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Revista Estratégica vol.9 - Faap

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<strong>Estratégica</strong><br />

volume 9 • número 8 • junho 2010<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores<br />

que interferem na valorização da marca<br />

Jose Eduardo Amato Balian<br />

Aspectos de uma reestruturação produtiva<br />

sustentável no Brasil<br />

Walter Gomes da Cunha Filho<br />

<strong>Revista</strong> da Faculdade de Administração<br />

James Buchanan e a “Política”<br />

na escolha pública<br />

Marco Antonio Dias<br />

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de<br />

Desenvolvimento Economico: Uma Análise<br />

da Experiência Internacional & Brasileira<br />

Raul Gouvea<br />

Produção de Conhecimento em Cursos<br />

de MBA: opções metodológicas para o<br />

desenvolvimento de monografias<br />

Celi Langhi<br />

Desenvolvimento financeiro e crescimento<br />

econômico<br />

Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos<br />

Aspectos Negociais do Plano de Contas<br />

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e<br />

Márcio Lopes Pimenta<br />

ISSN 1519-4426<br />

Finanças comportamentais: aspectos<br />

teóricos e conceituais<br />

Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato<br />

Ética e as linhas mestras do Código das<br />

Melhores Práticas de Governança<br />

Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro<br />

de Governança Corporativa<br />

Maria do Carmo Whitaker e<br />

José Maria Rodriguez Ramos


volume 9 / número 8/ junho de 2010<br />

ISSN 1519-4426<br />

FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO<br />

Rua Alagoas, 903 - Higienópolis<br />

São Paulo, SP - Brasil


<strong>Estratégica</strong>/ Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado.<br />

Vol. 9, n. 8 (2010) - São Paulo: FA-FAAP, 2010<br />

Semestral<br />

1. Administração – Periódicos. I. Fundação Armando Alvares Penteado. Faculdade<br />

de Administração.<br />

ISSN 1519-4426


volume 9 / número 8/ junho de 2010<br />

Sumário<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na<br />

valorização da marca<br />

Jose Eduardo Amato Balian<br />

Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil<br />

Walter Gomes da Cunha Filho<br />

James Buchanan e a “Política” na escolha pública<br />

Marco Antonio Dias<br />

Nanotecnologia: Um Ponto de Inflexao na Criacao de Novas Novas<br />

Vantagens Competitivas<br />

Raul Gouvea<br />

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas<br />

para o desenvolvimento de monografias<br />

Celi Langhi<br />

Finanças Comportamentais: Aspectos Teóricos e Conceituais<br />

Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato<br />

Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico<br />

Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos<br />

Aspectos Negociais do Plano de Contas<br />

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e Márcio Lopes Pimenta<br />

Ética e as linhas mestras do Código das Melhores Práticas de<br />

Governança Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança<br />

Corporativa<br />

Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos<br />

5<br />

25<br />

32<br />

46<br />

68<br />

82<br />

103<br />

115<br />

125


Resumos de Monografia<br />

Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de<br />

Bem-Estar Social<br />

Vanessa Martines Cepellos<br />

A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento por<br />

parte das Empresas Brasileiras<br />

Andréia Ghion e Horciliano Marques<br />

Responsabilidade social empresarial a contribuição dos relatórios<br />

sociais para a sua gestão estratégica<br />

Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares<br />

O uso de redes sociais como ferramenta de CRM em São Paulo e<br />

Barcelona<br />

Laura Melaragno<br />

A influência dos fatores socioambientais no processo de decisão de<br />

compra do consumidor<br />

Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França<br />

e Raissa Maria Ribeiro Oiticica<br />

Sistema jurídico e desenvolvimento econômico: A busca pela eficiência<br />

e o caso brasileiro<br />

José Rubens Vivian Scharlack<br />

Resenha<br />

A Arte da Guerra<br />

Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira<br />

Orientação para colaboradores<br />

134<br />

141<br />

147<br />

154<br />

161<br />

168<br />

175<br />

181


Inovação e estratégia de luxo<br />

como fatores que interferem<br />

na valorização da marca<br />

Resumo:<br />

O presente estudo relacionado à<br />

Formação de Preços, Distribuição e<br />

Inovação de Produtos e Serviços visa<br />

contribuir no desenvolvimento de<br />

formas de se agregar valor às Marcas<br />

de Organizações Globais que atuem no<br />

Mercado de Luxo.<br />

A formação de preços é mostrada<br />

como o resultado de uma estratégia<br />

refletindo tudo aquilo que deu certo ou<br />

eventualmente deu errado no dia a dia<br />

dos negócios e desta maneira contribuir<br />

para aumentar ou diminuir a percepção<br />

de valor da marca pelos clientes nos<br />

períodos seguintes.<br />

Os produtos e serviços foram divididos<br />

em grupos conforme seu grau de<br />

distribuição e acesso e as empresas<br />

ranqueadas através seu grau de<br />

inovação. Posteriormente, esses dados<br />

foram comparados com a variação do<br />

valor das marcas no período estudado.<br />

Os resultados obtidos foram<br />

surpreendentes, pois, mostram que<br />

antes da crise mundial deflagrada<br />

em 2008, a inovação não é o fator<br />

determinante na valorização das Marcas<br />

Jose Eduardo Amato Balian ∗<br />

∗ Mestre em Administração de Empresas. Professor da Faculdade de Administração da FAAP. E-mail: <br />

e sim, a distribuição limitada e o acesso<br />

restrito aos consumidores desses tipos<br />

de bens.<br />

No entanto, a partir desta, a situação se<br />

inverte uma vez que foi a inovação o fator<br />

fundamental para a maior valorização<br />

das marcas e não a distribuição limitada<br />

e o acesso restrito aos bens.<br />

O consumidor de bens de luxo não<br />

alterou sua maneira de “ver” os bens<br />

nos últimos cinco anos, mas estratégias<br />

de precificação nos demais setores da<br />

economia ajudaram no processo de<br />

valorização menor dessas marcas.<br />

Palavras chave: valor – marcas –<br />

estratégia.<br />

Abstract<br />

The study related to the Price’s Formation,<br />

Distribution and Innovation of Products<br />

and Services purposes a contribution<br />

to the development of manners to add<br />

value to Brand Global Organizations acts<br />

on the Luxury Market.<br />

The price’s formation is a consequence of<br />

the result of a strategy that reflexes what<br />

went right or eventually, went wrong<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />

5


in the every day business. In this way,<br />

it is possible a contribution to increase<br />

or decrease the value’s perception of a<br />

brand by the clients in the next periods.<br />

The products and services were divided<br />

in groups according to their levels of<br />

distribution and access; the companies<br />

were separated according to their<br />

innovation level. Subsequently, these<br />

data were compared to the value’s<br />

variation of the brands in the studied<br />

period.<br />

The results obtained were surprised,<br />

because they show that before the<br />

world crisis of 2008, the innovation is<br />

not the most important determinant<br />

factor of valorization of the brands, but<br />

it is on the limited distribution and the<br />

restrict access of consumers of this kind<br />

of goods.<br />

However, the situation reverses because<br />

Introdução<br />

Os mercados de luxo assim como a inovação são alvo de mudanças estratégias<br />

e grandes investimentos para a conquista de novos mercados, diferenciação e<br />

vantagem competitiva.<br />

Um dos resultados importantes para avaliar os esforços das empresas é o<br />

valor agregado ao cliente, à empresa, à sociedade e aos stakeholders que, em<br />

conseqüência, gera aumento no valor da marca. Entretanto, são apresentadas<br />

por diversos autores inúmeras formas de agregar valor ao produto ou serviço<br />

oferecido.<br />

Tendo como base dados fornecidos pela – The World’s 50 Most Innovative Companies<br />

(tabela 8 em anexo) elaborado pelo Boston Consulting Group’s e publicado anualmente<br />

na Business Week em RELATÓRIO ESPECIAL (2010) e na Best Global Brands (tabela 9<br />

em anexo) feito pela INTERBRAND (2010) observam-se:<br />

a) Considerando o período entre 2008 e 2009 apenas duas empresas<br />

automobilísticas com forte atuação no mercado de bens de luxo estão no ranking<br />

das empresas mais inovadoras, a B.M.W. (14ª. e 20ª.) e a Mercedes Bens ( 31ª. e 29ª.).<br />

Observa-se que em 2010 apenas a B.M.W. está no ranking na 18ª. colocação.<br />

b) Considerando o período antes da crise econômica mundial, a relação de<br />

variação do valor das 100 melhores marcas das empresas do setor automotivo<br />

que se posicionam no mercado de luxo foi em média de 2,6 vezes maior do que<br />

a variação das empresas do setor automobilístico em geral, isto é, 39,3% contra<br />

15,2%, (tabelas 1, 2 e 7 em anexo).<br />

6<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

the innovation was the main factor to a<br />

major valorization of the brands, and not<br />

the limited distribution and the restrict<br />

access to the goods.<br />

The luxury goods consumers haven’t<br />

changed the way of “see” these<br />

goods in the last five years. However,<br />

strategies to determinate prices in the<br />

several economical sectors helped the<br />

valorization’s process of these brands.<br />

Key words: value- brands- strategy.


Tal relação se amplia depois de detonada a crise onde as marcas das empresas<br />

automotivas do setor de luxo valorizaram-se em média 36,2% contra uma<br />

desvalorização média de 30,6% das restantes do setor automobilístico.<br />

c) Da mesma forma, considerando as empresas dos setores, tais como: moda,<br />

joalheria, perfumes e acessórios, com posicionamento claro no mercado de luxo<br />

a valorização média foi de uma vez e meia (1,5) se comparada com o setor de<br />

informática e de quase duas vezes (1,9) maior que a valorização do setor de consumo<br />

de eletrônicos, (tabelas 3, 4 e 7 em anexo) antes da crise.<br />

Iniciada a recessão mundial, o mercado muda radicalmente e a variação<br />

média de valorização das marcas do setor de informática foi de três vezes e meia<br />

(3,5) frente à variação das marcas do mercado de luxo e de quase duas vezes e<br />

meia (2,3) do mercado de consumo eletrônico frente à valorização média desse<br />

mesmo tipo de bens.<br />

As empresas do setor de informática e consumo de eletrônicos que estão nas<br />

primeiras posições do ranking (Tabela 9 em anaxo) tiveram em média valorização<br />

de suas marcas bem menores que a média de valorização das empresas no setor<br />

de bens de luxo com a economia mundial em crescimento e bem maiores quando<br />

a economia mundial passou a declinar.<br />

Em razão desse contexto emergiu a questão: Qual a relação entre inovação e o<br />

valor das marcas que se posicionam no mercado de luxo e fora dele? Essa questão<br />

gerou a idéia de desenvolvimento do presente estudo com o objetivo de verificar<br />

a relação da inovação com o valor das marcas e as conseqüências advindas desse<br />

processo para os stakeholders.<br />

Para se atingir esse objetivo, o trabalho buscou identificar: os fatores que<br />

agregam valor aos bens; a forma como a distribuição pulverizada de produtos<br />

e serviços afeta a percepção de valor por parte dos clientes; a maneira como as<br />

estratégias de precificação afetam a valorização das marcas de bens no mercado<br />

de luxo e fora dele e como a inovação de produtos está relacionada com a escassez<br />

e distribuição pulverizada.<br />

Parte-se de que a distribuição limitada e o acesso restrito têm contribuído mais<br />

na valorização das marcas de luxo nos últimos anos em relação à contribuição da<br />

inovação em produtos e serviços.<br />

Inicia-se o estudo com um estudo descritivo, onde os produtos e serviços foram<br />

divididos em grupos conforme seu grau de distribuição e as empresas ranqueadas<br />

através seu grau de inovação. Posteriormente, esses dados foram comparados com<br />

a variação do valor das marcas no período estudado.<br />

1 Revisão Bibliográfica<br />

1.1 Inovação<br />

Para Hesselbein et al. (2002/xi apud BARBIERI, 2004), inovação é a mudança que<br />

cria uma nova dimensão do desempenho. A partir da necessidade de geração de<br />

novo desempenho organizacional, Drucker (1998) define inovação como sendo a<br />

criação de novos valores e novas satisfações para o cliente.<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />

7


Para Drucker (2003) “inovação é o esforço para criar mudanças objetivamente<br />

focadas no potencial econômico ou social de um empreendimento”.<br />

Tidd et al. (2008) classificam os tipos de inovação quanto à sua intensidade ou<br />

grau. Podem ser: incrementais, semi-radicais e radicais.<br />

1.2 Valor<br />

O estudo procura mostrar formas de se agregar valor na visão de diversos<br />

autores:<br />

- aos bens de luxo fundamentado em duas linhas teóricas, a da emoção, de<br />

Casteréde (2005) e da identidade com a marca, de Lipovetsky (2005);<br />

- aos bens dos demais mercados tendo como base seis proposições teóricas:<br />

a de valor, de Porter (1995); e do deslocamento da curva de valor, de Steidmann<br />

(1995), a abundância em oposição a escassez, de Anderson (2006), a do poder das<br />

expectativas, de Ariel (2008), a das características do produto, de Beulke (2009) e<br />

da abordagem integrada, de Takahashi (2007).<br />

1.2.1 Valor no Mercado de Luxo<br />

Segundo Casterède (2005) “por definição, o domínio do luxo é o da excelência<br />

e da emoção, não se deve enganar no produto, nem na criação e inovação, nem<br />

na qualidade, nem no preço, nem na acolhida”.<br />

O preço é diretamente proporcional a expectativa que o cliente tem do<br />

produto e não pode ser o fator determinante na decisão de compra. Complementa<br />

com a necessidade de escassez da oferta para manter preços elevados e apresenta<br />

no quadro abaixo três níveis de distribuição e acessibilidade de produtos por<br />

parte dos consumidores. Os bens dentro do círculo interno são mais escassos com<br />

distribuição restrita ao contrário dos bens pertencentes ao círculo maior.<br />

8<br />

Fonte: Casteréde - luxo: os segredos dos produtos mais desejados do mundo.<br />

Ano:2005<br />

Quadro 1 - Distribuição e Acesso a Bens<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Para Lipovetsky (2005, p. 113):<br />

