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Fundação Armando Alvares Penteado Faculdade de Economia Curso de Relações Internacionais O caso das Crianças-Soldado em Serra Leoa Junho, 2011 Stephanie Alessandra Cox Monteiro Professor Orientador: Raquel Rocha 1
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Fundação Armando Alvares Penteado<br />
Faculdade de Economia<br />
Curso de Relações Internacionais<br />
O caso das Crianças-Soldado em Serra Leoa<br />
Junho, 2011<br />
<strong>Stephanie</strong> <strong>Alessandra</strong> <strong>Cox</strong> <strong>Monteiro</strong><br />
Professor Orientador: Raquel Rocha<br />
1
INTRODUÇÃO<br />
O objetivo deste trabalho é investigar a utilização de crianças como soldados em<br />
conflitos armados e a eficácia dos programas de reabilitação, numa etapa posterior à guerra.<br />
Segundo estimativa do Child Soldiers Global Report (2001), existem no mundo 300 000<br />
crianças-soldados (WESSELS, 2006). Embora este seja um fenômeno recorrente na história<br />
da humanidade, circunscrevemos nossa análise ao território de Serra Leoa. Este país africano,<br />
por mais de uma década, foi palco de embates de extrema violência com incontáveis<br />
exemplos de atrocidades. Uma das características desse conflito foi a intensa utilização de<br />
crianças como elementos de combate ou em outras tarefas, por todos os grupos envolvidos no<br />
episódio. Constatamos que esses programas de reabilitação possuem falhas que atingem,<br />
sobretudo, os ex-combatentes do sexo feminino, cuja participação nas batalhas não é<br />
devidamente reconhecida e valorizada.<br />
Levantamentos feitos indicam que, entre as crianças que tomaram parte nos conflitos<br />
em Serra Leoa, haviam muitas meninas que foram aliciadas ou mesmo sequestradas para<br />
serem utilizadas como combatentes. Por razões sobre as quais vamos discorrer no corpo deste<br />
trabalho, sempre houve interesses em mantê-las envoltas em certo grau de invisibilidade. Isto<br />
fez com que a participação feminina no episódio fosse relegada a um segundo plano,<br />
impedindo que o fato recebesse a atenção merecida.<br />
A intenção desta pesquisa é examinar particularmente a participação de meninas-<br />
soldados no conflito que marcou a história recente de Serra Leoa. Ao enveredarmos pelos<br />
meandros das questões que afligiram e até hoje afligem essas jovens, queremos demonstrar a<br />
existência de deficiências das ações de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR),<br />
em amenizar o sofrimento delas.<br />
No primeiro capítulo discutiremos a evolução dos direitos humanos e dos direitos das<br />
crianças; procuramos demonstrar as principais características de uma criança-soldado, assim<br />
como as peculiaridades inerentes às meninas, em especial. Foi também objeto da pesquisa,<br />
sob a ótica das relações internacionais, a busca de conceitos para melhor compreendermos os<br />
aspectos desenvolvidos no transcorrer deste trabalho. Finalmente, levantamos os conceitos<br />
filosóficos que permitiram a elaboração do programa de DDR.<br />
2
No segundo capítulo descrevemos a história de Serra Leoa, desde o seu período<br />
colonial até o desenrolar da guerra civil, evidenciando a implantação do programa de DDR no<br />
país durante o período de transição entre a guerra e a paz. Expusemos também a quantidade<br />
de meninas-soldados que participaram do conflito e a porcentagem destas que tomaram parte<br />
dos programas de DDR.<br />
Descrevemos o que foi realizado com as meninas-soldado em termos de programas de<br />
DDR. Suas experiências diferem das dos meninos. Procuramos evidenciar os motivos pelos<br />
quais elas merecem atenção especial, devido às agressões que sofrem.<br />
Procuramos mostrar as dificuldades para elaboração e implementação destes<br />
programas, quando a meta que se busca é a inclusão destas meninas, auxiliando-as nas suas<br />
necessidades, sempre considerando suas experiências singulares.<br />
O terceiro e último capítulo propõe uma análise do programa de DDR de Serra Leoa<br />
sobre a ótica das meninas-soldado, considerando como este processo define quem está apto a<br />
receber o benefício e quais são os grupos que não podem participar. Em relação aos<br />
participantes, verificamos se todas as necessidades são supridas. Finalmente discutimos quais<br />
são os fatores essenciais para a reintegração na sociedade de uma jovem, após participar de<br />
uma guerra. Examinamos também as dificuldades enfrentadas por aquelas que foram<br />
excluídas dos programas.<br />
A conclusão propõe uma reflexão sobre os programas de DDR em relação a sua<br />
abrangência e efetividade. Sugerimos assim uma modificação no processo de elaboração e<br />
implementação dos programas de forma que estes sejam elaborados de acordo com as<br />
peculiaridades de cada caso. Para que, uma vez implantados, permitam uma maior eficiência,<br />
possibilitando um considerável aumento na conquista de seus objetivos.<br />
Para a realização do trabalho, lançamos mão de uma série de publicações<br />
especializadas sobre o assunto, tanto na forma impressa quanto digital. Ao final, tornaram-se<br />
claras, para nós, as deficiências dos programas de reabilitação e inserção social desses ex-<br />
combatentes, fato que se revela ainda mais dramático em relação às meninas, que embora<br />
tendo tomado parte ativa nos conflitos são consideradas apenas como dependentes ou<br />
“esposas” dos soldados do sexo masculino. Esperamos que este estudo, na medida em que<br />
detecta e discute as falhas desse programa de reabilitação aplicado em Serra Leoa, possa<br />
3
contribuir, de algum modo, para o aprimoramento de iniciativas semelhantes em outros países<br />
do mundo.<br />
4
CAPÍTULO 1 – A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DIREITOS<br />
HUMANOS E OS DIREITOS DAS CRIANÇAS NA QUESTÃO DA<br />
UTILIZAÇÃO DE CRIANÇAS-SOLDADOS EM CONFLITOS<br />
ARMADOS<br />
Este capítulo pretende demonstrar, através da explanação de conceitos-base das<br />
relações internacionais, quais são os pontos comuns entre a evolução do conceito de direitos<br />
humanos e os direitos das crianças. Além de definir conceitos essenciais para a compreensão<br />
deste trabalho, tais como a definição de crianças, conflitos armados, refugiados, internaly<br />
displaced persons, entre outros.<br />
1.1 Direitos humanos<br />
Antes da Segunda Guerra Mundial, a questão dos direitos humanos não era um tópico<br />
presente na agenda política internacional, e grande parte dos Estados os violava, muitas vezes<br />
mantendo colônias de exploração na África e em outros continentes. Durante muito tempo o<br />
tema foi visto apenas como um assunto de relevância doméstica, que deveria ser discutido<br />
internamente. Assim, os direitos humanos, que envolvem a forma como o Estado considera<br />
seus cidadãos em seu território, não detinha a importância devida na agenda internacional.<br />
Somente a partir de 1945, ao final da Segunda Guerra, passou a existir uma<br />
preocupação com os direitos dos cidadãos. Segundo Donnelly (1993), muitas vezes um<br />
problema só começa a fazer parte da agenda internacional depois que algum fato dramático<br />
põe a questão em evidência. Desta forma, na Segunda Guerra, a ocorrência do Holocausto<br />
impôs ao mundo discussões sobre direitos humanos. Criaram-se as condições necessárias para<br />
que as Nações Unidas rapidamente se mobilizasse para elaborar normas internacionais<br />
sólidas, que garantissem direitos básicos de convivência para toda humanidade.<br />
Os principais propósitos e princípios contidos na Carta das Nações Unidas são os do<br />
desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito pelos princípios<br />
da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos. Além de alcançar a cooperação<br />
internacional, para solucionar problemas de caráter econômico, social, cultural e humanitário,<br />
5
das nações que se mostrem carentes em qualquer um desses aspectos. Encorajando sempre o<br />
respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais (ONU Brasil, s/d).<br />
Em 1946, a partir da Carta das Nações Unidas, foi criada a Comissão de Direitos<br />
Humanos (CDH) das Nações Unidas e sua primeira tarefa foi a elaboração da Declaração<br />
Universal de Direitos Humanos (DUDH). Esta foi outorgada em 1948, estabelecendo padrões<br />
internacionais de convivência humana. A Declaração Universal de Direitos Humanos de<br />
1948, juntamente com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, e o<br />
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos e Sociais constituem a International Bill of<br />
Rights.<br />
“Os direitos humanos são universais, indivisíveis, interligados, interdependentes e<br />
devem ser tratados de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase”<br />
(ONU Brasil, s/d). Sem nunca se esquecer que existem particularidades nacionais e regionais,<br />
diversos antecedentes históricos, culturais e religiosos, mas todos os Estados,<br />
independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, têm o dever de<br />
promover e proteger todos os direitos de seus cidadãos e as liberdades fundamentais (ONU<br />
Brasil, s/d).<br />
A Comissão dos Direitos Humanos se extinguiu em 2006, quando surgiram críticas<br />
que a acusavam de não ser um órgão imparcial, e que as resoluções eram seletivas, partindo<br />
da tabulação de uma questão. Outra crítica era em relação a sua hiper-politização, pois a<br />
tabulação ocorria de acordo com o interesse político por trás da questão, assim a comissão<br />
seria contraria e seu próprio princípio de os direitos serem inalienáveis.<br />
Foi então que a Assembléia Geral das Nações Unidas criou o Conselho de Direitos<br />
Humanos, órgão dentro do sistema ONU que reúne 47 países, responsáveis pela a promoção e<br />
proteção dos direitos humanos em todo o mundo. O Conselho surgiu como uma proposta de<br />
chamar atenção para a situação da violação dos direitos humanos e fazer recomendações a<br />
respeito (ONU Brasil, s/d). O reconhecimento dos direitos humanos somente muito<br />
recentemente passou a ser uma preocupação entre as nações, e tem evoluído na medida em<br />
que se detecta cada vez mais a violação destes direitos.<br />
6
1.1.1 Direitos das crianças<br />
Em 1989 as Nações Unidas adotaram a Convenção sobre os Direitos das Crianças<br />
(CDC), que estabelece um conjunto de direitos fundamentais, tais como os direitos civil,<br />
político, econômico, social e cultural; bem como as disposições para que estes sejam<br />
aplicados (UNICEF, Direitos da Criança, s/d).<br />
Um total de 192 Estados ratificaram o tratado. Eles tiveram que adequar seu conjunto<br />
de normas de direito interno às da Convenção, para a proteção e promoção dos direitos nela<br />
consagrados (UNICEF, Direitos da Criança, s/d). Além da CDC existem dois Protocolos<br />
Adicionais, sendo que um deles é relativo ao envolvimento das crianças em conflitos. Este<br />
considera ser necessário aumentar a proteção às crianças para evitar que estas tenham<br />
qualquer envolvimento em conflitos armados (UNICEF. Protocolo.., 2003).<br />
Foram adotados os princípios do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional,<br />
que determina que o recrutamento e alistamento de crianças, menores de 15 anos, nas forças<br />
nacionais, e a obrigatoriedade de participar ativamente de hostilidades, configuram-se como<br />
crimes de guerra (UNICEF. Protocolo.., 2003). O artigo 1 do Protocolo determina que:<br />
“Os grupos armados distintos das forças armadas de um Estado não devem, em<br />
circunstância alguma, recrutar ou usar pessoas com idades abaixo de 18 anos” (UNICEF.<br />
