado como processo crítico que visa à<br />

redefinição de conceitos baseados em oposições tradicionais, como “certo e errado”, “bonito<br />

e feio” etc. Trata-se, assim, de uma desconstrução “crítica” da razão tradicional, conforme<br />

entendida por Vilalba (2006).<br />

O conceito de hibridismo, por sua vez, é trabalhado por vários autores; para Couchot (2005), por<br />

exemplo, hibridação ou hibridização, no campo da arte, consiste no cruzamento entre técnicas<br />

heterogêneas, elementos estéticos e semióticos. São exemplos de hibridização, na arte, a colagem,<br />

as combine paintings, as performances e os produtos resultantes das tecnologias que envolvem o<br />

uso da palavra, do texto e do som simultaneamente.<br />

A arte produzida por meio das técnicas da colagem cria, no campo conceitual, algumas novas<br />

categorias e sensações, a saber:<br />

• A criação do sample/simulacro, ou seja, o surgimento de um tipo de objeto que, por suas<br />

características reprodutivas e estéticas, não pode ser considerado novo ou velho, bonito ou feio,<br />

original ou cópia, real ou fantasioso nos termos tradicionais. Com a massificação que origina o<br />

sample/simulacro, ocorre também um apagamento do percurso técnico produtivo, que acaba por<br />

gerar, junto às multidões que consomem esses objetos, um reencantamento “mágico” pela obra,<br />

o que fica muito claro no caso de produções cinematográficas como “Avatar” (2010), que abusam<br />

dos efeitos especiais e de referências a outras obras. Em sentido inverso, a contemporaneidade<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

testemunha o surgimento de obras cada vez mais dependentes da conceituação expressa e de uma<br />

formação cada vez mais especializada para serem apreciadas conforme as expectativas de seus<br />

realizadores, o que confunde o apreciador leigo justamente porque tais obras não estabelecem<br />

fronteiras claras entre si mesmas e os comentários que lhes servem de legitimação. Como pode<br />

facilmente ser compreendido, o sample estará, inevitavelmente, relacionado à produção artística<br />

baseada no conceito de colagem, uma vez que toda edição e ressignificação de referências é, em<br />

certo sentido, uma colagem.<br />

• A vertigem provocada por aquilo que não admite ser pensado nos cômodos termos das categorias<br />

conceituais tradicionais – estabilizadas pelos opostos, exatamente o que não existe nas novas<br />

categorias conceituais – e sua metáfora, a montanha-russa, usada por Sevcenko (2001, p.11-<br />

17), por exemplo, para comentar a construção e dissolução não só de certezas, mas também<br />

de uma visão progressista e certeira sobre os benefícios do progresso. A apropriação visual do<br />

cenário urbano apresentado na obra de muitos artistas gráficos que fazem uso de colagens em<br />

seus trabalhos, como Fernanda Talavera, estaria dentro desse conceito de vertigem.<br />

• O primado da imagem e de sua abertura interpretativa, atuantes, desde a modernidade,<br />

mesmo quando a imagem se apropria de códigos em princípio mais fechados, como os da<br />

linguagem verbal. Neste sentido, a tipografia e seus usos como imagens são exemplares.<br />

Weingart (2004, p.9), em uma de suas palestras proferidas em 1972, afirma que “tipografia<br />

pode ser também algo que não precisa ser lido. Se você gosta de transformar partes dessa<br />

informação em algo mais interessante, pode fazer algo ilegível para que o leitor descubra a<br />

resposta”. Nesse sentido, arriscamo-nos a afirmar que a obra de Talavera expressa e realiza a<br />

opinião de Weingart.<br />

• A serialização e a reprodutibilidade incessantes, bem como o uso cada vez maior de referências<br />

multiculturais, híbridas e mestiças, segundo os dizeres de Gruzinski (2001) e Ginsburg (2001),<br />

que aos poucos apagam a autoria e a clareza quanto ao processo criativo envolvido na execução<br />

da obra.<br />

• A multiplicação dos espaços de execução e de exposição artística e a discussão sobre o papel do<br />

museu, da arte de rua e da cidade como suportes para representações simbólicas, a exemplo<br />

do que propõem autores como Canevacci (1993) e Denise Scott Brown (2003), e artistas como<br />

Stephan Doitschinoff, os Gêmeos e Fernanda Talavera.<br />

• A apropriação artística no lugar da autoria artística, problematizada pelo sample/simulacro. O<br />

primeiro passo da apropriação artística é a nomeação. Dar um nome a algo é sempre uma forma<br />

de deter o controle. Diante do novo, do inédito, de uma possibilidade ainda não explorada,<br />

a nomeação funciona como uma tentativa de ajuste àquilo que já é conhecido. Depois da<br />

nomeação, a referência artística é captada e ressignificada dentro de outro contexto, em<br />

que essa referência articula-se com outras referências, num arranjo (colagem) proposto pelo<br />

artista (GAYLOR, 2008; CREATIVE COMMOMS).<br />

• A reelaboração cronológica, baseada na reminiscência, o que, segundo Benjamin (1989, p.36-<br />

37), oferece possibilidade artística de explorar os infinitos caminhos da lembrança, num fluxo<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

criativo muito mais fértil do que uma investigação apurada sobre o vivido (lembrado versus<br />

vivido) – a reconstrução minuciosa do lembrado, a apropriação artística do fluxo do tempo<br />

e, nessa apropriação, os fatores historiográficos, as certezas e as regras que modelam o<br />

comportamento social e que se misturam à própria variação da consciência.<br />

Seguindo essa proposta, o trabalho de Fernanda Talavera pode ser apreciado como uma experiência<br />

de reminiscência tipográfica em que se propõe que o tipo não seja pensado como algo vivido –<br />

seu uso, suas regras de aplicação, sua forma exata e a justificativa para essas formas, presentes<br />

no projeto do designer – mas como algo lembrado, fragmentos de seu contorno, o que permite a<br />

abertura interpretativa de sua gestalt, a livre associação de sua forma com elementos concretos,<br />

tais como imagens de animais.<br />

A criatura gráfica de Fefê Talavera – complexa, nem animal nem letra – apresenta-se, sobretudo,<br />

pela desconstrução seguida de hibridismo em vários níveis, como signo estético exemplar da pósmodernidade,<br />

e presente na produção contemporânea. A desconstrução e o hibridismo podem ser<br />

detectados em vários momentos, alguns dos quais são mencionados a seguir.<br />

• A desconstrução da imagem que orienta suas decisões criativas no nível formal resulta em<br />

hibridismo entre o figurativo e o abstrato, entre o sample e a produção autoral, entre a arte<br />

e a não arte.<br />

• A desconstrução técnica da tipografia transforma a letra em signos icônicos, abertos a múltiplas<br />

interpretações.<br />

• A desconstrução do espaço expositivo tradicional – a galeria, o museu, e a adoção da rua como<br />

espaço artístico.<br />

• A desconstrução da categorização que legitima e hierarquiza produções de imagens e obras – o<br />

uso de peças de design gráfico em contextos artísticos.<br />

• O hibridismo temático – o obliteramento dos limites entre o folclore, a mitologia e a cultura<br />

popular.<br />

O caráter proposital dessa orientação artística voltada à desconstrução e à hibridação fica<br />

evidente, em outra resposta dada a Moraes (2009)<br />

A real é que eu nunca fui grafiteira, pintar com o spray para mim é<br />

só mais uma técnica como qualquer outra. As pessoas é que adoram<br />

classificar tudo, dizer que a Fefê é isso ou aquilo… Eu pinto junto<br />

com artistas que grafitam há anos, e nunca pensei em me tornar uma<br />

grafiteira, primeiro porque não faço bomb, segundo porque a minha<br />

técnica no graffiti é péssima! Também não sigo nenhuma doutrina do<br />

graffiti, acho muito pequeno se fechar num mundinho em que você só<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

pinta com essas pessoas ou só escuta esse tipo de música, ou só sai<br />

com essa galera… fica muito vazio. É tão mais interessante conhecer<br />

outras técnicas, outras culturas, outras ideias, do que ficar nesse<br />

círculo vicioso que não ensina nada. Eu não só pinto muro como pinto<br />

qualquer suporte que eu encontre. Prefiro ser chamada de artista do<br />

que de muralista, ou grafiteira, ou qualquer outra coisa (TALAVERA,<br />

apud MORAES, 2009).<br />

Considerações finais<br />

Com a produção de monstros – “criaturas”, “bichos tipográficos”, “seres sem nome” –, a artista<br />

reconhece a importância de experimentar, na arte, novas possibilidades de significação, abordando<br />

o objeto (tema) que não permite ser completamente compreendido e que, justamente por esse<br />

caráter fugidio, representa muito bem as rupturas formais, espaciais, técnicas, e temáticas<br />

que devem se processar no interior do campo artístico – e, por que não, em outros produtos<br />

culturais, como o design – para que esse não perca a sua capacidade de provocar identificação e<br />

deslumbramento no indivíduo.<br />

Diante dessas diversas considerações sobre a imagem, seus usos e suas interpretações, diante<br />

dessas imagens remexidas, transmutadas, interpretadas e reinterpretadas, pelas artes em suas<br />

diversas manifestações, não apenas as artes plásticas, mas todas as artes que trabalham com<br />

imagens, entre elas o design e as artes gráficas, enfim, de todos os usos da imagem nestes últimos<br />

120 anos, podemos afirmar que, hoje, em pleno século XXI, um produção artística como os Bichos<br />

