Dieta Alimentar de mulheres grávidas e paridas ... - Fazendo Gênero
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<strong>Dieta</strong> <strong>Alimentar</strong> <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>grávidas</strong> e <strong>paridas</strong> em áreas ribeirinhas da Amazônia i<br />
Maria das Graças Silva Nascimento Silva ii<br />
Alimentação; amazônia; ribeirinhas<br />
ST 49 - <strong>Gênero</strong>, Cultura e Desenvolvimento: Um Debate na Amazônia<br />
As restrições alimentares em comunida<strong>de</strong>s tradicionais da Amazônia, em especial, as<br />
comunida<strong>de</strong>s ribeirinhas, são poucas as pesquisas que enveredam por estas questões que são <strong>de</strong><br />
fundamental importância para enten<strong>de</strong>rmos o universo cultural do grupo.<br />
Temos alguns estudiosos da temática como Castro (1957:150), geógrafo e médico que, em<br />
sua obra Biologia social, analisa os problemas sociais <strong>de</strong>ntro dos critérios <strong>de</strong> suas raízes biológicas,<br />
da indagação dos fatores que através <strong>de</strong> um mecanismo biológico condicionam as suas expressões.<br />
Nessa, obra o autor <strong>de</strong>dica um dos capítulos: “A fisiologia dos tabus”, para explicar as interdições<br />
dos tabus até então aparentemente tão incompreensível, ressaltando sempre os aspectos biológicos,<br />
muitas vezes relegados ao segundo plano pela maioria dos estudiosos da área social. A obra<br />
contribui para esclarecer certos fenômenos e fatos sociais, sejam eles locais ou universais. O tabu é<br />
<strong>de</strong>finido como sendo:<br />
Alguma coisa que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir nunca. Algo que escapou, em parte, ao nosso sentir<br />
civilizado [...] Os tabus são representados como resultantes <strong>de</strong> forças misteriosas e<br />
inexplicáveis, a forças místicas <strong>de</strong> que eles se encontram carregados, que não <strong>de</strong>vem ser<br />
violados.<br />
O conceito nuclear <strong>de</strong> tabu para o autor é <strong>de</strong> uma interdição, <strong>de</strong> uma proibição categórica,<br />
sem uma explicação racional.<br />
O antropólogo inglês Leach (1983), na obra Antropologia, trata em um <strong>de</strong> seus capítulos da<br />
“Linguagem e o tabu e a relação da comestibilida<strong>de</strong> e avaliação social <strong>de</strong> animais”. O autor explica<br />
que os tabus, po<strong>de</strong>m ser comportamentais ou lingüísticos. Discute-se sobre coisas que nem são ditas<br />
nem feitas, os tabus, cujas proibições e restrições são aparentemente irracionais.<br />
A palavra tabu geralmente é utilizada para se referir a proibições que são explícitas e<br />
sustentadas por sentimentos <strong>de</strong> pecados e sanções sobrenaturais a um nível consciente, mas o autor<br />
trabalha com o conceito num sentido mais geral, <strong>de</strong> modo que abranja todas as classes <strong>de</strong> proibições<br />
alimentares explícitas e implícitas, conscientes e inconscientes.<br />
As <strong>de</strong>terminações <strong>de</strong> valores alimentares estão amplamente associadas ao ambiente físico <strong>de</strong><br />
qualquer socieda<strong>de</strong> humana que contém um amplo espectro <strong>de</strong> materiais, que são tanto comestíveis<br />
quanto nutritivos, mas, somente uma pequena parte <strong>de</strong>ste meio comestível será <strong>de</strong> fato classificado<br />
como alimento potencial. Esta classificação é um problema <strong>de</strong> linguagem e <strong>de</strong> cultura, jamais da
natureza. O autor refere-se ao exemplo <strong>de</strong> que as pernas <strong>de</strong> rã são petiscos para os franceses, e<br />
jamais seriam consumidas na Inglaterra, isto faz com que os ingleses sintam profundo <strong>de</strong>sprezo<br />
pelos franceses. E Leach (1983: 98) conclui que:<br />
É evi<strong>de</strong>nte que todas essas regras, preconceitos e convenções são <strong>de</strong> origem social. Logo,<br />