Protocolo.., 2003).<br />
O Conselho de Segurança divulgou uma série de resoluções que fazem recomendações<br />
a respeito da participação de crianças em conflitos armados; o que demonstra que a ONU vem<br />
tomando medidas no sentido de aumentar a preocupação com crianças.<br />
1.1.2 Serra Leoa<br />
Ao longo das duas últimas décadas, Serra Leoa enfrentou uma série de obstáculos para<br />
promover e proteger os direitos de suas crianças. “Conflitos, pobreza e desigualdade de<br />
gênero somam-se para ameaçar os direitos da criança” (UNICEF. Situação Mundial da<br />
Infância, 2009).<br />
Segundo a UNICEF (2009), Serra Leoa vem “apresentando progressos regulares em<br />
relação à segurança e à estabilidade política no país”, porém ainda há um longo caminho a ser<br />
percorrido para assegurar os direitos das crianças.<br />
7
Serra Leoa vem avançando na direção da proteção e participação da criança. A<br />
Comissão da Verdade e Reconciliação de Serra Leoa, que visa fazer um levantamento da<br />
documentação sobre a violação aos direitos humanos ocorrida no país, envolveu crianças<br />
diretamente afetadas pelo conflito civil (UNICEF. Situação Mundial da Infância, 2009).<br />
Em 2001, o governo de Serra Leoa constituiu a Rede Fórum da Criança, uma<br />
organização de defesa da criança comprometida com a criação de conexões e com a<br />
divulgação dos direitos da criança e suas responsabilidades. A Rede Fórum da Criança<br />
trabalha atualmente nos 13 distritos de Serra Leoa (UNICEF. Situação Mundial da Infância,<br />
2009).<br />
Constata-se que houve uma evolução dos direitos das crianças em Serra Leoa, desde<br />
1990, quando uma série de compromissos foram assumidos (UNICEF. Situação Mundial da<br />
Infância, 2009):<br />
Junho 1990: Convenção sobre os Direitos da Criança<br />
Setembro 2001: Protocolo Facultativo sobre a Venda de Crianças, Prostituição<br />
Infantil e Pornografia Infantil;<br />
Maio 2002: ratificação do Protocolo Facultativo sobre o Envolvimento de<br />
Crianças em Conflitos Armados.<br />
Posteriormente, em 2007, esses compromissos foram incluídos na legislação nacional,<br />
por meio do Estatuto dos Direitos da Criança, que substitui todas as outras leis nacionais e é<br />
considerado compatível com a Convenção e com a Carta Africana sobre os Direitos e o Bem-<br />
Estar da Criança (UNICEF. Situação Mundial da Infância, 2009).<br />
Esta evolução demonstra um considerável avanço nas preocupações voltadas para<br />
oferecer segurança, promover oportunidades e proporcionar bem estar para as crianças,<br />
possibilitando assim um crescimento sadio e a formação de cidadãos comprometidos com<br />
suas comunidades.<br />
8
1.2 Direito Internacional Humanitário<br />
O Direito Internacional Humanitário (DIH) consiste de um conjunto de normas que<br />
visa a proteger as pessoas que não estão diretamente envolvidas no conflito ou deixaram de<br />
participar das hostilidades, assim como criar limites aos meios e métodos de guerra. Os<br />
Estados se comprometem a respeitar essas normas, que têm como base o costume<br />
internacional, de forma que sua violação é rejeitada por todos (CIVC, s/d).<br />
O DIH é um ramo do Direito Internacional Público. Suas regras foram se<br />
desenvolvendo progressivamente na medida em que as formas de combate foram se tornando<br />
mais sofisticadas e agressivas, colocando em risco cada vez mais a população civil.<br />
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) é o organismo humanitário que,<br />
com a anuência do DIH, tem livre acesso às vítimas dos conflitos, de forma a protegê-las e, na<br />
medida do possível, suprir suas necessidades. Foi o CICV que, em 1864, primeiro tomou a<br />
iniciativa para que fosse adotado um tratado internacional que estabelecesse regras para<br />
futuros combates, a Convenção de Genebra, para dar alguma forma de suporte aos militares<br />
feridos (CIVC, s/d).<br />
Quanto às restrições ao conflito, todas as partes envolvidas devem respeitar as regras<br />
estabelecidas pelo DIH, ou seja, atacar somente objetivos militares, respeitando áreas civis,<br />
dar assistência aos feridos e tratar com humanidade os adversários que se rendem ou são<br />
capturados, preservar o pessoal médico, inclusive o pessoal da Cruz Vermelha, e as<br />
instalações destinadas ao atendimento médico (CIVC, s/d).<br />
Desta forma, o Direito Internacional Humanitário é o direito humano aplicado em<br />
tempos de conflito. Conhecido também como Direito dos Conflitos Armados, aplicável em<br />
circunstâncias de conflito armado internacional, situações de hostilidade entre Estados com<br />
ocupação total ou parcial; conflito armado não-internacional, conflito armado por tempo<br />
prolongado dentro de um Estado e conflito armado misto, onde existe uma participação<br />
estrangeira em um conflito interno (CIVC, s/d). Vale ressaltar que tal direito não se refere ao<br />
uso legítimo da força, pois este é regulado pelo direito internacional, através da Carta das<br />
Nações Unidas.<br />
9
O Direito Internacional Humanitário encontra-se nas quatro Convenções de Genebra<br />
desenvolvidas em 1949 e depois complementadas por dois Protocolos Adicionais em 1977. A<br />
primeira Convenção de Genebra trata da assistência aos militares que adoecem ou se ferem<br />
durante o conflito; a segunda trata da assistência de militares feridos, doentes e náufragos; a<br />
terceira convenção regula o tratamento de prisioneiros de guerra; a quarta e última é destinada<br />
à sociedade civil em situação de conflito. O Protocolo I assegura a proteção da sociedade civil<br />
em conflitos armados internacionais; já o Protocolo II trata de conflitos internos e estabelece<br />
regras detalhadas para estes casos (CIVC, s/d).<br />
1.3 Conflito Armado<br />
Um conflito armado é uma contestável incompatibilidade que envolve governo e uma<br />
organização opositora. Onde haja o uso de força armada entre pelo menos dois grupos, em<br />
que resultem um mínimo de 25 mortes relacionadas à batalha (UPPSALA UNIVERSITET,<br />
2011).<br />
Por grupos envolvidos se define:<br />
a. Governo: O grupo controlador da capital do estado.<br />
b. Organização opositora: qualquer grupo não governamental, que divulgue um nome<br />
para seu grupo e use a força armada<br />
1.4 Crianças-soldados<br />
O uso de crianças em combates não é um fenômeno novo. Crianças estavam<br />
envolvidas em combates desde as Cruzadas; participaram também do exército de Napoleão,<br />
lutaram a favor dos nazistas e depois contra, durante a Segunda Guerra Mundial. (PARK,<br />
2006: 320)<br />
Apesar de se tratar de um fenômeno histórico, o uso de crianças em guerras se<br />
intensificou no pós-guerra fria, quando ocorreu a proliferação de armas baratas, de pequeno<br />
porte, que poderiam facilmente serem utilizadas por elas.<br />
Não é simples definir quem são as crianças-soldados, já que a concepção de criança é<br />
culturalmente construída, variando de acordo com a sociedade. Segundo Michael Wessells<br />
10
(2006), os países ocidentais consideram que um indivíduo menor de 18 anos é uma criança; já<br />
em países da África Sub-Sahriana, são considerados adultos aqueles que passam por rituais de<br />
iniciação ou de passagem para a vida adulta. Este processo independe da idade dos<br />
indivíduos, mas geralmente acontece em torno dos 14 anos de idade.<br />
Em certas circunstâncias o que prevalece não é a idade, e sim a real capacidade de<br />
compreensão do jovem, e isso então determinará se este está ou não apto a realizar<br />
determinada atividade. Segundo Cohn e Goodwin-Gill (1994), em diversos Estados a<br />
participação de seus indivíduos na política, quanto à possibilidade de votar, é um momento<br />
que a sociedade, como um corpo político, reconhece a maturidade intelectual de um<br />
indivíduo.<br />
Para fins do presente trabalho utilizaremos a definição de criança de acordo com a<br />
Convenção das Nações Unidas de 1989 para os Direitos das Crianças (CRC), que assim<br />
classifica qualquer indivíduo com idade inferior a 18 anos, a não ser que este seja<br />
emancipado.<br />
Popularmente acredita-se que os país detêm a responsabilidade de cuidar de seus filhos<br />
e a sociedade de protegê-los. A maioria dos países possui leis para proteger as crianças e<br />
ratificaram tratados que impõem padrões internacionais como a CRC. Porém existe uma<br />
distância entre estes padrões internacionais e a realidade das crianças que vivem em países em<br />
situação de conflito.<br />
Consideraremos como criança-soldado qualquer jovem, menino ou menina, menor de<br />
18 anos, que tenha sido recrutado forçadamente, compulsoriamente ou voluntariamente, como<br />
combatentes, mensageiros, escravos sexuais ou “esposas” forçadas. Prestando serviços para<br />
forças armadas, forças paramilitares, unidades da defesa civil e outros grupos armados<br />
(MACHEL,1996).<br />
Segundo o Child Soldiers Global Report (2001), estima-se que, em todo mundo,<br />
existam 300 mil crianças nessa situação. Wessells (2006) explica que muitas pessoas e grupos<br />
se beneficiam explorando as crianças como soldados, mas, ao contrário do que se possa<br />
imaginar, o uso das crianças não é uma medida de última instância; na realidade isso acontece<br />
por motivos básicos: conveniência e baixo custo. Ou seja, o grande número de crianças nas<br />
11
egiões de conflito se deve ao fato de sua manutenção e sobrevivência custar menos do que<br />
manter adultos nas mesmas condições.<br />
Quando crianças estão servindo como soldados, elas passam o período em que<br />
deveriam estar recebendo uma formação educacional, que auxiliaria na formação de seus<br />
valores e caráter, participando de repetitivas ações violentas, ou mesmo apenas as<br />
testemunhando. Constroem assim suas prioridades e identidades, guiados por seus líderes nos<br />
grupos armados. Desta forma, transformam-se em agentes geradores de mais violência, em<br />
vez de cidadãos que buscam e promovem a paz (WESSELLS, 2006).<br />
O recrutamento destas crianças nem sempre é forçado. Muitas delas que cresceram<br />
num contexto de guerra civil, e devido à falta de acesso aos estudos, sentem-se alienados e<br />
sem poder. Acreditam que a violência é um meio para mudar a ordem social existente. Isto<br />
cria condições para que sejam aliciados ou voluntariamente se juntem a um grupo armado. Ao<br />
ingressarem para um destes grupos, estas crianças sentem-se respeitadas e têm a sensação de<br />
pertencerem a uma família, além de obterem privilégios que não seriam possíveis se fossem<br />
cidadãos comuns, como proteção, comida e assistência médica (WESSELLS, 2006). Desta<br />
forma passa a ser uma opção de sobrevivência do menor.<br />
Porém, segundo Graça Machel (1996), é ilusório acreditar que estas crianças<br />
realmente se candidatam para tais fins voluntariamente, existem pressões culturais, sociais,<br />
econômicas e políticas envolvidas. Após o recrutamento as crianças, em muitos casos, são<br />
expostas a situações horrendas, para embrutecê-las. Há relatos que dão conta de que ao<br />
passarem por um ritual de iniciação, foram obrigadas a matar alguém.<br />
Em Serra Leoa, novos recrutas eram muitas vezes obrigados a cometer<br />
atos hediondos contra algum membro de sua família ou comunidade a<br />
fim de fortalecê-los e iniciar seu vínculo com o grupo armado<br />
(FURLEY, 1995: 33; THOMPSON, 1999: 193; MAXED, 2003: 63;<br />
apud PARK, 2006: 320). 1<br />
1 Tradução nossa: In Sierra Leone, as in other conflicts (...) new recruits were often forced to commit heinous<br />
acts against their own families and communities in order to harden the children and to bind children to the armed<br />