Tipográficos ajuda-nos a pensar na possibilidade de uma não-categorização tão enfática, em uma<br />

zona fronteiriça entre o que chamamos de design gráfico, arte gráfica e arte plástica.<br />

Notas<br />

[1] Não sabemos aqui, ao certo, qual é a oposição atual à categoria “massa”, já que tudo, hoje,<br />

é, de algum modo, massificado, sobretudo no sentido de banalizado.<br />

Referências<br />

BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulações. Lisboa: Relógio D’água, 1991.<br />

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.<br />

BELLEI, Sérgio Prado. Monstros, índios e canibais. Florianópolis: Insular, 2000.<br />

BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1996.<br />

BUHLE, Paul e PEKAR, Harvey. Os Beats. São Paulo: Benvirá, 2010.<br />

BOURRIAUD, Nicolas. Pós Produção. Como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

Paulo: Martins Fontes, 2004.<br />

BROWN, Denise Scott. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo: Cosac Naify, 2003.<br />

CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica. São Paulo: Studio Nobel, 1993.<br />

COUCHOT, Edmond. “Media art: hibridization and autonomy”. Texto apresentado em Refresch!<br />

First International Conference on Media Arts, Sciences and Technologies. Canadá: Banff, 2005.<br />

CREATIVE COMMONS. Disponível em . Acesso em: 10 out 2011.<br />

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.<br />

DENIS, Rafael Cardoso. Uma Introdução a história do design. São Paulo: Edgard Blucher, 2000.<br />

GAYLOR, Brett. RiP: A Remix Manifesto. Canadá: EyeSteelFilm, 2008 (80 min.)<br />

GINSBURG, Carlo. Olhos de Madeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.<br />

GRUZINSKY, Serge. O Pensamento Mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.<br />

HILLER, Bevis. Posters. Londres: Spring Books, 1969.<br />

LÖWY, Michael. Revoluções. São Paulo: Boitempo, 2009.<br />

MORAES, Tiago. Entrevista com Fefê Talavera. In +SOMA, vol.4, 2009. Disponível em . Acesso em: 13 out 2011.<br />

PEVSNER, Nikolaus. Origens da arquitetura moderna e do design. São Paulo: Martins Fontes,<br />

1996.<br />

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter. Rio de Janeiro: Record, 2004.<br />

SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.<br />

VILALBA, Rodrigo. Teoria da Comunicação – conceitos básicos. São Paulo: Ática, 2006.<br />

WEINGART, Wolfgang. Como se pode fazer tipografia suíça? Tradução de Pedro Maia Soares. São<br />

Paulo: Editora Rosari, 2004.<br />

ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do Real! São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

Andrea Pereira Gomes de Souza Mestranda em <strong>Design</strong>; <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

souzaza @terra.com.br<br />

Gisela Belluzzo de Campos Professora Doutora; Mestrado em <strong>Design</strong> da <strong>Universidade</strong><br />

<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> giselabelluzzo@uol.com.br<br />

Resumo<br />

O objetivo central deste artigo é observar e enfatizar a importância do material<br />

iconográfico da Exposição Nacional de 1908, apresentado em meios como a fotografia,<br />

o cinematógrafo, o bilhete-postal, a estampa de tecidos e os impressos.<br />

Esta observação realiza-se a partir da visita à exposição intitulada “Mostra 1908,<br />

Um Brasil em Exposição”, organizada por Margareth da Silva Pereira. A autora do<br />

projeto apresenta a Exposição de 1908 como veículo de educação dos sentidos,<br />

propulsor de uma extensão do repertório visual perante a nova sociedade que<br />

estava sendo constituída. Atentamos para o fato de que a Exposição Nacional, tal<br />

como foi documentada e exibida na mostra de 2011, no espaço expositivo Caixa<br />

Cultural São Paulo, caracteriza-se como uma importante referência para compreender<br />

os primórdios do design gráfico no Brasil.<br />

Palavras-chave:<br />

Exposição Nacional de 1908, material iconográfico, design brasileiro.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

Introdução<br />

Este artigo tem como ponto de partida a mostra 1908, Um Brasil em Exposição, realizada no espaço<br />

expositivo Caixa Cultural São Paulo, em 2011, que, juntamente com o catálogo da historiadora e<br />

arquiteta Margareth da Silva Pereira, são referências importantes para conhecer e compreender<br />

melhor esta Exposição Nacional e aguçar o interesse sobre a presença brasileira nas Exposições<br />

Nacionais do início do século XX. Para complementar essa compreensão inicial sobre a importância<br />

dessa presença nacional, foram consultadas referências sobre as Exposições Universais do século XIX<br />

e XX, apoiando-se em Schwarcz (1998). Para relacionar esses eventos e seu material iconográfico<br />

com o design, foram consultados os autores Cardoso (1998 e 2004) e Meggs (2006).<br />

As Exposições Universais e o Brasil como figurante<br />

A primeira Exposição Nacional que se tem datada ocorreu na França, em 1798, onde foram<br />

apresentados aos visitantes produtos industrializados de âmbito local. Devido à grande repercussão<br />

dessa primeira mostra, ocorreram, em outros países, exposições seguindo a mesma temática: o<br />

comércio e a indústria. Em 1851, Londres realizava a primeira exposição, que compreenderia<br />

o circuito internacional, a ‘Grande Exposição dos Trabalhos de Indústria de Todas as Nações’<br />

(CARDOSO, 2004). O edifício sede da primeira exposição universal apresentava uma arquitetura<br />

moderna, tendo em sua estrutura o ferro e o vidro, uma técnica inovadora para a época. Mesmo<br />

sendo visto como uma monumentalidade arquitetônica, ele podia ser montado e desmontado com<br />

a mesma facilidade com que fora edificado. Projetado pelo arquiteto londrino Joseph Paxton, foi<br />

denominado Palácio de Cristal, devido aos materiais presentes na edificação. Entretanto, essa<br />

“monumentalidade” apresentada na arquitetura foi uma característica marcante não apenas no<br />

“Palácio de Cristal”: nas exibições posteriores, outros países elaboraram grandes construções,<br />

geralmente efêmeras que logo após o término da exposição eram destruídas.<br />

A arquitetura desses edifícios e pavilhões não seguia apenas um padrão, mas sim uma variedade<br />

de estilos que apresentavam elementos do Ocidente e do Oriente, com características que<br />

englobavam desde a Grécia até o Art Nouveau. A ideia principal era olhar o mundo naquele<br />

espaço físico restrito à exposição como um retrato das civilizações e povos, de distintas épocas<br />

e diferentes lugares; o espaço físico expositivo era constituído por estandes de diferentes países<br />

e, podemos dizer, que o visitante percorria o mundo em poucas horas. Schwarcz (1998) aponta os<br />

quatro grupos que classificavam as exposições: manufaturas, maquinarias, matéria-prima e belas<br />

artes. Esse tipo de classificação garantia que todos os países participassem e contribuíssem de<br />

diferentes maneiras para o sucesso da feira.<br />

O caráter universal completava-se no conceito de se compreender o mundo e suas infinitas<br />

possibilidades no que diz respeito à apresentação de objetos, produtos, variedades gastronômicas,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

espetáculos de música e arte exibidos por diferentes países naquele local onde se realizava o<br />

evento.<br />

Sendo assim, não eram apenas os países em pleno vigor da Revolução Industrial que participavam.<br />

O Brasil, por exemplo, por mais que tentasse apresentar suas invenções, foi sempre reconhecido<br />

pela produção de matérias-primas como o café, o chá, a erva-mate, o arroz, a borracha e o<br />

tabaco; dessa maneira o país apresentava à cena externa aquilo que produzia e assim mantinha<br />

presença nas exposições seguintes.<br />

A organização para escolher os produtos que representariam o Brasil nas exposições universais<br />

tinha como ponto de partida uma seleção em uma pré-feira, na qual os produtos selecionados<br />

eram encaminhados a uma exposição nacional, e depois seguiam para a mostra internacional.<br />

As exposições nacionais eram, por sua vez, organizadas e patrocinadas<br />

diretamente pelo imperador, que distribuía quatro categorias de<br />

prêmios: medalha de prata, medalha de cobre, menção honrosa e<br />

prêmio extraordinário e fora do comum. E essas mostras não eram<br />

pequenas. Em 1861, por exemplo, 5 mil pessoas visitaram a Exposição<br />

Nacional do Rio de Janeiro, e 76 expositores mostraram 750 objetos<br />

divididos entre seções (SCHWARCZ, 1998, p.394).<br />

Os investimentos nas exposições nacionais tinham um caráter visionário, e o objetivo do Brasil era<br />

projetar sua visibilidade perante as mostras internacionais e seu possível retorno comercial. Era<br />

uma forma do país afirmar-se como nação e demonstrar suas possíveis potencialidades, mesmo<br />

que os produtos apresentados na exposição não confirmassem um avanço na área industrial. O<br />

Brasil assumia, na época, diante dos países desenvolvidos, a imagem de um país exótico, agrícola,<br />

escravocrata e monárquico e a finalidade era transformar esse conceito para um país que visava<br />

a modernidade.<br />

Apesar de não merecer qualquer destaque especial, a regularidade da<br />

participação brasileira chama a atenção. Até o final da monarquia, o<br />

Brasil estaria presente nas exposições de 1862 (Londres), 1867 (Paris),<br />

1873 (Viena), 1876 (Filadélfia) e 1889 (Paris), enquanto outros países da<br />

América Latina não tomariam parte sequer de uma feira, ou melhor, a<br />

Argentina entrou apenas na de 1889 (SCHWARCZ, 1998, p.397).<br />

As exibições indicavam fortemente a presença da ciência e da tecnologia cada vez mais atuantes<br />

com a Revolução Industrial. Além de demonstrar a importância econômica e sociocultural diante<br />

de outras nações eram consideradas verdadeiros espetáculos de exaltação à modernidade.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