[...] um produto de luxo é um conjunto: um objeto (produto ou serviço), mais<br />

um conjunto de representações: imagens, conceitos, sensações, que são<br />

associados a ele pelo consumidor e, portanto, que o consumidor compra<br />

com o objeto e pelos quais está disposto a pagar um preço superior ao que<br />

aceitaria pagar por um objeto ou um serviço de características funcionais<br />

equivalentes, mas sem essas representações associadas.<br />

Destaca que as marcas de luxo são reconhecidas por altíssima qualidade de<br />

seus produtos pelo fato de ser re (conhecida) internacionalmente, com produtos<br />

muito caros de um estilo inimitável.<br />

Atribui que:<br />

O cliente dos anos 1980 consumia marcas de luxo “custe o que custar”; o dos<br />

anos 1990 já não queria comprá-las “a qualquer preço”; o dos anos 2000, por<br />

sua vez, faz suas afinidades e identificações afetivas depender das marcas<br />

que sabem projetar sua identidade, reinterpretando-a de maneira criativa<br />

e coerente, na época ou em um outro universo. (LIPOVETSKY, 2005, p57):<br />

Antes que aos habituais arbítrios qualidade-preço, ela se entrega a um<br />

raciocínio “value for money” que prevalece atualmente.<br />

1.2.2 Valor para os demais Mercados<br />

Segundo Portes (1992, p.73) a forma como se trabalha na cadeia de valor é<br />

de vital importância no processo de valorização de produtos, apresenta a empresa<br />

como sendo “uma reunião de atividades que são executadas para projetar, produzir,<br />

comercializar, entregar e sustentar seu produto. Todas estas atividades podem ser<br />

representadas, fazendo-se uso de uma cadeia de valor”.<br />

Destaca a harmonia entre os agentes para o sucesso das operações, desde o<br />

planejamento, produção e distribuição de bens. Seu conceito de valor engloba o<br />

sistema distributivo.<br />

Em termos competitivos:<br />

[...] valor é o montante que os compradores estão dispostos a pagar por aquilo<br />

que uma empresa lhes fornece (...) Uma empresa é rentável, se o valor que ela<br />

impõe ultrapassa os custos envolvidos na criação do produto. Criar valor para<br />

os compradores que exceda o custo disto é a meta de qualquer estratégia<br />

genérica (NAGLE, 2007, p. 84).<br />

Explica que a cadeia é representada pela seqüência de atividades executadas<br />

por seus agentes desde a fabricação de componentes, do produto e no final a<br />

distribuição.<br />

O valor é criado quando uma empresa cria vantagem competitiva para seu<br />

comprador – reduz o custo de seu comprador ou eleva-lhe o desempenho.<br />

O valor criado para o comprador deve ser percebido por ele para que seja<br />

recompensado com um preço-prêmio, o que significa que as empresas devem<br />

comunicar seu valor aos compradores por meios como a propaganda e a força<br />

de vendas (NAGLE, 2007, p. 67).<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />

9


Almeida (2000) aponta que a existência de várias formas possíveis de<br />

comercialização, inclusive a internet e, que todos os agentes do canal terão que<br />

se adaptar e agregar mais de uma forma de comercialização em sua estrutura de<br />

distribuição. A adaptação a novas necessidades do mercado também se refere<br />

à variedade requerida pelo cliente e os serviços específicos que deverão ser<br />

oferecidos.<br />

Para Steidmann (1995) existe um novo critério de valor, cita o exemplo do<br />

FAX e das mudanças substanciais que ocorreram com ele e, o mais importante, o<br />

“novo paradoxo de valor”.<br />

Diz que “o efeito fax criou um novo critério de valor. Um deles está baseado<br />

na popularidade e não na escassez. Isso cria crescentes retornos de escala para<br />

varejistas que podem criar um efeito fax e adquirir vantagem competitiva”<br />

(STEIDMANN, 1995, p. 123).<br />

O aparelho de fax ganhou valor no mercado a partir da popularização de seu<br />

uso, para tanto, foi necessário a montagem de uma grande rede de distribuição<br />

em todo o planeta. Foi a pulverização do produto no mercado em contrapartida a<br />

escassez que gerou valor para o mesmo.<br />

Para Anderson (2006), as empresas conseguem faturar com produtos de nicho<br />

tanto quanto com os de hits. Isto é possível com a internet, já que o espaço físico<br />

não faz mais diferença (as prateleiras virtuais são infinitas). No fenômeno “Cauda<br />

Longa”, a regra é a abundância, em oposição à escassez dos mercados tradicionais.<br />

Quando há escassez faz sentido explorar aquilo que vende mais – os hits,<br />

best sellers, etc....No conceito da abundância, o “não hits” faz parte de uma parcela<br />

importante do faturamento e concorre com os sucessos de venda.<br />

Ariely (2008) cita um exemplo através de como a “perspectiva gerada” pode<br />

influenciar na satisfação ao se consumir um bem. Suponha que você soube que<br />

determinado carro esportivo é ótimo de dirigir, fez um test drive e, expressou sua<br />

opinião. Esta seria diferente daqueles que não sabiam nada sobre o carro esportivo,<br />

fizeram o test drive e, depois souberam que o carro era incrível e, então deram sua<br />

opinião.<br />

O conhecimento prévio ou posterior a experiência tem alguma relevância?<br />

E, em caso positivo, que tipo de dados é mais importante se recebidos antes ou<br />

depois de realizada a experiência? É para isso que existe o marketing, isto é, fornecer<br />

informações que aumentem o prazer previsto e real.<br />

Beulke (2009) defende que para proporcionar benefícios, um produto ou<br />

serviço deverá ser capaz de: a) realizar corretamente as tarefas e funções; b)<br />

solucionar problemas identificados e c) proporcionar satisfações específicas.<br />

Divide os fatores determinantes na criação do valor em práticos (qualidade,<br />

segurança, comodidade, conforto, economia, inovação e serviços) e psicológicos<br />

(qualidade, prestígio, imagem, estilo, design, novidade, concepção e adaptação).<br />

Complementa que uma política eficiente de preços nos canais de distribuição<br />

deve conter: a) definição clara do papel de cada agente (distribuidor, atacadista e<br />

10<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


varejista); b) definição das funções de cada canal para garantir preços equivalentes<br />

entre todos e garantir o abastecimento dos produtos; c) entendimento dos<br />

custos específicos de cada agente; d) controles dentro das leis das políticas de<br />

comercialização dos canais.<br />

Pelo menos duas estratégias de precificação são muito claras para os canais<br />

de distribuição: a primeira é colocar preços altos ao longo do ano e em ocasiões<br />

especiais oferecer grandes promoções com descontos agressivos para ganhar<br />

demanda e a segunda, é a de manter supostamente preços ideais e não praticar<br />

nenhuma promoção ao longo do ano.<br />

Beulke (2009) defende para o mercado de produtos de luxo a segunda<br />

estratégia, pois, “a empresa é voltada para um mercado de qualidade”. Por outro<br />

lado, se o foco é atender clientes que se preocupam com preços baixos, uma política<br />

de promoções agressiva será mais indicada.<br />

Em contrapartida aos critérios subjetivos de valorização de bens e marcas, a<br />

abordagem integrada de gestão de desenvolvimento apresentada por (TAKAHASHI,<br />

2007) é objetiva e tangível.<br />

Em seu modelo: Paradigma da Flexibilidade mostra elementos interrelacionados<br />

que permitem alterar o contexto de “inovação” de produtos para o<br />

de “soluções” de problemas e a organização ampliar sua forma de atuação interna<br />

e externamente.<br />

A ligação entre os ambientes internos e externos se dá por meio de alianças<br />

e parcerias que ampliam a gestão de conhecimento e cria mecanismos por parte<br />

da empresa de desenvolvimento de novas competências e transferência desses<br />

conhecimentos aos produtos e serviços prestados. Argumenta que é nesse<br />

ambiente que ocorre o desenvolvimento da visão do conhecimento.<br />

1.3 Formação de preços<br />

A precificação no mercado de luxo é complexa e pode levar à desvalorização<br />

da marca, conseqüente queda de rentabilidade e até inviabilizar economicamente<br />

a médio e longo prazo uma organização. Erros comuns cometidos na estratégia de<br />

precificação em geral não podem se repetir no mercado de luxo. Segundo Nagle<br />

(2007) os principais são os seguintes:<br />

Da Ilusão Custos mais Margem: o departamento financeiro fica sendo<br />

responsável pela precificação e inicialmente, calcula o custo do produto, fixa a<br />

margem de lucro, o preço final e as quantidades a serem vendidas que viabilizem<br />

o retorno econômico financeiro impostos pelos acionistas. Essa quantidade se<br />

transforma na “meta de vendas” e passa a ser o objetivo a ser alcançado por toda<br />

organização.<br />

Podem-se destacar pelo menos três problemas desse procedimento: o<br />

primeiro, diz respeito ao fato de não se consultar a opinião das demais áreas da<br />

organização; o segundo, está relacionado às conseqüências das decisões tomadas<br />

sobre precificação (ações e reações dos players) e como elas impactam os stakeholders;<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />

11


e o terceiro está ligado à dificuldade em se apurar o custo unitário do bem, pois,<br />

se a estratégia de precificação levar a um preço-baixo, as vendas aumentariam, os<br />

custos fixos se diluiriam com mais rapidez.<br />

Caso o rateio dos custos fixos não for feito corretamente e o erro for para cima,<br />

o bem ficará com preço-alto que comprometerá seu volume de vendas.<br />

Da precificação baseada em valor: uma vez percebido o erro de que o volume<br />

de vendas depende do preço fica evidente o círculo vicioso da formação baseada<br />

no custo e a única forma de se garantir uma precificação lucrativa é deixar que o<br />

preço previsto determine os custos incorridos e não ao contrário e desta maneira<br />

a precificação baseada no valor deve prevalecer e começar antes mesmo dos<br />

investimentos serem feitos.<br />

Da precificação baseada no cliente: uma vez que a precificação elaborada pelo<br />

departamento financeiro não gera o resultado esperado é comum se transferir o<br />

“problema” para o departamento de marketing, pois, imagina-se que este por lidar<br />

diretamente com o cliente “conhece bem seus desejos” ou compreende o valor<br />

“sob seu ponto de vista”.<br />

Quando os profissionais de marketing confundem o preço baseado no valor<br />

intrínseco do produto com o que captura mercado pode-se cair numa armadilha<br />

em fixar-se o preço de acordo com o que os clientes querem pagar, em vez do<br />

verdadeiro valor do produto.<br />

Precificação baseada na concorrência: nesse procedimento, ela se transforma<br />

numa ferramenta para se atingir “objetivos de vendas” e alguns gerentes realmente<br />

acreditam que desta forma estão agindo estrategicamente e ganhando mercado.<br />

No entanto, cabe questionar sobre os motivos que levam os gerentes a acreditarem<br />

que a maior participação de mercado resultará em lucros compensadores.<br />

Ao invés de precitadamente reduzir o preço, o gestor deve-se perguntar: o que<br />

mudou no mercado para tornar o preço de hoje inaceitável o como posso reparar<br />

isso? A redução do número de clientes e o aumento da concorrência com base no<br />

preço representam o ponto final de uma estratégia de precificação e não seu início.<br />

O departamento de marketing tem que ser capaz de comunicar valor e<br />

elaborar políticas de preço que incentivem os clientes adotar comportamentos<br />

de alto custo. O cliente deixar de pagar pelo valor percebido não pode justificar a<br />

queda nas vendas.<br />

1.4 Canais de distribuição<br />

Uma política eficiente de preços nos canais de distribuição deve conter: a)<br />

definição clara do papel de cada agente (distribuidor, atacadista e varejista); b)<br />

definição das funções de cada canal para garantir preços equivalentes entre todos e<br />

garantir o abastecimento dos produtos; c) entendimento dos custos específicos de<br />

cada agente; d) controles dentro das leis das políticas de comercialização dos canais.<br />

Pelo menos duas estratégias de precificação são muito claras para os canais<br />

de distribuição: a primeira é colocar preços altos ao longo do ano e em ocasiões<br />

12<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


especiais oferecer grandes promoções com descontos agressivos para ganhar<br />

demanda e a segunda, é a de manter supostamente preços ideais e não praticar<br />

nenhuma promoção ao longo do ano.<br />

Beulke (2009) defende para o mercado de produtos de luxo a segunda<br />

estratégia, pois, “a empresa é voltada para um mercado de qualidade”. Por outro<br />

lado, se o foco é atender clientes que se preocupam com preços baixos, uma política<br />

de promoções agressiva será mais indicada.<br />

2 Metodologia<br />

Para Selltiz (1994), os desenhos de pesquisa são principalmente de orientação<br />

exploratória, descritiva ou experimental. Os estudos exploratórios provêm<br />

informação sobre aspectos específicos dos fenômenos organizacionais, sobre os<br />

quais temos pouco conhecimento. São usados quando pouco se sabe sobre as<br />

organizações a serem estudadas.<br />

Os estudos descritivos orientam-se para a avaliação e categorização de<br />

características organizacionais previamente definidas. São feitos de molde a retratar<br />

detalhadamente vários aspectos da organização.<br />

Os estudos experimentais testam hipóteses causais das relações entre<br />

variáveis. Em geral são estabelecidos para controlar certas condições ambientais, de<br />

modo que, o pesquisador possa observar o efeito de uma variável ou de variáveis<br />

sobre os “sujeitos experimentais”.<br />

Cada um destes esquemas de pesquisa tem pontos fortes. Os exploratórios<br />

são para o investigador ficar conhecendo a situação organizacional no ponto de<br />

partida, e indicar características específicas da situação que merece investigação<br />

e descrição posteriores.<br />

Os estudos descritivos proporcionam fortes fundamentos para projetos<br />

experimentais mais elaborados que seriam, posteriormente, aplicados. Portanto, a<br />

exploração e a descrição são essenciais para o entendimento do comportamento<br />

organizacional.<br />

Os estudos experimentais permitem introduzir controle na situação que<br />

observamos. A observação dos comportamentos organizacionais, sob condições<br />

controladas, ajuda a melhorar o entendimento teórico de variáveis dentro de tais<br />

estruturas.<br />

Pela natureza do assunto na literatura e prática na administração foi adotada<br />

uma pesquisa descritiva através de pesquisa bibliográfica, levantamento e<br />

tratamento de dados.<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />

13


3 Análise dos Dados<br />

14<br />

Tabela 6 - Médias Consolidadas<br />

Variação da valorização das marcas<br />

Período antes da crise mundial Período pós crise mundial<br />

Setores<br />

Var.<br />

2004/2008<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

Var.<br />

2008/2009<br />

Var.<br />

2008/2010<br />

Set. Automotivo LUXO 39,30% -7,30% 36,20%<br />

Set. Automotivo Geral 15,20% -46,90% -30,60%<br />

Produtos de LUXO 59,70% -12,70% 22,80%<br />

Set. Serviços<br />

Informática 40,31% 2,27% 78,73%<br />

Set. Consumo<br />

Eletrônico 31,50% -2,39% 52,76%<br />

Fonte: Interbrand, 2010.<br />

3.1 Antes da Crise Econômica Mundial de 2008<br />

Os níveis de distribuição e acessibilidade de produtos mostrados no Quadro<br />

1, solidificam a relação entre escassez, compra pela emoção e, a identidade<br />

do consumidor com o valor atribuído aos produtos e contribui para justificar a<br />

valorização média maior das marcas de luxo em relação a valorização média das<br />

demais marcas nos mercados estudados conforme dados da Tabela 6 – Médias<br />

Consolidadas.<br />

A tabela 6 mostra que os setores automotivos e o de produtos no mercado de<br />

luxo tiveram suas marcas mais valorizadas que os setores automotivos em geral,<br />

de serviços de informática e de consumo de eletrônicos.<br />

Os produtos das empresas mais inovadoras são do setor de informática e de<br />

consumo de eletrônicos (Tabela 8 em anexo) – enquadram-se no terceiro nível de<br />

distribuição e possuem acessibilidade irrestrita conforme apresentado no Quadro 1.<br />

São úteis não são escassos e, tiveram valorização média menor 40,31% e<br />

31,50% respectivamente, contra 59,70% dos bens de luxo. As marcas de luxo<br />

foram as que tiveram maior valorização média situam-se no nível um e dois de<br />

distribuição e acessibilidade.<br />

A inovação dos bens por si só, sem distribuição restrita, acesso difícil e forte<br />

identidade da marca por parte dos consumidores não se apresentou como fator<br />

determinante na valorização das marcas no período de antes da crise, apesar de<br />

reconhecidamente fazer parte dos itens que agregam valor a produtos e serviços.<br />

Se por um lado pode-se identificar uma forte ligação dos bens de luxo com a<br />

escassez na valorização de suas marcas, por outro, os produtos de alta tecnologia,<br />

do setor de informática e de consumo de eletrônicos são reconhecidamente<br />

inovadores conforme The World’s 50 Most Innovative Companies (Tabela 8) e sua distribuição<br />

é pulverizada implicando numa valorização menor de suas marcas.