group ” (FURLEY, 1995: 33; THOMPSON, 1999: 193; MAXED, 2003: 63; apud PARK, 2006: 320).<br />
12
1.5 Meninas-soldados<br />
As representações simplistas de meninos carregando armas AK-47 são as mais<br />
comuns quando tratamos de crianças-soldados, mas existe um grupo que fica totalmente<br />
subrepresentado por esta imagem, que são as meninas-soldados. Embora boa parte da atuação<br />
de meninas em conflitos armados não tenha feito parte dos registros históricos, elas<br />
desempenharam um papel importante em conflitos, que remonta a 1429, quando uma muito<br />
jovem Joanna D'Arc liderou um exército a vitória na expulsão dos ingleses (Mazurana et al.,<br />
2002:1001-2, apub Park, 2006: 320).<br />
A questão das meninas-soldados é pouco documentada, e a literatura existente sobre<br />
esta matéria reflete em grande parte a experiência de meninos-soldados, não se aprofundando<br />
nas experiências singulares das meninas. Elas merecem atenção especial, pois são um grupo<br />
que sofre opressão de gênero por ser de um sexo marginalizado, e ainda sofrem opressão por<br />
sua idade (PARK, 2006: 316).<br />
As crianças-soldados executam uma serie de tarefas, atuando como combatentes,<br />
cozinheiros, menssageiros, espiões, entre outros. Apesar de existirem muitas experiências em<br />
que meninas e meninos compartilham como soldados, as meninas além de realizarem uma<br />
série de tarefas iguais aos meninos, realizam tarefas adicionais (Park, 2006: 320).<br />
1.6 Gênero<br />
Gênero refere-se a um termo socialmente construido, ao contrário das identidades<br />
biologicamente determinadas de homens e mulheres. Gênero não é igual a sexo, e as<br />
diferenças de gênero não são as mesmas diferenças de sexo. Por exemplo, a capacidade de<br />
uma mulher ter filhos é uma diferença, biologicamente determinada, considerada uma<br />
diferenças de sexo. Já a responsabilidade de mulheres em grande parte das sociedades de<br />
preparar refeições e fazer tarefas domésticas é uma diferença de gênero, ou uma diferença<br />
socialmente construída (MAZURANA e CARLSON, 2004: 8).<br />
Os papéis de cada gênero são atribuidos no início da socialização. Eles atravessam as<br />
esferas pública e privada, são específicos para uma determinada cultura em um determinado<br />
momento, são afetados por outras formas de diferenciação, tais como raça, etnia e classe, e<br />
13
podem mudar de acordo com diferentes contextos sócio-políticos e econômicos dentro de uma<br />
sociedade (MAZURANA e CARLSON, 2004: 8).<br />
Faz parte das aspirações deste trabalho, examinar como as questões de genero são<br />
importântes para o planejamento e implementação de programas de desarmamento,<br />
desmobilização e reintegração.<br />
1.7 Internally Displaced Persons (IDPs)<br />
Internaly displaced persons, ou "pessoas deslocadas internamente", são pessoas que<br />
foram forçadas a fugir ou a deixar suas casas/locais de residência habitual e que, ao contrário<br />
dos refugiados, permanecem dentro de seus próprios países, ou seja, dentro de seus limites<br />
territoriais. No mundo, hoje, há uma estimativa de que 27,1 milhões de pessoas sejam<br />
internamente deslocadas em consequência da conflitos armados e que pelo menos metade<br />
destas pessoas são crianças (IDMC,2010)<br />
Uma criança deslocada internamente por conflitos armados fica extrememente<br />
vulnerável, visto que esta é forçada a sair de casa e deixar sua comunidade para trás. Muitas<br />
vezes, durante o caos da guerra, as crianças se separaram de suas familias e acabam sozinhas,<br />
correndo alto risco de sofrerem abusos de diversos tipos, tornando-se vítimas de violência<br />
sexual ou sendo recrutadas para servirem como soldados.<br />
1.8 Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR)<br />
Segundo o próprio site das Nações Unidas, o envolvimento da entidade no processo de<br />
desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) de ex-combatentes em situações pós-<br />
conflito acontece há mais de quinze anos. Juntamente com os parceiros bilaterais e não-<br />
governamentais, seus departamentos, programas, fundos e agências estão funcionando em<br />
dezenas de países ao redor do mundo.<br />
As atividades de DDR são componentes cruciais de estabilização inicial das<br />
sociedades que vivem a situação de pós conflito, bem como o seu desenvolvimento a longo<br />
prazo. Assim, as ações de desarmamento, desmobilização e reintegração devem ser integradas<br />
ao processo de pacificação, desde as negociações iniciais até a manutenção e<br />
acompanhamento das atividades de construção e consolidação da paz.<br />
14
O DDR de ex-combatentes é um processo complexo, com dimensões políticas,<br />
militares, humanitárias e sócio-econômicas. Destina-se a lidar com o problema de segurança<br />
no pós-conflito que surge quando os ex-combatentes ficam sem meios de subsistência ou de<br />
redes de apoio, durante o período crucial de transição do conflito para a paz (ONU. DDR,<br />
2009).<br />
O objetivo do processo de DDR é contribuir para a segurança e estabilidade em<br />
ambientes de pós-conflito, para que a recuperação e o desenvolvimento dos ex-combatentes<br />
possa começar. O processo se inicia com o desligamento total de quaisquer estruturas<br />
militares, auxiliando-os a integrar-se socialmente e economicamente à sociedade ao mesmo<br />
tempo em que os apoia para que eventualmente possam tornar-se participantes ativos do<br />
processo de paz e da sociedade como um todo (ONU. DDR, 2009).<br />
O DDR é um dos passos mais importantes em qualquer processo de paz, considerado a<br />
chave para uma transição efetiva da guerra para a paz. Embora cada um dos três elementos de<br />
DDR tem claramente objetivos diferentes e requerem planejamento independentes, as fases se<br />
sobrepõem e são dependentes umas das outras (MAZURANA e CARLSON, 2004: 8).<br />
Ações de DDR de forma isoladas não são suficientes para evitar a violência ou<br />
solucionar o conflito, no entanto, podem ajudar a estabelecer um ambiente seguro para que<br />
outros elementos de recuperação, construção e consolidação da paz possam avançar.<br />
A ONU define que o desarmamento consiste no recolhimento, documentação, controle<br />
e eliminação de armas de baixo calibre, munições, explosivos e armas leves e pesadas da área<br />
de conflito. Ex-combatentes são reunidos em áreas de apoio para o desenvolvimento dos<br />
programas de DDR e entregam suas armas que serão armazenadas em local seguro até que<br />
sejam destruidas. Os indivíduos então recebem apoio na forma de alimentos, moradia,<br />
vestuário, assistência médica, educação básica e programas de orientação (MAZURANA e<br />
CARLSON, 2004: 8).<br />
Outra etapa fundamental é a desmobilização que cuida da dissolução formal e<br />
controlada dos combatentes ativos das forças armadas ou de outros grupos combatentes. A<br />
primeira fase de desmobilização consiste no tratamento individual de combatentes em centros<br />
temporários ou pode prolongar-se em acampamentos com uma concentração grande de ex-<br />
combatentes, estruturados para lidar com as necessidades e tratamentos destes indivíduos<br />
15
(ONU. DDR, 2009). A dispensa destes ex-combatentes muitas vezes acontece durante uma<br />
segunda fase da desmobilização, onde eles voltam para suas comunidades, com um auxilio<br />
para o transporte até suas comunidades, para então dar início ao próximo passo que é<br />
reinserção (MAZURANA e CARLSON, 2004: 8).<br />
A reintegração pode ser dividida em duas fases, a reinserção inicial e a reintegração.<br />
Enquanto a reintegração é um processo a longo prazo de desenvolvimento social e econômico<br />
contínuo, o processo de reinserção é de curto prazo e visa atender às necessidades imediatas,<br />
podendo ter duração de até um ano (ONU. DDR, 2009).<br />
Ao final, a reinserção é a assistência prestada durante a desmobilização, quando ex-<br />
combatantes voltam para suas comunidades. Trata-se uma forma de apoio transitório para<br />
auxiliar a suprir suas necessidades básicas e de suas famílias durante o período inicial de<br />
adaptação. Este apoio inclui alimentos, roupas, abrigo, serviços médicos, treinamento,<br />
emprego, entre outros.<br />
Por consequência, a reintegração é um processo a longo prazo que consiste em auxiliar<br />
ex-combatantes na transição para a vida civil. A assistência durante este período envolve:<br />
auxilio de agências de emprego, cursos profissionalizantes, sistemas de crédito e bolsas de<br />
estudo para que os ex-combatentes possam obter colocação no mercado de trabalho de forma<br />
duradoura e com ganhos suficientes para se manter, o que faz da reintegração um processo<br />
essencialmente social e economico de responsabilidade nacional, mas que muitas vezes<br />
necessita de auxílio externo (ONU. DDR, 2009).<br />
A comunidade internacional muitas vezes se refere a mais um „R‟ no DDR, que<br />
representa a reabilitação. Este conceito engloba um série de questões delicadas como a<br />
necessidade de se tratar dos aspectos psicológico e emocional de ex-combatantes,<br />
principalmente durante a reinserção em suas famílias e comunidades. Grande parte dos<br />
programas de DDR tratam da questão da reabilitação durante o processo, mas a sigla utilizada<br />
é DDR (MAZURANA e CARLSON, 2004: 8).<br />
As ações de DDR no caso das crianças necessitam de uma abordagem diferenciada,<br />
uma vez que menores de 18 anos não podem legalmente ser recrutados, portanto, medidas que<br />
visam impedir o seu recrutamento, ou a tentativa de reintegrá-los em suas comunidades, não<br />
devem ser vistas como uma ação rotineira de DDR, mas de prevenir ou reparar uma violação<br />
16
dos direitos humanos das crianças. Isso significa que DDR para criança não é a mesma que<br />
para adultos. Pelo contrário, é um processo específico, com suas próprias exigências, algumas<br />
das quais são fundamentalmente diferentes dos programas de desmobilização de adultos<br />
(ONU. DDR, 2009).<br />
Existem alguns princípios e práticas ideais (principles and best practices) no que diz<br />
respeito a prevenção do recrutamento de crianças e as ações de DDR específicas para<br />
crianças. Em 1997 foram criados os princípios e comportamentos da Cidade do Cabo, na<br />
África do Sul, para a prevenção do recrutamento de crianças às forças armadas e na<br />
desmobilização e integração social de crianças na África 2 . Essas normas serviram de<br />
referência para outras que vieram depois. O Paris Commitments ou Comprometimento de<br />
Paris chegou a definir metas para que os países se comprometessem a encontrar e aplicar<br />
soluções para o recrutamento e utilização de crianças em conflitos armados (Paris Principles,<br />
2007).<br />
Em fevereiro de 2007 ministros e representantes de diversos países reuniram-se em<br />
Paris para tratar de crianças envolvidas em conflitos armados, e para reafirmar a preocupação<br />
coletiva destes para com os problemas que estas crianças enfrentam quando inseridos num<br />
contexto de conflito armado. Problemas físicos, de desenvolvimento emocional e mental,<br />
social e espiritual. Todos os presentes se comprometeram a identificar e implementar soluções<br />
duradouras para o problema do recrutamento e utilização de crianças em conflitos armados<br />
(Paris Principles, 2007).<br />
Comprometeram-se também a utilizar todos e quaisquer instrumentos internacionais<br />
que auxiliem na prevenção do recrutamento de menores de 18 anos à forças militares e na<br />
utilização de crianças nos conflitos, assegurar o desligamento destes das forças militares, a<br />
