Sobre as Ciências Sociais - FEP - Universidade do Porto
Sobre as Ciências Sociais - FEP - Universidade do Porto
Sobre as Ciências Sociais - FEP - Universidade do Porto
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Carlos Pimenta Complexidade e Interdisciplinaridade n<strong>as</strong> Ciênci<strong>as</strong> <strong>Sociais</strong> Versão 02<br />
conhecimento corrente e conhecimento científico. Assim uma parte <strong>do</strong> objecto <strong>do</strong> conhecimento é<br />
constituí<strong>do</strong> pelo conjunto <strong>do</strong>s objectos científicos. A grande maioria desses objectos científicos são<br />
disciplinares, alguns serão interdisciplinares – este são, por vezes, uma f<strong>as</strong>e transitória no caminho para<br />
novos objectos disciplinares. O objecto científico, em senti<strong>do</strong> geral, pode ser considera<strong>do</strong> como a<br />
essência <strong>do</strong>s factos – um facto é uma parte da “coisa-em-si” que foi conhecida através de uma experiência<br />
perceptiva de tal tipo (entenda-se, com a utilização de determina<strong>do</strong>s instrumentos, com o registo d<strong>as</strong><br />
imagens, em senti<strong>do</strong> lato, com determinad<strong>as</strong> meto<strong>do</strong>logi<strong>as</strong>, etc.) que pode ser analisada por qualquer<br />
cientista. Este objecto científico em senti<strong>do</strong> lato é sempre um conjunto de diferentes objectos científicos<br />
e cada objecto científico é sempre um conjunto de objectos teóricos, ora complementares, ora<br />
conflituantes. Porque um objecto científico para além <strong>do</strong>s objectos teóricos comporta <strong>as</strong> relações entre<br />
eles e, eventualmente, um conjunto de factos que ainda escapam a uma teorização, podemos dizer, que<br />
um objecto científico é mais que a referida soma de objectos teóricos. O mesmo se poderá dizer <strong>do</strong><br />
objecto científico em senti<strong>do</strong> geral em relação aos objectos científicos que o constitui.<br />
A “unidade” da “coisa-em-si” cria condições favoráveis para a “intercepção” de objectos científicos<br />
de diferentes disciplin<strong>as</strong> m<strong>as</strong> é na b<strong>as</strong>e destes que há a consciência da possibilidade e interesse da<br />
interdisciplinaridade e a sua concretização 9 .<br />
Um exemplo ajudará a precisar o que aqui expressamos. Grosso mo<strong>do</strong> podemos dizer que o objecto<br />
científico da Economia é o “económico”. Se se considerar que a Economia é a ciência que estuda a<br />
produção, repartição, circulação e consumo o “económico” é uma faceta da actividade <strong>do</strong>s homens e da<br />
sociedade, <strong>do</strong>nde resultam <strong>do</strong>is <strong>as</strong>pectos, no que se refere à interdisciplinaridade: se pretender p<strong>as</strong>sar <strong>do</strong><br />
conhecimento de uma faceta <strong>do</strong> homem para o conhecimento d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> facet<strong>as</strong> há que “conjugar<br />
esforços” com outr<strong>as</strong> disciplin<strong>as</strong>; mesmo para captar mais correctamente o conjunto de factos que<br />
englobo no “económico” eu tenho vantagem em “cruzar saber e meto<strong>do</strong>logi<strong>as</strong>” com a História, com a<br />
Sociologia, com a Antropologia, apen<strong>as</strong> para dar alguns exemplos possíveis e prioritários. Pelo contrário<br />
se se considerar que a Economia é a ciência que estuda <strong>as</strong> decisões <strong>do</strong>s indivíduos quan<strong>do</strong> coloca<strong>do</strong>s<br />
perante meios esc<strong>as</strong>sos com aplicações alternativ<strong>as</strong> e fins ilimita<strong>do</strong>s, ou se renuncia a qualquer<br />