conclui-se que a questão dos tabus está intimamente ligada à cultura <strong>de</strong> cada indivíduo, pois<br />
o que se torna um tabu para um inglês, po<strong>de</strong> não ser para um francês.<br />
Na obra Vacas, porcos, guerras e bruxas: os enigmas da cultura, o antropólogo americano<br />
Harris (1978) procura respon<strong>de</strong>r às questões perturbadoras sobre o comportamento humano,<br />
retratando os estranhos costumes e estilos <strong>de</strong> vida, sendo eles quase sempre invariavelmente, o<br />
produto <strong>de</strong> processos adaptativos bastante inteligíveis. O modo <strong>de</strong> vida, por mais aparentemente<br />
bizarro e irracional que seja, po<strong>de</strong> ser compreendido como formas práticas <strong>de</strong> adaptações e<br />
condições ecológicas, econômicas e sociais.<br />
O autor indaga ainda, que só quando conseguimos isolar e i<strong>de</strong>ntificar essas condições é que<br />
estaremos aptos a compreen<strong>de</strong>r e a lidar com nossos estilos <strong>de</strong> vida aparentemente sem sentido.<br />
Como por exemplo, as razões pelas quais as mais diversas culturas, através dos séculos, assumem<br />
tabus, os mais estranhos e inexplicáveis, como horror a carne <strong>de</strong> vaca ou <strong>de</strong> porco, estranhos rituais<br />
<strong>de</strong> preparo e outros.<br />
Uma outra obra que também ajuda na compreensão dos tabus e restrições alimentares na<br />
região Amazônica, é O dilema do papa-chibé: consumo alimentar, nutrição, prática <strong>de</strong> intervenção<br />
na ilha <strong>de</strong> Ituqui, Baixo Amazonas – PA, <strong>de</strong> Murrieta (1998), que analisa as práticas cotidianas da<br />
escolha e utilização <strong>de</strong> alimentos na ilha <strong>de</strong> Ituqui. O autor faz uma avaliação <strong>de</strong> alguns aspectos do<br />
impacto <strong>de</strong>stes processos nas práticas locais <strong>de</strong> intervenções. Faz uma discussão antropológica<br />
sobre os hábitos e tabus alimentares que se concentram nas estruturas mentais e sociais, nos<br />
sistemas <strong>de</strong> representações e infra-estruturas econômicas e ambientais.<br />
O autor está sempre atento para os altos valores <strong>de</strong> consumo protéico e valores<br />
mo<strong>de</strong>radamente baixos <strong>de</strong> calorias quando comparados com recomendações internacionais, on<strong>de</strong> os<br />
processos <strong>de</strong> escolha são práticas superpostas influenciadas e limitadas pelos sistemas <strong>de</strong> tabus<br />
locais e do mercado. O autor muitas vezes ignora a importância da variável social e cultural, em<br />
função das análises do processo nutricional dos indivíduos.<br />
Motta Maués e Maués (1977: 139), na obra Hábitos e crenças alimentares numa<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesca, retratam a alimentação <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>, on<strong>de</strong> a prática dos tabus e das restrições<br />
alimentares é um dos focos principais relacionados com o grupo das <strong>mulheres</strong> <strong>grávidas</strong> e no período<br />
do puerpério. O preparo dos alimentos tanto para a mulher grávida quanto para o recém-nascido,<br />
também é especial, como por exemplo:<br />
A galinha consumida pela mulher <strong>de</strong> parto <strong>de</strong>ve ser preparada sempre na hora da refeição,<br />
pois não <strong>de</strong>ve ser requentada, caso contrário uma gran<strong>de</strong> inflamação po<strong>de</strong> atacar a mulher.<br />
2
A mulher no período <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z e pós-parto, é o grupo que recebe maiores restrições e<br />
proibições alimentares em comunida<strong>de</strong>s tradicionais. Murrieta (1998: 39) <strong>de</strong>staca que:<br />
A gravi<strong>de</strong>z e o pós-parto são representados como momentos <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong> e<br />