3.2 Após o Início da Crise Econômica Mundial<br />

Tabela 7 - Relações Estudadas<br />

Variação da valorização das marcas<br />

Período antes da crise mundial Período pós crise mundial<br />

Var.<br />

Var.<br />

Var.<br />

Empresas<br />

2004/2008 2008/2009 2008/2010<br />

Autom. LUXO/ Geral 2,6 (--//--)<br />

Prod. LUXO/ Sev.<br />

Inform. 1,5 (-3,5)<br />

Prod. LUXO/ Cons.<br />

Eletr. 1,9 (-2,3)<br />

Fonte: Interbrand, 2010.<br />

No período recente, a partir de 2008 até 2010, as empresas inovadoras no<br />

setor de informática e de consumo de eletrônicos tiveram valorização média de<br />

suas marcas bem maior do que as empresas do mercado de luxo sejam no setor<br />

automotivo ou de produtos em geral.<br />

A tabela 7 mostra que foi de três vezes e meia maior (3,5) a valorização do setor<br />

de informática e de duas vezes e meia (2,3) do setor de consumo de eletrônicos<br />

em relação ao setor de produtos no mercado de luxo.<br />

As valorizações das marcas das empresas Google (346%), Apple (506%) e<br />

Nintendo (103%) nos dois últimos anos foram determinantes nesse processo,<br />

colocando a inovação em produtos e serviços em 1º. Plano em detrimentos a<br />

escassez e distribuição restrita dos produtos e serviços.<br />

Considerações finais<br />

Em período de crescimento da economia mundial as marcas de luxo tiveram<br />

valorização media maior que as empresas reconhecidamente inovadoras do setor<br />

de informática e de consumo de eletrônicos. Quando a economia mundial entrou<br />

em crise o quadro se inverteu e as marcas de luxo tiveram valorização média menor<br />

que a das empresas inovadoras.<br />

As marcas mais valiosas do mercado global são reconhecidamente de<br />

empresas inovadoras, mas não foram estas que tiveram maiores taxas médias de<br />

variação de valor antes da crise, foram sim, as marcas de empresas pertencentes<br />

ao mercado de luxo.<br />

A tecnologia viabiliza a distribuição de bens e cria mais valor (vide exemplo<br />

do fax) pela venda maciça dos bens, mas quando aplicada aos produtos de luxo<br />

tem uma importância menor.<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />

15


A precificação alta dos bens de luxo está mais relacionada a escassez e a<br />

imagem da marca do que ao processo de inovação de bens, mesmo sendo este<br />

um componente importante no processo de valorização. Reconhecidamente, no<br />

período estudado foi fator secundário.<br />

A necessidade de agregar valor ao bem de luxo é de vital importância para<br />

sua sobrevivência a longo prazo e as dificuldades encontradas pelas empresas são<br />

imensas e exige um planejamento muito bem feito para que não sobrem estoques<br />

e levem a organização a cair no erro da “espiral das promoções”.<br />

As marcas devem, portanto, permanecer vigilantes no que se refere à<br />

sensibilidade dos consumidores ao preço, à inflação de lançamento de produtos<br />

novos, à duração de vida dos produtos, aos efeitos perversos da promoção, às<br />

novas maneiras de dar as cartas em matéria de distribuição e, enfim, à qualidade<br />

de serviço assim como à formação do pessoal de vendas.<br />

Além do mais, as empresas têm sido pressionadas pelos acionistas por<br />

resultados crescentes e imediatos o que não é compatível com o Mercado de Luxo,<br />

que oferece alta rentabilidade sim, mas a quantidade de produtos vendidos é menor<br />

e o volume de capital de giro maior se comparado aos bens populares.<br />

A estratégia de precificação dos setores de informática e de consumo de<br />

eletrônicos relacionados com a necessidade de pulverização da distribuição de<br />

seus produtos levou a uma valorização menor de suas marcas. O preço baixo tem<br />

relação forte com a pulverização na distribuição e acesso fácil dos mesmos.<br />

Três fatores se apresentaram relevantes no processo de agregar valor e<br />

contribuíram para justificar a valorização maior das marcas de luxo em relação<br />

as demais, foram eles pela ordem: distribuição e escassez restritos; estratégia de<br />

precificação no sentido de manter os preços estáveis (com pequenas reduções) e<br />

a inovação dos produtos.<br />

Pode-se inferir que o processo de inovação esteja migrando de “produtos<br />

e serviços” para “solução” de problemas, justificado pela menor valorização dos<br />

produtos do mercado de luxo frente aos de informática e consumo de eletrônicos<br />

pós crise econômica mundial e esta pode ser uma nova questão a ser investigada<br />

num futuro trabalho.<br />

16<br />

Referências Bibliográficas<br />

ANDERSON, C. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio<br />

de Janeiro: Elsevier, 2006.<br />

ARIELY, D. Previsivelmente irracional: as forças ocultas que formam as nossas decisões.<br />

Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.<br />

CASTERÈDE, J. O luxo: os segredos dos produtos mais desejados do mundo. São<br />

Paulo: Barcarolla, 2005.<br />

LIPOVESKY,G. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo:<br />

Cia da Letras, 2005.<br />

NAGLE, T e HOGAN, J. Estratégia e táticas de preço: um guia para crescer com<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


lucratividade. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2007.<br />

SELLTIZ, C. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Ed. Pedagógica<br />

e Universitária, 1974.<br />

STREHLU,S. Marketing de luxo. São Paulo: Cengage Learning, 2008.<br />

TAKAHASHI, S. e TAKAHASHI, V. Gestão de inovação de produtos: estratégia,<br />

processo, organização e conhecimento. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.<br />

The Best Global Brands. INTERBRAN. Boston, fevereiro 2009.<br />

BEULKE, R. e BERTÓ, J. – Precificação: sinergia do marketing e das finanças. São<br />

Paulo: Saraiva, 2009.<br />

Relatório Especial: The World’s 50 Most Innovative Companies.<br />

Boston Consulting Group’s. Business Week, Boston, fevereiro 2009<br />

ZONING, F. – Acerte o preço: e aumente seus lucros. São Paulo: Editora Nobel, 2007<br />

Anexo 1 – Tabelas<br />

Tabela 1- Setor Automotivo Variação da valorização das<br />

de Luxo<br />

Período antes da crise<br />

marcas<br />

mundial Período pós crise mundial<br />

Var.<br />

Empresas Var. 2004/2008 Var. 2008/2009 2008/2010<br />

Merc. Bens 19,9% -6,7% -46,3%<br />

B.M.W 46,7% -7,0% -6,4%<br />

Audi * 64,4% -7,3%<br />

Porshe 26,2% -8,0% 161,2%<br />

Média 39,3% -7,3% 36,2%<br />

Fonte: Interbrand 2010<br />

* marca fora da lista das 100 mais valorizadas em 2010<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />

17


18<br />

Tabela 2- Setor Automotivo Variação da valorização das<br />

Geral<br />

Período antes da crise<br />

marcas<br />

mundial Período pós crise mundial<br />

Var.<br />

Empresas Var. 2004/2008 Var. 2008/2009 2008/2010<br />

Toyota 50,2% -8,0% -36,1%<br />

Honda 28,3% -6,7% -25,0%<br />

Ford * -45,5% -11,3%<br />

Volks * 9,9% -8,0%<br />

H. Davison * 7,2% -43,0%<br />

Hyundai * 39,3% -5,0%<br />

Lexus * 16,9% -11,9%<br />

Média 15,2% -46,9% -30,6%<br />

Fonte: Interbrand 2010<br />

* marca fora da lista das 100 mais valorizadas em 2010<br />

Tabela 3- Produtos do Merc. de Luxo<br />

Variação da valorização das<br />

marcas<br />

Período antes da crise mundial Período pós crise mundial<br />

Var.<br />

Var.<br />

Empresas Var. 2004/2008 2008/2009 2008/2010<br />

Gucci 75,1% -0,9% -8,1%<br />

Chanel * 43,9% -5,0%<br />

Rolex * 33,2% -7,0%<br />

Hermes 35,5% 0,5% 84,9%<br />

Cartier * 54,1% -6,3%<br />

M. Chandon * 38,1% -4,9%<br />

Prada * 39,6% -1,0%<br />

Tiffany * 15,7% -4,9%<br />

G. Armanni * 34,9% -6,3%<br />

L.V.M.H. 227,2% -2,2% -8,4%<br />

Média 59,7% -12,7% 22,8%<br />

Fonte: Interbrand 2010<br />

* marca fora da lista das 100 mais valorizadas em 2010<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Tabela 4 - Setor de Serviços de Variação da valorização das<br />

Informática<br />

marcas<br />

Período antes da crise mundial Período pós crise mundial<br />

Var.<br />

Var.<br />

Empresas Var. 2004/2008 2008/2009 2008/2010<br />

Google 202,45% 24,97% 346,50%<br />

Microsolft -3,85% -4,00% 29,38%<br />

IBM 9,74% 2,00% 46,33%<br />

HP 12,07% 2,50% 68,94%<br />

Cisco 33,60% 3,40% -21,53%<br />

Oracle 26,48% -0,95% 79,43%<br />

Dell 1,70% -12,01% 2,08%<br />

Média 40,31% 2,27% 78,73%<br />

Fonte: Interbrand 2010<br />

Tabela 5 - Setor de Consumo de Variação da valorização das<br />

Eletrônicos<br />

marcas<br />

Período antes da crise mundial Período pós crise mundial<br />

Empresas Var. Ano a Ano<br />

Var.<br />

2008/2010<br />

Var.<br />

2008/2010<br />

Nokia 49,50% -3,00% -58,64%<br />

Intel -6,68% -2,00% -54,54%<br />

Apple 99,74% 12,45% 505,89%<br />

Samsung 40,91% -0,97% -35,83%<br />

Sony 6,46% -12,00% -40,02%<br />

Nintendo 35,39% 4,99% 103,31%<br />

G.E. 20,35% -10,75% -15,13%<br />

Siemens 6,33% -7,87% 17,00%<br />

Média 31,50% -2,39% 52,76%<br />

Fonte: Interbrand 2010<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />

19


20<br />

Tabela 8 - Ranking de Melhores em Tecnologia<br />

Empresas 2010 2009 2008<br />

Apple 1 1 1<br />

Google 2 2 2<br />

Toyota Motor 5 3 3<br />

Microsoft 3 4 5<br />

Nintendo 20 5 7<br />

IBM 4 6 12<br />

H.P. 16 7 15<br />

Research in Motion 14 8 13<br />

Nokia 23 9 10<br />

Wal-Mart Stores 21 10 23<br />

Amazon.com 6 11 11<br />

Procter & Gamble 25 12 8<br />

Tata Group 17 13 6<br />

Sony 10 14 9<br />

Reliance Industries 33 15 19<br />

Samsung 11 16 26<br />

G.E. 9 17 4<br />

Volkswagen 15 18 NR<br />

McDonalds 29 19 30<br />

B.M.W. 18 20 14<br />

Walt Disney 32 21 17<br />

Honda Motor 26 22 16<br />

AT&T NR 23 27<br />

Coca-Cola 19 24 NR<br />

Vodafone 38 25 47<br />

Infosys NR 26 NR<br />

L.G. Eletronics 7 27 NR<br />

Telefonia NR 28 NR<br />

Daimer NR 29 31<br />

Verizon Com. NR 30 34<br />

Ford Motor 13 31 NR<br />

Cisco Systems 31 32 35<br />

Intel 12 33 48<br />

Virgin Group 24 34 28<br />

Arcelor Mittal NR 35 NR<br />

HSBS 49 36 40<br />

Exxon Mobil NR 37 42<br />

Nestle 36 38 NR<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Vodafone 38 25 47<br />

Infosys NR 26 NR<br />

L.G. Eletronics 7 27 NR<br />

Telefonia NR 28 NR<br />

Daimer NR 29 31<br />

Verizon Com. NR 30 34<br />

Ford Motor 13 31 NR<br />

Cisco Systems 31 32 35<br />

Intel 12 33 48<br />

Virgin Group 24 34 28<br />

Arcelor Mittal NR 35 NR<br />

HSBS 49 36 40<br />

Exxon Mobil NR 37 42<br />

Nestle 36 38 NR<br />

Iberdrola NR 39 NR<br />

Facebook 48 40 25<br />

3M NR 41 22<br />

Banco Santander 42 42 NR<br />

NIKE 46 43 45<br />

Johnson &johnson NR 44 NR<br />

Southwest Arlines NR 45 49<br />

Levoto 39 46 NR<br />

JPMorgan Chase 39 47 NR<br />

Fiat 43 48 NR<br />

Target NR 49 24<br />

Royal Dutch Shell NR 50 NR<br />

B.Y.D. 8 NR NR<br />

Hyundai Motor 22 NR NR<br />

Fast Retailing 27 NR NR<br />

Haier Electronics 28 NR NR<br />

Siemens 34 NR NR<br />

Dell 35 NR NR<br />

Britih Sky Broad. 37 NR NR<br />

Oracle 40 NR NR<br />

Petrobras 41 NR NR<br />

China Mobile 44 NR NR<br />

Goldman Sachs 45 NR NR<br />

H.T.C. 47 NR NR<br />

Verizon Com. 50 NR NR<br />

Fonte: Business Week - Boston Consulting G<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />

21


22<br />

Tabela 9 - Best Global Brands<br />

Empresas<br />

2010<br />

Colocação<br />

Valor da Marca<br />

US$ bilhões<br />

Google 1 114,260<br />

IBM 2 86,383<br />

Apple 3 83,153<br />

Microsoft 4 76,344<br />

Coca-Cola 5 67,983<br />

McDonalds 6 66,005<br />

Marlboro 7 57,047<br />

China Mobile 8 52,616<br />

G.E. 9 45,054<br />

Vodafone 10 44,404<br />

I.C.B.C. 11 43,927<br />

H.P. 12 39,717<br />

Wal-mart 13 39,421<br />

BlackBerry 14 30,708<br />

Amazon.com 15 27,459<br />

U.P.S. 16 26,492<br />

TESCO 17 35,741<br />

VISA 18 24,883<br />

ORACLE 19 24,817<br />

VERIZON 20 24,675<br />

SAP 21 24,291<br />

AT&T 22 23,714<br />

HSBC 23 23,408<br />

Bank China 24 21,960<br />

B.M.W. 25 21,816<br />

Toyota 26 21,769<br />

China Bank 27 20,929<br />

Gilette 28 20,663<br />

L.V.M.H. 29 19,781<br />

Wells Farco 30 18,746<br />

Santander 31 18,012<br />

Nintendo 32 17,834<br />

Pampers 33 17,434<br />

B.P 34 17,283<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


CISCO 35 16,719<br />

R.B.C. 36 16,608<br />

Bank of America 37 16,393<br />

Budweiser 38 15,991<br />

ExxonMobil 39 15,476<br />

Shell 40 15,112<br />

Disney 41 15,000<br />

Carrefour 42 14,980<br />

Nokia 43 14,866<br />

ACCENTURE 44 14,734<br />

ICICI 45 14,454<br />

HONDA 46 14,303<br />

COLGATE 47 14,224<br />

INTEL 48 14,210<br />

L”OREAL 49 14,129<br />

ORANGE 50 14,018<br />

Petro China 51 13,935<br />

American Express 52 13,912<br />

M.BENS 53 13,736<br />

CITI 54 13,403<br />

T MOBILE 55 13,010<br />

BBVA 56 12,977<br />

DOCOMO 57 12,969<br />

PEPSI 58 12,752<br />

NIKE 59 12,597<br />

MOVISTAR 60 12,434<br />

CHASE 61 12,426<br />

TARGET 62 12,148<br />

H.M. 63 12,131<br />

SUNWAY 64 12,032<br />

PORSCHE 65 12,021<br />

DELL 66 11,936<br />

MASTERCAD 67 11,659<br />

SAMSUNG 68 11,351<br />

TEKTEL 69 10,850<br />

02 70 10,593<br />

TD 71 10,274<br />

M.T.S. 72 9,723<br />

PETROBRAS 73 9,675<br />

FEDEX 74 9,418<br />

BAIDU 75 9,356<br />

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />

23


24<br />

EBAY 76 9,328<br />

SIEMENS 77 9,293<br />

Godman Sachs 78 9,283<br />

WRIGLEY’S 79 9,201<br />

ZARA 80 8,986<br />

Home Depot 81 8,971<br />

REDBULL 82 8,917<br />

Aldi 83 8,747<br />

NISSAN 84 8,607<br />

STARBUCKS 85 8,490<br />

HERMES 86 8,457<br />

BARCLAYS 87 8,383<br />

USBANK 88 8,377<br />

Standar Chartered 89 8,327<br />

China M Bank 90 8,236<br />

State Farm 91 8,214<br />

BUNAIC 92 8,160<br />

J.P.Morgan 93 8,159<br />

SONY 94 8,147<br />

Morgan Stanley 95 8,003<br />

Auchan 96 7,848<br />

GUCCI 97 7,588<br />

BRADESCO 98 7,450<br />

AVON 99 7,293<br />

TIM 100 7,280<br />

Fonte: Interbrand 2010<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Aspectos de uma<br />

reestruturação produtiva<br />

sustentável no Brasil<br />

Resumo:<br />

Este artigo se propõe avaliar numa<br />

conjugação de fatores estruturais e<br />

conjunturais - através da compreensão do<br />

atual processo de mudanças e inovações<br />

- a eficiência do sistema produtivo<br />

brasileiro e, conseqüentemente, das<br />

condições de trabalho humano dele<br />

advindas. Objetiva a obtenção do padrão<br />

exigido para a sua inserção no mercado<br />

mundial, com ênfase no determinante<br />

da competitividade. Presta-se, também,<br />

à discussão de estratégias setoriais que<br />

envolvam movimentos de reestruturação<br />

produtiva e demandas por alterações<br />

em eventuais regimes de proteção.<br />

Palavras chave: demanda, eficiência,<br />

inovação, qualidade, rede de empresas,<br />

reestruturação produtiva, tecnologia,<br />

trabalho humano, sustentabilidade.<br />

Walter Gomes da Cunha Filho ∗<br />

Abstract:<br />

The objective of this article is to<br />

evaluate - through the understanding<br />

of the present processes of changes<br />

and innovations - the efficiency of the<br />

Brazilian productive system and its<br />

consequences on human labor, aiming<br />

at conquering the necessary standards<br />

for its inclusion in the global market,<br />

focusing on competition. In addition,<br />

it aims at discussing setorial strategies<br />

which involve productive restructuring<br />

and demands for changes in protective<br />

policies.<br />

Key words: demands, efficiency,<br />

enterprises network, human labor,<br />

innovation, productive restructuring,<br />

quality, technology, sustainability.<br />

∗ Engenheiro, Mestre em Métodos Quantitativos e Doutor em Ciências Sociais (sub-área de Reestruturação<br />

Produtiva) pela PUC-SP. Além de ser um estudioso do assunto, atuou durante anos como professor, pesquisador,<br />

consultor e gestor de Operações / Produção. Atualmente é professor titular doutor da Faculdade de Administração<br />

e do MBA da FAAP. <br />

Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil, Walter Gomes da Cunha Filho , p. 25-31<br />

25


Introdução<br />

A partir dos anos 60, durante um período que se estendeu até o final da década<br />

de 80, a sustentabilidade do sistema produtivo brasileiro resultou basicamente da<br />

ação regulatória do Estado. O período de crescimento rápido nas décadas de 60 e 70<br />

foi impulsionado, por trás da cortina protetora das barreiras à importação, através de<br />

investimentos provindos do exterior e do setor público. Políticas de investimento e<br />

financiamento públicos, conjugadas com a manutenção de um regime discricionário<br />

de proteção, suportado por mecanismos de controle de preços, constituíram os<br />

principais instrumentos de regulamentação 1 .<br />

Este conjunto de fatores, estritamente funcional à lógica de um modelo,<br />

propiciou que as características estruturais do setor produtivo - produtor de<br />

commodities e de produtos específicos em pequenas escalas - não comprometessem<br />

sua sustentabilidade.<br />

A crise dos anos 80, gerada na década anterior, resultou na restrição de recursos<br />

externos, representando a ruptura do processo de crescimento da economia. Com<br />

tal restrição, a inflação criou incentivos que tornaram virtualmente impossível o<br />

aumento da produtividade 2 . Era mais racional, do ponto de vista econômico, priorizar<br />

a administração do capital e reduzir o grau de dedicação ao atendimento do cliente<br />

e à produtividade.<br />

Num histórico de instabilidade econômica e de regulamentação - fatores que<br />

poderiam explicar a baixa intensidade de capital e da ineficiência organizacional -<br />

fazia-se necessária uma política que priorizasse a remoção de barreiras à competição<br />

e a atuação das forças do mercado. Assim, para alavancar o rumo de uma trajetória<br />

de desenvolvimento, caracterizada pelo crescimento da produtividade e não pelo<br />

aumento dos fatores de produção, se deu a abertura da nossa economia 3 .<br />

Com a irreversibilidade do processo de abertura implicando na impossibilidade<br />

de restabelecimento dos mecanismos de proteção que vigoraram no passado,<br />

conformou-se um ambiente escamoteador da vulnerabilidade do sistema produtivo<br />

à concorrência externa. Assim, descortinou-se um novo cenário: a configuração<br />

produtiva apresentava problemas de sustentabilidade, decorrentes da relação entre<br />

as condições de sua operacionalidade e o padrão de funcionamento do mercado.<br />

Isto, que já era observado na década de 90, punha em discussão questões ligadas<br />

especificamente à eficiência da operação e à manutenção das plantas e dos custos<br />

que estas internalizavam.<br />

Neste início de século ainda ocorrem transformações marcantes no processo<br />

produtivo envolvendo novas tecnologias e formas de gerenciamento, com reflexos<br />

na organização do trabalho. Novas relações produtivas vêm sendo desenvolvidas e<br />

nestas o trabalho assalariado está diminuindo.<br />

26<br />

1 A regulamentação que proíbe ou não estimula a oferta de determinados produtos ou serviços (incluindo a<br />

regulamentação de preços) pode reduzir ou eliminar a alta produtividade.<br />

2 Em 1989 o PIB per capta estava no mesmo nível do de 1980.<br />

3 Os hiatos de competitividade da indústria nacional, se por um lado decorriam da sua baixa resistência frente<br />

à capacidade de produtores externos praticarem preços marginais no Brasil, por outro lado eram explicados<br />

por elementos de ineficiência sistêmica. Estes, em sua maior parte, pareciam derivar dos maiores custos de<br />

investimento e do capital de giro, dos custos advindos de insumos e de transportes - comparativamente mais<br />

altos em relação àqueles pagos internacionalmente - e também de distorções na estrutura tributária.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Os termos mais utilizados que acompanham essas mudanças são: flexibilidade,<br />

integração, qualidade, produtividade e competitividade, divulgados como condições de sobrevivência<br />

econômica das empresas. O sucesso destas, por sua vez, além de condição para sua<br />

inserção no mercado mundial, tem como base o desenvolvimento do país. Assim,<br />

quando pesquisas do Banco Mundial fornecem indicações que a pobreza diminui<br />

mais ou menos na mesma proporção do aumento do PIB per capta, não resta ao Brasil,<br />

por suas altas taxas de crescimento vegetativo, senão a manutenção de políticas<br />

de crescimento econômico. Para tanto, há que se motivar a utilização de capital e<br />

mão-de-obra em níveis de produtividade comparáveis aos das melhores práticas,<br />

incentivando a diminuição do hiato existente entre os fatores de produção.<br />

Neste momento, observa-se que as perspectivas de consolidação econômica,<br />

combinadas com políticas voltadas para a remoção de barreiras à produtividade e<br />

uma maior integração internacional, podem estabelecer condições para que o país<br />

siga um caminho de desenvolvimento sustentável. Para a ocorrência desta realidade,<br />

sob muitos aspectos favorável, se fez necessária uma reorganização do sistema<br />

produtivo, e também organizacional, das empresas brasileiras.<br />

Esta começou no início dos anos 90, como resposta à implantação de políticas<br />

geradoras de aumento da competitividade industrial. Numa tentativa de adaptação<br />

aos novos paradigmas internacionais, as ações de ajustamento passaram pela ênfase<br />

da qualidade do produto, do processo, e pela redução de custos.<br />

O Programa de Qualidade e Produtividade foi o caminho adotado. Lançado<br />

em novembro de 1990, representou um esforço para envolver empresários,<br />

trabalhadores e movimento sindical num mesmo ideário: o da inserção do país no<br />

contexto das economias desenvolvidas. Este programa logrou destacar-se dentre<br />

os instrumentos de política industrial e de comércio exterior por sua abrangência e<br />

direcionamento, por provocar transformações estruturais nos setores econômicos<br />

(públicos e privados), e por mobilizar a sociedade em torno dos objetivos de uma<br />

reformulação da estrutura produtiva.<br />

A adoção do programa por grande número de empresas teve reflexos positivos<br />

nos indicadores de produtividade industrial. No quadriênio 1990/93, o crescimento<br />

foi, em média, de 20% para todo o setor da indústria. Todavia, este aumento<br />

ocorreu de forma bastante diferenciada: enquanto na década de 70, o acréscimo<br />

da produtividade acompanhou os aumentos da produção e do emprego, tal não<br />

ocorreu na década de 90 (FEIJÓ, 1994): o aumento de produtividade foi acompanhado<br />

por redução nos postos de trabalho; em 1992, o nível de emprego industrial se<br />

aproximou ao de 1976.<br />

Do exposto até aqui duas conclusões se destacam: a primeira é que a<br />

reestruturação, pela ótica da horizontalização da produção e da terceirização de<br />

tarefas não estratégicas, eliminou postos de trabalho; a outra é que, pela ótica do<br />

acirramento competitivo, o aumento da produtividade foi favorecido: houve redução<br />

do emprego industrial para um mesmo nível de produção. Este favorecimento tornouse<br />

uma das âncoras da competição industrial, muito embora os produtores nacionais<br />

ainda privilegiem as vendas no mercado interno (a menor concorrência local permite<br />

a prática de preços mais atrativos). Esta conjuntura torna viável o aumento da base<br />

exportadora, uma vez que a exportação deverá se tornar mais atraente à medida que<br />

Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil, Walter Gomes da Cunha Filho , p. 25-31<br />

27


a concorrência interna aumentar. Assim, o aumento da produtividade pode, após o<br />

ajuste inicial, ser uma fonte de elevação no nível de emprego.<br />

Quanto ao mercado de trabalho, atualmente ele se demonstra bem mais<br />

flexível, até porque os interessados nesse processo – empresários, trabalhadores e<br />

entidades sindicais – amadureceram suas relações, antes mais polarizadas, e também<br />

caminharam nesse sentido.<br />

Porém, mesmo a economia já tendo demonstrado condições de gerar novos<br />

postos e empregar uma força de trabalho crescente, é preciso ressaltar que a redução<br />

de empregos observada na indústria tem repassado para o setor prestador de serviços<br />

um incremento na oferta de empregos, o que tem ocorrido com uma dinâmica que<br />

tende a ser mais instável 4 e informal 5 .<br />

Com uma jornada de trabalho que provê menores índices de competitividade<br />

que aqueles observados nos países desenvolvidos, e ainda tendo na contra-mão<br />

o crescimento acelerado de novas exigências da cadeia produtiva, configura-se<br />

a possibilidade de um comprometimento sistêmico: se não houver continuidade<br />

no aumento da demanda, além dos reflexos na economia, bem possivelmente a<br />

informalidade ainda poderá ser substituída por categorias residuais de subsistência,<br />

como já ocorreu anteriormente.<br />

Sabe-se que as instituições educacionais formais, sobretudo as públicas,<br />

mal dão conta de garantir a qualidade do ensino fundamental. Assim, tanto o<br />

treinamento quanto a qualificação da mão-de-obra empregada poderiam ser de<br />

responsabilidade dos empregadores, prática comum nas empresas japonesas.<br />

Como as melhorias na educação contribuem para o aumento da produção, com<br />

possibilidades de ganhos de produtividade maiores do que os custos envolvidos,<br />

é de valia para o setor empresarial investir mais no treinamento de funcionários,<br />

aumentando assim, seu capital humano. Entretanto, a capacitação de recursos<br />

humanos nas empresas é bastante seletiva - depende de funções e de necessidades<br />

específicas – e, assim, a tendência é a criação de um hiato elevado entre os diversos<br />

níveis de qualificações.<br />

Enfim, tanto a organização mais eficiente de funções e tarefas - na qual a<br />

relação entre mão-de-obra e capital seja amplamente determinada pela natureza<br />

da tecnologia - quanto a melhoria da qualidade dos processos produtivos e dos<br />

produtos finais, indicam fragilidades no sistema produtivo brasileiro. Esta parece ser<br />

uma possibilidade que permitiria ao país sair da situação de vulnerabilidade, mais<br />

uma vez desnudada pela recente crise.<br />

Neste cenário em que o comércio internacional ainda é afetado por vertentes<br />

financeiras fundamentadas na credibilidade, tanto da condução dos mercados, como<br />

de produtos, de processos e até de marcas, pode-se constatar que:<br />

- os preços das commodities mantiveram alta (fato indicativo de possíveis melhorias<br />

nas receitas de exportação e no influxo de capitais. Tanto o é, que previsões negativas<br />

sobre o crescimento de nossa economia foram revisadas para melhor);<br />

28<br />

4 Se por um lado, os impostos dificultam a criação de empregos no setor formal, por outro, o acesso ao fundo<br />

de garantia, em caso de dispensa, pode aumentar a rotatividade dos trabalhadores por incentivar a demissão<br />

voluntária.<br />

5 Grande parte dos trabalhadores sem carteira assinada está alocada no setor de serviços.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


