Análise comparativa dos serviços públicos de ... - IEE/USP

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21.12.2013 Views

373 no país, como também a relação de seus gestores com a sociedade, mesmo após a retomada das concessões, sobretudo no setor de saneamento. Esta consideração é crucial na análise da reestruturação liberal em curso, na medida em que se considera que, como um reflexo remanescente dessa condição, os formuladores de políticas do presente colocam os interesses do capital internacional à frente das necessidades da sociedade brasileira, submetendo-se a pressões econômicas e sufocando, de antemão, quaisquer aspirações existentes ao desenvolvimento social e humano. Quando os serviços de saneamento e eletricidade foram introduzidos no Brasil, claramente não havia conotação social, de direito ao acesso, mas comercial, na sua prestação. Embora regidas por legislação específica e efetuadas mediante contratos, não havia interferência real do Estado nas concessões, facultando-se ao concessionário, monopolista, ampla liberdade na definição de suas políticas de expansão da oferta e tarifação. Assim, no caso da eletricidade, a expansão se deu como uma estratégia de crescimento empresarial, frente ao enorme potencial de exploração de um mercado domiciliar e industrial incipiente e virgem, diante da crescente oferta de tecnologias de produção e uso da energia, enquanto o saneamento ampliava-se na medida da deterioração da saúde pública, que atingia até mesmo as elites e afetava a produtividade de suas indústrias e plantações. Fatos como a imposição da cláusula-ouro e os racionamentos freqüentes de água e energia foram retratos do abuso de poder de monopólio dos concessionários frente aos usuários e ao poder concedente, inoperante. Estabelecido o padrão de provisão desigual, com baixa qualidade, preços altos e intermitência, quando não escassez, dos serviços, mesmo para aqueles que podiam pagar, redundando, no caso do saneamento, em ondas sucessivas de óbitos devidos à falta de salubridade e de água que disseminava as doenças, coube ao Estado, com atraso, tentar enfrentar os problemas existentes, a partir de realidades sobre as quais não exercera nenhuma interferência anterior. As ações se davam através de

374 investimentos diretos, de tentativas de regulação, ainda que tardia, ou mesmo da encampação dos serviços, sempre, de alguma forma, deflagradas pela manifestação popular, a exemplo da atuação da Liga Pró-saneamento do Brasil. Todavia, somente com a deposição das elites agrárias do poder, quando da ascensão de Vargas e de seu ideário desenvolvimentista, o planejamento da expansão dos setores de infraestrutura (infra-estrutura econômica, principalmente) começou a ser idealizado, em função do objetivo central de promover crescimento econômico baseado numa industrialização nacionalista e planificada. A existência de conhecimento acumulado, se não no país, no exterior, em termos de legislação, regulação, tecnologia, ao alcance das classes dominantes, que, não casualmente, dirigiam o país, quando da concessão dos serviços ao capital privado estrangeiro, leva ao questionamento da adoção deste tipo de solução como imprescindível. Como apontado na tese, as antigas colônias latino-americanas herdaram pesadas dívidas contraídas no período colonial. O maior credor do Brasil era a Inglaterra que, junto com os Estados Unidos, ditava a política econômica, liberal, mundial, e detinha o controle sobre as tecnologias produzidas pela revolução industrial, do qual não estava disposta a abdicar. Esse foi o pano de fundo das concessões. Porém, ainda que diante de tal contexto, a vontade política teria determinado, pelo menos, a formulação de políticas de gestão e regulação, de planejamento e controle dos serviços. Tanto é real este argumento que a ascensão de Vargas ao poder, com a derrocada econômica e militar das elites agrárias, evidenciou este fato. A estas elites, de resto comprometidas com o capital internacional, jamais interessou desenvolver um projeto econômico, sobretudo industrial, para o país, e esta foi, na verdade, a mola propulsora do crescimento de inúmeros outros segmentos, incluindo a infra-estrutura, pois a perseguição dos objetivos desenvolvimentistas fomentou,

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no país, como também a relação <strong>de</strong> seus gestores com a socieda<strong>de</strong>, mesmo após a<br />

retomada das concessões, sobretudo no setor <strong>de</strong> saneamento. Esta consi<strong>de</strong>ração é<br />

crucial na análise da reestruturação liberal em curso, na medida em que se consi<strong>de</strong>ra<br />

que, como um reflexo remanescente <strong>de</strong>ssa condição, os formuladores <strong>de</strong> políticas do<br />

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socieda<strong>de</strong> brasileira, submetendo-se a pressões econômicas e sufocando, <strong>de</strong><br />

antemão, quaisquer aspirações existentes ao <strong>de</strong>senvolvimento social e humano.<br />

Quando os <strong>serviços</strong> <strong>de</strong> saneamento e eletricida<strong>de</strong> foram introduzi<strong>dos</strong> no Brasil,<br />

claramente não havia conotação social, <strong>de</strong> direito ao acesso, mas comercial, na sua<br />

prestação. Embora regidas por legislação específica e efetuadas mediante contratos,<br />

não havia interferência real do Estado nas concessões, facultando-se ao<br />

concessionário, monopolista, ampla liberda<strong>de</strong> na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas políticas <strong>de</strong><br />

expansão da oferta e tarifação. Assim, no caso da eletricida<strong>de</strong>, a expansão se <strong>de</strong>u<br />

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exploração <strong>de</strong> um mercado domiciliar e industrial incipiente e virgem, diante da<br />

crescente oferta <strong>de</strong> tecnologias <strong>de</strong> produção e uso da energia, enquanto o<br />

saneamento ampliava-se na medida da <strong>de</strong>terioração da saú<strong>de</strong> pública, que atingia até<br />

mesmo as elites e afetava a produtivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas indústrias e plantações. Fatos<br />

como a imposição da cláusula-ouro e os racionamentos freqüentes <strong>de</strong> água e energia<br />

foram retratos do abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> monopólio <strong>dos</strong> concessionários frente aos<br />

usuários e ao po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte, inoperante.<br />

Estabelecido o padrão <strong>de</strong> provisão <strong>de</strong>sigual, com baixa qualida<strong>de</strong>, preços altos<br />

e intermitência, quando não escassez, <strong>dos</strong> <strong>serviços</strong>, mesmo para aqueles que podiam<br />

pagar, redundando, no caso do saneamento, em ondas sucessivas <strong>de</strong> óbitos <strong>de</strong>vi<strong>dos</strong><br />

à falta <strong>de</strong> salubrida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> água que disseminava as doenças, coube ao Estado, com<br />

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