vulnerabilida<strong>de</strong> para <strong>mulheres</strong>, on<strong>de</strong> a ingestão <strong>de</strong> alimentos reimosos po<strong>de</strong> trazer sérias<br />
conseqüências para a mulher e o bebê [...]<br />
Segundo Motta-Maués (1997: 140), a palavra “reima” não faz parte do vocabulário do<br />
itapuaense, ele usa somente os termos “reimoso” e “manso”, que são aplicados para classificar os<br />
alimentos. Para a autora a reima é um:<br />
Sistema complexo, que estabelece a classificação dos alimentos em dois grupos, mansos e<br />
reimosos, utilizando vários critérios, que levam em conta três momentos diferentes: a) o<br />
alimento em si, antes <strong>de</strong> ser preparado para o consumo; b) o estado da pessoa que vai<br />
consumi-lo; e c) o modo <strong>de</strong> preparo do alimento.<br />
A reima é um sistema classificatório <strong>de</strong> restrições e proibições alimentares aplicados a<br />
pessoas em estados físicos e sociais, ou seja, nas palavras <strong>de</strong> Murrietta (1998: 42):<br />
O equilíbrio do corpo e do espírito é o principal alvo das proibições da reima, praticada<br />
principalmente, após uma enfermida<strong>de</strong> ou gravi<strong>de</strong>z.<br />
No espaço ribeirinho o papel social das <strong>mulheres</strong> chama atenção por ser o símbolo da<br />
oralida<strong>de</strong> e do conhecimento local sobre a tradição do “cuidar” da saú<strong>de</strong> do grupo. E “cuidar” da<br />
saú<strong>de</strong> da comunida<strong>de</strong>, especialmente das <strong>mulheres</strong> cabe à parteira essa responsabilida<strong>de</strong> em<br />
comunida<strong>de</strong>s mais isoladas. É ela que é responsável pela dieta alimentar da grávida e da nutriz, é<br />
ela quem vai orientar sobre os “perigos” do consumo <strong>de</strong> certos alimentos, o que fica proibido, e o<br />
que <strong>de</strong>ve ser ingerido. São ensinamentos adquiridos ao longo do tempo e da história, repassados ao<br />
longo das gerações através da oralida<strong>de</strong> do grupo.<br />
Apresentamos a seguir o quadro <strong>de</strong> recusa alimentar estabelecido pelas parteiras<br />
ribeirinhas para as <strong>mulheres</strong> no período gestacional e no pós-parto.<br />
Tabus e recusas alimentares para <strong>mulheres</strong> <strong>grávidas</strong> e <strong>paridas</strong><br />
Para as <strong>mulheres</strong> ribeirinhas, no período gestacional e durante a amamentação, os alimentos<br />
que contém mais reima e os que sofrem maior recusa por parte <strong>de</strong>las são:<br />
Bichos <strong>de</strong> casco. São as tartarugas, tracajás e jabutis, comuns nas margens dos rios e igarapés da<br />
comunida<strong>de</strong>. O consumo <strong>de</strong>ste alimento é unanimida<strong>de</strong> entre as <strong>mulheres</strong>, é proibido e está no topo<br />
dos alimentos recusados. O consumo <strong>de</strong>stes po<strong>de</strong> trazer sérias conseqüências e muitas vezes <strong>de</strong>ixar<br />
seqüelas na mulher e no bebê, como: perda da memória, manchas no corpo tipo impingem. E o bebê<br />
é contaminado pelo leite da mãe, causando diarréia e manchas no corpo, idênticas às da mãe.<br />
3
Peixe <strong>de</strong> couro. Causam inflamações no organismo. Os mais comuns na área são: dourado, mandi,<br />
jaú, surubim e pirarara.<br />
Peixe <strong>de</strong> escama. jatuarana, pirarucu, matrinchã, piranha e tambaqui, também causam inflações no<br />
organismo.<br />
Carne <strong>de</strong> caça. Animais como anta, paca, tatu, cotia e veado. Estão também no grupo dos alimentos<br />
com reima, portanto, não consumidos pelas <strong>mulheres</strong> <strong>grávidas</strong> e no período <strong>de</strong> amamentação.<br />
Carne <strong>de</strong> porco Alimento também muito reimoso que causa inflamações no organismo.<br />
Carne <strong>de</strong> gado. Ë um alimento recusado por algumas <strong>mulheres</strong> da comunida<strong>de</strong>, o consumo <strong>de</strong>ssa<br />
carne é consi<strong>de</strong>rado muito reimoso, que po<strong>de</strong> causar dores estomacais e vômitos.<br />