- a crise global obrigou os países a praticarem políticas de redução de juros,<br />

num processo de alívio monetário 6 ;<br />

- as demissões ainda ocorrem como forma de preservar o caixa necessário para<br />

dar continuidade às operações diante de eventuais mudanças nos mercados;<br />

- clama-se internacionalmente pela oportunidade de discussão de uma nova<br />

ordem mundial e, por isso mesmo, também é um momento de oportunidades;<br />

- mesmo com o sentimento de que “o pior já passou”, os governos ainda sofrem<br />

pressões para que suas políticas monetárias não incorporem o crescente déficit de<br />

endividamento público.<br />

Parece, então, ter-se configurado uma situação que vem exigindo pronta<br />

e ampla discussão sobre ações estratégicas, que também envolvam mudanças<br />

estruturais na dinâmica produtiva do país. Nesse sentido, se faz necessária uma<br />

reestruturação, cuja regulação transcenda a esfera de ação isolada de segmentos,<br />

demandando a definição de instrumentos e diretrizes de novas políticas, tanto na<br />

área industrial, quanto na de comércio exterior.<br />

Assim, apresenta-se como alternativa o estabelecimento de dispositivos que<br />

favoreçam a reconfiguração do setor produtivo em níveis internacionalmente<br />

competitivos. Considerando-se a situação da indústria no presente, a adoção<br />

de novos mecanismos de proteção, em caráter transitório, poderia ser utilizada<br />

para minimizar os efeitos dos impactos gerados por conjunturas internacionais<br />

desfavoráveis. Alterações nas políticas fiscal, industrial e comercial - do ponto de<br />

vista de acesso e utilização da tecnologia, da obtenção de capital em condições mais<br />

favoráveis e também de uma tributação não cumulativa - parecem ser a continuidade<br />

do movimento, em direção a colocar o sistema produtivo brasileiro em condições<br />

de operar dentro dos padrões observados nos países mais competitivos.<br />

Não obstante a concorrência no mercado globalizado tenha sido fator<br />

determinante para a busca constante de incremento seletivo por parte das empresas<br />

brasileiras, estas tem sido alvo de pressões sociais e ambientais crescentes nos últimos<br />

anos. Portanto, para que tal incremento tenha resultados favoráveis, cabe a adoção,<br />

pelas empresas, de práticas gerenciais e produtivas direcionadas não somente ao<br />

aumento da produtividade 7 , mas também ao atendimento daquelas demandas<br />

sócio-ambientais.<br />

Esta conjuntura impôs a necessidade de que produtos e processos sejam<br />

desenvolvidos através de soluções 8 que propiciem economia de escala e<br />

customização, e que sejam menos agressivas ao meio ambiente 9 .<br />

Se por um lado esses desafios implicam numa continuidade de investimentos,<br />

por outro, podem direcionar as empresas brasileiras a desenvolverem parcerias. Este<br />

6 Este movimento, no que se refere ao processo produtivo brasileiro, pode ser mais bem visualizado pela<br />

maneira como os bancos foram afetados. De forma geral, os grandes continuaram a captar dinheiro no mercado,<br />

entretanto, os menores tiveram mais dificuldade em contornar a desconfiança dos investidores. Para as empresas,<br />

basicamente aquelas de pequeno e médio porte, os financiamentos provêm de bancos menores, isto, por si só,<br />

além de entrave à própria política é um fator que restringe o sistema produtivo.<br />

7 Esta é uma categoria ampla que abrange o modo de organização do processo de produção e de outras funções<br />

chaves (finanças, desenvolvimento de produtos, vendas, marketing, etc.).<br />

8 Em qualquer processo produtivo é inerente a geração de dejetos. O que se busca com o desenvolvimento<br />

tecnológico, além da qualidade, é a minimização da geração de sucata / lixo, ou seja, que aumentos decrescentes<br />

de dejetos possam ser obtidos no ciclo produtivo, ao longo do tempo.<br />

9 Cada vez mais são utilizados processos industriais que permitem a reciclagem, ou seja, o reaproveitamento<br />

do dejeto.<br />

Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil, Walter Gomes da Cunha Filho , p. 25-31<br />

29


direcionamento, além de favorecer a minimização de custos operacionais, possibilita<br />

uma mais rápida integração em novos mercados. Deve-se também considerar<br />

que o movimento de melhorias da produtividade média, durante um processo de<br />

mudanças, normalmente tem continuidade através do aumento da produtividade de<br />

alguns dos estabelecimentos existentes, e da difusão deste diferencial para outros,<br />

com processos de produção menos eficientes 10 .<br />

Conclusão<br />

A perspectiva histórica se fez necessária, pois é fato que o sistema produtivo<br />

brasileiro não apresenta indicadores de pró-atividade, ou seja, suas dificuldades e<br />

problemas se acumulam e ele só vivencia saltos qualitativos em decorrência de crises<br />

conjunturais. Por isso, dentro de uma visão de contexto, apresentou-se a possibilidade<br />

da utilização de ferramentas, no sentido de inverter essa tendência.<br />

Pela perspectiva de sustentabilidade, em que o desperdício é o inimigo a ser<br />

evitado, e o aproveitamento pleno de qualquer recurso, um alvo a ser constantemente<br />

buscado, o grande desafio é olhar com olhos realistas e transparentes o que se<br />

tem, o que se desperdiça, o que se pode perder ou ganhar nas ações coletivas. Essa<br />

visão crítica inexoravelmente aponta necessidades de mudanças e de readaptações<br />

que, ao serem realizadas, podem gerar impactos de maior abrangência que os<br />

pressupostos.<br />

Assim, uma reestruturação do sistema produtivo brasileiro, voltada não só à<br />

sobrevivência pura e necessária das organizações, mas também ao desempenho de<br />

um papel significativo na cadeia sócio-ambiental onde se instalam, poderá trazer<br />

em seu bojo saltos qualitativos na existência dessas mesmas organizações, e mesmo<br />

para além delas.<br />

A convivência por parcerias, por exemplo, torna possível o desenvolvimento de<br />

valores e processos consoantes com a ótica da sustentabilidade 11 : solidariedade, troca<br />

de expertise permitindo crescimento recíproco, e o despojo das atitudes predatórias<br />

usuais do ambiente competitivo. Da mesma forma, o movimento conseqüente à<br />

urgência da qualificação profissional em nosso país, precisa fazer frente até aos<br />

déficits atuais da educação básica, medida esta que pode levar a profissionais<br />

cidadãos, melhor informados e apropriados de maior visão crítica, dando assim<br />

forma e vida a uma competitividade sustentável.<br />

30<br />

10 Conceito de absorção e expansão explicitado em publicações da Bain & Company (empresa global de consultoria<br />

empresarial com escritórios em quatro continentes). O “benchmarking” (ferramenta usada na comparação da<br />

empresa com as concorrentes) tem sido considerado, juntamente com cortes de custos, de grande utilidade.<br />

11 A tecnologia por si só não garante sustentabilidade, até porque ela se torna rapidamente acessível deixando<br />

de ser diferencial num segundo momento. Na verdade, a garantia de sustentabilidade também perpassa pela<br />

melhoria da visão sistêmica e crítica de todos os envolvidos no processo.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


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RIFKIN, J. The end of work. The decline of the global labor force and the dawn<br />

of the post -market era. New York: Putnam Books, 1995.<br />

Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil, Walter Gomes da Cunha Filho , p. 25-31<br />

31


32<br />

James Buchanan e a<br />

“Política” na escolha pública<br />

Resumo:<br />

Conhecida como escola da Public Choice, tem<br />

sua origem no conjunto de reflexões que<br />

alguns autores, entre os quais se destaca a<br />

figura de James Buchanan, desenvolveram<br />

a partir dos anos sessenta, visando à adoção<br />

de uma perspectiva econômica de análise<br />

dos fenômenos políticos, notadamente das<br />

decisões em situações de não mercado ou<br />

de mercado político.<br />

Esta escola se desdobra na investigação de<br />

temas clássicos da ciência política, tais como<br />

as estruturas das decisões nas sociedades<br />

democráticas, o papel do legislativo na<br />

produção das escolhas coletivas através<br />

da ótica da uma teoria econômica, onde<br />

a especificidade da política se submete<br />

integralmente às categorias e à lógica da<br />

análise econômica.<br />

Palavras-chave:<br />

Política; Teoria Econômica, Public Choice;<br />

Sociedade Democrática.<br />

Marco Antonio Dias ∗<br />

∗ Economista pela USJT, Pós-Graduado com MBA em Economia do Setor Financeiro pela FEA/USP, Mestre em<br />

Gestão Ambiental pelo IPT-USP, Doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP. Docente da Faculdade de Economia<br />

da Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP, docente colaborador do Instituto de Economia da UNICAMP no<br />

CEEF-Pós-Graduação. Linhas de pesquisa nas áreas de Meio Ambiente, Sustentabilidade, Governança Corporativa<br />

e Economia do Estado. E-mail:< mdayeas@terra.com.br><br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

Abstract:<br />

Known as the Public Choice School, it has its<br />

origin in the set of ideas that some authors,<br />

among which the figure of James Buchanan<br />

stands out, developed from the sixties,<br />

seeking the adoption of a perspective of<br />

economic analysis of political phenomena,<br />

especially of decisions in situations of nonmarket<br />

or market policy.<br />

This school unfolds in the investigation of<br />

classic themes of science policy, such as<br />

the structures of decisions in democratic<br />

societies, the role of legislative choices in<br />

the production of collective through the<br />

perspective of an economic theory, where<br />

the specificity of the policy is fully submited<br />

to the categories and the logic of economic<br />

analysis.<br />

Keywords: Policy; Economic Theory, Public<br />

Choice; Democratic Society.


Introdução<br />

O político é aquele indivíduo que pede dinheiro aos ricos e votos aos pobres,<br />

prometendo, se eleito, defender uns dos outros. (JAMES BUCHANAN)<br />

Este artigo pretende resgatar a escola da Public Choice em todas as suas dimensões,<br />

repercutindo a importância da escolha pública nas decisões de caráter econômico,<br />

amparada no ambiente do regime público ou da figura do Estado. Tais decisões<br />

permeiam grupos de interesse que exercem força econômica e dirigem ou<br />

transferem a escolha pública na busca da otimização da aplicação dos recursos<br />

escassos.<br />

James M. Buchanan Jr. nasceu em Murfreesboro, Tenessee, no dia 3 de outubro<br />

de 1919 e durante a maior parte de sua vida acadêmica esteve ligado a George<br />

Mason University, no estado de Virgínia, onde foi diretor do Center for the Study of<br />

Public Choice, sendo em 1986, laureado com o Prêmio Nobel de Economia.<br />

Dentre suas contribuições liberalistas, deu inicio á vertente que é conhecida<br />

como Teoria da Escolha Pública (Public Choice) e que se caracteriza por introduzir<br />

o individualismo metodológico e o instrumental matemático na ciência política.<br />

Segundo Toneto (1996), Buchanan viveu num ambiente em que dominava o<br />

keynesianismo (pós-Segunda Guerra), com sua defesa da intervenção do Estado<br />

na economia em virtude das falhas de mercado.<br />

Com a desaceleração do crescimento mundial após a década de 60 e o<br />

surgimento das críticas ao keynesianismo, Buchanan começa então a desenvolver<br />

sua teoria na Universidade de Chicago, centro difusor das críticas ao keynesianismo.<br />

Ao perceber a efervescência deste contexto, James Buchanan apresenta as duas<br />

grandes preocupações que podem ser identificadas por trás da elaboração da<br />

teoria da escolha pública.<br />

A primeira dizia respeito à excessiva matematização que, cada vez mais,<br />

assumia papel central na formulação teórica da época, e da qual a teoria das<br />

expectativas racionais é um ótimo exemplo. Para Buchanan, ao se preocuparem em<br />

elaborar modelos de análise com enorme sofisticação matemática, os economistas<br />

estavam se esquecendo daquilo que para ele deveria se constituir no essencial<br />

da análise teórica: compreender as motivações que explicam as decisões dos<br />

agentes econômicos. Com evidente ironia, Buchanan referia-se aos economistas<br />

matemáticos como “eunucos ideológicos”.<br />

A segunda preocupação dizia respeito à acentuada politização das decisões<br />

econômicas, que era decorrência direta da enorme influência das políticas<br />

econômicas de inspiração keynesiana, como já mencionado anteriormente. A<br />

transferência para o âmbito da política muitas vezes fazia com que a racionalidade<br />

econômica fosse suplantada pelos interesses dos políticos envolvidos na tomada<br />

de decisões.<br />

Como bem observou Buchanan, o economista e o político trabalham com<br />

vetores distintos, onde o primeiro tem por parâmetro fundamental em suas<br />

tomadas de decisão a eficiência, procurando sempre a alocação ótima dos recursos<br />

James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />

33


escassos; enquanto o segundo tem por parâmetro a conquista e a manutenção<br />

do poder, o que só pode ser alcançado, no regime democrático, através do voto.<br />

Nesse sentido, o político, principalmente em períodos eleitorais, tem o<br />

costume de prometer mundos e fundos para conquistar os votos dos eleitores,<br />

desconsiderando, muitas vezes, os limites impostos pela escassez dos recursos<br />

produtivos.<br />

Daqui surgem duas letais armadilhas; a primeira é o Estado entrar em todas as<br />

áreas da sociedade, tornando-se um Leviatã 1 e sufocando as liberdades individuais,<br />

conforme pressupõe os ensaios sobre a liberdade de Stuart Mill. A segunda e não<br />

menos letal é os políticos utilizarem os bens públicos para atingir seus fins privados:<br />

a corrupção.<br />

Assim, se a existência do Estado é necessária devido às falhas de mercado,<br />

para corrigir externalidades e conseguir assim melhorias de bem-estar, através da<br />

provisão de bens públicos, a preocupação de Buchanan é a limitação dos poderes<br />

do Estado para evitar as falhas deste.<br />

Escola Public Choice<br />

De acordo com Araújo (2003), o postulado básico da Public Choice a coloca na<br />

corrente da filosofia política que inclui autores do calibre de Thomas Hobbes, Alexis<br />

de Tocqueville, Maquiavel, Stuart Mill e David Hume.<br />

As origens da Public Choice podem ser localizadas no final da década de 1940,<br />

conforme contextualizado na introdução deste artigo, á luz do debate sobre as<br />

funções de bem-estar de Bergson e Samuelson (Mueller, 1989).<br />

Os modelos de socialismo de mercado desenvolvidos nos anos 30 e 40<br />

do século XX visualizaram o Estado como provedor de bens privados2 (Mueller,<br />