As exposições eram organizadas em vitrines de maneira enciclopedicamente didáticas. Pereira<br />

(2011, p.10) menciona que o público, ao percorrer esse espaço expositivo, caminharia, com o<br />

olhar, desde a máquina até o exótico, das inovações tecnológicas aos produtos agrícolas. Essas<br />

feiras representavam um dos mais importantes espaços educativos de cultura do século XIX,<br />

“ensinando massas urbanas a observar as cidades, povos e culturas, e também a hierarquizá-los a<br />

partir de uma visão única e evolucionista de desenvolvimento e história” (PEREIRA, 2011, p.10).<br />

Benjamin (2006, p.57) observou que o novo cenário estava montado para o homem mo¬derno<br />

ocupar o seu lugar. Esse homem, movido pelo frenesi de uma nova época, circulava acelerado<br />

esperando a festa cujo espetáculo eram as técnicas industriais. O filósofo entendeu esses grandes<br />

eventos como “centros de peregrinação ao fetiche mercadoria” nos quais as pessoas alienavam-se<br />

ao contemplar o espetáculo da indústria capitalista.<br />

A Exposição Nacional de 1908 agregou à sociedade um novo trinômio social que Pereira (2011, p.14)<br />

apresenta como: “Exibir, Admirar e Consumir”. O fato de as exposições transformarem-se, mudando<br />

de estandes para pavilhões nos quais os produtos e/ ou invenções exibidos ampliavam cada vez<br />

mais as opções de escolha, atraía a admiração do público pela variedade e, consequentemente,<br />

essa gama de opções consolidava o consumo.<br />

As circunstâncias da época foram determinantes para a evolução e propagação do design. O<br />

pioneirismo diante dos processos e concepções dos produtos favoreceu a aproximação entre os<br />

objetos e o público visitante, fez surgir não apenas o ato intelectual de projetar e fabricar,<br />

mas agregou, a esse procedimento, o artefato e o desejo de possuí-los, favorecendo, naquele<br />

momento, o fetichismo dos objetos tal como conceitua Cardoso (1998) no artigo sobre o tema.<br />

Ao longo do século XIX e início do XX, as exposições universais aproximaram o público do que<br />

havia de novo, fazendo-o compreender e observar, de perto, o processo de industrialização e os<br />

novos inventos. Era como se a sociedade vivenciasse o futuro, visto que o público estaria, naquele<br />

período de exposição, conectado com o progresso além de integrado com as outras nações.<br />

A Exposição Nacional de 1908<br />

A exposição Nacional teve como cenário a cidade do Rio de Janeiro, tendo sido realizada na Praia<br />

da Saudade, no Bairro da Urca. Segundo Pereira (2011, p.31), a revista Kosmos [1] apresentava, de<br />

maneira deslumbrada, as construções surgidas em um curto espaço de tempo, de janeiro e agosto<br />

de 1908. “Parece-nos, ainda, um sonho, esse inesperado aparecimento da pequenina cidade de<br />

palacetes nos areais da Urca [...]” . Pereira (Ibidem) comenta que a Exposição Nacional de 1908<br />

foi a sétima exposição nacional no Rio de Janeiro; porém, ao comemorar o Centenário da Abertura<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

dos Portos, tem-se a clara intenção de reforçar a imagem do país no mercado internacional e<br />

apresentar essa imagem também para os próprios brasileiros.<br />

Na verdade, a proclamação da República e, sobretudo, as reformas<br />

urbanas da Capital Federal, realizadas pelo Ministério de Viação e<br />

Obras, e pela Prefeitura do Distrito Federal, marcaram novos tempos<br />

na história do país. Em consonância com os mecanismos simplistas de<br />

exibição e leitura do desenvolvimento dos países instituídos com as<br />

Exposições Universais, a modernização da arquitetura da área central<br />

e do Porto do Rio de Janeiro era percebida como se o Brasil inteiro,<br />

em um passe de mágica, houvesse modernizado o conjunto de suas<br />

instituições e a própria mentalidade e os hábitos dos seus habitantes<br />

(PEREIRA, 2011, p.22-23).<br />

O Brasil pretendia, nessa época, apresentar-se como um país próximo do capitalismo e desvincularse<br />

de sua imagem colonial. O Rio de Janeiro era o palco propício para firmar essa nova imagem<br />

de modernidade e industrialização. A cidade, capital do país naquele momento, passava por<br />

um processo de urbanização, adotado pelo então prefeito, Pereira Passos, e de saneamento<br />

capitaneado por Oswaldo Cruz.<br />

A Porta Monumental, idealizada pelo arquiteto francês René Barba, marcava a entrada principal<br />

de acesso do público à exposição, e foi aberta aos visitantes no dia 11 de agosto de 1908. Teve<br />

como inspiração a Porta Triunfal da Exposição Universal de 1900 em Paris; logo na entrada, já<br />

era compreendida a grandeza e a variedade de estilos que abrangia uma área expositiva com<br />

182.000m [2].<br />

A efemeridade e o ecletismo compunham o cenário arquitetônico da Exposição Nacional.<br />

Do Pórtico monumental de entrada – com as armas da república – aos<br />

pavilhões, desfilou uma infinidade de neos (manuelino, gótico, francês,<br />

romano etc.), além de construções românticas, art nouveau e Luís XVI.<br />

Quase todos os pavilhões foram demolidos imediatamente depois da<br />

exposição, exceto o Palácio das Indústrias, atual CPRM (CZAJKOWSKI,<br />

2000, p.133).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

Figura 1. Porta Monumental: entrada da Exposição Nacional de 1908, Rio de Janeiro.<br />

Figura 2. Porta Triunfal da Exposição Universal de 1900, Paris.<br />

Fonte: http://www.skyscrapercity.com. Brooklyn Museum Archives, Goodyear Archival<br />

Collection.<br />

Dando sequência à Porta Monumental, a pequena cidade criada para esse evento apresentava a<br />

importância de cada estado. A arquitetura dos edifícios era a vitrine e o reflexo da grandiosidade<br />

econômica e social de cada local. No entanto, os estados da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro<br />

e São Paulo apresentavam uma grandiosidade arquitetônica que se destacava dos demais<br />

pavilhões. “Os edifícios se sobressaíram com mensagem de magnificência, sobriedade, elegância,<br />

monumentalismo, luxo ou rusticidade, mostravam-se, em alguns casos, complementares, mas,<br />

sobretudo, contrastantes [...]” (PEREIRA, 2011, p.37-38). Um desses casos contrastantes foi o<br />

chalé de Santa Catarina, modesto diante dos 1500 m² do pavilhão de São Paulo, que causava<br />

impacto aos visitantes.<br />

Figura 3. Vista dos Pavilhões de Minas Gerais e de São Paulo. Foto de Augusto Malta<br />

Figura 4. Pavilhão de Santa Catarina. Foto de Augusto Malta<br />

Fonte: Arquivo Histórico do Museu da República<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

Outra característica era como se compreendia o evento, um “inventário”, uma vitrine para ser<br />

vista e percebida não só pelos brasileiros, mas também por outros países.<br />

É a partir desse Brasil em exposição que o país passa a ser visto de<br />

dentro, e uma visão ‘interna’ do território nacional também começa a<br />

ganhar forma. Mais do que isso, começa-se a definir com mais clareza<br />

políticas consequentes para suas cidades e regiões (PEREIRA, 2011,<br />

p.22).<br />

A exposição não se restringia apenas em demonstrar diferenciadas formas arquitetônicas em seus<br />

edifícios. O intuito era manter uma aproximação do progresso com a sociedade e do Brasil com a<br />

modernidade. Não apenas na delimitação física da área do evento, mas também na mudança de<br />

valores sociais e econômicos, como readequações de espaços urbanos. Uma nova infraestrutura<br />

era criada em torno do local da exposição, com criação de avenidas, planejamento de transportes,<br />

serviços públicos, além de uma aceleração nos processos industriais e comerciais.<br />

A Exposição Nacional de 1908 contribuiu para o público compreender o “Brasil por dentro” (PEREIRA,<br />

2011). Não apenas flanar pelas vitrines e variedades que o país oferecia em seus pavilhões, mas<br />

aliado às imagens, esse evento era apresentado como espetáculo, e seduzia e incorporava à<br />

sociedade o ato de consumir.<br />

Mesmo com o término da exposição, em novembro de 1908, o ritmo de modernização continuou,<br />

a indução ao consumo permaneceu, o público pós- exposição tornou-se atuante ao admirar o<br />

progresso da indústria e manifestar os seus desejos diante do encantamento com o novo, quer ele<br />

estivesse inserido no contexto industrial, artístico, ou representado em um produto e/ou objeto,<br />

“aproximando-se, assim, do espetáculo e do hábito moderno de olhar como forma de consumir”<br />