Galinha <strong>de</strong> pé roxo. É uma espécie <strong>de</strong> galinha caipira criada na comunida<strong>de</strong>, que não é consumida<br />
no período gestacional e durante a amamentação, também por estar no grupo dos alimentos<br />
reimosos, não havendo muitas explicações com relação à cor dos pés.<br />
Galinha d’angola. É comum na comunida<strong>de</strong>, mas é um alimento que segundo as <strong>mulheres</strong> contém<br />
reima, portanto, proibido no período pós-parto.<br />
Macacos. O consumo da carne <strong>de</strong>sses animais é consi<strong>de</strong>rado pelas <strong>mulheres</strong> muito perigoso, pela<br />
semelhança com o homem, e ainda, po<strong>de</strong> atrair para o marido a panema, que é uma forma <strong>de</strong><br />
energia negativa, um maná negativo que <strong>de</strong>ixa o afligido sem sorte para a pesca, caça, plantio; <strong>de</strong>ixa<br />
mofino sem animo para o trabalho, preguiçoso. O panema é retirado com banhos <strong>de</strong> ervas e rezas<br />
dos curadores.<br />
Frutas cítricas. As <strong>mulheres</strong> quando estão amamentado não <strong>de</strong>vem consumir frutas ácidas,<br />
principalmente, a laranja, o limão e o abacaxi, pois a aci<strong>de</strong>z <strong>de</strong>stas frutas “corta o leite” consumido<br />
pelo bebê.<br />
Banana najá. É uma fruta muito encontrada na comunida<strong>de</strong>, mas, extremamente proibida para as<br />
gestantes, pois possui efeito abortivo.<br />
Na área ribeirinha a principal fonte <strong>de</strong> proteínas para a mulher é o peixe, e mesmo assim<br />
mantém um rol <strong>de</strong> tabus e restrições alimentares no período da gravi<strong>de</strong>z. Durante a estiagem, a<br />
<strong>de</strong>manda <strong>de</strong> peixes para a comunida<strong>de</strong> fica reduzida, e a fartura <strong>de</strong> espécies diminui, na maioria das<br />
vezes só resta o peixe <strong>de</strong> couro para consumo, mas este fica restrito na dieta da grávida, resta então<br />
a carne <strong>de</strong> caça, mas esta também sofre restrições em algumas espécies, a galinha caipira, mas se<br />
tiver na classificação da galinha <strong>de</strong> pés roxo, também não é consumida pela mulher. Talvez essa<br />
seja uma das formas <strong>de</strong> mudança nos hábitos alimentares, pois os ribeirinhos têm uma preferência<br />
muito gran<strong>de</strong> pela galinha <strong>de</strong> granja, congelada. E esse alimento é consumido em todas as etapas da<br />
vida da mulher, não recebe nenhuma restrição. O que é uma contradição por não consi<strong>de</strong>rar (nem<br />
saber) que essa carne possui um alto suplemento <strong>de</strong> hormônio.<br />
4
Com tanta restrição alimentar a saú<strong>de</strong> da grávida ribeirinha fica comprometida? Segundo as<br />
parteiras da área, as <strong>mulheres</strong> são saudáveis, justamente porque não consomem qualquer alimento<br />
que possa comprometer a sua saú<strong>de</strong> e a do bebê.<br />
O tambaqui é reimoso <strong>de</strong>vido ao umbigo da criança e <strong>de</strong>vido a ela mesma né? Que quando<br />
a mulher tem bebê ela tá inflamada, e <strong>de</strong> repente ela po<strong>de</strong> ter uma hemorragia, <strong>de</strong>vido a<br />
comida que ela come....<br />
(Parteira ribeirinha, distrito <strong>de</strong> Nazaré)<br />
Não é qualquer peixe <strong>de</strong> escama que ela po<strong>de</strong> comer, só a branquinha, sardinha, aruanã e<br />
traíra.<br />
(Parteira ribeirinha, distrito <strong>de</strong> São Carlos)<br />
Mas o médico ginecologista e obstetra, em seu <strong>de</strong>poimento, discorda <strong>de</strong>ssas restrições:<br />
Em uma comunida<strong>de</strong> tradicional po<strong>de</strong>mos observar alguns tipos <strong>de</strong> restrições alimentares<br />
que po<strong>de</strong>m afetar uma gravi<strong>de</strong>z tranqüila e saudável, mas cada caso é um caso, e quando<br />