1989). A intervenção estatal seria necessária para suplementar a insuficiência<br />

de investimentos privados, causa principal do desemprego, segundo a análise<br />

keynesiana. No período posterior à II Guerra Mundial os problemas referentes à<br />

eficiência alocativa continuaram demandando atenção.<br />

No entanto, passado este período o bom desempenho da economia<br />

mundial reduziu o interesse sobre os problemas relacionados ao desemprego e a<br />

redistribuição de renda.<br />

Nas décadas de 40 e 50 tornou-se dominante uma literatura sobre falhas de<br />

mercado (bens públicos, externalidades e economias de escala) que fornecia uma<br />

explicação natural para a existência do Estado devido ao fato de o mercado, em<br />

determinadas condições, não ser capaz de levar a economia à condição ótima de<br />

Pareto3 .<br />

1 Referência à obra clássica de Thomas Hobbes.<br />

2 Bérgson (1938), Samuelson (1947).<br />

3 Vilfredo Pareto, economista e sociólogo italiano de origem francesa nascido em Paris.Considerado um dos ideólogos<br />

do movimento fascista, elaborou a teoria de interação entre massa e elite e aplicou a matemática à análise<br />

econômica, mais conhecido por sua dedicação à matemática voltada para a economia e a sociologia. Educado na<br />

Itália, estudou matemática e literatura e graduou-se em física e matemática (1867) e em engenharia (1870) no<br />

Instituto Politécnico de Turim.<br />

34<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Segundo Buchanan (1949), a teoria e a prática das finanças públicas deveriam<br />

ser revisadas para relacionar a distribuição individual do custo público à distribuição<br />

individual de benefícios, de modo que as pessoas pudessem visualizar o que eles<br />

recebem em troca dos impostos que pagam.<br />

A pergunta fundamental colocada pela Public Choice era: se o Estado existe como<br />

uma espécie de substituto do mercado para fornecer bens públicos e eliminar<br />

externalidades, como seria possível a revelação das preferências por esses bens<br />

públicos?<br />

Contudo, a Teoria da Public Choice começa a ter notoriedade nos estudos<br />

acadêmicos e passa a ser entendida como uma extensão dos métodos da teoria<br />

econômica convencional para o ambiente conhecido como mercado político.<br />

O principal argumento era que, fosse no mercado, fosse na política, indivíduos<br />

comportavam-se da mesma maneira, ou seja, movidos pelas mesmas motivações<br />

– eram maximizadores do interesse próprio.<br />

Tal abordagem tem como principais propugnadores Tullock (1962), Downs<br />

(1957) e Olson (1965) que acabaram influenciando com seus argumentos liberais<br />

Buchanan (1993), membro da então Escola de Virgínia ou Thomas Jefferson Center<br />

for Studies in Political Economy, responsável pela elaboração da perspectiva<br />

denominada Public Choice.<br />

Surgida nos EUA nos anos 60, incorpora a segunda fase da Public Choice<br />

ostentando um quadro liberal em dois aspectos: quanto às críticas aos efeitos<br />

perversos da intervenção do Estado na economia e na sociedade como um todo 4 ,<br />

com efeitos à própria democracia; e quanto à formulação de um método de<br />

compreensão e análise da sociedade, com enorme influência às próprias Ciências<br />

Sociais (sobretudo em relação à Ciência Política). Trata-se do desenvolvimento da<br />

Teoria do Individualismo Metodológico.<br />

Ainda vale lembrar que, apesar da ausência de citações nos trabalhos que<br />

envolvem a Public Choice, existe a contribuição de Schumpeter (1973) em Capitalismo,<br />

Socialismo e Democracia que apresenta a esfera política organizada como<br />

um mercado, em que os políticos atuam como empresários, intermediando a<br />

negociação em que se trocam votos por políticas, revelando que o que está em<br />

jogo no mercado político e econômico, são interesses privados.<br />

Para compreender melhor a Public Choice, basta observar que o crescimento dos<br />

gastos públicos é devido ao auto-interesse de eleitores, políticos e burocratas,<br />

ou seja, os economistas e cientistas políticos ligados à Public Choice têm procurado<br />

demonstrar que os gastos públicos e a burocracia crescem de forma significativa<br />

e ineficiente tornando a empresa pública menos eficaz que a empresa privada.<br />

4 Lafer (1991) afirma que, o antipaternalismo é outra característica identificadora a doutrina liberal. Traduz-se na<br />

deslegitimação da função de interveniência do Estado na vida das pessoas com fundamento a avaliação de que<br />

todo indivíduo precisa ser protegido até dos seus próprios impulsos e inclinações. Stuart Mill, como aponta Bobbio,<br />

da mesma maneira que Locke e Kant é um antipaternalista e o seu pressuposto ético é o de que “sobre si mesmo,<br />

sobre o seu próprio corpo e espírito, o indivíduo é soberano”.<br />

James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />

35


Esforços no sentido de abordar o processo político por meio de teorias<br />

pluralistas 5 tendem a interpretar o Estado não como uma unidade autônoma e<br />

soberana, mas como resultado de reflexos provenientes de centros de ação sociais<br />

diversos. Conforme apontado por Offe (1996), os principais interesses organizados<br />

nas sociedades capitalistas competem com níveis de poder diferenciado, sem que<br />

seja determinada a priori a hegemonia de um grupo específico.<br />

Mueller (1989, p.1) define Public Choice como:<br />

[...] o estudo econômico da decisão fora da lógica do mercado, ou simplesmente<br />

a aplicação da economia à ciência política. A questão da escolha pública<br />

é a mesma que a da ciência política: a teoria do Estado, votando regras, o<br />

comportamento dos eleitores, partidos políticos, a burocracia, e assim por diante.<br />

A metodologia de escolha pública é o da economia, entretanto, o postulado<br />

básico do comportamento da escolha pública, como para a economia, é que o<br />

homem é um egoísta, racional e maximizador de utilidade.<br />

Notadamente a análise da escola Public Choice situa-se sobre as finanças<br />

públicas, as políticas comerciais e as políticas regulatórias. Dentre as diversas idéias<br />

enfatizadas pela<br />

Escola da Public Choice destacam-se:<br />

(i) logrolling - é o termo usado para denotar a troca de apoio entre políticos;<br />

quando os partidos são baseados em princípios de lealdade e disciplina partidária,<br />

a maior parte da atividade de logrolling é desenvolvida no interior dos partidos (na<br />

formulação dos seus programas); quando, ao contrário, os partidos são fracos e<br />

seus membros indisciplinados, as atividades de logrolling tendem a ser intensas e<br />

muitas vezes sem princípios.<br />

(ii) grupos de interesse - muitos grupos sociais organizados têm intenso<br />

interesse em influenciar o governo pelos grandes ganhos que estão em jogo. Estes<br />

grupos são constituídos por empresas, associações empresariais, grupos específicos<br />

de funcionários do governo, etc.<br />

Tais grupos são organizados, têm recursos, e podem financiar lobistas de<br />

modo a exercer pressão sobre os legisladores e membros dos poderes executivo e<br />

judiciário de modo que seus discursos ideológicos se pareçam com as reivindicações<br />

do interesse público. Os favores que eles almejam são obtidos à custa dos<br />

contribuintes, que por não estarem organizados, não têm condições de resistir – a<br />

pressão concentrada ultrapassa a resistência difusa 6 .<br />

5 Olson (1965) define pluralismo como “...the political philosophy which argues that private associations of all kinds<br />

[labor unions, churches, cooperatives etc] should have a larger constitutional role in society and that the government<br />

should not have unlimited control over the plurality of these private associations. It opposes the Hegelian<br />

veneration of the nation state, on the one hand, but fears the anarchistic and laissez-faire individualistic extremes,<br />

on the other, and ends up seeking safety in a sociey in which a number of important private associations provide a<br />

cushion between the individual and the state.” Há um conjunto expressivo de trabalhos que enfatiza a necessidade<br />

de se resgatar o sentido de “interesse público” na tomada de decisões. Ver MACFARLAND, A.S. - “Interest groups<br />

and the policymaking process: sources of countervailing power in America” in PETRARCCA, M.P. (Ed.) The politics<br />

of interests. Boulder, Westview, 1992. MAJONE, G. - Evidence, argument and persuasion in the policy process.<br />

New Haven, Yale University Press, 1989. SHAPIRO, M. - Who guards the gardians? Athens, University of Georgia<br />

Press, 1988. COLLIARD, C.A. & TIMSIT, G. (Eds.) - Les autorités administratives indépendantes. Paris, PUF, 1988.<br />

6 Olson (1965) se destacou no estudo dos grupos de interesse.<br />

36<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


(iii) burocratas - vários teóricos da Public Choice estudaram a burocracia, tanto<br />

em organizações públicas, como privadas, procurando explicar interesses e<br />

motivações dos burocratas e sua relação entre os interesses individuais e os da<br />

corporação. De acordo com Niskanen (1971) os burocratas tendem a maximizar<br />

os orçamentos dos órgãos governamentais, pois o seu interesse está diretamente<br />

vinculado à amplitude da sua ação administrativa.<br />

(iv) rent-seeking - tarifas sobre produtos e monopólios proporcionam ganhos para<br />

indústrias. Tradicionalmente os economistas têm estudado os custos relacionados<br />

às perdas de consumo associadas à introdução dessas tarifas. Tullock (1967)<br />

identificou outros custos associados à busca pelas empresas (seeking) por tarifas e<br />

monopólios.<br />

Teóricos da Public Choice detectaram custos semelhantes em regulação comercial<br />

ou industrial, licenciamento para profissões qualificadas, políticas de proteção<br />

ambiental, competição por cargos políticos, e projetos de constituições nacionais.<br />

(Orchard e Stretton, 1997) Silveira (1996), que se refere à Public Choice como uma das<br />

extensões do marginalismo faz duas críticas fundamentais:<br />

A primeira questiona a afirmação de que o comportamento individual no<br />

âmbito público e privado se baseia na mesma hipótese - a da maximização do autointeresse.<br />

A polêmica é a mesma que foi iniciada por Downs (1957) sobre a natureza<br />

do comportamento político. A questão é relevante dado o caráter axiomático do<br />

método aplicado pela Public Choice. Caso não seja razoável admitir o comportamento<br />

dos indivíduos no âmbito público (da mesma forma que no âmbito privado) como<br />

maximizador de utilidade e racional, a estrutura teórica da Public Choice sofreria um<br />

abalo significativo. Vale lembrar que o conceito de racionalidade individual da<br />

Public Choice não exige que o comportamento seja egoísta.<br />

Segundo Buchanan e Tullock (1962, p.3),<br />

As análises não dependem de lógica elementar para validar qualquer motivação<br />

estritamente hedonista ou de auto-interesse dos indivíduos no seu comportamento<br />

social envolvendo processos de escolha. O indivíduo representado neste modelo<br />

pode ser egoísta ou altruísta, ou qualquer combinação dos dois. Nossa teoria é<br />

“econômica” enquanto supõe que os indivíduos são separados e distintos, como<br />

tal, podem ter diferentes objetivos e propósitos para os resultados de uma ação<br />

coletiva. Em outros termos, assumimos que os interesses dos homens diferem<br />

por outros motivos que não os da ignorância.<br />

Nas crises sociais agudas, como guerras e revoluções, a hipótese do homem<br />

político (com motivações diferentes da simples maximização do auto-interesse)<br />

apresenta-se mais plausível. Contudo, em situações de normalidade e estabilidade<br />

política, a hipótese do homem econômico na esfera pública e privada parece<br />

de acordo com o senso comum, principalmente num regime de estabilidade<br />

das instituições democráticas, o papel preponderante do auto-interesse no<br />

comportamento dos políticos e dos eleitores apresenta-se evidente e muito claro.<br />

James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />

37


A segunda é semelhante àquela feita à economia neoclássica – o problema<br />

que Schumpeter chamou de vício ricardiano (REDMAN, 1997). Tal crítica aplicase<br />

melhor no caso da Nova Economia Política, dada a sua característica peculiar<br />

de utilizar-se da modelagem matemática, e, por conseguinte, de ancorar-se em<br />

simplificações axiomáticas potencialmente comprometedoras.<br />

Modelo Buchaniano<br />

Conforme Souza (1996), os arranjos que virão ordenar as decisões coletivas<br />

repousa numa concepção de sociedade que não apresenta clivagens sociais<br />

agudas, sendo assim, a formação de coalisões previsíveis e em posição privilegiada<br />

estariam descartadas, conduzindo a uma certa igualdade entre os indivíduos que<br />

participam do processo de definição das regras de convivência , revelando o cerne<br />

do modelo buchaniano.<br />

No ápice, o alvo das formulações buchanianas é a discussão sobre a natureza e<br />

o princípio que devem nortear a escolha das regras de agregação das preferências,<br />

destinadas a cumprirem um curso de ação modificadora ou de conservação do<br />

mundo material, tendo em vista o critério dos custos daí advindos.<br />

A questão central para os contratualistas é aquela que enfatiza o problema<br />

dos limites e das formas de exercício do poder. Araújo (2003) alerta que, o que<br />

está em pauta, é o sistema democrático representativo nas sociedades ocidentais<br />

materializado em suas instituições através de sistemas eleitorais, legislatura mono<br />

ou bicameral, procedimentos decisórios ordinários (operacionais) e procedimentos<br />

para a escolha das regras de escolha (inclusive aqueles que prevêem os mecanismos<br />

de reformas constitucionais) e que dimensiona e controla a produção do poder.<br />

Do lado oposto, sociedades com grandes níveis de desigualdade social, tal<br />

aplicação do princípio poderia a primeira vista, perturbar e levar a uma perpetuação<br />

do status quo. Ainda observa Araújo (2003), no caso brasileiro por exemplo,o Estado<br />

tradicionalmente tem sido utilizado como instrumento de abuso de poder por<br />

parte das minorias privilegiadas, o que poderia indicar que um sistema político<br />

baseado no princípio do benefício levaria fatalmente a uma reversão no quadro<br />

de desigualdade pela ação de dois efeitos:<br />

Pelo fim das transferências de recursos dos pobres para os ricos;<br />

Pelo início da transferência de recursos dos ricos para os pobres, impulsionado<br />

pelo sentimento altruísta reiteradamente manifestado em campanhas de<br />

solidariedade organizadas pela mídia ou espontaneamente como tem<br />

sido observado e que não se traduzem em decisões políticas pelo absoluto<br />

descrédito das populações com as instituições governamentais.<br />

“A primeira questão a respeito de qualquer instituição política é o quanto<br />

ela tende a promover nos membros da comunidade as várias qualidades morais e<br />

intelectuais desejáveis (...)” (MILL, [1861], 1994).<br />

Então pode se dizer que ,a análise sobre o Estado feita por Buchanan aponta<br />

para uma divisão em dois eixos; a fase do contrato constitucional, que seria o<br />