(PEREIRA, 2011, p.17-19).<br />

O caráter precursor do material iconográfico na Exposição Nacional de 1908<br />

A partir da Revolução Industrial, há, no contexto mundial, uma inovação e aceleração no uso da<br />

imagem. A crescente urbanização, o aumento da produção e da oferta de produtos aliados ao uso<br />

da litografia e da fotografia que, ao longo do tempo, expandiu de simples curiosidade tecnológica<br />

a uma técnica presente na representação gráfica, contribuíram para essa expansão da imagem<br />

no universo do impresso. Como assinala Meggs (2006), essa sociedade, cada vez mais urbana e<br />

industrializada, produziu uma expansão rápida de impressos diversos e materiais publicitários,<br />

tais como cartazes e anúncios. Os impressos antes da urbanização estavam inseridos apenas em<br />

livros e pequenos folhetos. Com a demanda de informações para anunciar ora o produto, ora o<br />

espetáculo, houve a necessidade de desenvolver outros veículos de comunicação como o cartaz. O<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

espaço público, os recursos gráficos e tipográficos tiveram que ser pensados em novas dimensões<br />

de objetos, uma vez que essas peças passaram a disputar o espaço e a atenção das pessoas. Os<br />

artistas, juntamente com impressores gráficos, recorrem, nesta fase, a uma variedade de estilos<br />

para atrair o olhar do público, auxiliados pelos novos recursos tecnológicos. Uma multiplicidade de<br />

linguagens modernas e inovadoras contribuem para as novas matrizes das artes e dos novos meios<br />

de comunicação, fato que cria um novo repertório visual e a integração da produção artística<br />

com a produção industrial. O resultado dessa variedade de imagens e técnicas está presente na<br />

Exposição Nacional. Pereira (2011) observa<br />

[...] olhar, comparar e julgar: esses atos que nos parecem tão comuns<br />

foram, na verdade, objeto de um longo e intenso processo de educação<br />

dos sentidos e, sobretudo, da visão, desenvolvido particularmente ao<br />

longo do século XIX. Saber ver por imagens e, sobretudo, ensinar a ver<br />

foi uma construção cultural compartilhada por diferentes sociedades<br />

no Ocidente – dentre as quais o Brasil (PEREIRA, 2011, p.10).<br />

Além do caráter didático relacionado a uma nova experiência de leitura visual por parte do público,<br />

nota-se a importância desse evento para a história do design gráfico, pela infinidade de imagens<br />

geradas e expostas. A circulação das novas técnicas de reprodução estava presente e atuante,<br />

apresentada em mídias e peças gráficas diversificadas tais como estereotipias, cinematógrafos<br />

[2], bilhetes postais, estampas de tecidos, levantamentos de dados das cidades e cartazes. A<br />

exposição aproximou o público das imagens estereoscópicas que utilizam o meio fotográfico para<br />

dar a sensação de tridimensionalidade. Essa apreensão da cena dava aos leitores uma variedade<br />

de narrativas não apenas de representações de seu país, como também de fotografias de outros<br />

locais, possibilitando um meio de viajar apenas com o olhar. As imagens geradas pelo estereoscópio<br />

[3], além de dialogarem visualmente com o público visitante da mostra, enquadraram-se como<br />

registro histórico<br />

A série de estereoscopias produzidas especialmente por ocasião da<br />

Exposição de 1908, parte integrante de uma ampla coleção custodiada<br />

pelo Arquivo Nacional, exibe da magnificência dos pavilhões dos<br />

estados às vestimentas de influência francesa que, por muito tempo<br />

ainda, se fariam presentes na moda indumentária. Elas nos dão estratos<br />

da população que visitavam a praia Vermelha: mulheres, crianças e<br />

homens (IBID, p.77).<br />

Os bilhetes postais ampliaram a forma de comunicação e circulação de imagens. As representações<br />

temáticas desses bilhetes transmitiam a importância da época, a partir do sentimentalismo e da<br />

nostalgia, expressos por cânones idealizados desde a beleza e sabedoria de musas gregas. Valores<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

tradicionais, como patriotismo e nacionalismo, também estavam representados com figuras<br />

relacionadas a ícones da paisagem local, como por exemplo, o Pão de Açúcar.<br />

Figura 5: Bilhetes Postais. Exposição Nacional de 1908.<br />

Fonte: http://osseresvivosquestaodeevolicao.blogspot.com<br />

O público presente na Exposição Nacional de 1908 também foi apresentado à ilusão do movimento<br />

com o cinematógrafo. As sessões exibidas com este aparelho proporcionaram ao público do evento<br />

uma opção de lazer e também uma nova narrativa visual, além da possibilidade de o público<br />

transportar-se para outras situações, diferentes do seu quotidiano.<br />

Quanto às estampas, a fábrica de tecidos Bangu ocupou um pavilhão com estilo mouro, que exibia<br />

a grandiosidade da era fabril. A fábrica teve caráter significativo na criação e propagação de<br />

imagens inseridas na indumentária, mudando as nuances de cores e padronagens que circulavam<br />

sobre os corpos dos indivíduos modernos. As estampas, dentro do contexto do design, oferecem<br />

um texto visual a partir dos elementos gráficos, desde cores, formas e texturas, como apresenta<br />

Oliveira (2006, p.83). Essa imponência no ramo de tecidos da fábrica Bangu deve-se a um novo<br />

mercado consumidor disponível e aos novos investimentos nos meios de produção em larga escala,<br />

como a inovação tecnológica de máquinas para impressão de estampas, com a qual chegou a<br />

ganhar prêmios por sua qualidade.<br />

[...] criada em 1889 para produzir morins e chitas, e em 1894 já<br />

comercializava seus produtos aos estados brasileiros graças às qualidades<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

de tecidos. Em 1903, a empresa inaugura a oficina de gravura, um<br />

marco na modernização; a partir de então, passa a contar com a prensa<br />

tipográfica e um motor elétrico. Esses investimentos fizeram com que<br />

seus tecidos adquirissem alta qualidade (PEREIRA, 2011, p.78).<br />

Figura 6. Pavilhão da Fábrica de Tecidos Bangu.<br />

Foto de Augusto Malta.<br />

Fonte: Arquivo Histórico do Museu da República,<br />

Estava também presente, na Exposição de 1908, uma outra forma de imagem vinculada à informação<br />

quantitativa, no caso, o retrato do país em números. Esses impressos foram apresentados à<br />

população em coeficientes de natalidade, mortalidade, crescimento dos transportes, entre outros.<br />

Tais apontadores eram apresentados de forma figurativa e mostravam os índices de modo atraente<br />

e com uma fácil compreensão de leitura. Por exemplo, quanto maior fosse o número presente na<br />

estatística, maior seria o ícone do desenho.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

Figuras 7 e 8. Coeficientes de Natalidade e de Mortalidade, 1908.<br />

Diretoria Geral de Estatística Rio de Janeiro.<br />

Fonte: Arquivo Histórico do Museu da República.<br />

Os cartazes tinham finalidades variadas, tais como apresentar o produto ao público e divulgar<br />

espetáculos de músicas. Introduziam elementos gráficos igualmente variados, do Art Nouveau<br />

ao Ecletismo. Percebe-se a influência marcante do livro A gramática do Ornamento, de Owen<br />

Jones (1856). Embora o autor fosse inglês, a tendência estilística apresentada na obra, adornos<br />

com influências do Oriente, estendeu-se a outros países, inclusive ao Brasil, tornando-se uma<br />

referência imprescindível para o design da época. Os projetos gráficos deste período apresentam<br />

um grande número de elementos ornamentais e uma vasta variedade tipográfica.<br />

Considerações finais<br />

Atualmente, há um material iconográfico restrito referente à Exposição Nacional de 1908; mesmo<br />

assim, pode-se notar que as imagens são a chave de entrada para compreender a mostra nacional,<br />

tanto no passado quanto no presente. No passado, essa importância foi sobretudo didática, no que<br />

diz respeito à alfabetização visual, à criação de um repertório imagético, ao contato do público<br />

com as novas técnicas da sociedade moderna e ao diálogo entre o pictórico e a tecnologia. Como<br />

acentua Pereira, o verbo “ver” ganha uma nova dimensão devido à velocidade da tecnologia sobre<br />

as imagens e seus diferentes suportes, como a fotografia, o cinematógrafo, o bilhete postal, a<br />

estampa de tecidos e os impressos.<br />

As correlações entre o material iconográfico da Exposição Nacional de 1908 e a época presente<br />

apresentam arranjos diferentes de significações, isto é, a função da imagem muda no tempo e<br />

no espaço, como apresenta Oliveira (2006, p.24). Exemplos como cartazes, bilhetes postais,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

informações quantitativas de pessoas, transportes etc., perdem, na atualidade, sua função<br />

informativa, porém suas funções simbólicas e estéticas permanecem.<br />

No presente, essas imagens revelam-se importantes tanto para o entendimento do imaginário<br />

social da época como para a compreensão e o conhecimento das informações e peças gráficas<br />

representadas no evento. Percebemos a relevância da Exposição Nacional de 1908, para a<br />

história do design brasileiro, a partir do seu material físico, textual e iconográfico. Os relatos<br />

e imagens gerados pela Mostra além de apontarem padrões estéticos e refinamento do gosto, a<br />

exposição reflete em especial a uma nova consciência acerca da cultura material e instruem o<br />

público a partir de um rico contexto visual e tecnológico do início do século XIX a refletir sobre<br />

essa sociedade industrial que estava sendo formada.<br />

Notas<br />

[1] A Revista Kosmos foi publicada pela primeira vez em janeiro de 1904 e sua última publicação<br />

foi em junho de 1939. Seus artigos tratavam de questões gerais ligadas à arte, ciência, história<br />

e literatura. A revista tinha como modelo publicações ilustradas europeias e norte-americanas.<br />