nós avaliamos uma paciente, nós temos uma conduta individualizada para cada caso. No<br />
entanto, o que nós aconselhamos <strong>de</strong> um modo geral é que a dieta seja rica, e nessa riqueza,<br />
nós que moramos aqui na Amazônia, essas pessoas que vivem nessas comunida<strong>de</strong>s elas têm<br />
condições <strong>de</strong> ter um pomar em sua casa, então elas po<strong>de</strong>m fazer uso <strong>de</strong> todas as frutas,<br />
limão, laranja, jambo, banana, todas as frutas que for possível ingerir. Não tem nenhum<br />
problema, não existe contra indicação, manga, cupuaçu, açaí, todas à vonta<strong>de</strong>... Todos os<br />
peixes também po<strong>de</strong>m ser consumidos à vonta<strong>de</strong>, nada <strong>de</strong> restrições, por exemplo “peixe <strong>de</strong><br />
couro não posso comer”... Po<strong>de</strong> comer sim, peixe <strong>de</strong> couro, <strong>de</strong> escamas, sem problema<br />
nenhum. Quanto às carnes, a orientação é para carne magra, apenas evitar gorduras e<br />
fritura. Frango po<strong>de</strong> consumir à vonta<strong>de</strong>, não tem nenhuma contra indicação, também não<br />
vejo problemas em consumir carnes <strong>de</strong> caça, é tudo realmente uma questão <strong>de</strong> cultura.<br />
Segundo o médico, para que uma gravi<strong>de</strong>z seja saudável é preciso que a alimentação da<br />
grávida seja rica em nutrientes, vitaminas e proteínas. <strong>Alimentar</strong>-se bem durante a gravi<strong>de</strong>z<br />
contribui para uma gestação saudável. Na concepção do médico não existem restrições alimentares<br />
para carnes, peixes e frutas. Ao contrário são alimentos que <strong>de</strong>vem estar na dieta da gestante. Ele<br />
consi<strong>de</strong>ra que:<br />
Os tabus fazem parte <strong>de</strong> um folclore e quando é visto em forma <strong>de</strong> poesia é muito bonito,<br />
mas po<strong>de</strong>m trazer riscos a muitas gestações, principalmente, esses tabus que passam<br />
<strong>de</strong>sapercebidos. Sabe, aquele menino que foi abortado, aquele menino que não po<strong>de</strong><br />
crescer, aquele menino que nasceu com uma má formação e <strong>de</strong>pois morreu, e como morreu<br />
ficou no esquecimento, e não é lembrado, só é lembrado quem é visto, quem po<strong>de</strong> garantir<br />
que essas crianças não sofreram por conta <strong>de</strong> uma má alimentação das mães? Com certeza<br />
uma dieta <strong>de</strong>ficitária no período gestacional po<strong>de</strong> causar danos ao bebê... a criança será<br />
aquilo que a mãe consumir durante a gravi<strong>de</strong>z.<br />
Mas na cultura das parteiras e das <strong>mulheres</strong> ribeirinhas, consumir esses alimentos é um sério<br />
risco à saú<strong>de</strong>, e essa é a verda<strong>de</strong> do grupo. Pois tem toda uma simbologia a respeito dos alimentos.<br />
Então como manter uma dieta saudável no período gestacional sem interferir na cultura do grupo? É<br />
interessante para o grupo que a parteira possa absorver novos conceitos a respeito da dieta alimentar<br />
das <strong>mulheres</strong> no período gestacional e no pós-parto? Para o médico ginecologista e obstetra isso é<br />
possível, pois:<br />
5
As parteiras geralmente são <strong>mulheres</strong> mais idosas da comunida<strong>de</strong> e trazem consigo suas<br />
experiências repassando, em trabalho com o grupo das <strong>grávidas</strong> algumas <strong>de</strong> suas crenças...<br />
E esse é o núcleo principal <strong>de</strong>ssa discussão... a parteira <strong>de</strong>ve receber apoio do sistema <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> ou do po<strong>de</strong>r público que preste uma orientação melhor, pois na cabecinha <strong>de</strong>la existe<br />
aquilo que é tradicional e que ela conhece como experiência própria, é a sua verda<strong>de</strong> e é<br />
assim que <strong>de</strong>ve ser aplicado... Mas temos que fazer para que ela tenha outra visão <strong>de</strong><br />
