"as 10 faces da Inovação"
"as 10 faces da Inovação"
"as 10 faces da Inovação"
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
POR KIP GARLAND<br />
90 DOM<br />
"<strong>as</strong> <strong>10</strong> <strong>faces</strong> <strong>da</strong> Inovação"<br />
Tom KEllEY (com Jonathan lITTman) – Ed. Campus Elsevier, 2007<br />
om Kelley é mais conhecido como especialista em<br />
design de produtos – ele e o irmão dirigem a Ideo,<br />
conheci<strong>da</strong> empresa norte-americana do setor. The Ten<br />
Faces of Innovation é seu segundo livro, antecedido pelo<br />
The Art of Innovation (A Arte <strong>da</strong> Inovação).<br />
O tema geral do livro é explicado em uma introdução<br />
sem brilho, que louva <strong>as</strong> virtudes <strong>da</strong> inovação com os<br />
mesmos lugares-comuns utilizados pela mídia quando<br />
abor<strong>da</strong> o tema. Outros títulos<br />
inovação-pop, como o F<strong>as</strong>t<br />
Innovation, de Michael George,<br />
pelo menos buscam uma b<strong>as</strong>e<br />
séria para su<strong>as</strong> afirmações ao<br />
utilizarem avaliações e outros<br />
argumentos, em vez dos mesmos<br />
velhos e g<strong>as</strong>tos lugarescomuns<br />
sobre a inovação.<br />
O livro descreve <strong>as</strong> três categori<strong>as</strong><br />
de Persona para <strong>as</strong> Dez<br />
Faces: Person<strong>as</strong> Aprendizes,<br />
Person<strong>as</strong> Organizador<strong>as</strong> e<br />
Person<strong>as</strong> Construtor<strong>as</strong>.<br />
Teoricamente, o conceito d<strong>as</strong><br />
person<strong>as</strong> poderia até ser interessante.<br />
Kelley escreve o livro<br />
todo na primeira pessoa, o que<br />
limita grande parte de seu foco<br />
ao “mundo Ideo”. Além disso,<br />
existe uma enorme lacuna em termos de teoria – <strong>as</strong><br />
tentativ<strong>as</strong> de explicar os porquês que emb<strong>as</strong>am su<strong>as</strong><br />
afirmações. O autor tenta salpicar o livro com uma boa<br />
dose de dic<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> el<strong>as</strong> se revelam totalmente sem<br />
inspiração (precisamos ser informados de que temos de<br />
ir a uma banca de jornais para encontrar o “meta aprendizado”?),<br />
pois não há tem<strong>as</strong> ou premiss<strong>as</strong> comuns e a<br />
maioria d<strong>as</strong> dic<strong>as</strong> é óbvia e trivial. Um mergulho mais<br />
profundo na psicologia do desenvolvimento, na pe<strong>da</strong>gogia<br />
e em outros construtos comportamentais seria de<br />
grande valia.<br />
Entretanto, a maior lacuna no livro é a falta de emb<strong>as</strong>amento<br />
no crescimento – o amplo porquê <strong>da</strong> inovação<br />
e <strong>as</strong> premiss<strong>as</strong> centrais de qualquer esforço para inovar.<br />
Faltam idéi<strong>as</strong> sobre a compreensão <strong>da</strong> inovação sustentável<br />
ou disruptiva. Kelly usa a mesma linguagem obscura<br />
dos livros de inovação-pop, como o confuso termo<br />
breakthrough (ruptura) para o equivalente a disruptivo.<br />
Também não desenvolve uma abor<strong>da</strong>gem de como aplicar<br />
<strong>as</strong> Faces ou <strong>as</strong> person<strong>as</strong> para criar algo disruptivo,<br />
quando é necessário um conjunto de recursos, processos<br />
e valores fun<strong>da</strong>mentalmente<br />
diferentes (com enfoques diferentes).<br />
Em comp<strong>as</strong>so com o<br />
resto <strong>da</strong> turma <strong>da</strong> inovaçãopop,<br />
todos os seus exemplos<br />
são de sustaining inovação e<br />
não de inovação disruptivo. A<br />
maior parte de seu trabalho<br />
focaliza definições muito restrit<strong>as</strong><br />
de clientes e circunstânci<strong>as</strong><br />
pré-existentes (por exemplo -<br />
colocar um relógio em cima<br />
d<strong>as</strong> máquin<strong>as</strong> que vendem<br />
refrigerante para que os p<strong>as</strong>sageiros<br />
de trens comprem mais<br />
refrigerantes n<strong>as</strong> estações), o<br />
que é a própria natureza do<br />
dilema do inovador. Nesse<br />
quesito, o livro deixa de ser<br />
uma leitura óbvia e inócua para<br />
tornar-se tóxica – distribuindo maus conselhos.<br />
Em resumo, o livro de Kelley não é uma leitura especialmente<br />
boa, embora também não seja especialmente<br />
“pesa<strong>da</strong>” (isto é, a relação esforço/benefício não está de<br />
todo desequilibra<strong>da</strong>), trazendo-nos o benefício adicional<br />
de não nos exigir durante a leitura. E, embora seja uma<br />
obra “sem gordura”, não contém na<strong>da</strong> especialmente<br />
inovador.<br />
KiP Garland é professor convi<strong>da</strong>do <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Dom Cabral. Fun<strong>da</strong>dor e<br />
diretor <strong>da</strong> innovationSEED, foi responsável pela implementação latinoamericana<br />
do processo de inovação global, descrito no C<strong>as</strong>o Harvard<br />
Business School 9-705-463 (traduzido para o português, com permissão,<br />
pela FDC).