Disponível em . Acesso em 5 set 2011.<br />

[2] Cinematógrafo - uma espécie de ancestral da filmadora – é movido a manivela e utiliza negativos<br />

perfurados, substituindo a ação de várias máquinas fotográficas para registrar o movimento. O<br />

cinematógrafo torna possível, também, a projeção das imagens para o público. Disponível em<br />

. Acesso em: 10 out 2011.<br />

[3] O estereoscópio é um instrumento destinado ao exame de pares de fotografias ou imagens,<br />

vistas de pontos diferentes, resultando numa impressão mental de uma visão tridimensional.<br />

Disponível em . Acesso em: 5 set 2011.<br />

Referências<br />

BARBUY, Heloisa. A exposição universal de 1889 em Paris. São Paulo: Edições Loyola, 1999.<br />

BENJAMIN, Walter. Passagens. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.<br />

CZAJKOWSKI, Jorge. Guia da Arquitetura Eclética do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de<br />

Arquitetura e Urbanismo, 2000.<br />

CARDOSO, Rafael. <strong>Design</strong>, cultura material e o fetichismo dos objetos. In: Arcos, número único.<br />

Vol.1, RJ, UERJ/Contra Capa, 1998, pp. 15-39.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

482


A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo: Edgard Blücher, 2004.<br />

MEGGS, Philip B.; Purvis, Alston, W. Uma História do <strong>Design</strong> Gráfico. São Paulo, Cosacnaify, 2006.<br />

NÓVOA, Jorge; FRESSATO, Soleni Biscouto; FEIGELSON, Kristian (orgs.). Cinematógrafo: um olhar<br />

sobre a história. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Ed. UNESP, 2009.<br />

PEREIRA, Margareth da Silva. 1908, um Brasil em Exposição. Rio de Janeiro: Casa Doze, 2011<br />

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições Universais: espetáculos da modernidade do século XIX.<br />

São Paulo: Editora Hucitec,1997.<br />

RAMALHO E OLIVEIRA, Sandra. Imagem Também se Lê. São Paulo: Ed. Rosari, 2006.<br />

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São<br />

Paulo: Cia das Letras, 1998.<br />

Websites<br />

Arquivo Histórico do Museu da República.<br />

Disponível em: http://www.republicaonline.org.br/index_site.htm. Acesso em: 21 abr 2011.<br />

As exposições que o Brasil esqueceu: Exposição Nacional de 1908.<br />

Disponível em: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=827148&page=1 Acesso em: 21<br />

out 2011.<br />

A fantástica história do cinema<br />

Disponível em: http://cinepedia.br.tripod.com/historia.htm Acesso em: 21 abr 2011.<br />

Brooklyn Museum Archives, Goodyear Archival Collection.<br />

Disponível em: www.flickr.com/photos/brooklyn_museum/2486856102/in/set-72157604656089762<br />

Acesso em: 21 abr 2011.<br />

Exposições Virtuais.<br />

Disponível em: http://www.exposicoesvirtuais.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.<br />

htm?sid=187>. Acesso em: 21 abr 2011.<br />

Faculdade Assis Gurgacz<br />

Disponível em: http://www.fag.edu.br/professores/vabier/metodos_medidas_mapeamento/<br />

estereoscopio.pdf>. Acesso em: 21 abr 2011,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

Revista Kosmos<br />

Disponível em: http://www.urbanismobr.org/bd/periodicos.php?id=60> Acesso em: 21 abr 2011.<br />

Universo Filatélico<br />

Disponível em: http://osseresvivosquestaodeevolicao.blogspot.com/2010/05/historia-postal.<br />

html > Acesso em: 21 abr 2011.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

484


Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Buggy, Leonardo A. Costa; Mestre em <strong>Design</strong>; <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco;<br />

buggy@tiposdoacaso.com.br<br />

Ferraz, Milena; Bacharel em <strong>Design</strong>; <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco; mika.<br />

ferraz@gmail.com<br />

Gusmão, Saulo; Graduando em <strong>Design</strong>; <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco;<br />

saulojobs@gmail.com<br />

Resumo<br />

Este artigo demonstra como as características plásticas de diferentes processos<br />

gráficos podem ser combinadas para reproduzirem cartazes atraentes, funcionais<br />

e eficientes. Ele aponta alternativas para execução de impressos, relacionando<br />

de forma mais íntima criação e produção sem perder de vista a qualidade, custo,<br />

prazo e operacionalidade.<br />

Palavras-chave:<br />

Cartaz, impressão, produção gráfica<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2011<br />

1


Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Introdução<br />

O cartaz é a peça gráfica pioneira quando se fala de planejamento visual e design gráfico (MELTZ,<br />

1963). A prática da produção de cartazes é responsável por influenciar o design como conhecemos<br />

hoje; Outdoors, folders, cartões de visita, embalagens e sistemas de identidade visual, se não<br />

completamente derivados do cartaz, devem a ele parte de suas histórias (LIMA, 2008). Cartazes<br />

podem ou não serem pôsteres. O pôster tem um maior apelo estético sendo os cartazes mais<br />

funcionais, devido às informações contidas que pretendem ser absorvidas pelo leitor.<br />

Cartazes como mídia anunciadora - seja com foco em anúncios para venda de algum serviço/<br />

produto, seja apenas para fins informativos - têm a habilidade de querer para si a atenção do<br />

observador requerendo conceito, estrutura adequada e técnica de produção. A praticidade e<br />

eficiência dessa peça - tão chamativo que atraia a atenção dos que transitam, tão direto para<br />

que transmita a mensagem desejada rapidamente e, ao mesmo tempo, simples e convincente -<br />

motivou sua escolha para a divulgação de dois eventos acadêmicos vinculados a instituições de<br />

ensino superior: o início das atividades do Grupo de Estudos Caligráficos e da Oficina de Impressão<br />

Tipográfica. O primeiro, realizado em 2009 na Faculdades Integradas Barros Melo e o segundo, em<br />

2010, na <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco.<br />

A escolha do sistema de impressão não é um processo automático que tem a mesma resposta para<br />

toda e qualquer circunstância (VILLAS-BOAS, 2008). A despeito disto, as tecnologias laser e jato<br />

de tinta têm se mostrado com frequência a solução preferida por inúmeros profissionais para a<br />

realização de pequenas tiragens. Tal fato estreita os horizontes criativos dos designers pois reduz<br />

drasticamente a enorme gama de papéis, formatos, tintas e acabamentos disponível às artes<br />

gráficas.<br />

O relato dos experimentos apresentados neste artigo descreve a combinação de diversos métodos<br />

e técnicas de produção gráfica utilizados em cada projeto. Requisitos, restrições e outros detalhes<br />

relevantes são tratados de forma analítica. A partir disto desdobra-se uma discussão acerca das<br />

circunstâncias de execução dos cartazes e dos resultados obtidos com o seu emprego.<br />

Fundamentação<br />

Tinta preta sobre papel branco, essa foi a resposta recorrentemente adotada pelas artes gráficas<br />

para a concretização das demandas de comunicação visual de um mundo renascido e ingresso no<br />

processo de industrialização (HOLLIS, 2010, p.3). Assim, era produzida toda sorte de impressos<br />

xilográficos e tipográficos que precederam a explosão cromática detonada pela litografia, que<br />

mais tarde daria origem ao offset.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

2


Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

A tipografia criada em 1450 por Johannes Gutenberg persistiu como o principal meio de geração<br />

da página impressa durante quatrocentos anos até encontrar exuberante concorrência em meados<br />

do século XIX. Tal embate teve origem no ano de 1796, quando tornou-se desnecessário recorrer<br />

ao alto relevo das fôrmas de metal ou de madeira para transferir grafismos a suportes. Aloys<br />

Senefelder havia inventado a litografia, um sistema de impressão baseado no princípio de repulsão<br />

química verificado entre água e óleo que emprega fôrmas planas. Antes de completar cinquenta<br />

anos, esse sistema evoluiu e viabilizou o uso de cores, recurso caro e lento para os tipos móveis,<br />

e em 1837 Godefroy Engelmann patenteou a cromolitografia (MEGGS; PURVIUS, 2009, p.95-205).<br />

O cartaz foi importante ator neste embate tecnológico. Se por um lado a facilidade com o manejo<br />

das cores pesou em favor dos pôsteres litográficos, por outro, a criação de novas técnicas para<br />

produzir tipos em madeira de tamanhos e estilos diversos favoreceu os tipográficos. Permeando<br />

tais fatores, os avanços no fabrico de papel beneficiavam a produção em larga escala de ambos<br />

sistemas de impressão. Nesse compasso, o ritmo de popularização do cartaz foi determinado<br />

paralelo ao período de expansão da Revolução Industrial pelo mundo. Em verdade, um bom exemplo<br />

da especificidade da comunicação visual aplicada a um determinado contexto social e cultural<br />

(DENIS, 2008, p.49-51). Uma clara expressão da vida nas ruas das crescentes cidades oitocentistas.<br />

