Emily Dickinson: a irmã de Shakespeare - Universidade Tuiuti do ...
Emily Dickinson: a irmã de Shakespeare - Universidade Tuiuti do ...
Emily Dickinson: a irmã de Shakespeare - Universidade Tuiuti do ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Dossiê especial: Reflexões shakesperianas<br />
HALL, Alcina. <strong>Emily</strong> <strong>Dickinson</strong>: a <strong>irmã</strong> <strong>de</strong> <strong>Shakespeare</strong>. Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009.<br />
www.utp.br/eletras<br />
‘Mas – Madame – não há mais nada –<br />
Que possamos mostrar – Hoje?’<br />
(P 621, c. 1862) 17<br />
Vemos a pessoa lírica oferecer o próprio ser por um simples pedi<strong>do</strong>, que além<br />
<strong>de</strong> lhe ser nega<strong>do</strong> é trata<strong>do</strong> com ironia e indiferença. O Brasil entra aqui como a terra<br />
prometida aos eleitos ou o paraíso tropical, que com suas cores e exuberância, aqueceria<br />
sua vida fria e monótona. Esse não é o único poema em que o Brasil comparece como<br />
um sonho inalcançável, ao mo<strong>de</strong>lo da Itália.<br />
A gentileza utilizada no tratamento Madame apenas <strong>de</strong>monstra a hipocrisia <strong>do</strong><br />
Po<strong>de</strong>roso Merca<strong>do</strong>r que pouco se importa com a vonta<strong>de</strong> da passageira, pois ela não<br />
passa <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>ria sem valor e sem direito a opinião.<br />
Seria <strong>de</strong> direito da Madame ir aon<strong>de</strong> bem quisesse, já que o merca<strong>do</strong>r teve seus<br />
serviços contrata<strong>do</strong>s. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar o timão <strong>de</strong> sua vida para si ou recorrer a<br />
outra embarcação, no entanto, não é cogitada pela passageira. Está tão acostumada a ser<br />
<strong>de</strong>stituída que aceita o não como resposta.<br />
A profusão <strong>de</strong> travessões, inversões, para<strong>do</strong>xos, contradições e<br />
in<strong>de</strong>terminações, juntamente com temas e imagens que trazem à tona conflitos internos<br />
intensos, mostram uma poesia contida e enigmática, aberta a múltiplas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
interpretação.<br />
O mun<strong>do</strong> que nunca escreveu a <strong>Emily</strong> <strong>Dickinson</strong> tratava-se <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />
que oferecia à mulher pouquíssimas chances <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência sócio-econômicocultural.<br />
Aten<strong>de</strong>r às exigências <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> que impunha o uso <strong>do</strong> espartilho para<br />
os corpos e mentes femininos, era, assim, uma questão <strong>de</strong> sobrevivência. Por isso, ao<br />
tentarmos interpretar seu lega<strong>do</strong> com as lentes <strong>do</strong> nosso tempo e cultura, terminamos<br />
por concluir que a configuração lingüística diferenciada que empregou foi resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
uma poética muito particular, que dá a perceber tais pressões históricas.<br />
Tentaram colocar trancas <strong>de</strong> ferro em sua música e algemas em seus pés <strong>de</strong><br />
pluma, todavia, por mais injustas que essas pressões tenham si<strong>do</strong>, não impediram que<br />
<strong>Emily</strong> <strong>Dickinson</strong> fizesse escolhas acertadas e nos <strong>de</strong>ixasse uma arte ímpar, da qual<br />
fizemos um afetuoso julgamento sob a perspectiva feminina. Trata-se <strong>de</strong> um mereci<strong>do</strong><br />
resgate <strong>de</strong> uma das mais proeminentes <strong>irmã</strong>s <strong>de</strong> <strong>Shakespeare</strong>.<br />
Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009 12