proteção e o suporte para a reintegração das crianças em suas comunidades (Paris Principles,<br />
2007).<br />
Reconheceram que os Estados são responsáveis por prover segurança a seus<br />
indivíduos e assegurar a proteção às crianças, além de serem responsáveis pela reintegração<br />
daquelas que estiveram de alguma forma inseridas em conflitos armados.<br />
2 “Cape town principles and Best practices on the prevention of recruitment of children into the armed forces and<br />
on demobilization and social reintegration of child soldiers in Africa”(Cape Town Principles, 1997)<br />
17
Assim, por meio da execução destas medidas, poderia se assegurar que os direitos das<br />
crianças, que vivem em países cuja situação é de conflito, e naturalmente são mais suscetíveis<br />
ao recrutamento, estejam mais protegidos.<br />
18
CAPÍTULO 2 – O CONTEXTO HISTÓRICO DO CONFLITO DE SERRA LEOA<br />
Veremos aqui um pouco sobre a história de Serra Leoa, o caso particular que aqui nos<br />
interessa, para tentar compreender melhor o pano de fundo desse fenômeno mais recente da<br />
incorporação das meninas-soldados aos conflitos armados e na posterior ações de DDR. Neste<br />
capítulo, utilizaremos como fonte os estudos a obra de Mazurana e Carlson (2004) por se<br />
mostrar a mais completa.<br />
2.1 Contexto histórico<br />
Anteriormente à colonização não existia uma tribo que dominasse o território hoje<br />
conhecido como Serra Leoa. Os dois maiores grupos étnicos da região eram os Mende e os<br />
Temne, localizados ao sul e norte, respectivamente. No começo de 1800, Serra Leoa ficou sob<br />
controle inglês. Durante os anos em que se intensificou o movimento pela abolição da<br />
escravatura, os ingleses permitiram que ex-escravos migrassem para regiões sob seu controle<br />
no norte da África. Essa migração trouxe diversos novos grupos étnicos para a região, tais<br />
como ao Kono, Limba, Kissi e Krio, com sua chegada houve uma mudança na composição<br />
demográfica de Serra Leoa (MAZURANA e CARLSON, 2004).<br />
Reformas democráticas pós-segunda guerra mundial estabeleceram que uma<br />
assembleia seria constituída a fim de representar as diferentes regiões do território nacional.<br />
Ao invés de possuírem representantes de bairros ou cidades, possuem representantes de<br />
distritos, e estes deveriam presidir a assembleia. Com temor de que esta assembleia os<br />
tornasse marginalizados, a elite Krio, em conjunto com alguns outros chefes, criaram o Sierra<br />
Leone People’s Party (SLPP), liderado por Milton Margai, um Mende.<br />
Em 1957, surgiu um partido primordialmente Temne, o All People’s Congress (APC),<br />
que dividiu a assembleia etnicamente entre os Mendes (SLPP) do sul e os Temnes (APC) do<br />
norte. Logo em 1960, após acordos com a Inglaterra, Margai foi eleito primeiro-ministro e no<br />
ano seguinte Serra Leoa tornou-se independente, com um sistema parlamentar estabelecido<br />
dentro do Commonwealth britânico. Nos anos subsequentes à independência, os dois partidos<br />
passaram por prolongados embates políticos até que em 1967 a APC ganhou eleições<br />
democráticas (MAZURANA e CARLSON, 2004).<br />
Durante a Guerra Fria, o governo manteve a prática colonial com ênfase nas<br />
exportações de matéria prima, ao invés da produção industrial e da mineração. Ouro e<br />
19
diamentes eram responsáveis por 80% das exportações de Serra Leoa. Já no início dos anos<br />
1970, a APC, liderada por Siaka Stevens, controlava 52 por cento da indústria de diamantes<br />
local. Ele destruiu muitas instituições políticas estabelecidas pelo sistema parlamentar<br />
britânico, pois as considerava ineficientes.<br />
A economia do país entrou em declínio nos anos 1980, este momento trouxe<br />
insatisfação aos jovens e estudantes, que não mais poderiam sustentar suas famílias, criando<br />
uma situação de bastante instabilidade, para a população e para o governo.<br />
Em 1985, Joseph Saiu Momoh sucedeu Stevens como presidente do partido APC, que<br />
depois de anos de declínio econômico, corrupção e cortes nos programas sociais, deixaram o<br />
país em situação instável. Momoh tentou re-estabelecer um governo multipartidário<br />
convocando eleições em 1991, porem o movimento rebelde liderado por Sankoh, denominado<br />
Revolutionary United Front (RUF), com apoio da National Patriotic Front of Liberia (NPFL)<br />
acaba por atacar Serra Leoa (MAZURANA e CARLSON, 2004).<br />
Foday Sankoh, um fotógrafo e ex-membro do Sierra Leone Army (SLA) conheceu<br />
Charles Taylor do (NPFL) em 1987, quando os dois se aliaram num esforço mutuo para<br />
derrubar seus governos, de Serra Leoa e Libéria respectivamente (MAZURANA; CARLSON,<br />
2004). Os combatentes da Libéria juntaram-se a Sankoh em retaliação ao apoio de Momoh à<br />
Economic Community of West Africa States’ Monitoring Group (ECOMOG), que havia<br />
impedido que a NPFL ocupasse Monrovia, a capital e maior cidade da Libéria (ONU. DDR.<br />
Country Programmes, s/d).<br />
Os rebeldes então ocuparam os territórios do leste, ricos em diamantes. Em troca de<br />
armas, drogas e abastecimento, os diamantes de Serra Leoa eram contrabandeados até a<br />
Libéria para serem vendidos depois no mercado internacional, gerando milhões de dólares por<br />
ano. O controle dos diamantes deu a Sankoh o poder de recrutar, forçada ou<br />
“voluntariamente”, crianças que trabalhavam nas minas para fazer parte de suas forças<br />
armadas. Em 1992, Momoh fugiu do país e o Capitão Valentim Strassy assumiu a<br />
presidência.<br />
Nos anos 1990 a exploração dos chamados “diamantes de sangue” teve repercussão<br />
mundial e a exportação e venda destes passou por uma série de investigações da Organização<br />
das Nações Unidas (ONU).<br />
20
Desta forma, durante os 18 primeiros meses, os ataques da RUF geraram mais de 400<br />
000 IDPs, e outros muitos refugiados. Rapidamente a guerra se espalhou até países vizinhos.<br />
Além da Libéria, países como a Guiné e Costa do Marfim foram atingidos pelo conflito<br />
(MAZURANA e CARLSON, 2004).<br />
Os grupos armados cometeram atrocidades durante a guerra. A violência era<br />
incentivada pelos líderes dos grupos e assim a rebelião tomou conta do país rapidamente. Os<br />
rebeldes começaram a forçar a população civil a disponibilizar comida, abastecimento e mão<br />
de obra. Sujeitos a violência oriunda tanto da RUF quanto da SLA, milícias locais foram<br />
formadas, denominando-se Civil Defence Forces (CDF).<br />
Com a escalada do conflito e a RUF ganhando cada vez mais espaço, o governo<br />
forneceu armas, ajuda financeira e logística para o CDF. Em 1995 o governo contratou o<br />
Executives Outcomes (EO), um exército mercenário, que com seus 2000 combatentes auxiliou<br />
as forças do governo na guerra (MAZURANA e CARLSON, 2004).<br />
A primeira tentativa de cessar-fogo foi em 1996, quando o governo iniciou<br />
negociações com a RUF. Houve pressão para que eleições democráticas fossem convocadas, e<br />
Ahmed Tejan Kabbah da SLPP ganhou. A primeira iniciativa para estabelecer um plano de<br />
paz foi com o Abidjan Peace Accord, um acordo de paz redigido pelo governo de Serra Leoa<br />
com participação da RUF. Foi então definido que não haveria mais atos violentos por<br />
nenhuma das partes envolvidas no conflito e por exigência da RUF, as tropas do EO deveriam<br />
deixar o país, além de a RUF transformar-se em um partido político, que assim poderia<br />
participar das assembléias.<br />
Com a assinatura do acordo de paz, meninas aprisionadas pela RUF foram liberadas,<br />
como um gesto de benevolência. No entanto, havia desconfiança por ambas as partes no que<br />
se referia à execução do que foi estabelecido no tratado. A RUF relutou em depor as armas<br />
quando uma porcentagem dos combatentes da EO não saiu do país, e assim o acordo não foi<br />
adiante (MAZURANA e CARLSON, 2004).<br />
O governo frequentemente deixava de remunerar e auxiliar seus soldados, mas ao<br />
mesmo tempo pagava um preço alto para manter o contrato com o exercito mercenário, EO.<br />
Estes fatores contribuíram para a revolta dos membros da SLA que então migraram para<br />
outros grupos armados, como a RUF. Outros fundaram um novo grupo rebelde chamado de<br />
21
Armed Forces Revolutionary Council (AFRC) presidido pelo Comandante do exército Johnny<br />
Koroma, que acabou unindo-se à RUF.<br />
Em 1997, a AFRC, liderada pelo Koroma derrubou o regime de Kabbah, alimentando<br />
a preocupação que um governo conjunto da AFRC e RUF poderia tomar o poder. Para isso<br />
não ocorrer, a Economic Community of the West African States (ECOWAS) interveio.<br />
Em 1998 um ataque conjunto da AFRC e as RUF resultou na morte de mais de 5 000<br />
civis, e outros 5 000 foram sequestrados, mutilados e estuprados, em sua maioria mulheres e<br />
meninas. Ao reconhecer a improbabilidade de sucesso, o governo solicitou um novo acordo<br />
de paz, chamado Lomé Accord, que oficialmente encerraria a guerra (MAZURANA e<br />
CARLSON, 2004).<br />
O acordo proporcionou à RUF a oportunidade de participar de um governo conjunto,<br />
garantindo anistia total para violadores dos direitos humanos e perdoou o líder da RUF,<br />
Sankoh, além de instituí-lo como chefe da comissão de gestão de recursos estratégicos.<br />
Com a autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas através da<br />
Resolução 1181 a ECOMOG, ala militar da ECOWAS, atacou a capital e reconduziu Kabbah<br />
ao poder. Após o retorno de Kabbah a Freetown, o Governo de Serra Leoa apoiado pela<br />
ECOWAS e a ONU (Organizações das Nações Unidas), iniciou um movimento político para<br />
pôr fim ao conflito, buscar a paz e a reconciliação, e realizar o DDR dos combatentes do, SLA<br />
RUF, CDF e AFRC (ONU. DDR. Country Programmes, s/d).<br />
Antes da resolução do conflito em Serra Leoa, outros três acordos de paz haviam sido<br />
assinados: o Abidjan Acordo de Paz de 30 de novembro de 1996, o Plano de Paz de Conacri<br />
23 de outubro de 1997, e o Acordo de Paz de Lomé de 7 de julho de 1999. O Acordo de Paz<br />
de Lomé tornou-se o documento operacional para o processo de paz na Serra Leoa (ONU.<br />
DDR. Country Programmes, s/d).<br />
Ao fim de 1998, formou-se a United Nations Assitance Mission to Sierra Leone<br />
(UNAMSIL), uma missão de paz das Nações Unidas para auxiliar o pós-conflito em Serra<br />
Leoa. Chegaram tropas para auxiliar a implementação do Lomé Accord e os programas de<br />
DDR. Mesmo com a presença da UNAMSIL, a RUF continuava atacando regiões ricas em<br />
diamante, buscando controlar tais áreas.<br />
22
Dia 8 de maio de 2000, foi um marco no conflito pois nesta data famílias, crianças,<br />
adultos, organizações religiosas e sindicatos protestaram na busca da paz. Mas foi apenas em<br />
Janeiro de 2002 que a guerra foi oficialmente declarada encerrada, quando as hostilidades<br />
entre CDF e RUF nas regiões de diamantes terminaram. (MAZURANA e CARLSON, 2004).<br />
2.2 DDR: Construção e implementação em Serra Leoa<br />
O programa de DDR foi uma iniciativa do governo da Serra Leoa, para ajudar a<br />
consolidar a paz e iniciar o processo de reconstrução do país após uma década de guerra civil.<br />
Durante o período entre setembro de 1998 e janeiro de 2002, o desarmamento e a<br />
desmobilização dos combatentes passou por três fases distintas mencionadas abaixo (ONU.<br />
DDR. Country Programmes, s/d).<br />
Resolução do Conselho de Segurança 1181 (1998) de 13 de Julho de 1998<br />
(Peacekeeping Missions, s/d), declarou que UNAMSIL deveria:<br />
Monitorar a situação militar e de segurança no país como um todo, fornecer ao<br />
<br />
representante especial do secretário-geral informações regularmente, assim<br />
