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Sobre as Ciências Sociais - FEP - Universidade do Porto

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Carlos Pimenta Complexidade e Interdisciplinaridade n<strong>as</strong> Ciênci<strong>as</strong> <strong>Sociais</strong> Versão 02<br />

Recentemente li a entrevista de um cirurgião que chamava a atenção para a imperiosidade <strong>do</strong><br />

cruzamento de saberes de diferentes áre<strong>as</strong> da Medicina para se obter sucesso na separação<br />

desiameses. Há aqui uma interdisciplinaridade m<strong>as</strong> que provavelmente apresenta diferenç<strong>as</strong><br />

epistemológic<strong>as</strong> comparativamente à interdisciplinaridade entre Medicina e Antropologia, a<br />

propósito, por exemplo, de um projecto de saúde pública.<br />

Hoje nenhum economista sabe tu<strong>do</strong> de Economia. O economista generalista é uma espécie em<br />

extinção. Então para interpretar certos <strong>as</strong>pectos é necessário fazer um cruzamento entre<br />

Economia Internacional e Economia Monetária. Se nesta situação também é legitimo falar em<br />

interdisciplinaridade ela apresenta característic<strong>as</strong> diferentes da que se possa registar entre a<br />

Economia e a Sociologia.<br />

Utilizan<strong>do</strong> a terminologia de alguns autores, é necessário distinguir interdisciplinaridade,<br />

intradisciplinaridade (Esteves 2003).<br />

b) A disciplinaridade não resulta apen<strong>as</strong> de dinâmic<strong>as</strong> intern<strong>as</strong> à produção científica. A<br />

correlação de forç<strong>as</strong> social, a relação filtrada entre a cooperação e conflitos sociais e<br />

prátic<strong>as</strong> científic<strong>as</strong> estão permanente presentes, ora impon<strong>do</strong> procedimentos, ora<br />

condicionan<strong>do</strong> movimentos. Esse jogo <strong>do</strong> poder manifesta-se na relação entre <strong>as</strong> divers<strong>as</strong><br />

disciplin<strong>as</strong> científic<strong>as</strong>, na forma como a interdisciplinaridade se pode processar:<br />

“L'unité des sciences peut se faire sur le modèle impérial : une science <strong>do</strong>minante<br />

impose aux autres sa méthode et ses concepts. Elle peut se faire sur le modèle fédéral :<br />

une science <strong>do</strong>mine mais laisse aux autres une autonomie <strong>as</strong>sez large pour ce qui<br />

concerne leurs objets particuliers. Elle peut se faire sur le modèle confédéral : une<br />

science est <strong>do</strong>minante mais elle laisse aux autres leur indépendance ;” (Godin, 1997b,<br />

34)<br />

Esta afirmação pode parecer dem<strong>as</strong>ia<strong>do</strong> “política” m<strong>as</strong> creio que ela reflecte b<strong>as</strong>tante bem a<br />

situação, uma situação que é relevante para <strong>as</strong> problemátic<strong>as</strong> que aqui estamos a tratar: <strong>as</strong><br />

ciênci<strong>as</strong> sociais têm vivi<strong>do</strong> sob a influência imperial da Física e ainda hoje a influência continua<br />

a manifestar-se (desde a unidade meto<strong>do</strong>lógica que o positivismo procura impor ao critério da<br />

utilização d<strong>as</strong> Matemática mais como critério de cientificidade <strong>do</strong> que como instrumento de<br />

trabalho e linguagem universal; desde a validação d<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> universitári<strong>as</strong> aos critérios de<br />

publicação); algum<strong>as</strong> correntes da Biologia defenden<strong>do</strong> um determinismo estreito entre o<br />

genoma e to<strong>do</strong>s os <strong>as</strong>pectos da vida humana pretendem criar outra relação disciplinar imperial; a<br />

Economia, sobretu<strong>do</strong> na sua expressão neoclássica, pretende ser a ciência exacta d<strong>as</strong> escolh<strong>as</strong>, ao<br />

mesmo tempo que cl<strong>as</strong>sifica como tal to<strong>do</strong>s os actos humanos, e dessa forma impor-se como a<br />

ciência <strong>do</strong> Homem; a importância da Matemática cria condições para um modelo confederal.<br />

c) Como explicito no ponto seguinte, o cerne da interdisciplinaridade é a reconstrução <strong>do</strong><br />

objecto científico, permiti<strong>do</strong> pela unidade ontológica m<strong>as</strong> dinamizada pela intercepção de<br />

objectos de estu<strong>do</strong>, de objectos teóricos. Contu<strong>do</strong> há uma outra importante via de combinação de<br />

saberes, de interdisciplinaridade fraca: através da contextualização 6 .<br />

Recorramos a mais um exemplo para explicitar, talvez para ajudar a conceptualizar a nossa<br />

preocupação. Muitos economist<strong>as</strong> não terão dúvid<strong>as</strong> que o investimento é uma determinante<br />

importante <strong>do</strong> desenvolvimento, que a existência de poupanç<strong>as</strong> disponíveis é uma condição<br />

permissiva, que est<strong>as</strong> conduzirão àquela se o custo de oportunidade for menor. Contu<strong>do</strong> ao<br />

analisar um país ou uma região tal não se verifica. Poderão até admitir que esse desajustamento<br />

pontual não resulta da deficiência <strong>do</strong> modelo, m<strong>as</strong> tão somente da verificação ali e naquele<br />

momento, de um conjunto de condições excepcionais. Não tencionam equacionar novamente a<br />

problemática, construir outro modelo, m<strong>as</strong> quererão eventualmente compreender a situação.<br />

Precisam de se aproximar <strong>do</strong> concreto, de percorrerem o “caminho” entre o abstracto <strong>do</strong> modelo<br />

– inevitável em ciência como a sabemos fazer – e o concreto da situação a que aquele se<br />

pretendia aplicar. Para tal poderá ser conveniente perceberem o contexto cultural <strong>do</strong><br />

comportamento <strong>do</strong>s cidadãos e a importância de que atribuem ao “económico” em comparação<br />

com o religioso, <strong>as</strong> relações de vizinhança, a sua vida quotidiana para o que a antropologia<br />

poderá dar um contributo. Poderá ser interessante perceber qual tem si<strong>do</strong> a história daqueles<br />

povos e como a sucessão <strong>do</strong>s acontecimentos marcou a forma de ser e estar <strong>do</strong>s cidadãos, pelo<br />

que a História e a Psicologia poderão dar alguns contributos. E porque o referi<strong>do</strong> economista<br />

poderá ter subjacente a essa pesquisa analisar a possibilidade de modificar a situação existente,<br />

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