Economia, moda, gastronomia, higiene pessoal e diversão foram estampadas em folhas avulsas,<br />

impressas apenas de um lado, com o intuito de apresentar e promover mensagens. Imagens que<br />

refletiam o estilo artístico vigente e palavras de contexto preciso eram cuidadosamente planejadas<br />

e vinculadas a um significado único, fácil de ser lembrado. Assim, os cartazes da época competiam<br />

entre si para atrair público para entretenimentos e compradores para produtos (HOLLIS, 2010,<br />

p.3-5).<br />

Do mesmo modo que em todas as inúmeras formas de materiais visuais, as razões básicas<br />

subjacentes à criação de um cartaz passam pela resposta a uma necessidade humana. Imediata e<br />

prática, ligada às questões triviais da vida cotidiana, ou voltada a aspectos mais elevados de auto<br />

expressão de um estado de espírito ou idéia (DONIS, 2007, p.183). Independente do lado para o<br />

qual penda a origem dessa necessidade, ela precisa ser saciada de forma adequada.<br />

A figura do designer de cartaz surgiu para resolver tal problema, tanto devido às particularidades<br />

do meio quanto à criatividade de pioneiros como Jules Chéret, na França, ou J. H. Bufford e Louis<br />

Prang, nos Estados Unidos (DENIS, 2008, p.51).<br />

O êxito do trabalho desses profissionais, bem como o de outros designers, estava condicionado a<br />

construção da síntese de todos os dados úteis ao desempenho da função do cartaz, traduzidos de<br />

forma dinâmica em palavras e imagens. Até os dias de hoje seu sucesso depende muito da aptidão<br />

do designer na reunião dos princípios básicos da comunicação visual com destreza, experiência<br />

e talento (HURLBURT, 2002, p.94). O resultado esperado deveria exercer uma força capaz de<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

atrair a atenção de transeuntes no ambiente urbano. Os impulsos responsáveis por tal atração<br />

são similares aos que provocam repulsão. Eles existem no âmbito psicológico e formam-se na<br />

experiência de qualquer pessoa que observe uma representação gráfica. Desde que tenham um<br />

ponto de aplicação, uma direção e uma intensidade, estes impulsos preenchem as exigências<br />

estabelecidas para caracterização de forças físicas e tornam-se propriedades genuínas dos objetos<br />

percebidos através de padrões visuais (ARNHEIM, 2002, p.9-10).<br />

Ao longo dos séculos que sucederam, o estabelecimento do cartaz como aplicação urbana e as<br />

funções básicas das artes gráficas – identificar, informar e promover – sofreram poucas alterações<br />

e, em alguns países, o cartaz deslanchou, passando por uma rápida evolução e sofisticação da sua<br />

linguagem. Pode-se afirmar que a força de atração exercida pelos cartazes cresceu nos contextos<br />

de grande atividade comercial em que havia o que divulgar. De forma concomitante, a relação<br />

entre imagem e fundo, espaço com e sem tinta, positivo e negativo, tornaram-se fundamentais<br />

para a estética do conjunto. A área não impressa equiparou-se visualmente a impressa. Suas<br />

proporções e dimensões, sua cor e textura, passaram a ser entendidas por seus projetistas<br />

como parte integrante do design gráfico (HOLLIS, 2010, p.4; DENIS, 2008, p.49-51). Com isso, a<br />

folha impressa adquiriu uma qualidade especial determinante para sua forma e conteúdo. Sua<br />

concepção e produção seriada passou a caracterizar um processo de comunicação altamente<br />

pessoal, colocando seu projetista em contato direto com os cidadãos (HULBURT, 2002, p.133).<br />

A ideia de contato mediado pelo cartaz ganhou força com o estabelecimento da civilização<br />

contemporânea, a chamada civilização da imagem. Nela, a cidade passou a ser compreendida<br />

como uma reunião de ruas e habitações, de objetos e imagens. Um campo semântico de sinais<br />

luminosos e tabuletas de lojas, de injunções e solicitações. Uma paisagem criada pelo homem<br />

na qual o fluxo acelerado de trocas individuais obriga a se tentar fazer passar para o espírito<br />

de receptor mais elementos em menos tempo. Foi neste meio artificial que a imagem se impôs<br />

(MOLES, 2005, p.18-21).<br />

Embora nem sempre visível, a imagem indica hoje algo que toma alguns traços emprestados do<br />

visível. Ela depende da produção imaginária ou concreta de um sujeito, passando por alguém que<br />

a produz ou reconhece (JOLY, 2002, p.13). Aliada às cores que desempenham um papel essencial,<br />

mas não exclusivo, a imagem responde em grande parte pela força de atração do cartaz que passa<br />

a explorá-la em grande escala (MOLES, 2005, p.23).<br />

A possibilidade técnica de ilustrar dessa forma acompanha a evolução da litografia para o offset<br />

que surgiu em 1903, por obra do americano Washington Rubel. O mesmo princípio foi utilizado.<br />

As zonas de impressão das matrizes, agora chapas metálicas planas, conservaram-se lipófilas,<br />

atraindo a tinta gordurosa e repelindo a água. Por sua vez, as zonas não impressoras permaneceram<br />

hidrófilas, atraindo a água e repelindo a tinta (BAER, 2010, p.187-188).<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Assim, graças às evoluções sentidas nas tecnologias de impressão, relações de consumo e convívio<br />

social, o cartaz foi incorporado à cultura estética e ao cotidiano prático das cidades, narrando<br />

muitas vezes sua própria história. É a partir deste entendimento que os experimentos narrados a<br />

seguir se dão no contexto acadêmico de extensão de nível superior.<br />

Metodologia<br />

Dois experimentos foram promovidos para demonstrar que a produção de pequenas tiragens de<br />

impressos pode, ao menos em parte, prescindir de tecnologias digitais sem que se comprometam<br />

suas funções no âmbito da comunicação visual. A confecção de dois cartazes foi registrada em<br />

forma de relatório através de textos e fotografias que permitiram a posterior análise dos sistemas<br />

de impressão, circunstâncias de produção e limitações projetuais.<br />

Caso 1, Cartaz Grupo de Estudos Caligráficos<br />

O Grupo de Estudos Caligráficos Barros Melo foi montado durante a gestão do Prof. Me. Leonardo A.<br />

Costa à frente da coordenação do Curso de <strong>Design</strong> Gráfico da Faculdades Integradas Barros Melo.<br />

Em Outubro de 2008, alguns professores dessa instituição de ensino pernambucana, chefiados por<br />

seu coordenador, propuseram criar reuniões semanais para compartilhar experiências a respeito<br />

de técnicas e instrumentos de escrita. Nesses encontros diversas possibilidades da caligrafia<br />

enquanto expressão plástica natural aos cidadãos alfabetizados seriam exploradas.<br />

A fim de conquistar adesões ao projeto e dar inicio às atividades desse grupo, mostrou-se necessário<br />

divulgar ao corpo discente e à comunidade vizinha ao campus de Olinda a abertura de vagas para<br />

participar desse grupo de estudos. Para tanto, decidiu-se pela produção de um cartaz.<br />

Tendo em vista a disponibilidade de uma gráfica offset e tipográfica dentro da estrutura do curso<br />

esses sistemas foram naturalmente adotados para a produção do impresso.<br />

Apesar de equipada com uma Catu 510 – impressora offset monocromática; gravadora Skay e<br />

reveladora de matrizes de impressão offset; uma guilhotina elétrica industrial formato BB (66<br />

x 96cm); uma grampeadeira mecânica; seis caixas de tipos móveis e uma Minerva Guarani ¼<br />

– impressora tipográfica com capacidade para imprimir folhas de 33 x 48cm – tal gráfica não<br />

era capaz de realizar todas as etapas da produção de impressos offset, tendo em vista a falta<br />

de equipamentos para geração de fotolitos. A observação dessa limitação sugeriu um espaço<br />

para a experimentação de processos alternativos à obtenção de matrizes de impressão offset em<br />

condições de desempenhar satisfatoriamente sua função.<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Figura 1: Impressora offset Catu 510<br />

Fonte: Do autor.<br />

Figura 2: Impressora tipográfica Minerva Guarani ¼.<br />

Fonte: Do autor.<br />

O projeto gráfico do cartaz foi pensado de modo a fazer com que os sistemas de impressão offset<br />

e tipográfico atuassem de forma complementar na reprodução das informações necessárias à<br />

comunicação das vagas para integrar o grupo de estudos.<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Por se tratar de uma atividade caligráfica, a imagem de uma pena sobreposta ao fundo de uma<br />

textura com letras manuscritas foi eleita para ilustrar a peça gráfica. Um esboço foi realizado<br />

manualmente com auxilio de lápis grafite HB e papel sulfite 75 g/m2, considerando essas ilustrações<br />

como impressas em offset. Cada uma delas deveria ser reproduzida em uma cor específica,<br />

implicando em duas entradas de máquina, ou seja, duas impressões que se sobreporiam. As<br />

informações textuais referentes à identificação da atividade, data de início e forma de inscrição<br />

seriam reproduzidas através de uma terceira impressão feita com auxílio de tipos móveis. Assim<br />

foi definida essa disposição para assegurar a integridade da mensagem a ser transmitida, pois o<br />

grupo se destinaria ao estudo das belas formas de letras caligráficas, as quais ainda não eram de<br />

domínio de seus proponentes. Desse modo, a textura de letras manuais ficaria em segundo plano.<br />

O tamanho do cartaz foi definido pela dimensão das folhas que alimentavam as impressoras da<br />

gráfica, ambas limitadas a 33 x 48 cm.<br />

Uma vez definido o projeto, teve início a geração e preparação dos originais, processos que<br />

ocorreram de forma conjugada.<br />

A solução da ilustração de primeiro plano uniu tarefas desempenhadas em ambientes digitais e<br />

analógicos. A ilustração da capa do catálogo da coleção 2001 da digital type foundry brasiliense<br />