possibilitando que este determine um momento suficientemente seguro para<br />
permitir que observadores militares possam ser enviados, além da primeira fase;<br />
Monitorar o desarmamento e desmobilização dos ex-combatentes concentrados<br />
em áreas seguras do país, incluindo a monitorização da função do ECOMOG e<br />
da ECOWAS na manutenção da segurança e no recolhimento e destruição de<br />
armas nas áreas seguras;<br />
Auxiliar na fiscalização do respeito pelo direito humanitário internacional,<br />
incluindo o desarmamento e a desmobilização, onde as condições de segurança o<br />
permitam;<br />
Monitorar o desarmamento e desmobilização voluntária de membros da Defesa<br />
Civil Forces (CDF), quando as condições de segurança permitam.<br />
O principal intuito do programa DDR era ajudar o governo na estabilização da região e<br />
assegurar a paz na nação. Pretendia-se desarmar os combatentes e reintegrá-los de volta à<br />
sociedade para garantir a paz e desenvolvimento da nação. Para participar no programa de<br />
23
DDR na Serra Leoa, cada combatente, adulto ou criança, foi obrigado a provar a participação<br />
como combatente em um dos seguintes grupos armados (ONU. DDR. Country Programmes,<br />
s/d):<br />
E posteriormente:<br />
Ou então:<br />
- RUF/ Grupos Paramilitares<br />
- AFSL<br />
- CDF<br />
Apresentar provas aceitáveis de ter participado do conflito armado como um<br />
membro combatente de pelo menos um dos grupos acima citados, incluindo:<br />
- Uma arma aproveitável por combatente;<br />
- Um grupo de duas a três pessoas pode apresentar uma arma com rodadas<br />
de munições, contanto que sejam aproveitaveis e que possuam um<br />
número válido dado pela SLA.<br />
Ser um combatente menor de idade, apresentando-se na recepção de qualquer<br />
centro de apoio com qualquer dos grupos acima mencionados.<br />
Centros de apoio foram montados para o processo de desarmamento e desmobilização<br />
em diversas regiões do país. Os combatentes voluntariamente se apresentavam para entregar<br />
suas armas e munições e faziam um teste para participar do programa. Os oficiais<br />
responsáveis pelo DDR consideravam que um meio eficaz para se determinar quais<br />
indivíduos participaram ativamente do combate. Um teste avaliava a performance do<br />
indivíduo na montagem e desmontagem de uma arma AK-47, a mais utilizada durante o<br />
conflito (MAZURANA e CARLSON, 2004: 18).<br />
Oficialmente, menores de 18 anos não precisavam entregar uma arma para participar<br />
do programa, porém, de acordo MAZURANA e CARLSON (2004), crianças eram<br />
submetidas ao teste das armas para analisar se seriam admitidos ou não aos programas.<br />
24
Segundo Graça Machel (1996), é necessário que estas crianças sejam afastadas<br />
imediatamente de soldados adultos e das zonas de conflito, para não correrem risco de serem<br />
recrutadas novamente. Assim, aquelas crianças que se qualificavam para participar do DDR<br />
eram encaminhadas para centros especiais, Interim Care Centers (ICCs), e poderiam<br />
inscrever-se em programas educacionais ou em cursos profissionalizantes (MAZURANA e<br />
CARLSON, 2004: 18).<br />
O programa de DDR em Serra Leoa foi dividido em três fases:<br />
Fase 1:<br />
Fase 1 (setembro-dezembro 1998)<br />
Fase 2 (outubro de 1999 a abril de 2000)<br />
Fase 3 (maio de 2001 a janeiro de 2002)<br />
O programa inicial de DDR foi preparado em 1998 pelo governo com a ajuda da<br />
ECOMOG e a United Nations Development Programe (UNDP); juntos criaram uma comissão<br />
de DDR, National Commission for Reconstruction, Resettlement and Rehabilatation<br />
(NCRRR). Após sua reestruturação, passou a chamar-se National Committee for<br />
Disarmament, Demobilisation and Reintegration (NCDDR) e possuía três objetivos<br />
(MAZURANA e CARLSON, 2004: 18):<br />
1- Coletar, registrar e destruir todo e qualquer armamento e munição entregue por<br />
combatentes,<br />
2- Desmobilizar os combatentes pertencentes aos grupos SLA, RUF, AFRC e<br />
CDF,<br />
3- Auxiliar no processo de desmobilização dos ex-combatentes para prepará-los<br />
para a reintegração em suas comunidades.<br />
A primeira fase era direcionada a todas as pessoas que pertenciam a qualquer um dos<br />
grupos armados que participaram na guerra civil após 1997. Em 1998 com a assistência do<br />
Banco Mundial o programa foi reestruturado, porém esta fase foi interrompida pelo<br />
25
agravamento da violência com o ataque a Freetown em 1999 (ONU. DDR. Country<br />
Programmes, s/d).<br />
Fase 2:<br />
A segunda fase foi implementada com base no Lomé Peace Agreement, que em seu<br />
artigo XVI apelou para que todos os combatantes dos grupos armados que participaram da<br />
guerra civil em Serra Leoa fossem desarmados. Em 1999, deu-se a segunda fase do processo,<br />
conduzida pela NCDDR e a United Nations Observer Mission to Sierra Leone (UNOMSIL)<br />
ainda auxiliando o desarmamento e monitorando o processo de desmobilização.<br />
Durante esta fase, através da resolução 1270 (22 de outubro 1999), a ONU reforçou<br />
sua presença enviando tropas da United Nations Mission in Sierra Leone (UNAMSIL), uma<br />
missão de peacekeeping de dimensões consideravelmente maiores substituindo a UNOMSIL<br />
(ONU. DDR. Country Programmes, s/d).<br />
Modificações foram feitas ao programa, que passou a contar com os esforços de um<br />
grupo de agentes. Estes envolviam o governo de Serra Leoa, ECOMOG, UNAMSIL, United<br />
Nations Children’s Fund (UNICEF), o World Food Programa e algumas outras agências.<br />
Porém esta fase também foi interrompida com a volta das atividades hostis que causaram uma<br />
série de complicações, tanto na política, com a detenção de Sankoh, quanto nos programas de<br />
DDR, com o rearmamento de ex-combatentes que participavam de dos programas (ONU.<br />
DDR. Country Programmes, s/d).<br />
Fase 3:<br />
A terceira fase contou com os esforços da ECOWAS e da ONU para restabelecer a<br />
ordem e colocar o processo de paz de volta nos trilhos. Posteriormente um cessar-fogo foi<br />
assinado em 2000, e um acordo entre o governo de Serra Leoa e a RUF para retomar o<br />
desarmamento, em 2001.<br />
A última fase do DDR foi bem-sucedida em grande parte porque as partes envolvidas<br />
no conflito perceberam que uma vitória militar não seria possível. O governo de Serra Leoa<br />
compreendeu que não podia eliminar a insurgência e não podia contar com a fidelidade de seu<br />
próprio exército. Já os rebeldes perceberam que a situação na vizinha Libéria não era<br />
favorável por conta da intervenção militar britânica (ONU. DDR. Country Programmes, s/d).<br />
26
Estas considerações, juntamente com a mudança da liderança da RUF, resultaram num<br />
maior compromisso para a resolução pacífica do conflito. O compromisso de todas as partes<br />
do processo de paz se aprofundou, e os programas de DDR se tornaram um meio para<br />
alcançar a paz ao invés de uma manobra táctica destinada a ganhar tempo.<br />
Em 18 de janeiro de 2002, o Presidente Kabbah declarou terminada a guerra civil com<br />
a conclusão do processo de DDR dos ex-combatentes em todos os 12 distritos do país (ONU.<br />
DDR. Country Programmes, s/d).<br />
2.3 Crianças-soldados em Serra Leoa<br />
Todos os grupos armados que participaram da guerra civil de Serra Leoa cometeram<br />
atos hediondos. Esta guerra ficou marcada por suas atrocidades. Atos estes como o uso<br />
indiscriminado de crianças-soldados, atos de violência sexual e a prática de “casamentos<br />
forçados”. Segundo a Anistia Internacional (2000), no ano de 1999, durante uma invasão à<br />
capital, Freetown, centenas de mulheres e meninas foram estupradas; dois mil civis foram<br />
mortos e pelo menos quinhentos indivíduos tiveram membros amputados (PARK, 2006).<br />
O recrutamento e uso de crianças como soldados, atuando tanto nos grupos rebeldes<br />
quanto nas forças do governo, também marcaram significantemente este conflito. Segundo<br />
Park (2006), muitas crianças foram recrutadas forçadamente, sendo sequestradas ou<br />
pressionadas a aliar-se a grupos armados, mas muitas outras se juntaram “voluntariamente”,<br />
conforme já foi referido no capítulo 1. No caso do conflito de Serra Leoa, as crianças<br />
associavam-se a esses grupos para poderem ter acesso a comida e medicamentos. Muito<br />
outros temiam perseguição e juntavam-se a grupos armados como um meio de proteção a si e<br />
às suas famílias (McCALLING, 1998:62-6; MACHEL, 2001: 8-12 apud: PARK, 2006: 319).<br />
2.3.1 Meninas-soldados<br />
A literatura existente sobre crianças-soldados reflete em grande parte a experiência de<br />
meninos. Costuma-se apenas apenas citar a existência de meninas-soldados em conflitos<br />
armados, sem aprofundar a experiência deste grupo. Muitas vezes as meninas são incluídas na<br />
categoria “crianças”, o que não reflete as experiências singulares das meninas. Isto ocorre<br />
mesmo diante da constatação de que um grande número de meninas foi envolvido em forças<br />
armadas, sendo que muitas delas ativamente no combate.<br />
27
Elas também não devem ser inseridas na categoria de “mulheres”, já que suas<br />
experiências não são as mesmas de mulheres adultas em conflitos armados. Tanto mulheres<br />
como meninas sofrem a opressão de gênero, mas as meninas constituem um caso especial.<br />
(PARK, 2006: 316).<br />
Uma prática que marcou esta guerra foi a do “casamento forçado” caracterizado pelo<br />
sequestro de meninas para tornarem-se “esposas” de combatentes adultos. Cerca de sessenta<br />
por cento de meninas envolvidas com forças armadas em Serra Leoa estiveram em situações<br />
desse tipo. (McKAY e MAZURANA, 2004: 92 apud, PARK, 2006: 316) A prática<br />
denominada “casamento forçado” na realidade é uma escravidão sexual e doméstica.<br />
Pesquisas apontam que as “esposas” de todos os membros de grupos armados<br />
envolvidos na guerra de Serra Leoa não eram tipicamente mulheres adultas, sendo que suas<br />
idades variavam entre 9 e 19 anos (MAZURANA e McKAY, 2004: 93). Segundo Park<br />
(2006), uma possível explicação para este fenômeno é a maior vulnerabilidade de crianças a<br />
sequestros e pressões por parte de membros dos grupos armados.<br />
O relatório The State of the Worlds Children Report (UNICEF, 2005) afirmou que<br />
meninas são alvos primários de sequestros durante conflitos armados, com o objetivo de<br />
forçá-las e serem soldados, ajudantes domésticas e “esposas”. (UNICEF, 2005: 52 apud,<br />
PARK, 2006: 323).<br />
Meninas, em especial, são bastante vulneráveis à violência sexual, pois caso os<br />
violentadores tiverem preocupação com HIV/AIDS ou outras doenças sexualmente<br />
transmissíveis, poderão dar preferência a meninas, crendo que estas possuem menores<br />
chances de serem infectadas, já que são jovens e ainda não iniciaram sua vida sexual, ou então<br />
teriam tido, supostamente, um número pequeno de parceiros (McCALLIN, 1998: 68;<br />
MACHEL, 2001:55 UNICEF, 2005: 55 abud, PARK, 2006: 323).<br />
As meninas também não sabem lidar com as complicações de ordem emocional e<br />
social que são obrigadas a vivenciar neste contexto de guerra. Levando em consideração que<br />
se tornam crianças-soldados, com tarefas muitas vezes extremamente duras, por exemplo,<br />
atuar como combatentes, “esposa” ou qualquer outra função dentro de grupos armados, estas<br />
meninas são obrigadas a lidar com pressões, por parte de seus líderes, que não correspondem<br />
às pressões desta mesma idade fora do contexto de guerra e de um grupo armado.<br />
28
Por estes e outros motivos devemos nos atentar as necessidades particulares deste<br />
grupo marginalizado que passou por experiências tão particulares devido à questão de gênero<br />