interdisciplinaridade (a Economia é capaz de estudar através da sua meto<strong>do</strong>logia específica <strong>as</strong> mais<br />
divers<strong>as</strong> situações em que os indivíduos são coloca<strong>do</strong>s nessa situação, não só na produção m<strong>as</strong> também<br />
n<strong>as</strong> opções matrimoniais, não só na repartição de rendimentos m<strong>as</strong> também na reprodução familiar, etc.)<br />
ou se privilegia a Investigação Operacional (para encontrar a optimização <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s) e a Psicologia.<br />
Contu<strong>do</strong> esta interpretação, e sobretu<strong>do</strong> este exemplo, coloca uma questão para a qual não tenho ainda<br />
uma resposta: <strong>as</strong>sim sen<strong>do</strong> quais são <strong>as</strong> semelhanç<strong>as</strong> e diferenç<strong>as</strong> entre interdisciplinaridade e<br />
interparadigmacidade?<br />
Em diversos trabalhos tenho procura<strong>do</strong> estudar <strong>as</strong> razões da coexistência de paradigm<strong>as</strong> alternativos, <strong>as</strong><br />
mecânic<strong>as</strong> de estabelecimento de pontes entre eles, a possibilidade de ultrap<strong>as</strong>sar <strong>as</strong> divergênci<strong>as</strong> através<br />
da utilização de terminologi<strong>as</strong> alternativ<strong>as</strong>, através de hierarquizações conceptuais, através da construção<br />
de modelos mais gerais que englobe <strong>as</strong> diferentes situações, através da explicitação d<strong>as</strong> hipóteses de<br />
partida e modificação de algum<strong>as</strong>.<br />
A conclusão a que sistematicamente tenho chega<strong>do</strong> é que muit<strong>as</strong> d<strong>as</strong> divergênci<strong>as</strong> são “artificiais”, isto é,<br />
são resulta<strong>do</strong> de hábitos adquiri<strong>do</strong>s e campos de batalha <strong>as</strong>sumi<strong>do</strong>s, m<strong>as</strong> não existe nem fundamentação<br />
sociológica nem justificação epistemológica para que isso seja necessariamente <strong>as</strong>sim. A hipótese<br />
formulada por alguns autores de que a modificação de algum<strong>as</strong> d<strong>as</strong> hipótese de partida de modelos<br />
diferentes pode conduzir à sua aproximação, quiçá identificação, pode ser verdade. M<strong>as</strong> também tenho<br />
chega<strong>do</strong> sistematicamente a uma outra conclusão: quan<strong>do</strong> estamos a tratar ciênci<strong>as</strong> sociais – e só dess<strong>as</strong><br />
tenho saber para analisar – a consciência possível <strong>do</strong>s diferentes investiga<strong>do</strong>res, <strong>do</strong>s diversos grupos<br />
sociais, a relação implícita ou explicita entre os diversos paradigm<strong>as</strong> e <strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses e grupos sociais, faz com<br />
a aproximação entre paradigm<strong>as</strong> alternativ<strong>as</strong> tenha barreir<strong>as</strong> sociais e lógic<strong>as</strong> intransponíveis.<br />
Em síntese, <strong>as</strong> diferenç<strong>as</strong> entre objectos científicos de paradigm<strong>as</strong> alternativos da mesma ciência podem<br />
ser mais difíceis de superar que entre objectos científicos de diferentes ciênci<strong>as</strong>. Simultaneamente, o<br />
mesmo referencial paradigmático em divers<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> facilita a fusão de objectos científicos de<br />
diferentes ciênci<strong>as</strong>, ajuda a interdisciplinaridade.<br />
Que semelhanç<strong>as</strong> e diferenç<strong>as</strong> existem entre a interparadigmacidade neoclássica e marxista na Economia,<br />
a interdisciplinaridade da Economia com a Sociologia e a interdisciplinaridade da Economia marxista<br />
com a História de raiz marxista?<br />
Pág. 7