Gemada Tipográfica foi digitalizada, importada num arquivo de Adobe Illustrator CS3 e convertida<br />

para curvas. A imagem vetorial resultante foi ampliada até o tamanho originalmente planejado<br />

(7 x 37,5 cm), sua cor de preenchimento retirada e suas linhas de contorno destacadas em preto.<br />

A página do arquivo gerado, correspondente ao formato final do cartaz, foi impressa em uma<br />

Lexmark E120n, impressora laser monocromática. Para tanto, a imagem foi dividida em duas<br />

partes pelo drive da impressora já que a maior mídia suportada por esse periférico é Ofício 1<br />

(21,6 x 35,5 cm). Duas folhas de sulfite 75 g/m2 formato A4 (21 x 29,7 cm) na orientação paisagem<br />

deram conta de realizar a tarefa.<br />

As metades da pena caligráfica foram unidas com auxilio de fita adesiva transparente de 1 cm de<br />

espessura. Assim, o desenho foi recomposto conforme o arquivo digital.<br />

Do mesmo modo que as folhas de sulfite, duas folhas de transparências para impressoras laser<br />

foram coladas uma a outra pelos lados de maior medida.<br />

Os pares de folhas coladas foram sobrepostos ficando o grafismo registrado no suporte opaco por<br />

baixo das lâminas de polímero.<br />

Manualmente os contornos da pena caligráfica foram transferidos para as transparências na<br />

medida em que a ponta de uma caneta preta Pilot de escrita 0,5 mm, tipo marcador permanente,<br />

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percorria a mesma trajetória indicada por seu desenho. Operação concluída, os contornos foram<br />

preenchidos com o mesmo instrumento de escrita. O artefato resultante desempenhou mais tarde<br />

a função de fotolito correspondente à chapa da segunda impressão offset da peça gráfica.<br />

Figura 3: <strong>Arte</strong>fato produzido para substituir fotolito com imagem da pena caligráfica<br />

Fonte: Do autor.<br />

Já o processo de obtenção do artefato que serviu como fotolito da primeira impressão offset,<br />

aquela referente à textura de letras, deu-se ligeiramente diferente.<br />

Pincéis de ponta chata com espessuras diferentes foram utilizados para cobrir o desenho de<br />

caracteres estampados em manuais de caligrafia. A tinta utilizada foi a mesma dos marcadores<br />

permanentes, Pilot TR 37, comercializada em frascos de 37 ml para a recarga das canetas.<br />

Várias formas distintas foram reproduzidas na superfície de um novo par de transparências até que<br />

a área fosse preenchida de modo uniforme por uma textura de letras caligráficas. A composição foi<br />

incrementada com respingos de tinta que preencheram os vazios restantes.<br />

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Figura 4: <strong>Arte</strong>fato produzido para substituir fotolito para impressão de background com imagem<br />

de letras caligráficas.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Concluídos os ‘fotolitos artesanais’, deu-se inicio o processo de composição tipográfica manual<br />

necessário à terceira impressão, as informações textuais do cartaz.<br />

Duas fontes foram selecionadas para a execução dessa etapa. Grotesca Reforma Meia Preta<br />

Estreita corpo 72 pt. e Grotesca Normal Meia Preta corpo 20 pt. Da Funtimod – indústria brasileira<br />

de máquinas e materiais gráficos. A disponibilidade dos caracteres e o tamanho dos corpos foram<br />

fatores decisivos para adoção das caixas relacionadas.<br />

Texto composto e fixado na rama – quadro de perfil metálico utilizado para fixar verticalmente a<br />

matriz tipográfica em impressoras do tipo Minerva – retomou-se o processo offset.<br />

As chapas de impressão foram gravadas com o uso dos filmes gerados manualmente. Dois minutos<br />

de exposição à luz irradiada pela gravadora foram suficientes, replicando o mesmo tempo<br />

demandado por fotolitos comuns.<br />

Gravadas, as chapas seguiram para o banho de revelação. Retirada a emulsão das áreas de contra<br />

grafismo de ambas, observou-se que o ponto de junção das transparências, sobretudo onde foi<br />

aplicado fita adesiva, havia projetado uma sombra durante a gravação e que tal sombra converteuse<br />

em grafismos indesejados. Esse vestígio da produção artesanal foi apagado com auxílio de<br />

removedor. Logo, a primeira tentativa empreendida para obter as matrizes offset alcançou sucesso<br />

e teve início o processo de impressão propriamente dito.<br />

A chapa contendo a textura de letras caligráficas foi ajustada ao cilindro de impressão da Catu<br />

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510 que foi carregado com tinta WT 1200 Branco Opaco da Printcor. O contraste entre o branco<br />

da tinta e o branco do Papel Offset 75 g/m2, escolhido para produção de 50% da tiragem, ficou<br />

praticamente imperceptível, fato não observado na impressão em Papel Jornal 50 g/m2, designado<br />

para a outra metade da tiragem. Uma formulação de tinta contendo 98% do branco citado e 2% de<br />

Prata Elite, também da Printcor, solucionou o problema.<br />

A primeira das três impressões que comporiam os 100 cartazes pretendidos, 50 em papel jornal e<br />

outros 50 em papel offset, foi realizada.<br />

Para a segunda impressão, a máquina teve de ser completamente limpa e a matriz trocada.<br />

A chapa contendo o desenho da pena caligráfica assumiu o lugar da anterior e a máquina foi<br />

carregada com a segunda tinta, Laranja Pantone 021 da Sun Chemical.<br />

Os papéis já impressos com os grafismos de fundo do cartaz foram posicionados na bandeja de<br />

alimentação da máquina para receber a imagem principal.<br />

Devido à pressão e carga da máquina, calibrada originalmente para o Offset 75 g/m2, verificou-se<br />

uma perda maior de cópias em Jornal 50 g/m2, cerca de 8% da tiragem contra 4% em Papel Offset.<br />

Menor espessura e maior absorvência retiveram mais umidade e provocaram mais atolamentos.<br />

Concluído o processo offset chegou a vez de estampar as informações textuais. A matriz tipográfica<br />

foi ajustada e a impressora de tipos móveis preparada para realizar a terceira impressão.<br />

É importante destacar que a mesma cor do desenho da pena deveria ser reproduzida pela<br />

tipografia e que a oferta cromática de tintas tipográficas no mercado pernambucano resume-se<br />

praticamente a preto, vermelho e verde. Assim, restou preencher o berço de alimentação dos<br />

rolos entintadores da Guarani ¼ com o Laranja Pantone 021 da Sun Chemical – uma tinta offset – e<br />

observar o resultado. A consistência semelhante das tintas usadas pelos dois sistemas assegurou<br />

um bom resultado na impressão relevográfica que ocorreu normalmente, livre de sobressaltos. A<br />

posterior limpeza dos cilindros entintadores e dos tipos também não acarretou problema algum<br />

ao equipamento.<br />

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Figura 5: Cartaz do Grupo de Estudos Caligráficos<br />

Fonte: Do autor.<br />

Caso 2 (cartaz Oficina de Impressão Tipográfica)<br />

O evento de extensão Oficina de Impressão Tipográfica promovido pelo Projeto Laboratório<br />

de Tipografia do Agreste (LTA) coordenado pelo Prof. Me. Leonardo A. Costa foi realizado na<br />

<strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco em maio de 2010. A oficina propôs utilizar instrumentos<br />

e insumos de produção tipográficos para a reprodução de pequenas tiragens de impressos e<br />

experimentar a plasticidade da livre composição de textos com tipos móveis. Também teve como<br />

objetivo combinar a tipografia aos demais processos de impressão de modo a obter resultados<br />

atraentes, funcionais e eficientes para contratantes e consumidores de design gráfico reconhecendo<br />

os instrumentos e maquinário necessário a produção tipográfica.<br />

O processo de confecção do cartaz, para divulgação do evento enfrentou restrições, pois estava<br />

disponível apenas uma impressora laser monocromática, formato legal (21,59 x 35,56 cm). Haviam<br />

equipamentos tipográficos, contudo a equipe de produção envolvida não era capaz de operá-los.<br />

O universo da tipografia havia de ser abordado de alguma forma e optou-se por uma fotografia<br />

de uma bandeja completamente preenchida de tipos móveis de vinil aplicada, futuramente,<br />

no background do cartaz. A fotografia foi clicada e levada para tratamento digital no Adobe<br />

Photoshop CS3 onde retirou-se a saturação da imagem e a submeteu a ajustes de contraste para<br />

que as formas em preto e branco fossem bem definidas. Por se tratar de um cartaz de meia folha<br />

BB (48 x 66 cm) e a existente limitação de equipamentos que não supriam o preenchimento total<br />

dos grafismos planejados em toda a superfície da área a ser utilizada, a imagem foi submetida à<br />

composição por quadrantes de tamanho A4 para posterior impressão espelhada em laser preto e<br />

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branco para a composição da técnica de estampa química que compusera o background do cartaz.<br />

Um protótipo digital definiu o layout aprovado.<br />

Figura 6: Layout digital aprovado<br />

Fonte: Do autor.<br />

O título Oficina de Impressão Tipográfica escrito com a fonte Ziggurat Black foi idealizado em<br />