e idade. Entre 1990 e 2003 meninas faziam parte de forças armadas em 55 países e<br />
participavam de conflitos armados em 38 países (McKAY and MAZURANA, 2004:18 Apud:<br />
PARK, 2006: 321) e em Serra Leoa entre 1992 e 1996, crianças constituíam oitenta por cento<br />
das forças complementares da RUF, sendo que trinta por cento eram meninas (PARK, 2006).<br />
Apesar das muitas experiências que meninas e meninos compartilham como soldados,<br />
existe a necessidade de prestar especial atenção às meninas, obrigadas a realizar tarefas<br />
adicionais. Durante o período de guerra meninas lutavam, como meninos, mas também<br />
cozinhavam, limpavam e eram obrigadas e servir como escravas sexuais.<br />
As tarefas adicionais reservadas às meninas remontam aos primórdios da civilização:<br />
cozinhar, limpar, cuidar de crianças. Isso faz parte de uma construção social (MAZURANA e<br />
CARLSON, 2004: 8). Não foi diferente para as meninas que participavam de grupos armados<br />
em Serra Leoa. Essas possuíam tarefas definidas socialmente como femininas. Algumas<br />
relataram que suas tarefas principais eram de combatentes, cozinheiras, empregadas,<br />
“esposas”, entre outras, mas a maioria possuía tarefas adicionais (MAZURANA e McKAY,<br />
2003).<br />
A experiência delas é dura. Um exemplo dado por Park (2006) de uma situação vivida<br />
exclusivamente por meninas soldado é lidar com a menstruação, quando atuando em<br />
conflitos. Meninas menstruadas durante este período precisam preocupar-se com possíveis<br />
infecções por terem dificuldade de higienizarem-se adequadamente e de manterem sua<br />
privacidade; a exposição da menstruação perante um grupo armado pode ser uma fonte de<br />
angústia e constrangimento (MAZURANA et al., 2002:114 apud, PARK, 2006: 322).<br />
Meninas merecem atenção também por sua experiência física e social em relação à<br />
gravidez. Muitas delas sofrem abusos sexuais por meninos e homens dos grupos armados,<br />
gerando até uma situação de escravidão sexual, quando as meninas são forçadas a tornarem-se<br />
“esposas” destes meninos e homens. Em muitos casos elas acabam engravidando de seus<br />
“maridos”. Como se trata de uma situação de conflito armado, essas meninas grávidas não<br />
recebem adequados tratamentos pré e pós-parto, além de serem submetidas a práticas nada<br />
convencionais durante a gravidez.<br />
29
Existem relatos de meninas da RUF que eram vítimas de práticas bastante perigosas,<br />
como pular na barriga das meninas grávidas para estimular o nascimento do bebê, ou amarrar<br />
as pernas delas para adiar o nascimento. Muitas vezes após o parto as meninas não tinham<br />
tempo suficiente para se recuperaram, sendo obrigadas a voltar a suas tarefas imediatamente,<br />
tendo que levar seus bebê para o campo de batalha (ALFREDSON, 2001: 2,5; MAZURANA<br />
et al., 2002: 114-115 apud, PARK, 2006: 322).<br />
Por não terem acesso aos tratamentos adequados durante a gravidez e não possuírem<br />
habilidades na criação de bebês, as meninas acabavam induzindo abortos, rejeitando seus<br />
filhos e em alguns casos cometendo infanticídio (MAZURANA et al ,2002: 115 apud, PARK,<br />
2006: 322).<br />
Ao final da guerra, e quando reconciliadas com suas famílias, muitas dessas meninas<br />
que sofreram abusos sexuais ou que foram “esposas” de combatentes e possuíam filhos,<br />
acabavam sendo rejeitadas por suas próprias famílias. Sendo muitas vezes estigmatizadas por<br />
terem sido “usadas”.<br />
Durante o processo de reintegração em Serra Leoa, consta que em muitos casos, era<br />
mais fácil um menino ser aceito novamente por familiares e por outros moradores, depois de<br />
ter amputado a mão de diversas pessoas, muitas vezes de seu próprio vilarejo, do que meninas<br />
serem aceitas e integradas novamente depois de terem sido vítimas de estupro (MAZURANA<br />
e McKAY, 2004: 37, apud, PARK, 2006: 322).<br />
O relatório Paris Commitments and Paris Principles on Children Associated with<br />
Armed Forces or Armed Groups, 2009, afirma que a integração social de mães que eram<br />
apenas meninas quando entraram nos conflitos, e que retornaram com bebes para as suas<br />
comunidades, é especialmente difícil. As vezes elas não são bem vindas devido ao estigma<br />
associado ao estupro ou, à crianças nascidas fora do casamento, cujo pai seja possivelmente<br />
de um dos grupos rebeldes. Consequentemente estas meninas e suas crianças sofrem<br />
discriminação, rejeição, e ostracismo, e frequentemente têm dificuldade para ter acesso aos<br />
programas de educação devido, por exemplo, falta de creches, ou com quem a deixar as<br />
crianças.<br />
30
2.4 A presença e a atuação de meninas em grupos armados<br />
O estudo intitulado “Girls in Militaries, Paramilitaries, Militias and Armed<br />
Opposition Groups” 3 do International Center for Human Rights and Democratic<br />
Development (ICHRDD) examinou a presença e a experiência de meninas associadas a<br />
grupos armados em alguns países africanos, incluindo Serra Leoa. O estudo buscava entender<br />
os efeitos físicos e psicológicos nos participantes em conflitos armados, incluindo todos os<br />
desafios que estas meninas enfrentam quando se dissociam dos grupos armados e tentam<br />
voltar às suas vidas dentro das suas comunidades.<br />
Segundo cálculos feitos pela Anistia Internacional (2000b), mais de cinco mil crianças<br />
atuaram como soldados durante a guerra de Serra Leoa e outras cinco mil crianças-soldados<br />
participaram de atividades ligadas ao conflito, mas não como combatentes (PARK, 2006).<br />
Considerado que de trinta a quarenta por cento do número total de crianças-soldados eram do<br />
sexo feminino (MAZURANA et al., 2002: 105, apud PARK, 2006), pode-se estimar o<br />
número de meninas entre 3 e 4 mil.<br />
Análises quantitativas e qualitativas foram utilizadas durante o processo de pesquisa<br />
do ICHRDD e concluiu-se que o uso de crianças e principalmente de meninas, que são o foco<br />
deste trabalho, em conflitos armados foi muito maior do que primeiramente estimado e<br />
divulgado como mostra a tabela abaixo:<br />
Tabela 1: Número estimado de pessoas em cada grupo armado, crianças soldado em cada<br />
grupo e meninas soldado em cada grupo.<br />
Grupo Total no grupo<br />
Total de crianças<br />
dentro do grupo<br />
Total de meninas<br />
dentro do grupo<br />
RUF 45.000 22.500 7.500<br />
AFRC 10.000 5.000 1.667<br />
SLA 14.000 3.500 1.167<br />
CDF 68.865 17.216 1.722<br />
Total 137.865 48.216 12.056<br />
Fonte: ICHRDD: Girls in Militaries, Paramilitaries, Militias and Armed Opposition Groups.<br />
3 A população utilizada no estudo foi de N=50.<br />
31
2.4.1 Presença de meninas em programas de DDR<br />
Uma das características mais marcantes do processo de paz em Serra Leoa foi o<br />
programa de DDR em Serra Leoa, conhecido como uma história de sucesso, sendo<br />
considerado um exemplo de boas práticas em todo o mundo por seu processo de<br />
desarmamento, desmobilização e reintegração (ONU. UNAMISIL, 2005).<br />
Porém dados disponibilizados pelo estudo de ICHRDD demonstram que existe uma<br />
disparidade entre o número de meninas em grupos armados e o número de meninas que<br />
participaram efetivamente dos programas de DDR de Serra Leoa.<br />
Serra Leoa:<br />
A tabela a seguir indica a participação geral de meninas nos programas de DDR de<br />
Tabela 2: Meninas-soldados e a presença delas em programas de DDR em Serra Leoa.<br />
Grupo<br />
Número de<br />
neninas no<br />
grupo<br />
Meninas em DDR<br />
Porcentagem do<br />
grupo em DDR<br />
Porcentagem de<br />
meninas em DDR<br />
RUF 7.500 436 54 6<br />
AFRC 1.667 41 89 2<br />
SLA 1.167 22 nd 2<br />
CDF 1.722 7 54 0,4<br />
Total 12.056 506 nd nd<br />
Fonte: ICHRDD: Girls in Militaries, Paramilitaries, Militias and Armed Opposition Groups.<br />
O número de meninas participantes do DDR é muito pequeno quando comparado com<br />
o número total de meninas-soldados. Existe uma série de fatores que dificultaram ou<br />
impossibilitaram a elas participarem dos programas. Eles serão discutidos a seguir.<br />
Segundo as meninas que participaram de programas de DDR em Serra Leoa, existiam<br />
diversas falhas. Daquele pequeno grupo de meninas que participaram dos programas “43%<br />
relatou não ter recebido roupas apropriadas, 54% não receberam matérias de higiene, tais<br />
como sabonete, xampu e absorventes. E ainda 23% relataram que não tinham acesso a<br />
cuidados médicos, quando solicitados” (MAZURANA e McKAY, 2003: p.15 tradução<br />
nossa).<br />
32
2.4.2 Problemática dos programas de DDR para a inclusão de meninas<br />
Uma série de falhas nos programas de DDR de Serra Leoa dificultou a participação de<br />
meninas. Um dos principais problemas era o reconhecimento da atuação destas em grupos<br />
armados. Na condição de “esposas” dos combatentes, não eram aceitas como participantes<br />
efetivas da guerra, mesmo que houvessem lutado. E, além disso, nem sempre dispunham de<br />
uma arma de fogo para comprovar a sua participação.<br />
O mito de que meninas e mulheres não estavam envolvidas em grupos armados foi<br />
propagado por figuras bastante influentes no conflito, como os líderes dos grupos armados e<br />
até membros do governo. Sempre foi preocupação desses líderes disfarçar sua presença, uma<br />
vez que o assunto propagaria uma imagem extremamente negativa junto à comunidade<br />
internacional (MAZURANA e CARLSON, 2004: 21).<br />
O seu não reconhecimento as impediu de participarem dos programas de DDR, muitas<br />
das entrevistadas pelo estudo acreditavam que isto era feito com o propósito de impedir que<br />
elas pudessem usufruir dos benefícios concedidos (MAZURANA e CARLSON, 2004: 21).<br />
De acordo com os oficiais dos programas de DDR, as “esposas” não poderiam usufruir<br />
dos benefícios, uma vez que estes eram destinados apenas aos combatentes dos principais<br />
grupos armados, e portanto “dependentes” não seriam considerados. No entanto, como já<br />
mencionamos anteriormente, as meninas possuíam múltiplas tarefas. Considerá-las apenas<br />
“esposas” é incorreto, segundo Mazurana e Carlson (2004). Vale lembrar que 60 por cento da<br />
população estudada relataram sua condição de “esposas”, mas apenas 8 por cento delas não<br />
tinham outro papel.<br />
Segundo Mazurana e McKay (2003), a percepção generalizada das meninas e jovens<br />
mulheres é de que era necessário entregar uma arma para participar do programa de DDR.<br />
Muitas delas não possuíam armas para entregar e muitas outras tiveram suas armas<br />
confiscadas, em muitos casos por seus comandantes, ou mesmo por seus “maridos”, para<br />
benefício próprio.<br />
Estes fatos compõem os principais fatores responsáveis pela restrição à participação<br />
das meninas em programas de DDR em Serra Leoa. Conforme nossa hipótese inicial, houve<br />
nessa iniciativas falhas graves, e elas atingiram em especial a população feminina, que foi<br />
33
prejudicada dentro de uma situação que, por si só, já seria dramática para todas as pessoas<br />
que, de uma forma ou de outra, viram-se envolvidas no conflito.<br />
34
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS PROGRAMAS DE DDR PARA MENINAS EM<br />
SERRA LEOA<br />
A preocupação seguinte de nossa análise é relativa às dificuldades encontradas pelas<br />
meninas regressas de grupos de conflito, em serem inseridas nos programas de DDR. Esta<br />
tarefa não poderia ser concluída sem considerarmos as experiências e impressões destas<br />
jovens, a partir do que se deveria definir quais participariam dos programas. Uma vez<br />
