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"O espírito hegeliano, ou Geist, ainda que freqüentemente denominado 'Deus', e mesmo que Hegel afirmasse estar esclarecendo a teologia cristã, não é o Deus do teísmo tradicional; ele não é um Deus que possa existir independentemente dos homens, mesmo que os homens não existissem, tal como o Deus de Abraão, Isaac e Jacob, antes da criação. Isto não significa que a criação do mundo não faça parte do vocabulário hegeliano, ele apenas reinterpreta esse dogma como uma criação necessária. Taylor localiza que o hegelianismo opera um deslocamento de criar para pôr o mundo; o Deus hegeliano é, sobretudo, um Deus que põe o mundo e não um Deus que o cria a partir do nada: "Sua concepção é, portanto, a de um Deus que eternamente cria as condições de sua existência. Isto é o que eu tentava expressar- explica Taylor- seguindo um uso freqüente, por parte de Hegel, do termo pôr (setzen)" .21 Taylor acentua aqui a diferença entre o teísmo e a visão hegeliana; aquele admite um Deus que exista independentemente de sua criação, onde a existência humana não seja condição necessária para sua própria existência; o Deus hegeliano, ao contrário, é um estado de cisão relativo à divindade, divindade essa que é sempre imutável e inacessível ao finito. A "consciência infeliz" corresponde, enquanto figura da consciência, tanto ao judaísmo, quanto ao cristianismo da Idade Média. Em ambas, Hegel localiza as características que Taylor atribui ao teísmo: uma separação absoluta entre o finito (homem) e o infinito (Deus) e uma total transcendência desse em relação àquele. Ainda que possamos pensar que esse Deus é incarnado num homem, essa incarnação é concebida como contingente, ou seja, não derivada de uma necessidade imanente a Deus. ‘“Taylor, op. cit., p. 11 21 Ibidem, p. 39. 28

espírito que vive como espírito^^ apenas através dos homens. A consciência e vontade humanas servem como veículos imprescindíveis da existência do espírito enquanto espírito. Por sua vez, o espírito não possui uma identidade total com o espírito humano: "Mas, ao mesmo tempo, o espírito não é redutível ao homem; (...) Como um ser espiritual, ele possui e realiza objetivos que não podem ser atribuídos a espíritos finitos qua finitos, mas aos quais os espíritos finitos servem."^^ Ainda que a vida humana seja condição de possibilidade do Deus hegeliano, não há uma pura imanência desse no mundo. Os próprios homens podem ser considerados veículos de uma racionalidade que transcende suas próprias intenções e que se relaciona a uma vontade supra-individual. Por essa razão, mesmo que o hegelianismo não se assemelhe a uma posição teística ortodoxa, não se poderia falar numa identidade entre Deus e o mundo. Há, portanto, no lado oposto ao teísmo^ o que Taylor denomina de naturaÜsmo: "O outro esquema pelo qual poder-se-ia compreender o que Hegel está falando é o que nós poderíamos chamar de naturalismo. Aqui abandonamos todo discurso da criação, ainda que interpretado. Nós pensamos num mundo como existindo enquanto um fato, mas possuindo as propriedades que os seres desenvolvem nele, os quais são veículos de uma vida racional e, além disso, os quais concebem a si mesmos como veículos de 22 Taylor toma espírito como a tradução, no vocabulário hegeliano, para Deus. Consideramos que o termo mais próprio seria Idéia; o termo espírito sendo reservado para a realização da Idéia no mundo humano. 23 Ibidem, p. 11 29

"O espírito hegeliano, ou Geist, ainda que<br />

freqüentemente <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> 'Deus', e mesmo que Hegel<br />

afirmasse estar esclarecen<strong>do</strong> a teologia cristã, não é o<br />

Deus <strong>do</strong> teísmo tradicional; ele não é um Deus que possa<br />

existir in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong>s homens, mesmo que os<br />

homens não existissem, tal <strong>como</strong> o Deus <strong>de</strong> Abraão, Isaac<br />

e Jacob, antes da criação.<br />

Isto não significa que a criação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> não faça parte <strong>do</strong><br />

vocabulário hegeliano, ele apenas reinterpreta esse <strong>do</strong>gma <strong>como</strong> uma<br />

criação necessária. Taylor localiza que o hegelianismo opera um<br />

<strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> criar <strong>para</strong> pôr o mun<strong>do</strong>; o Deus hegeliano é,<br />

sobretu<strong>do</strong>, um Deus que põe o mun<strong>do</strong> e não um Deus que o cria a<br />

partir <strong>do</strong> nada: "Sua concepção é, portanto, a <strong>de</strong> um Deus que<br />

eternamente cria as condições <strong>de</strong> sua existência. Isto é o que eu tentava<br />

expressar- explica Taylor- seguin<strong>do</strong> um uso freqüente, por parte <strong>de</strong><br />

Hegel, <strong>do</strong> termo pôr (setzen)" .21<br />

Taylor acentua aqui a diferença entre o teísmo e a visão<br />

hegeliana; aquele admite um Deus que exista in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />

sua criação, on<strong>de</strong> a existência humana não seja condição necessária<br />

<strong>para</strong> sua própria existência; o Deus hegeliano, ao contrário, é um<br />

esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> cisão relativo à divinda<strong>de</strong>, divinda<strong>de</strong> essa que é sempre imutável<br />

e inacessível ao finito. A "consciência infeliz" correspon<strong>de</strong>, enquanto figura<br />

da consciência, tanto ao judaísmo, quanto ao cristianismo da Ida<strong>de</strong> Média.<br />

Em ambas, Hegel localiza as características que Taylor atribui ao teísmo:<br />

uma se<strong>para</strong>ção absoluta entre o finito (homem) e o infinito (Deus) e uma<br />

total transcendência <strong>de</strong>sse em relação àquele. Ainda que possamos pensar<br />

que esse Deus é incarna<strong>do</strong> num homem, essa incarnação é concebida<br />

<strong>como</strong> contingente, ou seja, não <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> imanente a<br />

Deus.<br />

‘“Taylor, op. cit., p. 11<br />

21 Ibi<strong>de</strong>m, p. 39.<br />

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