Análise comparativa dos serviços públicos de ... - IEE/USP

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375 posteriormente, a pressão do governo sobre o déficit de oferta dos serviços. A exacerbação desse processo culminou, mais tarde, com a estatização desses setores. Conclui-se que as demandas da sociedade, por serviços de saneamento e, posteriormente, eletricidade, embora fossem significativas, não foram determinantes na implementação e gestão dos serviços na primeira etapa da consolidação dos setores. Entretanto, da falta de interesse do “poder público” no estabelecimento e fiscalização de políticas de expansão, devido, em grande parte, aos interesses comuns entre a aristocracia agrária dominante e o capital privado, estabelecidos bem antes, no âmago do desenrolar das relações econômicas coloniais, resultou o padrão de oferta excludente e deficitário que veio a agravar as características da pobreza já configuradas, bem como originou e permeia o modelo de gestão e planejamento fragmentário e “de cima para baixo” que tem vigorado desde então. 4.3. PROVISÃO PÚBLICA, LÓGICA PRIVADA, NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ELETRICIDADE E SANEAMENTO A consolidação dos serviços de eletricidade e saneamento se deu, de fato, a partir do desenvolvimentismo, como analisado na tese. A diretriz central da ideologia desenvolvimentista era, no entanto, o crescimento econômico, planejado, baseado em industrialização e nacionalista. O planejamento econômico, na perspectiva de induzir o crescimento industrial no âmbito do país, dependia de um grau de centralização institucional inédito para os padrões da sociedade brasileira. Essa centralização foi benéfica, em muitos aspectos, para a constituição dos serviços supramencionados, porém, tanto a demanda quanto a oferta estavam já condicionados pela desigualdade social e regional, como analisado. Nesse período, a gestão da energia elétrica já tinha contornos empresariais definidos, em função, inclusive da prática do setor determinada pelos monopólios estrangeiros. O saneamento partia de uma situação de fragmentação, gestão direta

376 pelos governos locais, dependência de orçamentos comumente deficitários que impunham a necessidade de complementação de recursos por outras instâncias de governo, uma vez que a cobrança de tarifas não era prática corrente. A tarifação foi introduzida a posteriori, pela Fundação Rockfeller, quando da implementação do modelo autárquico, estabelecendo a distinção, que viria a ser reforçada mais tarde, entre o caráter social das políticas de saúde, por exemplo, e o caráter industrial dos serviços de saneamento. Por outro lado, para o desenvolvimentismo, interessava, primordialmente, consolidar uma infra-estrutura econômica que alicerçasse a implantação da indústria nacional. Este critério, e não critérios sociais, determinaram o financiamento e a expansão do setor elétrico, inclusive em detrimento do setor de saneamento, vinculado, naquele momento, às áreas sociais do governo, não obstante o impacto econômico causado pela falta do serviço. Todo o contexto de disputa pela consolidação institucional do setor elétrico, discorrido na tese, foi função do estrangulamento representado pela escassez de oferta que impedia o crescimento industrial. Obviamente, o mercado residencial urbano tinha atratividade, porém, no que tange à formulação de políticas públicas, o desenvolvimento da economia era prioritário. Nesse cenário, a ampliação da abrangência do serviço passa a ser determinante enquanto balizador dessas políticas. Era do interesse pessoal de Vargas que a oferta se adiantasse à demanda, de forma a não inviabilizar os objetivos de política econômica.O próprio setor de energia constituía-se numa indústria rentável, com capacidade de autofinanciamento e com um grau crescente de autonomia. Enquanto isso, a expansão do saneamento vinculava-se às políticas de saúde, das quais viria a se dissociar em função do estabelecimento do preceito da auto-sustentação tarifária, e da crescente importância da indústria de biocidas, que suplantou as práticas profiláticas anteriores. As políticas setoriais convergiram a partir da década de 1960 quando, inclusive por influência de organismos externos de fomento (sobretudo o BID, naquele

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pelos governos locais, <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> orçamentos comumente <strong>de</strong>ficitários que<br />

impunham a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> complementação <strong>de</strong> recursos por outras instâncias <strong>de</strong><br />

governo, uma vez que a cobrança <strong>de</strong> tarifas não era prática corrente. A tarifação foi<br />

introduzida a posteriori, pela Fundação Rockfeller, quando da implementação do<br />

mo<strong>de</strong>lo autárquico, estabelecendo a distinção, que viria a ser reforçada mais tar<strong>de</strong>,<br />

entre o caráter social das políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, por exemplo, e o caráter industrial <strong>dos</strong><br />

<strong>serviços</strong> <strong>de</strong> saneamento. Por outro lado, para o <strong>de</strong>senvolvimentismo, interessava,<br />

primordialmente, consolidar uma infra-estrutura econômica que alicerçasse a<br />

implantação da indústria nacional. Este critério, e não critérios sociais, <strong>de</strong>terminaram o<br />

financiamento e a expansão do setor elétrico, inclusive em <strong>de</strong>trimento do setor <strong>de</strong><br />

saneamento, vinculado, naquele momento, às áreas sociais do governo, não obstante<br />

o impacto econômico causado pela falta do serviço.<br />

Todo o contexto <strong>de</strong> disputa pela consolidação institucional do setor elétrico,<br />

discorrido na tese, foi função do estrangulamento representado pela escassez <strong>de</strong><br />

oferta que impedia o crescimento industrial. Obviamente, o mercado resi<strong>de</strong>ncial<br />

urbano tinha atrativida<strong>de</strong>, porém, no que tange à formulação <strong>de</strong> políticas públicas, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da economia era prioritário. Nesse cenário, a ampliação da<br />

abrangência do serviço passa a ser <strong>de</strong>terminante enquanto balizador <strong>de</strong>ssas políticas.<br />

Era do interesse pessoal <strong>de</strong> Vargas que a oferta se adiantasse à <strong>de</strong>manda, <strong>de</strong> forma a<br />

não inviabilizar os objetivos <strong>de</strong> política econômica.O próprio setor <strong>de</strong> energia<br />

constituía-se numa indústria rentável, com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autofinanciamento e com<br />

um grau crescente <strong>de</strong> autonomia. Enquanto isso, a expansão do saneamento<br />

vinculava-se às políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, das quais viria a se dissociar em função do<br />

estabelecimento do preceito da auto-sustentação tarifária, e da crescente importância<br />

da indústria <strong>de</strong> biocidas, que suplantou as práticas profiláticas anteriores.<br />

As políticas setoriais convergiram a partir da década <strong>de</strong> 1960 quando, inclusive<br />

por influência <strong>de</strong> organismos externos <strong>de</strong> fomento (sobretudo o BID, naquele

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