estabelecido este grupo, nos preocupamos em avaliar em que medida foram suas necessidades<br />
supridas.<br />
As meninas fazem parte de um grupo que desaparece entre as categorias “criança” e<br />
“mulher”. As suas necessidades e experiências particulares não são abordadas<br />
adequadamente; os programas de DDR as ignoram. Muitas vezes estes programas subestimam<br />
a quantidade de meninas envolvidas nos conflitos armados e não as consideram “soldados<br />
verdadeiros” (UNICEF, 2005: 53 apud, PARK, 2006: 323).<br />
Os programas de DDR são elaborados para atender as necessidades de indivíduos que<br />
participaram de grupos armados durante uma guerra. É um processo que acontece durante o<br />
período de transição da guerra para a paz, que necessita de um ambiente seguro para a<br />
instauração de uma estabilidade de longo prazo. Para obter este ambiente seguro, é preciso<br />
que os agentes propagadores da violência sejam impedidos de agir.<br />
Surge uma série de impedimentos para reverter o quadro de violência, o que dificulta o<br />
auxílio aos que participaram do conflito. É justamente este o momento de atuação dos<br />
programas de DDR.<br />
Independente da tarefa realizada pelo membro de um grupo armado durante a guerra,<br />
este geralmente encontrará dificuldade para se adaptar novamente à sociedade. Seja por uma<br />
dificuldade pessoal ou por uma rejeição por parte de sua família e comunidade. Isto acontece<br />
frequentemente, pois muitos dos combatentes em Serra Leoa cometeram atrocidades com<br />
membros de suas próprias comunidades. Assim, ao final da guerra, quando retornavam,<br />
reencontravam as vítimas dessas atrocidades.<br />
Os programas de DDR guiam os combatentes pelo processo de desarmamento,<br />
desmobilização e reinserção na sociedade até que estes completem o processo de reabilitação,<br />
35
auxiliando cada passo até a conclusão deste procedimento. Para chegar a este estágio cada<br />
etapa deve ser executada na sua amplitude.<br />
O programa de DDR realizado em Serra Leoa deveria servir de modelo para outros<br />
programas. Porém, a partir de dados utilizados pelo estudo, Girls in Militaries,<br />
Paramilitaries, Militias and Armed Opposition Groups (ICHRDD) é possível perceber uma<br />
disparidade entre o número de meninas que participavam dos grupos armados e o número de<br />
meninas inscritas nos programas de DDR de Serra Leoa.<br />
Foi identificado um total de 48 216 crianças-soldados no conflito de Serra Leoa;<br />
destas, 12 065 eram meninas, porém apenas 506 delas participaram dos programas de DDR.<br />
Pode-se dizer que o número de meninas que participaram de algum grupo armado e que<br />
efetivamente passaram por algum programa de DDR é ínfimo. Estes números põem em<br />
questão o real sucesso desse programa, que apresenta uma porcentagem muito pequena de<br />
meninas inscritas em relação à quantidade das participantes em algum grupo armado.<br />
Existem algumas explicações para estes números que demonstram falhas no processo<br />
de elaboração e implementação dos programas, impedindo a participação de meninas.<br />
Conforme apontado no capítulo anterior, estes problemas se resumem à falta de<br />
reconhecimento da atuação ou da própria participação das meninas em grupos armados, a<br />
proibição da participação das „esposas‟ nos programas e a necessidade de entregar uma arma<br />
de fogo além de realizar um teste de conhecimento de armas .<br />
Para avaliarmos tais problemas devemos considerar que a falta de reconhecimento<br />
deveu-se ao mito difundido de que as meninas e mulheres não estavam envolvidas em grupos<br />
armados. Idéias propagadas por figuras bastante influentes no conflito como os lideres dos<br />
grupos armados e até membros do governo.<br />
Preocupados com a repercussão junto a comunidade internacional, uma vez que o<br />
conflito tomava grandes proporções, os lideres dos grupos armados e forças do governo<br />
procuravam esconder a participação de crianças e principalmente das meninas, dos órgãos<br />
envolvidos no processo de instauração da paz em Serra Leoa.<br />
Isto para que não fossem evidenciadas todas as atrocidades que aconteciam<br />
desenfreadamente durante o conflito, tais como o recrutamento de crianças, amputações<br />
mortes, torturas, estupros, casamentos forçados, entre outros.<br />
36
Diante do fato de se crer que meninas e mulheres não estavam envolvidas em grupos<br />
armados, foi difundido genericamente que elas não participaram como soldados e assim foram<br />
impedidas de tomar parte e usufruir dos benefícios concedidos pelos programas de DDR,<br />
prejudicando consideravelmente a sua reabilitação ao fim da guerra.<br />
Outra explicação para o limitado número de participantes nos programas era a<br />
restrição imposta por oficiais do DDR que definiram que „esposas‟ não poderiam usufruir dos<br />
seus benefícios, uma vez que eram apenas dependentes. Segundo oficiais, os programas eram<br />
estritamente para combatentes, já que estes tiveram que se deparar com as atrocidades da luta<br />
armada.<br />
Este pensamento não condiz com a realidade enfrentada pelas milhares de meninas<br />
que foram recrutadas para participar nos conflitos, ou nas atividades desenvolvidas pelos<br />
grupos armados. Todos envolvidos na guerra foram vítimas de violência, física ou<br />
psicológica, e portanto seriam merecedores de apoio para facilitar sua reintegração na<br />
comunidade e família.<br />
Como previamente informado, a atuação das meninas soldado era ainda mais<br />
abrangente do que a de meninos, uma vez que possuíam múltiplas tarefas. Assim é incorreto<br />
presumir que estas meninas eram apenas dependentes, afinal a sua participação não estava<br />
limitada ao papel de „esposas‟. Segundo Mazurana e Carlson (2004), sessenta por cento da<br />
população de estudo relatou que eram „esposas‟, mas apenas oito por cento delas não<br />
possuíam outro papel.<br />
Baseado nestas informações pode-se dizer que é equivocado restringir a participação<br />
das „esposas‟ uma vez que um número muito pequeno delas não possuía outra atividade junto<br />
ao grupo. Porém, independente da função exercida dentro do grupo armado, todos os<br />
indivíduos que dele participam, estão suscetíveis a presenciar e até participar das mais<br />
terríveis ocorrências durante a guerra.<br />
O terceiro problema que impediu a participação de meninas nos programas de DDR,<br />
diz respeito aos métodos utilizados pelos agentes responsáveis pelo processo de<br />
desarmamento. Os métodos que determinavam quais indivíduos poderiam participar dos<br />
programas de DDR consistiam da entrega de uma arma, e um teste para definir quem possuía<br />
habilidade de montar e desmontar uma arma do tipo AK-47, a mais utilizada durante o<br />
conflito em Serra Leoa.<br />
37
Toda a população que fez parte do estudo do ICHRDD e que participou dos programas<br />
de DDR relatou ter passado pelo teste de conhecimento de armas e uma grande parte teve de<br />
entregar uma arma, inclusive as crianças.<br />
Muitas meninas relataram que não puderam tomar parte dos programas de DDR, por<br />
não possuírem armas, ou porque não participaram ativamente do combate, ou por terem tido<br />
suas armas confiscadas por seus „maridos‟ ou comandantes de grupo.<br />
Mesmo nem sempre havendo a necessidade, a percepção generalizada das meninas era<br />
de ser preciso entregar uma arma para participar dos programas assim, conclui-se que este<br />
fato provavelmente restringiu a quantidade de meninas que procurassem assistência, por<br />
acreditaram que não seria possível participar.<br />
Porém, possuir ou não uma arma não indica se o indivíduo teve participação ativa no<br />
conflito, afinal como mencionado anteriormente meninas tiveram suas armas confiscadas por<br />
comandantes ou seus „maridos‟ para que eles usufruíssem dos benefícios oferecidos pelos<br />
programas de DDR.<br />
Paira dúvidas no teste de armas na medida em que se trata de um método equivocado<br />
para se determinar quais indivíduos deveriam ter participado dos programas de DDR. Sabe-se<br />
que nem todos os membros de grupos armados atuaram exclusivamente como combatentes,<br />
ao estipularem que, apenas aqueles que utilizaram armas durante os combates necessitam de<br />
auxilio para a reabilitação, desconsidera-se a atuação dos demais envolvidos no conflito.<br />
Este fato se configura como uma falha dos programas de DDR por não considerarem<br />
que existiram pessoas que não atuavam ativamente no conflito, mas estas também viveram o<br />
contexto da guerra e necessitavam de auxilio para sua reinserção na sociedade e futura<br />
reabilitação.<br />
A partir destes fatos concluímos que os programas de DDR e os procedimentos neles<br />
aplicados não cogitavam de forma abrangente a inclusão dos que participara de grupos<br />
armados, prejudicando especificamente as meninas. São programas essencialmente voltados<br />
para indivíduos do sexo masculino que tiveram atuação como combatentes durante o conflito.<br />
38
3.1 Meninas que participaram de programas de DDR em Serra Leoa<br />
Apesar da existência de restrições à participação de meninas nos programas de DDR,<br />
506 meninas participaram do DDR em Serra Leoa, um número pequeno, quando<br />
consideramos o total de meninas envolvidas em grupos armados.<br />
Estas relataram a existência de uma série de falhas quanto a provisão das necessidades<br />
específicas, quando entravam para os programas, tais como a falta de roupas adequadas e de<br />
materiais de higiene (sabonete, shampoo,e absorventes). Relataram ainda que não tinham<br />
acesso a médicos quando solicitado (MAZURANA e McKAY, 2003: p.15).<br />
Estes exemplos são suficientes para demonstrar que, as necessidades especificas das<br />
meninas e mulheres não foram levadas em consideração durante o processo de elaboração dos<br />
programas de DDR. Afinal, a falta de roupas adequadas, que geralmente não eram de tamanho<br />
correto, mostra que os agentes responsáveis não consideraram a quantidade, ou<br />
desconsideraram completamente a existência de meninas envolvidas no conflito, e que<br />
necessitariam de DDR.<br />
Os materiais de higiene são essenciais para assegurar a saúde das meninas, visto que<br />
elas menstruam e necessitam de absorventes íntimos e materiais adequados para a<br />
higienização apropriada. Esta é mais uma questão específica das meninas, mas que deveriam<br />
ter sido consideradas na elaboração dos programas, uma vez que são considerados materiais<br />
de higiene básicos.<br />
A questão da falta de assistência médica é preocupante para todo e qualquer indivíduo<br />
que participe de programas de DDR, afinal, num contexto de guerra espera-se que existam<br />
muitos feridos que necessitam de tratamento imediato. Porém é crucial que as meninas<br />
disponham deste atendimento, uma vez que algumas delas possam estar grávidas. Estes<br />
cuidados são essenciais para o bom andamento da gestação, e para assegurar a saúde de mãe e<br />
filho.<br />
Muitas meninas sofrem violência sexual, inclusive praticas de „casamento forçado‟,<br />
uma escravidão domestica e sexual, e acabam engravidando. Estima-se que a idade da maior<br />
parte das „esposas‟ seja entre 9 e 19 anos (MAZURANA e McKAY, 2004: 93), estas meninas<br />
são extremamente novas e são obrigada a lidar com todos os desafios da maternidade numa<br />
idade que nem todas se encontram preparadas.<br />
39
Estes são perfeitos exemplos de como os programas de DDR não foram propriamente<br />
elaborados para receberem mulheres e meninas na medida em que não estavam preparados<br />
para assessorá-las com suas necessidades singulares, que são exclusivas do sexo feminino.<br />
