Sobre as Ciências Sociais - FEP - Universidade do Porto
Sobre as Ciências Sociais - FEP - Universidade do Porto
Sobre as Ciências Sociais - FEP - Universidade do Porto
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Carlos Pimenta Complexidade e Interdisciplinaridade n<strong>as</strong> Ciênci<strong>as</strong> <strong>Sociais</strong> Versão 02<br />
mestiçagem de méto<strong>do</strong>s conforme a época histórica, o objecto de estu<strong>do</strong> ou os princípios a atingir? –<br />
acaba por absolutizar alguns <strong>as</strong>pectos, por ser dem<strong>as</strong>ia<strong>do</strong> reducionista.<br />
É certo que tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> são Ciência e se <strong>as</strong>sim é têm alguma característica em comum 37 .<br />
Ela é a organização e sistematização <strong>do</strong>s enuncia<strong>do</strong>s resultarem de uma construção cognitiva que<br />
ultrap<strong>as</strong>sa o conhecimento espontâneo de uma dada época histórica. Cada objecto científico dá lugar<br />
a uma ciência, a uma manifestação particular da Ciênci<strong>as</strong> e haverá tantos objectos científicos quant<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />
organizações e sistematizações <strong>do</strong>s enuncia<strong>do</strong>s científicos.<br />
Para compreendermos o grau de “unidade” ou de “diversidade” d<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> temos então que<br />
compreender quais são <strong>as</strong> limitações que é necessário ultrap<strong>as</strong>sar. Podemos sistematizá-l<strong>as</strong> recorren<strong>do</strong> a<br />
C<strong>as</strong>tro (1978) : Em primeiro lugar "cada ser corta <strong>do</strong> imenso dispositivo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior um pedaço, o<br />
pedaço que importa à sua sobrevivência" (21) e o homem também se comporta dessa forma. Em segun<strong>do</strong><br />
lugar os "quadros bio-psicológicos e sociais <strong>do</strong> próprio sujeito humano" (17), tais como a f<strong>as</strong>e<br />
filogenética e ontogenética <strong>do</strong> conhecimento; os limites <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s e <strong>do</strong> organismo, o que condiciona a<br />
actividade perceptiva 38 , fundamental na construção <strong>do</strong>s conhecimentos e <strong>do</strong> objecto científico. Em<br />
terceiro lugar a própria "dinâmica da realidade que constitui o objecto <strong>do</strong> esforço cognoscitivo" (17) – por<br />
exemplo, a velocidade da luz condiciona <strong>as</strong> observações <strong>as</strong>tronómic<strong>as</strong> e o conteú<strong>do</strong> dessa ciência. Em<br />
quarto lugar a estrutura e funcionamento da sociedade em que os homem se situam condicionam ou<br />
influenciam o conhecimento corrente e <strong>as</strong> possibilidades deste evoluir, <strong>as</strong> articulações entre aquele e o<br />
conhecimento científico, o tipo de problem<strong>as</strong> eleitos como importantes para a sobrevivência, etc. Refir<strong>as</strong>e<br />
particularmente a actividade sócio-económica <strong>do</strong>minante e dinâmic<strong>as</strong> de evolução, ou se se pretender,<br />
utilizan<strong>do</strong> outra terminologia, a relação entre estrutura e superestrutura; <strong>as</strong> cultur<strong>as</strong>; <strong>as</strong> ideologi<strong>as</strong>.<br />
Embora C<strong>as</strong>tro não o refira nest<strong>as</strong> condicionantes sociais também se poderia referir o conjunto de<br />
circunstância que constroi uma certa consciência possível <strong>do</strong>s cientist<strong>as</strong>.<br />
Ora não será difícil de concluir que a intensidade de cada uma d<strong>as</strong> limitações e a forma como são<br />
ultrap<strong>as</strong>sad<strong>as</strong> num determina<strong>do</strong> momento histórico podem ser muito matizad<strong>as</strong>. Não poderão ser qu<strong>as</strong>e<br />
infinitos os cortes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior, haven<strong>do</strong> sempre uma “realidade exterior desconhecida” num<br />
momento que se torna importante para a sobrevivência? As limitações resultantes de factores biopsicológicos<br />
e sociais não se manifestarão com intensidades e form<strong>as</strong> diferentes conforme o objecto de<br />
análise? Não corresponderá a cada f<strong>as</strong>e filogenética e ontogenética um conjunto de conhecimentos<br />
acumula<strong>do</strong>s que é diferente conforme o objecto teórico? Não será que a estrutura e funcionamento da<br />
sociedade têm impactos diferentes conforme o objecto de estu<strong>do</strong>? E poderiamos continuar a colocar<br />
muit<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> questões.<br />
Por outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, sob o pano de fun<strong>do</strong> comum <strong>do</strong> ir além <strong>do</strong> conhecimento corrente, temos uma<br />
diferenciação entre <strong>as</strong> divers<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> que pode ir até à intercepção de n critérios, cada um decomposto<br />
em m gradações.<br />
Em síntese, qualquer cl<strong>as</strong>sificação d<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong>, apesar de por vezes ser cómoda intelectualmente,<br />
vantajosa institucionalmente, adequada politico-socialmente, pode revelar profund<strong>as</strong> imprecisões e, em<br />
algum<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong>, ser intelectualmente paralisante.<br />
Obviamente será profundamente c<strong>as</strong>tra<strong>do</strong>r considerar que tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> devem ter meto<strong>do</strong>logi<strong>as</strong>,<br />
procedimentos ou validações comuns.<br />
Obviamente será profundamente anti-científico estabelecer qualquer tabela de gradação <strong>do</strong> grau de<br />
cientificidade d<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong>, não se poden<strong>do</strong> afirmar que esta ciência é mais científica que aquela.<br />
Claro que a prática científica exige permanentemente um conjunto de vigilânci<strong>as</strong> (contra <strong>as</strong> evidênci<strong>as</strong>,<br />
pelo corte epistemológico, contra a a<strong>do</strong>pção pela ciência de enuncia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> conhecimento corrente ou<br />
outro) m<strong>as</strong> esse é outro problema.<br />
A interdisciplinaridade pode manifestar-se de forma diferente conforme o conjunto de ciênci<strong>as</strong> que<br />
considerarmos. A complexidade manifesta-se certamente de form<strong>as</strong> diferentes conforme <strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> que<br />
estivermos a tratar. Contu<strong>do</strong> também aqui teremos que respeitar a especificidade de cada um <strong>do</strong>s <strong>as</strong>pectos<br />
e nem termos receio de aceitar <strong>as</strong> problemátic<strong>as</strong> gerais nem de percorrermos caminhos próprios.<br />
Intitulei a comunicação como aplican<strong>do</strong>-se às ciênci<strong>as</strong> sociais m<strong>as</strong>:<br />
− Considero que temos de ter muito cuida<strong>do</strong> com essa cl<strong>as</strong>sificação. Em algum<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong><br />
poderá haver mais semelhanç<strong>as</strong> entre ciênci<strong>as</strong> “sociais” e “naturais” que entre ciênci<strong>as</strong> “sociais”,<br />
Pág. 11