tema inovação está na pauta do dia d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>.<br />
Os executivos estão sempre em busca de uma<br />
fórmula mágica para tornar sua empresa mais inovadora<br />
e, <strong>as</strong>sim, ganhar mercados e ser mais competitiva.<br />
O tema, no entanto, não é novo. Já em<br />
1912, o economista austríaco Joseph Alois<br />
Schumpeter discutia a importância <strong>da</strong> inovação<br />
como elemento central para o desenvolvimento econômico.<br />
Nessa f<strong>as</strong>e, sua publicação mais importante<br />
foi Teoria do Desenvolvimento Econômico, em<br />
que destacava o papel do empresário inovador. Já<br />
em 1939, numa f<strong>as</strong>e mais madura, Schumpeter<br />
escreveu Business Cycle, em que ampliou sua leitura<br />
sobre o fenômeno e p<strong>as</strong>sou a observar o processo<br />
de inovação. Em um de seus últimos artigos –<br />
Economic Theory and Entrepreneurial History – destacou<br />
o caráter institucional e não-personalizado do<br />
processo de inovação.<br />
Atualmente, vários dos seguidores de<br />
Schumpeter, denominados neo-schumpeterianos,<br />
discutem o caráter sistêmico <strong>da</strong> inovação. Existem<br />
muitos fatores que influenciam a capaci<strong>da</strong>de de<br />
inovação de um país e, conseqüentemente, de su<strong>as</strong><br />
empres<strong>as</strong>, como o papel do sistema financeiro, <strong>as</strong><br />
instituições de fomento à P&D e <strong>as</strong> polític<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>,<br />
dentre outros. Num âmbito setorial, deve-se<br />
considerar a b<strong>as</strong>e de conhecimentos e <strong>as</strong> relações<br />
estabelecid<strong>as</strong> entre os atores. E no que se refere às<br />
empres<strong>as</strong>, leva-se ain<strong>da</strong> em conta sua capaci<strong>da</strong>de<br />
de absorção, ou seja, como a organização articula e<br />
“conversa” com o conhecimento externo.<br />
Tom Kelley não tem a pretensão de trabalhar<br />
esses <strong>as</strong>pectos. Todos os que já tentaram escrever<br />
um livro, artigo ou ensaio sabem que o segredo de<br />
um bom texto é ter uma boa pergunta, foca<strong>da</strong> e<br />
clara. M<strong>as</strong>, para não sermos simplist<strong>as</strong> n<strong>as</strong> respost<strong>as</strong>,<br />
precisamos apontar os fatos centrais que perp<strong>as</strong>sam<br />
o tema escolhido. Esta é, do meu ponto de<br />
vista, a ausência mais marcante do livro. O leitor<br />
mais desatento pode ser tentado a acreditar que<br />
b<strong>as</strong>taria acompanhar <strong>as</strong> sugestões do autor para<br />
tornar sua empresa inovadora. Será?<br />
Um dos <strong>as</strong>pectos mais interessantes destacado<br />
pelos autores é a necessi<strong>da</strong>de de buscar a diversi<strong>da</strong>de<br />
n<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>. Ao apontar <strong>10</strong> diferentes tipos<br />
de profissionais com habili<strong>da</strong>des específic<strong>as</strong>, Kelley<br />
ressalta a importância d<strong>as</strong> diferenç<strong>as</strong>. Tendo por<br />
b<strong>as</strong>e <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> <strong>da</strong> Ideo – empresa de design<br />
com sede em Palo Alto, Vale do Silício –, mostra a<br />
necessi<strong>da</strong>de de diferentes olhares na busca de soluções<br />
inovador<strong>as</strong> e destaca os profissionais que estão<br />
sempre em busca do aprendizado. Sabe que, por<br />
maior que seja o sucesso atual <strong>da</strong> empresa, isso não<br />