Stencil de cor laranja devido ao contraste e para permitir a transparência entre a sobreposição<br />

do título com a textura. O olho dos caracteres foi omitido para um resultado plástico de impacto<br />

e eficiência da técnica.<br />

Deu-se início à produção da pequena tiragem de 6 cartazes em papel Offset 120g/m² e Color Plus<br />

amarelo, salmão e bege 120g/m². A fôrma que daria origem ao stencil do título foi projetada em<br />

folhas de transparência de radiografia, limpas com água sanitária, e cortada com auxílio de bisturi<br />

e tesoura pequena de ponta fina para as partes curvas e minúsculas.<br />

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Figura 7: Fôrma do Stencil.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Os contornos do título foram impressos em quadrantes A4 e montados para orientar o corte do<br />

Stencil.<br />

O cartaz inova ao utilizar uma tipografia que foge dos padrões mais populares do stencil, usando<br />

formas modernas e de fácil percepção privilegiando os contornos. Uma vez prontas as placas<br />

vazadas com a forma do título do cartaz, a imagem composta por quadrantes foi impressa<br />

espelhada em laser preto e branco e os quadrantes numerados. Cada uma das oito páginas obtidas<br />

foi montada sobre o papel suporte de cada exemplar de cartaz para recompor a imagem de 48 x<br />

66 cm a ser reproduzida. Com o auxílio de estopa embebida de thinner, as partes dessa imagem<br />

de fundo foram transferidas quimicamente das folhas de sulfite A4 para as folhas de offset e<br />

color plus finais caracterizando a técnica da estampa química. Foi constatado durante o processo<br />

o não funcionamento dessa técnica no papel kraft, e possível inabilidade também em papéis<br />

perolados, devido a sua cobertura não porosa. O melhor desempenho do algodão, substituindo a<br />

estopa, também foi constatado devido a melhor absorção do solvente e, consequentemente, mais<br />

uniformidade na distribuição quando se transfere as imagens impressas do sulfite para o suporte<br />

final.<br />

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Figura 8: Quadrantes A4 impressos em laser.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Figura 9 e 10: Início da montagem do background a partir da aplicação da técnica de estampa<br />

química; Término da transferência do primeiro quadrante para o background do cartaz.<br />

Fonte: Do autor.<br />

O stencil foi sobreposto ao suporte estampado e foi utilizado spray Colorgin laranja para a<br />

colorização do título. Foi escolhida a cor laranja, pois apresentava bom contraste com as cores<br />

do suporte antepostas ao background e permitia certo nível de transparência que casava com o<br />

efeito da imagem em segundo plano.<br />

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Figura 11: Sobreposição da fôrma do stencil ao suporte<br />

Fonte: Do autor.<br />

Figura 12: Aplicação do spray laranja.<br />

Fonte: Do autor.<br />

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Figura 13: Resultado da sobreposição do título em spray e a textura do background.<br />

Fonte: Do autor.<br />

O resultado final consiste num pôster com uma textura de fundo extremamente particular, já que<br />

parte do processo é realizado em sistema artesanal, mas sem abandonar os processos formais de<br />

reprodução baseado em técnicas tradicionais do design.<br />

Figura 14. Cartaz da Oficina de Impressão Tipográfica.<br />

Fonte: Do autor.<br />

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Considerações Finais<br />

Os cartazes obtidos através dos processos relatados exploram texturas extremamente particulares<br />

que evidenciam a experiência plástica e técnica que seus projetos proporcionaram no campo<br />

da produção gráfica. Isto deve-se ao fato de grande parte dos processos produtivos terem sido<br />

realizados artesanalmente, impelindo os designers a transcender a etapa de criação e a utilizar<br />

outras ferramentas além dos softwares gráficos.<br />

Todavia, ao menos um dos sistemas tradicionalmente adotados para produção de tiragens médias<br />

foi empregado. O primeiro caso dispôs de uma impressora offset rudimentar que operou produzindo<br />

apenas duas centenas de folhas.<br />

Esse tipo de acomodação indica a possibilidade da incorporação de sistemas industriais à realidade<br />

de pequenas tiragens se observados pequenos fornecedores gráficos. Ao mesmo passo, sugere uma<br />

rica conexão com outros métodos de estampa adequados à confecção de unidades ou dezenas de<br />

peças gráficas.<br />

O molde feito para o stencil do cartaz da Oficina de Impressão Tipográfica usou uma fonte pesada de<br />

fácil percepção, privilegiando contornos arredondados. Os rebaixos dos olhos dos seus caracteres<br />

foram suprimidos para evitar o emprego de ‘pontes’ (conexões entre áreas de contra grafismo<br />

internas e externas, muito freqüentes na construção de moldes vazados). Os testes de papéis<br />

foram fundamentais para o acerto de produção da estampa química nesta peça gráfica.<br />

A transferência da imagem impressa em laser preto e branco é deficiente tanto em papéis cobertos<br />

muito lisos, quanto em papéis descobertos muito ásperos.<br />

É importante destacar que os resultados dos dois experimentos foram bem sucedidos. O cartaz da<br />

Oficina de Impressão Tipográfica, em especial, causou forte impacto visual conquistando grande<br />

simpatia de seu público alvo.<br />

A interação entre as tecnologias e as condições de trabalho impostas aos designers proporcionaram<br />

resultados diferentes daqueles obtidos majoritariamente em ambiente digital. Novas possibilidades<br />

de expressão foram apresentadas ao mesmo tempo que novas soluções para produção de pequenas<br />

tiragens provaram-se viáveis.<br />

Sistemas de impressão em desuso foram resgatados e outros, atuais, foram utilizados de maneira<br />

não convencional.<br />

Métodos de estampa foram trazidos para o contexto do design gráfico estabelecendo conexões<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

técnicas e estéticas com os universos do grafite e da colagem. Visualmente, o cartaz emprega<br />

uma linguagem direta com o usuário, porém, a mensagem obtida por este traz diferentes emoções<br />

e reações. Publicitariamente, comunica um produto ou serviço de forma rápida e instantânea.<br />

Artisticamente, sua função carrega consigo sentimentos diferentes em cada elemento impresso.<br />

No tocante a dimensão sintática, o produto do primeiro experimento comportou-se de modo<br />

curioso. Enquanto o uso da tipografia favoreceu sua percepção, o offset a dificultou. Os tipos<br />

móveis imprimiram marcas típicas denunciando seu emprego. Por outro lado, as duas entradas<br />

em máquina do offset reproduziram imagens chapadas com traços irregulares livres de retículas.<br />

O desenho manual com tinta de marcador permanente sobre transparências gerando fotolitos foi<br />

determinante para causar este efeito.<br />

Já os métodos de produção empregados no produto do segundo experimento imprimiram vestígios<br />

contundentes de seu processo de configuração. Sua manufatura preservou traços formais que<br />

denotam as técnicas construtivas adotadas expondo sua sintaxe a um observador mais atento.<br />

Em linhas gerais, nenhum dos dois experimentos dispôs de trâmites convencionais da produção<br />

gráfica contemporânea para obter bons resultados. Todavia, as circunstâncias mais adversas<br />

enfrentadas pela produção do cartaz da Oficina de Impressão Tipográfica geraram a peça gráfica<br />

de maior formato e impacto, o que corrobora o fato de que restrições técnicas são inerentes à<br />

prática do design, mas que não devem cercear o desempenho do designer.<br />

É preciso conhecer as limitações de cada técnicas para obter novos resultados combinando<br />

procedimentos, testando materiais inusitados, etc.<br />

Referências<br />

ARNHEIM, Rudolf. <strong>Arte</strong> e percepção visual: uma psicologia da visão criadora: nova versão. 14.<br />

Reimp. da 1. ed. Tradução de Ivonne Terezinha de Faria. São Paulo: Pioneira Thomson Learning,<br />

2002. Tradução de Artan visual perception.<br />

BAER, Lorenzo. Produção Gráfica. 6 ed. 3ª reimpressão. São Paulo: SENAC, 2010.<br />

DENIS, Rafael Cardoso. Uma introdução à história do design. 3ªedição. São Paulo: Edgard Blücher,<br />

2008.<br />

DONIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 3ª ed. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 2007. Tradução de A primer of visual literacy.<br />

HOLLIS, Richard. <strong>Design</strong> Gráfico: uma história concisa. Tradução Carlos Daudt. 2ª edição. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 2010. Tradução de Graphic design.<br />

HURLBURT, Allen. Layout: o design da página impressa. Tradução Edmilson O. Conceição, Flávio<br />

M. Martins. São Paulo: Nobel, 2002. Tradução de Layout: the design of the printed Page.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Tradução Marina Appenzeller. 5ª edição. Campinas:<br />

Papirus, 2002. Tradução de Introduction à l’analyse de l’image.<br />

LIMA, Rafael Leite Efrem de. Te cuida Hollywood! Análise gráfica de cartazes de chanchada de<br />

1957 a 1963. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em <strong>Design</strong>) – Curso de <strong>Design</strong>,<br />

<strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, Recife. 2008.<br />

MEGGS, Philip B.; PURVIUS, Alston W. História do design gráfico. Tradução Cid Knipel. São Paulo:<br />

Cosac Naify, 2009. Tradução de: A history of graphic design.<br />

METZL, Ervine. The poster: Its history and its art. New York: Watson-Guptill, 1963.<br />

MOLES, Abraham Antoine. O cartaz. Tradução Mirian Garcia Mendes. 2ª edição. São Paulo:<br />

Perspectiva, 2005. Tradução de L’AffichedanslaSociétéUrbaine.<br />

VILLAS-BOAS, André. Produção Gráfica para <strong>Design</strong>ers. 3ª edição. Rio de Janeiro: 2AB, 2008.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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