3.2 A Visão das meninas-soldados<br />
A seguir assinalamos alguns dos principais obstáculos mencionados pelas meninas<br />
envolvidas em conflitos armados, que permitem compreender as dificuldades encontradas<br />
para o sucesso de suas reintegrações.<br />
De acordo com o estudo realizado pelo ICHRDD, cinquenta por cento das meninas<br />
apontou a falta de comida, roupas e moradia como maior obstáculo para sua reintegração. Já<br />
quarenta e nove por cento consideravam que treinamentos profissionalizantes eram um fator<br />
importantíssimo para ajudar este processo. Grande parte das meninas não puderam participar<br />
de cursos profissionalizantes por não disporem de serviços que cuidassem de seus filhos<br />
(MAZURANA e McKAY, 2003).<br />
Acreditamos ser interessante apontar estes obstáculos uma vez que todos são<br />
abordados durante os programas de DDR. Todos os participantes de DDR recebem auxilio<br />
para enfrentar a difícil missão de voltar a uma vida „normal‟ ou similar com a que viviam<br />
anteriormente ao conflito. Para isso recebem suprimentos básicos e podem participar de<br />
cursos profissionalizantes nos centros de DDR, até que chegue o momento que estão prontos<br />
para voltarem as suas famílias e comunidades.<br />
Assim, estes obstáculos apontados pelas meninas podem ser considerados empecilhos<br />
especialmente para elas, uma vez que muitas não participam do DDR, por conta das<br />
deficiências na elaboração dos programas como mencionadas anteriormente.<br />
3.3 A Corte Especial para Serra Leoa<br />
Para o presente trabalho iremos abordar apenas às questões sobre a Corte Especial de<br />
Serra Leoa relevantes para o mesmo, abordando assim, apenas o julgamento do recrutamento<br />
de crianças soldado e o fato do casamento forçado ter se tornado um crime contra a<br />
humanidade.<br />
40
A Corte Especial para Serra Leoa foi estabelecida pelo Governo do país, juntamente<br />
com a ONU. Essa Corte foi incumbida de levar à justiça os maiores responsáveis pelas<br />
violações de direito humanitário e das leis de Serra Leoa. A Corte é o primeiro tribunal<br />
fundado inteiramente por contribuições voluntárias de vários governos e visa julgar os crimes<br />
perpetrados em todo território de serra Leone desde 30 de novembro de 1996(SCLC, s/d)<br />
Treze acusações foram formalizadas pelo Promotor em 2003. Duas destas<br />
subsequentemente foram retiradas em dezembro de 2003 devido ao falecimento dos acusados<br />
(SCSL, s/d). Os julgamentos de três ex-lideres da AFRC, dois membros da CDF, e três ex-<br />
lideres da RUF foram concluídos.<br />
A Corte Especial de Serra Leoa vem processando várias pessoas, entre elas,<br />
CHARLES TAYLOR (ex-presidente da Libéria), FODAY SANKOH (líder da RUF- já<br />
falecido); todos acusados de recrutar ou sequestrar crianças, para serem treinados e<br />
posteriormente usados em ativo combate (SCSL, s/d)<br />
O julgamento de Charles Taylor, está atualmente na última fase do julgamento no<br />
Tribunal de Haia (SCSL, s/d).<br />
A Corte Especial para Serra Leoa deu à Promotoria permissão para realizar uma<br />
emenda, que considera o casamento forçado um crime contra a humanidade: “Crimes Against<br />
Humanity-Other Inhumane Acts (Forced Marriage).” Esta emenda permite a instauração<br />
formal de um processo nos casos de „casamento forçado‟ segundo o artigo 2.i do estatuto.<br />
Esta é a primeira emenda deste tipo, e segue a tendência da justiça internacional<br />
especificamente focada em crimes de gênero (Park, 2006).<br />
Essa instauração formal do processo nos casos de “casamento forçado” cria um<br />
precedente significativo na medida em que chama atenção para a situação específica das<br />
meninas em conflitos (Park, 2006).<br />
41
CONCLUSÃO<br />
Expusemos nos capítulos precedentes uma série de dados e características referentes<br />
aos conflitos ocorridos em Serra Leoa. A partir disso concluimos que toda uma geração,<br />
particularmente de crianças, sofreram as agruras de uma guerra civil, a qual certamente não<br />
foi fruto de uma escolha pessoal. Não fosse essa situação por si só suficientemente injusta,<br />
detectamos no seu interior uma segunda injustiça, no que diz respeito à condição feminina.<br />
A presença, os papéis e experiências das meninas que participaram de grupos armados<br />
em Serra Leoa são complexos e tal complexidade é maior do que qualquer pesquisa<br />
bibliográfica possa abarcar, por mais que conte amplamente com relatos pessoais.. Tal<br />
avaliação imprecisa resultou em erros operacionais e programáticos por parte das Nações<br />
Unidas, organizações multilaterais, ONGs internacionais e o governo de Serra Leoa. Em<br />
suma, a atenção inadequada às meninas, juntamente com uma falta de sensibilidade sobre suas<br />
circunstâncias e necessidades específicas, teve um impacto negativo sobre o processo de<br />
DDR, como um todo, neste país por nós analisado.<br />
A inclinação ao não reconhecimento de meninas em grupos armados na concepção e<br />
execução de programas DDR resultou na quase exclusão da mulher e ainda mais das meninas<br />
dos programas de DDR e os benefícios propostos por estes. Ressaltamos que os centros e<br />
procedimentos de DDR foram fundamentalmente criados para acomodar um número grande<br />
de combatentes do sexo masculino. Não foi dada a devida atenção às experiências singulares a<br />
que as meninas foram submetidas durante a guerra, e depois dela, na sua reintegração à<br />
sociedade. Seus direitos não foram protegidos, e com essa forma de exclusão, acaba-se por<br />
compromter o próprio funcionamento da sociedade, na qual elas se tornarão mulheres, futuras<br />
mães, esposas e profissionais.<br />
Abordagens alternativas devem ser exploradas para atender às necessidades,<br />
aspirações e direitos de todos os indivíduos, que de alguma forma foram afetados por guerras.<br />
Alguns programas internacionais reconheceram a necesidade de tratar da reinserção a partir<br />
da perspectiva dos ex-combatentes (MAZURANA and CARLSON, 2004: 26). Ao analisar os<br />
problemas que ex-combatantes enfrentam no contexo pós-guerra, e ao destrinchar as<br />
necessidades individuais dos sub-grupos no interior dos grupos armados, fica evidente que é<br />
mais eficiente elaborar um programa específico, que englobe as necessidades pontuais deste<br />
núcleo de pessoas, a partir de programas já existentes. Ao criar um programa específico<br />
42
facilita o processo de DDR destes individuos, visto que as necessidades pontuais serão<br />
consideradas e tratadas especificamente. Além destes programas poderem criar oportunidades<br />
necessárias para que tais indivíduos possam evoluir no processo de recuperação para<br />
finalmente superar as adversidades e integrar-se da melhor forma possível em suas<br />
comunidades.<br />
Desta forma as reais necessidades deste núcleo são abordadas de acordo com suas<br />
esperiências, certificando-se que os programas especificos disponibilizem os tratamentos<br />
adequados para cada realidade. Assim, propomos que a elaboração dos programas de DDR<br />
sejam realizados de forma a considerarem abordagens alternativas as utilizadas<br />
costumeiramente. Uma das recomendações feitas por Dyan mazurana e Susan McKay (2003),<br />
ao Governo de Serra Leoa, a ONU, e às ONGs internacionais é, avaliar a situação de crianças<br />
soldado de diversos grupos em conflito e e desenvolver objetivos específicos, estratégias<br />
eatividades dentro dos programas de DDR (p.14).<br />
Cremos que esta recomendação sugere a identificação da situação das crianças para<br />
que assim possa elaborar um programa em cima das reais necesssidades e expectativas do<br />
grupo, tornando-se mais eficiente.<br />
Na análise de Mazurana e McKay (2003), esta necessidade se apresenta uma vez que<br />
as necessidades e direitos de muitas meninas são desconsideradas por estes programas.<br />
Certificando-se que existe um grupo prejudicado por falhas na elaboração do DDR,<br />
propomos que estes considerem abordagens que trabalhem nas necessidades pontuais dos<br />
indivíduos que seram reabilitados.<br />
43
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46
SUMÁRIO<br />
CAPÍTULO 1 – A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS E OS DIREITOS<br />
DAS CRIANÇAS NA QUESTÃO DA UTILIZAÇÃO DE CRIANÇAS-SOLDADOS EM<br />
CONFLITOS ARMADOS ...................................................................................................................... 5<br />
1.1 Direitos humanos .......................................................................................................................... 5<br />
1.1.1 Direitos das crianças ............................................................................................................. 7<br />
1.1.2 Serra Leoa .............................................................................................................................. 7<br />
1.2 Direito Internacional Humanitário ................................................................................................ 9<br />
1.3 Conflito Armado ......................................................................................................................... 10<br />
1.4 Crianças-soldados ....................................................................................................................... 10<br />
1.5 Meninas-soldados ........................................................................................................................ 13<br />
1.6 Gênero ......................................................................................................................................... 13<br />
1.7 Internally Displaced Persons (IDPs) ........................................................................................... 14<br />
1.8 Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) ............................................................ 14<br />
CAPÍTULO 2 – O CONTEXTO HISTÓRICO DO CONFLITO DE SERRA LEOA ......................... 19<br />
2.1 Contexto histórico ....................................................................................................................... 19<br />
2.2 DDR: Construção e implementação em Serra Leoa .................................................................... 23<br />
2.3 Crianças-soldados em Serra Leoa ............................................................................................... 27<br />
2.3.1 Meninas-soldados................................................................................................................. 27<br />
2.4 A presença e a atuação de meninas em grupos armados ............................................................. 31<br />
2.4.1 Presença de meninas em programas de DDR ...................................................................... 32<br />
2.4.2 Problemática dos programas de DDR para a inclusão de meninas .................................... 33<br />
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS PROGRAMAS DE DDR PARA MENINAS EM SERRA LEOA . 35<br />
3.1 Meninas que participaram de programas de DDR em Serra Leoa .............................................. 39<br />
3.2 A Visão das meninas-soldados .................................................................................................... 40<br />
3.3 A Corte Especial para Serra Leoa ................................................................................................... 40<br />
CONCLUSÃO ...................................................................................................................................... 42<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................. 44<br />
47