melhoria <strong>de</strong> seu trabalho. Porque se você for comparar um médico a uma parteira em uma<br />
localida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas, com toda certeza a parteira terá mais credibilida<strong>de</strong> porque ela fala a<br />
mesma linguagem <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>, vive os mesmos problemas, ela sente, chora, tem<br />
alegrias e sofrimentos do seu grupo, isso são eventos que um médico não participa, e como<br />
ela vive no seio da comunida<strong>de</strong>, possui uma influência muito gran<strong>de</strong>... Então... ela precisa<br />
transferir para as pessoas o que é certo.<br />
No nosso entendimento as parteiras ribeirinhas são peças fundamentais no contexto da<br />
saú<strong>de</strong> da mulher e da criança em especial, no ciclo reprodutivo da mulher, pois <strong>de</strong>senvolvem<br />
inúmeros papéis com os moradores das comunida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>ntre eles os <strong>de</strong> orientadora e como parteiras<br />
e o seu saber empírico salva vidas, cuidam dos enfermos, ainda prestam assistência no puerpério<br />
imediato, ou seja, elas são fundamentais não só para a manutenção da vida no espaço ribeirinho,<br />
mas, na vinculação das informações, na condição <strong>de</strong> organização e sustentabilida<strong>de</strong> do grupo.<br />
Referências<br />
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HARRIS, Marvin. Vacas, porcos, guerras e bruxas: os enigmas da cultura. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
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PIBIC. Mimeografado. Porto Velho, 2003.<br />
LEACH, Edmund. Antropologia. São Paulo: Ática, 1983.<br />
MOTTA-MAUÉS, Maria Angélica. Trabalha<strong>de</strong>ira & camarados: relação <strong>de</strong> gênero, simbolismo<br />
e ritualização numa comunida<strong>de</strong> amazônica. Belém: Editora da UFPA 1993.<br />
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NASCIMENTO SILVA, Maria das Graças Silva. O espaço ribeirinho. São Paulo, Terceira<br />
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_____. Programa saú<strong>de</strong> da mulher ribeirinha: construção da cidadania. Relatório final.<br />
Mimeografado. Porto Velho, 2000<br />
6
_____. Construindo cidadania a partir do <strong>de</strong>senvolvimento local sustentável e integral. In:<br />
NASCIMENTO SILVA Maria das Graças Silva et al. (Organizadores). Pesquisa na Amazônia:<br />
intervenção para o <strong>de</strong>senvolvimento. v.1. Porto Velho: EDUFRO, 2001.<br />
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e Saber Local. Tese <strong>de</strong> Doutorado, 2004, 247 pg.- (Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento do Trópico Úmido- NAEA –UFPa)). Belém-PA.2004<br />
PUTNAM, Robert D. Capital social. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1999.<br />
SILVA, Josué da Costa. O rio, a comunida<strong>de</strong> e o viver. 2000. 181p. Tese (Doutorado em<br />
Geografia Humana). Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />
Paulo, São Paulo, 2000.<br />
ZOLLA, Carlos. Terapeutas, enfermeda<strong>de</strong>s y recursos vegetales. Revista México indígena. n .9,<br />
1986.<br />
DEPOIMENTO DE UM MÉDICO OBSTETRA DA REDE ESTADUAL DE SAÚDE DO<br />
MUNICÍPIO DE PORTO VELHO<br />
ENTREVISTAS COM PARTEIRAS RIBEIRINHAS<br />
i Artigo produzido a partir da pesquisa, Parteiras Ribeirinhas: Saú<strong>de</strong> da Mulher e Saber Local, <strong>de</strong>senvolvida na área<br />
ribeirinha do município <strong>de</strong> Porto Velho estado <strong>de</strong> Rondônia.<br />
ii Professora Adjunta do Departamento <strong>de</strong> Geografia e do Programa <strong>de</strong> Mestrado em Geografia da Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Rondônia, Coor<strong>de</strong>nadora do Grupo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e as Relações <strong>de</strong> <strong>Gênero</strong>-<br />
GEPGENERO.<br />
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