Análise comparativa dos serviços públicos de ... - IEE/USP

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113 constituição do setor de energia elétrica, os recursos hídricos foram objeto de disputas em várias ocasiões. No desenrolar da substituição de outras fontes de energia pela hulha branca, foi-se percebendo o caráter estratégico do controle das águas para o país. Segundo relata Branco (1975), desde a observação do potencial da cachoeira de Paulo Afonso, antes da proclamação da República, levantou-se a necessidade de regulamentar os usos e a propriedade dos recursos hídricos e adjacências. A construção da primeira hidrelétrica, em Juiz de Fora, 1889, tornou concreto o problema legislativo da autorização para a construção e uso das águas. Como mencionado, a legislação existente era do âmbito municipal e estadual e necessitava consolidação (Branco, 1975). O processo de implementação de um Código de Águas e os resultados esperados dessa implementação geraram descontentamentos de toda espécie. Por parte dos capitalistas das holdings de energia e seus agregados, pelo endurecimento do controle, cuja frouxidão permitira, até então, grande lucro na exploração do mercado nacional. Era um agravante à resistência já oposta pelos capitalistas nacionais, que vinham sendo prejudicados pelos constantes privilégios recebidos pelo capital estrangeiro, o que os impedia de competir com tais empresas em pé de igualdade (Gonçalves Jr., 2002; Branco, 1975). O mesmo ocorreu por parte das oligarquias rurais, que julgaram ser aquele um instrumento de privilégio aos setores urbano-industriais. A fim de assegurar sua parcela de poder, os latifundiários nordestinos já haviam influenciado a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) e, através desse órgão, em conjunto com a Comissão de Estudos de Forças Hidráulicas, discutiram os termos da regulamentação da propriedade e do aproveitamento dos cursos d’água (Silva, 1998). Sobre a importância política desse momento da institucionalização da gestão da água, Lacorte (1994), citado por Silva (1998), explicita a visão das oligarquias

114 rurais, ao dizer que a regulamentação da propriedade da água pelo Estado, dissociada da terra, remove os últimos obstáculos para o aproveitamento hidráulico dos grandes potenciais elétricos, que poderiam promover, em última instância, a expansão da indústria, essencialmente urbana. O próprio Silva (1998) afirma: Esse é (...) o processo evolutivo dos mecanismos de apropriação dos recursos hídricos, inicialmente indissociável da produção agrícola, na qual a propriedade da água sempre esteve associada à da terra. À medida que novos interesses e necessidades se manifestavam, as normas para dissociar a apropriação da terra com a da água iam surgindo, estabelecendo a partilha e o uso social desses recursos em disputa até os anos trinta, quando se deu a aprovação do código. (Silva, 1998). Do ponto de vista sanitário e ambiental, a degradação dos cursos d’água foi a tônica do período, com a depredação da vegetação para realização de atividades econômicas que foram extremamente agressivas. Inicialmente, com a extração de pau-brasil, seguida pela mineração, as monoculturas de cana e café. Com a urbanização, vieram, já naquela época, os problemas decorrentes da poluição dos leitos com esgotos domésticos e industriais, inviabilizando seu uso para finalidades como abastecimento, pesca, lazer. Iyda (1994), citada por Silva (1998), menciona que, a despeito da importância do estabelecimento de políticas sanitárias, as constituições de 1824 a 1964 não trataram a questão a contento. Especificamente em relação aos setores de eletricidade e saneamento básico, um episódio é exemplar e bastante interessante: a disputa pelos recursos do Rio Tietê, para abastecimento da cidade de São Paulo e para a geração de energia, detalhada por Catullo Branco em seu livro Energia Elétrica e Capital Estrangeiro no Brasil. Grosso modo, as águas do Tietê vinham sendo avaliadas para o abastecimento da capital, deficitário, desde 1904, com projetos e estudos de Henrique Novais e Saturnino de Brito. Em função de seus interesses, de obter uma concessão na Serra do Mar a fim de enfrentar a escassez de eletricidade, a Light apresentou um projeto de reversão do Tietê para lançá-las na Bacia do Rio Grande e, finalmente, em Cubatão, na Serra do Mar. A solução do problema da Light inviabilizaria o projeto de

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constituição do setor <strong>de</strong> energia elétrica, os recursos hídricos foram objeto <strong>de</strong> disputas<br />

em várias ocasiões. No <strong>de</strong>senrolar da substituição <strong>de</strong> outras fontes <strong>de</strong> energia pela<br />

hulha branca, foi-se percebendo o caráter estratégico do controle das águas para o<br />

país. Segundo relata Branco (1975), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a observação do potencial da cachoeira <strong>de</strong><br />

Paulo Afonso, antes da proclamação da República, levantou-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

regulamentar os usos e a proprieda<strong>de</strong> <strong>dos</strong> recursos hídricos e adjacências. A<br />

construção da primeira hidrelétrica, em Juiz <strong>de</strong> Fora, 1889, tornou concreto o problema<br />

legislativo da autorização para a construção e uso das águas. Como mencionado, a<br />

legislação existente era do âmbito municipal e estadual e necessitava consolidação<br />

(Branco, 1975).<br />

O processo <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> um Código <strong>de</strong> Águas e os resulta<strong>dos</strong><br />

espera<strong>dos</strong> <strong>de</strong>ssa implementação geraram <strong>de</strong>scontentamentos <strong>de</strong> toda espécie. Por<br />

parte <strong>dos</strong> capitalistas das holdings <strong>de</strong> energia e seus agrega<strong>dos</strong>, pelo endurecimento<br />

do controle, cuja frouxidão permitira, até então, gran<strong>de</strong> lucro na exploração do<br />

mercado nacional. Era um agravante à resistência já oposta pelos capitalistas<br />

nacionais, que vinham sendo prejudica<strong>dos</strong> pelos constantes privilégios recebi<strong>dos</strong> pelo<br />

capital estrangeiro, o que os impedia <strong>de</strong> competir com tais empresas em pé <strong>de</strong><br />

igualda<strong>de</strong> (Gonçalves Jr., 2002; Branco, 1975).<br />

O mesmo ocorreu por parte das oligarquias rurais, que julgaram ser aquele um<br />

instrumento <strong>de</strong> privilégio aos setores urbano-industriais. A fim <strong>de</strong> assegurar sua<br />

parcela <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, os latifundiários nor<strong>de</strong>stinos já haviam influenciado a criação da<br />

Inspetoria <strong>de</strong> Obras Contra as Secas (IOCS) e, através <strong>de</strong>sse órgão, em conjunto com<br />

a Comissão <strong>de</strong> Estu<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Forças Hidráulicas, discutiram os termos da<br />

regulamentação da proprieda<strong>de</strong> e do aproveitamento <strong>dos</strong> cursos d’água (Silva, 1998).<br />

Sobre a importância política <strong>de</strong>sse momento da institucionalização da gestão<br />

da água, Lacorte (1994), citado por Silva (1998), explicita a visão das oligarquias

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