garante um futuro promissor; é preciso buscar o<br />
novo, olhando para “fora <strong>da</strong> janela”. Destaca que o<br />
aprendizado acontece por tentativ<strong>as</strong> e erros, p<strong>as</strong>sando<br />
pelo entendimento e a exploração de outr<strong>as</strong><br />
cultur<strong>as</strong>.<br />
Em outra categoria de habili<strong>da</strong>des dos recursos<br />
humanos, necessári<strong>as</strong> a fomentar a capaci<strong>da</strong>de de<br />
inovação d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>, o autor destaca os profissionais<br />
que organizam os processos. São aqueles que<br />
b<strong>as</strong>eiam su<strong>as</strong> ativi<strong>da</strong>des em preparar o palco para<br />
que <strong>as</strong> inovações aconteçam – reunir uma equipe<br />
que aten<strong>da</strong> aos princípios <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de, canalizar<br />
o que foi construído para os diferentes papéis <strong>da</strong><br />
organização, etc. Isso é fun<strong>da</strong>mental, pois muitos<br />
ain<strong>da</strong> acreditam que a inovação acontece no caos,<br />
sem uma estrutura que lhe dê suporte.<br />
Ao final <strong>da</strong> leitura, resta uma reflexão: ok, <strong>as</strong><br />
empres<strong>as</strong> precisam promover a diversi<strong>da</strong>de de habili<strong>da</strong>des<br />
em su<strong>as</strong> equipes de trabalho, pois <strong>as</strong>sim<br />
estarão mais apt<strong>as</strong> a “abrir sua cabeça” e “pensar<br />
fora <strong>da</strong> caixa” – expressões usad<strong>as</strong> diariamente<br />
pelos executivos quando discutem a questão <strong>da</strong> inovação.<br />
M<strong>as</strong>, isso b<strong>as</strong>taria? Embora não esteja dito de<br />
maneira direta, o livro nos leva a pensar que não.<br />
Tornar uma empresa inovadora é, na ver<strong>da</strong>de,<br />
um problema complexo. Exige sim, profissionais<br />
com habili<strong>da</strong>des divers<strong>as</strong> – parabéns aos autores<br />
que levantam esta bandeira – e também requer <strong>da</strong><br />
empresa uma estrutura organizacional inovadora –<br />
de novo parabéns, por nos levarem a essa reflexão!<br />
No entanto, tornar uma empresa inovadora ultrap<strong>as</strong>sa<br />
a área de RH d<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>. E são ess<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />
ausênci<strong>as</strong> mais marcantes do livro. É preciso ter<br />
uma área articula<strong>da</strong> com os conhecimentos produzidos<br />
externamente e estabelecer relações mais próxim<strong>as</strong><br />
com os diferentes agentes que compõem a<br />
cadeia produtiva. Afinal, ninguém pode ser bom em<br />
tudo! Embora não esteja sob a gestão <strong>da</strong> empresa,<br />
aparato institucional precisa ser levado em conta.<br />
Em resumo, a capaci<strong>da</strong>de de inovar não é privilégio<br />
de alguns poucos iluminados, m<strong>as</strong> fruto de um<br />
conjunto de condições sistêmic<strong>as</strong>, setoriais e intern<strong>as</strong><br />
às empres<strong>as</strong>, que devem ser analisad<strong>as</strong> de forma<br />
mais ampla. O autor destaca apen<strong>as</strong> parte <strong>da</strong><br />
solução do problema – deveria ter pelo menos citado<br />
<strong>as</strong> demais.<br />
rosiléia MilaGres é professora e pesquisadora do Núcleo de Inovação <strong>da</strong><br />
Fun<strong>da</strong>ção Dom Cabral.<br />
leitura<br />
POR ROSILÉIA MILAGRES<br />
DOM 91