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Sobre as Ciências Sociais - FEP - Universidade do Porto

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Carlos Pimenta Complexidade e Interdisciplinaridade n<strong>as</strong> Ciênci<strong>as</strong> <strong>Sociais</strong> Versão 02<br />

4) Não há interdisciplinaridade sem disciplinaridade e em vári<strong>as</strong> situações a disciplinaridade resulta de<br />

uma interdisciplinaridade. Dividir e juntar é um processo dialéctico cuja síntese representa<br />

frequentemente um progresso científico. Em cert<strong>as</strong> f<strong>as</strong>es históric<strong>as</strong> a especialização é mais importante<br />

que a combinação de saberes. Foi ela que permitiu a grande aventura intelectual que foi o n<strong>as</strong>cimento da<br />

ciência moderna e o desenvolvimento cultural e ainda no p<strong>as</strong>sa<strong>do</strong> século grande epistemólogos defendiam<br />

que a especialização era condição essencial para a continuação desse crescimento científico. Noutr<strong>as</strong><br />

f<strong>as</strong>es, como a que vivemos actualmente, o tipo de problem<strong>as</strong> com que nos defrontamos, <strong>as</strong> fragilidades<br />

revelad<strong>as</strong> pela prática científica no confronto com algum<strong>as</strong> problemátic<strong>as</strong> – incluin<strong>do</strong> a complexidade –,<br />

<strong>as</strong> preocupações com uma “humanização” d<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> e da cultura e ainda <strong>as</strong> transformações<br />

institucionais <strong>as</strong>sociad<strong>as</strong> ao trabalho em rede, parecem apontar para uma maior importância da<br />

interdisciplinaridade, exigin<strong>do</strong>-se dela o que ela pode dar – novos conhecimentos, formação integral <strong>do</strong>s<br />

cidadãos, capacidade para a resolução de graves problem<strong>as</strong>, etc. – e o que por vezes não pode dar – por<br />

exemplo uma nova meto<strong>do</strong>logia de investigação científica. Mesmo no que ela não pode dar pode<br />

contribuir, m<strong>as</strong> para tal será necessário a articulação com outr<strong>as</strong> transformações sociais, culturais,<br />

institucionais, lógic<strong>as</strong> e epistemológic<strong>as</strong>.<br />

Na época de <strong>do</strong>mínio da disciplinaridade houve sempre a prática da interdisciplinaridade. No que parece<br />

ser o despontar da época da interdisciplinaridade continuará a haver disciplinaridade.<br />

Temos que compreender ess<strong>as</strong> tendênci<strong>as</strong>, quiçá termos a racionalidade, a imaginação, a coragem de<br />

influenciar o rumo <strong>do</strong>s acontecimentos, de influenciar a produção científica de forma a ela ser mais capaz<br />

de contribuir para a “felicidade humana”, m<strong>as</strong> não podemos atribuir à interdisciplinaridade uma<br />

superioridade ou inferioridade de qualquer tipo em relação à disciplinaridade.<br />

Será fácil <strong>as</strong>sumir que uma “má” interdisciplinaridade – inadequada em qualquer uma d<strong>as</strong> vertentes, que<br />

pode ser na organização e funcionamento ou, o que mais nos interessa nest<strong>as</strong> considerações, na<br />

meto<strong>do</strong>logia – pode não conduzir a resulta<strong>do</strong>s satisfatórios, e vários são os projectos em que tal acontece,<br />

m<strong>as</strong> a situação mais perversa é quan<strong>do</strong> uma “boa” interdisciplinaridade pode conduzir a empobrecimentos<br />

científicos e culturais. Não será, por exemplo, a Economia Matemática uma boa interdisciplinaridade dum<br />

ponto de vista formal, operacional e de resulta<strong>do</strong>s? E não será ao mesmo tempo condicionante de<br />

profícuos desenvolvimentos da Economia, de reforço de algum<strong>as</strong> tendênci<strong>as</strong> de af<strong>as</strong>tamento da Economia<br />

<strong>do</strong>s problem<strong>as</strong> reais, de empobrecimento cultural? 10<br />

Poderá a responsabilidade, se <strong>as</strong>sim se pode falar, ser d<strong>as</strong> disciplin<strong>as</strong> (<strong>do</strong> paradigma <strong>do</strong>minante, <strong>do</strong><br />

objecto científico, etc.) e não da articulação del<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> o resulta<strong>do</strong> da interdisciplinaridade pode ser<br />

contraproducente.<br />

Em algum<strong>as</strong> situações, como <strong>as</strong> que se relacionam com a complexidade, uma boa interdisciplinaridade<br />

exige frequentemente uma prévia revisão de alguns fundamentos disciplinares.<br />

Certamente que existirão muitos outros <strong>as</strong>pectos a referir a propósito da interdisciplinaridade, m<strong>as</strong> apen<strong>as</strong><br />

quisemos aqui deixar algum<strong>as</strong> preocupações que podem ser relevantes para o cruzamento entre<br />

complexidade e interdisciplinaridade.<br />

<strong>Sobre</strong> Complexidade<br />

Quan<strong>do</strong> no quotidiano afirmamos que uma situação é “complexa” pretende-se frequentemente transmitir<br />

a ideia de que é “complicada”, que tem muitos <strong>as</strong>pectos, que tem muitos elementos. Está conforme com o<br />

dicionário de português. Contu<strong>do</strong> esta situação justifica du<strong>as</strong> observações:<br />

− Essa “complicação” é simultaneamente a “atribuição espontânea de uma certa característica à<br />

coisa-em-si” e o reconhecimento de que “não possuímos uma explicação satisfatória” para o que<br />

observamos, não temos um modelo que nos permita interligar to<strong>do</strong>s os <strong>as</strong>pectos.<br />

− O tratamento científico da complexidade (qualidade de ser complexo) ou <strong>do</strong> complexo, não<br />

pode satisfazer-se com este entendimento <strong>do</strong> conhecimento corrente, mesmo que tal estivesse<br />

presente no início da linguagem científica da complexidade 11 .<br />

Parece que a própria caracterização e estu<strong>do</strong> da complexidade é complexa, entran<strong>do</strong>-se num emaranha<strong>do</strong><br />

por vezes profundamente ilusório, ao ponto de admitir-se, que a origem de uma situação complexa é<br />

necessariamente “complexa”, “complicada” quan<strong>do</strong> hoje é sobejamente conheci<strong>do</strong> que sistem<strong>as</strong> 12 simples<br />

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