38<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


momento de constituição da sociedade e o contrato pós-constitucional, entendido<br />

como a provisão dos bens públicos, neste momento Buchanan exibe a influência<br />

de Locke e Stuart Mill, pai e seguidor da obra liberal.<br />

Dessa forma, de alguma maneira a escolha pública ou Public Choice, parece romper<br />

com a teoria econômica convencional, que para este autor a mesma estava muito<br />

preocupada com as propriedades puramente formais de seus modelos calcadas<br />

em seus mundos de fantasia, esquecendo-se de entender o próprio objeto da<br />

economia, qual seja: o processo de mercado e a relação deste processo com o<br />

conjunto institucional no qual as pessoas fazem suas escolhas.<br />

Ainda sobre a teoria econômica convencional, Buchanan atribui duas outras<br />

grandes limitações: (i) não levar em consideração o quadro institucional – que é<br />

tomado como dado e (ii) considerar o Estado um agente exógeno, obstruindo assim<br />

a análise do processo político.<br />

Para Buchanan e Tullock (1962), á análise do quadro institucional se baseia<br />

na democracia individualista da ordem política (individualistic – democracy model) ou<br />

individualismo metodológico. Individualismo aqui referido não a um valor humano<br />

(no sentido de egoísmo), mas ao método analítico que parte da premissa de que é<br />

o indivíduo que, em última análise, se defronta com alternativas e realiza escolhas 7 .<br />

Segundo esta perspectiva, não haveria intermediários nos processos de decisão<br />

coletiva, ou seja, não haveria necessidade de delegar a alguma autoridade a<br />

prerrogativa de fazer escolhas fiscais.<br />

Deste modo, com as análises tributárias da teoria da “escolha pública”<br />

pretende-se alcançar as condições em que ocorre a alocação autorizada dos<br />

recursos públicos, definidos previamente, pela escassez. Por fim, esta abordagem<br />

visa elaborar modelos indicativos do processo de tomada de decisão nas instituições<br />

públicas tendo como suposto os cursos alternativos da ação pública.<br />

Cálculo do consenso e a democracia constitucional<br />

Esse modelo assume que cada cidadão possui, pelo menos remotamente,<br />

algum poder de mudar as políticas. A melhor política, segundo esta perspectiva é<br />

aquela escolhida pelo grupo, qualquer que seja, pois não há escolha mais adequada<br />

do que aquela feita individualmente por cada cidadão. Cada indivíduo sabe o<br />

que é melhor para si, onde mais uma vez o autor recorre a filosofia de Mill sobre a<br />

liberdade individual.<br />

Logo o processo político é analisado à maneira tradicional da teoria neoclássica,<br />

como um processo de minimização de custos. Há dois tipos de custos envolvidos:<br />

os custos externos e os custos de transação. O primeiro tipo são maiores quanto<br />

menos os indivíduos puderem participar do processo decisório e mais tiverem que<br />

acatar, portanto, as decisões impostas. O segundo tipo são os custos envolvidos no<br />

próprio processo decisório, que são maiores quanto maior for o número de pessoas<br />

envolvidas no processo de decisão.<br />

7 Aqui, Buchanan exprime novamente sua formação liberal e usa contextualizações sobre o indivíduo de Stuart Mill,<br />

que vê assim na liberdade de pensamento e discussão, a condição para o contínuo estímulo da<br />

atividade intelectual e do progresso humano, chamando a atenção para o questionamento de verdades que<br />

se tornam dogmas mortos, e não verdades vivas, quando não debatidas livremente.<br />

James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />

39


Há, portanto, um trade-off entre os dois custos (Toneto, 1996). Assim, além de<br />

o governo ter de intervir o mínimo nas liberdades individuais já que ele também<br />

tem falhas, ele deve ser mínimo também em outro sentido: é melhor que as<br />

decisões sejam tomadas em grupos menores, pois nestes é mais fácil chegar-se a<br />

um consenso.Daí resulta a defesa do federalismo ou da descentralização máxima<br />

da tomada de decisões, influência de Alexis de Tocqueville 8 sobre Buchanan.<br />

Segundo Tocqueville (1987), as instituições da soberania do povo<br />

acrescentaram outras duas vantagens políticas que contribuíram para salvaguardar<br />

a liberdade: a descentralização administrativa e as associações livres.<br />

A descentralização administrativa na América produziu efeitos políticos<br />

admiráveis como reproduzidas nas palavras de Alexis de Tocqueville (1987, p.29),<br />

Ali a sociedade age sozinha e sobre ela própria. Não existe poder, a não ser<br />

no seio dela; quase nem mesmo se encontram pessoas que ousem conceber<br />

e, sobretudo, exprimir a idéia de ir procurá-la noutra parte. O povo participa<br />

da composição das leis, pela escolha dos legisladores, da sua aplicação<br />

pela eleição dos agentes do poder executivo; pode-se dizer que ele mesmo<br />

governa, tão frágil e restrita é a parte deixada à administração, tanto se<br />

ressente esta da sua origem popular e obedece ao poder de que emana. O<br />

povo reina sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo.<br />

É ele a causa e o fim de todas as coisas;tudo sai do seu seio, e tudo se absorve<br />

nele.<br />

O livro “The calculus of consent. Logical foundations of constitutional democracy” 9 , escrito em<br />

parceria com Gordon Tullock, tratou o fenômeno da burocracia estatal e tornou-se<br />

um marco de referência para os autores que, influenciados que foram, construíram<br />

seus modelos explicativos a partir do constructo de homo economicus.<br />

Se os indivíduos têm idéias diferentes sobre o bem público, argumenta<br />

Buchanan, ou antes, agem segundo suas preferências, o processo político aí<br />

configurado deve ser analisado em termos dos “custos” advindos da obtenção de<br />

acordo entre as partes.<br />

Pode-se afirmar que os mecanismos e os arranjos constitucionais<br />

daí decorrentes, constituem o foco privilegiado das atenções dos autores<br />

mencionados. As abordagens teóricas que buscam enfatizar os mecanismos que<br />

definem e delimitam o exercício do poder, são conhecidas pela denominação de<br />

“contratualistas” 10 . A obra de Buchanan pode ser considerada como representativa<br />

dessa matriz.<br />

Buchanan (1987) indica que todo indivíduo considera como vantajoso explorar<br />

a possibilidade de organização de uma atividade coletiva quando supõe que a sua<br />

8 Alexis Charles-Henri-Maurice Clérel de Tocqueville nasceu em Paris, em 29 de julho de 1805 e morreu em Cannes,<br />

a 16 de abril de 1859. Viveu, portanto, o período mais atribulado da História francesa durante o século XIX. Ele<br />

nasceu pouco tempo após o Terror da Revolução Francesa (sobre a qual escreveria uma obra clássica). A infância<br />

transcorreu sob as vicissitudes de Napoleão. Assistiu à restauração da monarquia sob Luís XVIII e Carlos X (a quem<br />

seu pai serviu) e à sua subseqüente derrubada por Luís-Felipe.<br />

9 Buchanan, J. e Tullock, G. - The calculus of consent. Logical foundations of constitutional democracy. Michigan,<br />

The University of Michigan Press, 1965<br />

10 Contratualismo- família de teorias morais e políticas que fazem uso da idéia de um contrato social. Tradicionalmente<br />

filósofos como Hobbes e Locke usaram a idéia do contrato social para justificar certas concepções do<br />

Estado.<br />

40<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


utilidade possa aumentar. Neste modelo, a utilidade individual pode ser aumentada<br />

pela ação coletiva de duas formas:<br />

(i) a ação coletiva pode eliminar alguns custos externos impostas pelas ações<br />

privadas de outros ao indivíduo em questão,<br />

(ii) a ação coletiva é um meio para assegurar alguns benefícios adicionais ou<br />

externos que não estão previstos pelo comportamento privado puro.<br />

Para Buchanan (1987), a variável chave de sua análise refere-se aos custos<br />

da organização em si mesma, isto é, o custo derivado de decisões tomadas<br />

coletivamente. Para utilizar a sua terminologia, os custos da interdependência<br />

social deveriam estabelecer os parâmetros para escolher entre ação voluntária<br />

(individual ou cooperativa) e ação política (coletiva), pois o custo de organização<br />

das decisões voluntárias é zero.<br />

Recorrendo a Maquiavel 11 , Buchanan compara que raramente podem-se<br />

reduzir os custos da atividade humana, pois uma atitude nesta direção significa<br />

novos custos.<br />

A existência de custos externos explicaria assim, do ponto de vista da<br />

racionalidade, a origem de atividades organizadas voluntariamente e de atividades<br />

cooperativas ou governamentais, estas últimas baseadas em arranjos contratuais.<br />

A filosofia política e moral de Buchanan<br />

Conforme constata Souza (1996), o autor recupera e incorpora as proposições<br />

construídas no âmbito da chamada revolução behaviorista12 no que se refere aos<br />

novos postulados metodológicos da ciência política. Seu interesse é discutir e<br />

fornecer elementos que possibilitem a construção de uma reflexão sobre a ciência<br />

política de tal modo que certos representantes da filosofia política clássica são<br />

enfatizados como elementos-chave nesta construção metodológica.<br />

Segundo Simon e March (1979), na Teoria Comportamental a organização<br />

é concebida como um sistema de decisões, e neste sistema cada pessoa toma<br />

decisões de forma racional e consciente, as quais vão gerar comportamentos ou<br />

ações. Assim sendo, as decisões são tomadas continuamente em todos os níveis<br />

hierárquicos da organização, em todas as áreas, em todas as situações e por todas<br />

as pessoas.<br />

Na ciência política não é diferente, cuja finalidade behaviorista seria não só a<br />

de descrever a realidade, mas também a de fornecer os meios operativos para aí<br />

intervir. Segundo Simon (1979), o sistema que envolve uma organização é composto<br />

por um complexo modelo decisório onde cada pessoa participa de forma racional<br />

e conscientemente, escolhendo e tomando decisões individuais a respeito de<br />

alternativas mais ou menos racionais do comportamento.<br />

11 Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, onde a erradicação de um inconveniente no mundo dos homens<br />

só se realiza com a constituição de um outro.<br />

12 Os enunciados do behaviorismo ou comportamentalismo pretendiam estipular contornos mais “científicos” às<br />

chamadas ciências do homem. As origens deste debate remontam às discussões que objetivavam delimitar um<br />

campo próprio à reflexão filosófica, diferenciando-o daquele constituído pelo conhecimento científico.<br />

James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />

41


Lembra ainda Souza (1996), que Buchanan ao invés de simplesmente rechaçar<br />

a tradição da filosofia política clássica nesta nova reconstrução metodológica<br />

da assim denominada “ciência política”, realiza uma incursão pelo pensamento<br />

filosófico, de modo a enfatizar apenas aqueles autores que definem e alimentam a<br />

matriz racionalista, e se contrapõe a uma concepção normativa do comportamento<br />

individual. Em sua formulação, tanto os economistas, como os cientistas sociais e<br />

teóricos da política, deveriam pensar os homens da forma como são e não como<br />

gostariam que fossem.<br />

Para o autor:<br />

[...] a obrigação ou dever do cidadão individual em obedecer à lei, de sujeitarse<br />

ao desejo da maioria, e de agir antes coletivamente na esfera pública do<br />

que no interesse privado, são questões que ocuparam o centro das atenções<br />

de muitos filósofos políticos. São temas vitais e significantes, mas devem ser<br />

reconhecidos como pertinentes ao âmbito de uma moralidade pessoal, e<br />

como tais não competem à problemática própria da teoria política.<br />

Desta forma, Buchanan enfatiza como fundamental o divórcio entre a política<br />

e a moral, no entanto, não sugere que o teórico da política tenha que restringirse<br />

a uma atuação meramente historicista dos fenômenos da política, e sim, que<br />

suas reflexões apontem para uma dimensão do aperfeiçoamento das instituições<br />

políticas.<br />

Buchanan lembra a linha filosófica do inglês Hume, que segundo ele, foi<br />

bem sucedido ao tentar assentar a idéia da obrigação política sobre o interesse,<br />

descartando aí, o princípio da moral e a teoria do contrato.<br />

A propensão natural dos indivíduos em observar certas regras de convivência<br />

como as de justiça, portanto, sustentar-se-ia, segundo o esquema de Hume 13 , no<br />

interesse egoísta de cada um. As regras e as leis de convivência sintetizadas numa<br />

constituição, não devem, segundo Hume, partir do pressuposto da existência<br />

de virtudes privadas. Uma constituição verdadeiramente eficaz garantirá que os<br />

interesses privados dos homens (incluindo aí os homens “maus”) serão controlados<br />

e orientados no sentido de produzirem o bem público.<br />

Considerações finais<br />

Uma das principais críticas em relação à teoria da Public Choice – é que esta<br />

seria uma visão bastante simplista do mercado político, por considerar apenas<br />

algumas poucas variáveis, sendo que muito outros fatores entrariam em questão<br />

na determinação de visões políticas. Questões relativas à análise do Governo,<br />

eleitores, legisladores e burocratas e a falta da análise sobre o poder executivo,<br />

partidos políticos e outras organizações comprometem o encadeamento da teoria.<br />

13 David Hume foi o mais influente dos filósofos do Iluminismo escocês. Nascido em Edimburgo a 7 de maio de<br />

1711, suas idéias afetaram todos os cientistas e filósofos que o sucederam. Suas principais obras filosóficas foram:<br />

Um Tratado sobre a Natureza Humana (1739), Investigação sobre o Entendimento Humano (1748, desdobramento<br />

do primeiro volume do “Tratado”) e Investigação sobre os Princípios da Moral (1751, desdobramento do segundo<br />

volume do “Tratado”). Essas três obras continuam atuais e, graças a sua elegante e despojada linguagem, ainda<br />

falam diretamente ao leitor do século XXI.<br />

42<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


As decisões relativas aos benefícios e aos custos dos bens e serviços públicos<br />

poderiam resultar de uma votação majoritária (50%+1). E aí que entra no seu<br />

modelo, o sistema do logrolling. Como a política é feita de inúmeras questões<br />

abertas à decisão, e as preferências do corpo social são múltiplas, o comércio dos<br />

votos instalar-se-ia como um recurso natural e não como um comportamento<br />

necessariamente antiético.<br />

O argumento essencial é o de que sendo o orçamento público um processo<br />

político complexo em que os participantes possuem interesses muitas vezes<br />

conflitantes, observa-se que, num ambiente de grande incerteza e pobreza, os<br />

atores têm o incentivo de desenvolver estratégias com o objetivo de aumentar sua<br />

respectiva margem de manobra. Deste processo dinâmico emergem padrões de<br />

comportamento identificados como anômalos, porém racionais.<br />

Ainda dentro desta linha comportamental, deve-se evitar o sentimentalismo<br />

de assumir que todo ser humano (os servidores públicos em particular) tenta a todo<br />

tempo promover altruisticamente o bem social, e paradoxalmente seria necessário<br />

também evitar a demagogia de assumir que todo mundo está inteiramente e<br />

constantemente motivado pelo interesse pessoal.<br />

A condenação da doutrina do igualitarismo é evidente em todas as formulações<br />

do autor, como de resto, em todas correntes do liberalismo. Como defensor de uma<br />

sociedade de homens livres (não necessariamente igualitários), Buchanan propõe<br />

que um “teste indireto sobre o grau de coesão de uma sociedade pode ser oferecido<br />

pela extensão de atividades que são deixadas livres (abertas) ao controle informal<br />

e aquelas reguladas por um controle formal”. É patente nas reflexões do autor uma<br />

concepção de liberdade, própria da doutrina liberal clássica, pensada como uma<br />

esfera de ações em que não há controle por parte dos organismos estatais.<br />

Mais do que prescrever uma redução das atividades estatais, Buchanan se<br />

propõe ao que chama de “revolução constitucional”, isto é, reformas das instituições<br />

e dos órgãos decisores no sentido de estabelecer novos procedimentos segundo<br />

os quais as decisões serão tomadas.<br />

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James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />

45


Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de<br />

Desenvolvimento Economico: Uma Análise da<br />

Experiência Internacional & Brasileira<br />

Resumo:<br />

Cada vez mais o crescimento e o<br />

desenvolvimento econômico de regiões e<br />

países é ditado por sua capacidade de gerar<br />

inovações tecnológicas. Processos inovadores<br />

na forma de tecnologia de produto ou<br />

processos hoje, são os grandes indutores de<br />

crescimento econômico. A nanotecnologia,<br />

com o seu potencial inovador, é a nova<br />

fronteira tecnológica. Aquela que tem maior<br />

potencial como geradora de ganhos em<br />

competitividade para nações e empresas.<br />

A nanotecnologia gera pontos de inflexão<br />

tecnológica em várias indústrias, criando<br />

novos paradigmas de desenvolvimento<br />

econômico e empresarial.<br />

O artigo aborda as estratégias tecnológicas<br />

na área de nanotecnologia de países como<br />

a China, países da “tríade econômica”,<br />

países asiáticos, e a do Brasil. Esses países<br />

oferecem ao Brasil “blueprints” diferenciados<br />

de como a nanotecnologia está sendo usada<br />

para aprofundar e criar novas vantagens<br />

competitivas.<br />

Palavras Chave: nanociencias,<br />

nanotecnologia, inovação, competitividade,<br />

Brasil.<br />

46<br />

Raul Gouvea *<br />

* Professor of International Business, Anderson School of Management - University of New Mexico. E-mail:<br />

<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

Abstract: A country’s capacity and<br />

determination to innovate is increasingly<br />

determining its global economic<br />

competitiveness standing. Innovative<br />

processes at the product and at the process<br />

level, are currently considered main drivers<br />

of economic growth and development.<br />

Nanotechnology is one of the current<br />

technologies frontiers which carry a promisse<br />

to create new competitiveness inflection<br />

points in countries that are currently<br />

developing nanotechnology innovations.<br />

In the next years, nanotechnology is bound<br />

to create a new competitive paradigm for<br />

nations and industries accross the globe.<br />

This article assess the nanotechnology<br />

strategies being designed and implemented<br />

by developed and emerging economies;<br />

special heed is payed to the Brazilian case.<br />

Keywords: Nanotechnology, emerging<br />

economies, competitiveness, Brazil.


Introdução<br />

Cada vez mais o crescimento e desenvolvimento econômico de regiões e<br />

países está ligado a sua capacidade de gerar inovações tecnológicas. Processos<br />

inovadores na forma de tecnologia de produto ou de processos são hoje, os<br />

grandes indutores de crescimento econômico (CRUZ, 2005; INVERNIZZI, FOLADORI,<br />

E MCLURCAN, 2008; VELLOSO, 2008; POCHMANN, 2008).<br />

A nível global, a economia do conhecimento tem demandado crescentes gastos<br />

em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Nos anos 1980 os países desenvolvidos<br />

gastaram em média 1.5% de seus PIB’s em P&D; hoje esse número cresceu para<br />

2.2%. O Japão, entre os países desenvolvidos é o que mais investe em P&D, com<br />

cerca de 3.2% do seu PIB. O “Global R&D Report” estima que gastos globais com<br />

P&D irão passar de US$ 1,2 trilhões. Entre as economias emergentes e dos BRIC’s,<br />

a China aparece como um dos expoentes globais em gastos em P&D. Em 2008,<br />

os investimentos chineses em P&D chegaram a 18% dos gastos globais em P&D<br />

(BUTCHER, 2008; BATTELLE, 2008; BOUND, 2008; REDIGUIERI, 2009). A China começa<br />

a desafiar a visão tradicional que tem apontado o país não como inovador, mas sim<br />

como um adaptador de tecnologias e know-how estrangeiros.<br />

Tradicionalmente, os Estados Unidos e o Japão tem sido responsáveis pela<br />

grande maioria dos gastos globais em P&D. Em 2005 o Japão e os Estados Unidos<br />

contribuíram com 60% dos gastos em P&D dos países que compõem a OCDE e<br />

48% dos gastos globais. Esses números refletem a grande participação do Japão e<br />

Estados Unidos nos gastos em P&D globais. No entanto, em 1995, essa participação<br />

era ainda maior, ao redor de 56% dos gastos globais em P&D. Uma das razões<br />

desse declínio é o fato de que economias emergentes, como a Índia, a China e o<br />

Brasil, estão investindo cada vez mais em P&D, e transformando-se em parceiros<br />

importantes no esforço tecnológico global (HASSAN, 2005; NATIONAL SCIENCE<br />

BOARD, 2008).<br />

De acordo com um recente relatório da OECD (2008), em 2005, no nível de<br />

patentes na área de Informação e Comunicação (ICT), os Estados Unidos detinham<br />

35% de todas as patentes, o Japão 18.6%, a Alemanha 7.7%, a China 4.2%, a Coréia<br />

4.6%, enquanto o Brasil detinha 0.1%. (OECD, 2008). De acordo com o mesmo<br />

relatório, o registro de patentes de nanotecnologia tem crescido bem acima da<br />

média, ao redor de 18% ao ano. Em 2005, os Estados Unidos detinham 41.8%<br />

das patentes de nanotecnologia, seguido pela União Européia com 25.4%, Japão<br />

com 16.7%. A China detinha 1.4% e o Brasil não aparece na lista. (Metha, 2007;<br />

OECD, 2008). As grande áreas de patente em nanotecnologia em 2005, foram as<br />

de eletrônicos (23.3%), nano materiais (31.3%), ótico-eletrônicos (8.1%), medicina<br />

e biotecnologia (14.8%), meio ambiente e energia (2.2%), e manufatura (20.4%).<br />

(OECD, 2008).<br />

A nanotecnologia é hoje, a nova fronteira tecnológica para a pesquisa e<br />

desenvolvimento (P&D) a nível global. A nanociência e a nanotecnologia estão<br />

redefinindo o que entendemos por inovação tecnológica. Ela é a nova fronteira<br />

tecnológica com o maior potencial estimado em gerar ganhos de competitividade<br />

para nações e empresas (ATKERNEY, 2009; MURRIELO, CONTIER, E KNOBEL, 2009).<br />

Essa revolução tecnológica não está sendo considerada mais uma “onda”, mas sim<br />

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />

47


um “tsunami” tecnológica. É um “tsunami”, porque se expande por várias indústrias com<br />

alta velocidade, afetando elos para frente e para trás de vários setores produtivos ao<br />

redor do mundo. Quando esse “tsunami” atinge indústrias as mudanças são radicais.<br />

Ao contrário de “ondas” passadas, a nanotecnologia é considerada uma “plataforma<br />

tecnológica” que irá mudar o “status quo”e o “modus vivendi” de várias industrias (KNOL,<br />

2004, SOUTH CENTRE, 2005).<br />

1 Nanociências & Nanotecnologia<br />

A percepção dos ganhos econômicos induzidos pela nanotecnologia gerou<br />

uma corrida tecnológica em nível global. A tríade econômica, composta pelos<br />

Estados Unidos, Japão e Europa, além da China, India, Tigres Asiáticos, México,<br />

Argentina, e Brasil, estão investindo na nova fronteira tecnológica. Até o<br />

momento bilhões de dólares já foram investidos na indústria que promete mudar<br />

os paradigmas de crescimento econômico e de negócios a nível global. É hoje,<br />

uma das tecnologias mais promissoras deste século. Já se fala na criação de um<br />

novo “divide”, o “nano divide.” (KALLENDER, 2004; ROCO, 2003) . Em outras palavras,<br />

países que detenham controle sobre nanociencias e nanotecnologias irão crescer a<br />

taxas mais rápidas do que países que hoje não investem e ignoram as ramificações<br />

econômicas dessa nova fronteira tecnológica. Em outras palavras, a nanotecnologia<br />

é vista com o potencial de gerar pontos de inflexão tecnológica em várias indústrias,<br />

cadeias de produção, e criar novos paradigmas de desenvolvimento econômico e<br />

empresarial (BAYOT, 2002; FREITAS, 2004; TREDER, 2005).<br />

Em 2007, vários países e empresas gastaram 13.8 bilhões de dólares em<br />

P&D em nanotecnologia, mostrando o potencial dessa tecnologia emergente<br />

(NANOCHINA, 2008). Nos próximos dez anos, a indústria global da nanotecnologia<br />

irá gerar receitas estimadas em 2.6 trilhões de dólares (VICTORIAN GOVERNMENT,<br />

2008).<br />

Hoje, o impacto da nanotecnologia já é evidente nas indústrias de cosméticos,<br />

eletrônicos, têxtil, diagnósticos médicos e terapêuticos, materiais, e produtos de<br />

consumo. Empresas como GE, 3M, IBM, L’Oreal, Lucent, HP, BASF, Dupont, e Merck,<br />

entre outras, já identificaram nanotecnologia como um o potencial de gerar<br />

lucros e crescimento tecnológico. Mais de 60 países têm programas nacionais<br />

de nanotecnologia e centenas de nano produtos já estão disponíveis em vários<br />

mercados ao redor do mundo. Entre 1976 e 2006, o “United States Patent and<br />

Trademark Office (USPTO) registrou 7,406 patentes na área de nanotecnologia.<br />

Essas patentes vieram de 46 países. Desse total, os Estados Unidos contribuíram<br />

com 4,772 patentes. As empresas e instituições que mais registraram patentes<br />

foram: IBM, Eastman Kodak, Xerox, 3M, HP, L’Oreal, Samsung, BASF, Nippon<br />

Eletric, Sony, Seiko, entre outras. Entre as instituições acadêmicas, a University<br />

of California, o MIT, a Rice University, e a Japan Science and Technology Agency,<br />

foram os atores mais visíveis no período 1976-2006. (Chen, Roco, Li., e Lin, 2008).<br />

Esses resultado mostram a natureza global da competição na área de nanociências<br />

e nanotecnologia (KALLENDER 2004, ROCO, 2003).<br />

O tamanho do mercado global de produtos de nano eletrônicos é estimado<br />

em US$ 4.3 trilhões em 2010, nano agricultura perto de US$ 20.4 bilhões, produtos<br />

48<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


têxteis ao redor de US$ 115 bilhões em 2010, e o de nano ferramentas ao redor<br />

de US$ 2.7 bilhões em 2013. (BUSINESSWIRE, 2007). Em 2014 espera-se que 15%<br />

da produção global na indústria manufatureira ou cerca de US$ 3 trilhões sejam<br />

constituídos por nano produtos (A. T. KEARNEY, 2009).<br />

A nanotecnologia deve gerar mais inovações que resultarão em níveis mais<br />

altos de competitividade que, por sua vez, irá gerar novos produtos com impactos<br />

positivos no meio de negócios, no meio ambiente e no meio social (VICTORIAN<br />

GOVERNMENT, 2008). Por exemplo: materiais mais leves e mais resistentes,<br />

plataformas mais eficientes para a administração de remédios, reparação de pele,<br />

químicos e produtos com impacto ambiental menores, membranas que são usadas<br />

para filtrar poluentes nas águas, sensores que podem oferecer melhores níveis de<br />

monitoramento na medicina, computadores menores e mais eficientes, e processos<br />

melhores de manufatura. Na área de saúde espera-se que a nanotecnologia tenha<br />

varias aplicações. Na India, ela está sendo usada na construção de nano kits que<br />

possam detectar turberculose; o Departamento de Energia nos Estados unidos<br />

está pesquisando bio- sensores óticos para detectar a tuberculose (MACLURCAN,<br />

2005).<br />

A nanotecnologia nasceu em uma economia globalizada, já nasceu global<br />

(ROCO, 2001; NANOCHINA, 2007). Os elementos principais da cadeia de valor<br />

e de produção da nanotecnologia são de natureza global. Tanto os principais<br />

elementos dessa cadeia de valor: nano materiais (nano tubos, fullerenes, etc), nano<br />

intermediários (chips de memória, componentes óticos, etc), como os produtos<br />

nano (automóveis, tecidos, aviões, computadores, produtos farmacêuticos, etc)<br />

estão interconectados na cadeia de produção e de valor globais. É importante<br />

lembrar que o potencial econômico da nanotecnologia é maior no início da cadeia<br />

de valor (P&D) e no final da cadeia, isto é, inovação ou comercialização (APPELBAUM,<br />

GEREFFI, PARKER, e ONG, 2006).<br />

A possibilidade de fabricar produtos a nível molecular, átomo, por átomo,<br />

de criar estruturas e produtos com novas propriedades e funções está abrindo<br />

a possibilidade de controlar e entender as propriedades e funções de produtos<br />

naturais ou manufaturados. Abre também, a possibilidade de se fazer uso de<br />

materiais microscópicos para alcançar uma série de tarefas. A nanotecnologia<br />

manipula as propriedades da máteria na escala nano para criar produtos com novas<br />

propriedades na macroescala (GOURDON, 2002; MERKLE, 1996; THE INSTITUTE OF<br />

NANOTECHNOLOGY, 2003a). A nanotecnologia permitira a fabricação de uma nova<br />

geração de produtos que são mais resistentes, mais leves, mais precisos, e mais<br />

limpos (PELLS, 2008). As “small wonders” ganham cada vez mais espaço, abrindo<br />

uma nova fronteira de escala na indústria. Desta maneira cria uma nova fronteira<br />

de conhecimento, e gera novos produtos industriais (SHIMBUN, 2003; WHERRETTT<br />

e YELOVICH, 2004).<br />

A nanotecnologia começou a receber mais atenção na década de 1990. Em<br />

1989 Don Eigler escreveu as letras da IBM com 35 átomos de Xenon, mostrando que<br />

estruturas poderiam ser construídas molécula por molécula, ou átomo por átomo.<br />

Em 1991 o professor Sumio Iijima, da NEC, descobriu os nanotubos de carbono.<br />

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />

49


Os nanotunos de carbono podem ser usados como condutores ou<br />

semicondutores e são muito sólidos. A produção desses nanotubos de carbono<br />

mudou radicalmente a percepção da aplicação mais difundida de produtos nanos.<br />

Com esses desenvolvimentos a nanotecnologia estava criada. Espera-se que ela seja<br />

uma das mais importantes fontes de inovação deste século. A indústria molecular,<br />

por exemplo, poderá ser usada para aumentar a qualidade, baixar custos, e fazer<br />

com que o impacto ambiental do processo industrial seja menor.<br />

Nano tubos de carbono estão no centro das revoluções nano tecnológicas,<br />

porque são dez vezes mais eficientes na condução da eletricidade do que o cobre.<br />

Nano tubos tem várias características como: a) grande condutividade elétrica, b)<br />

flexibilidade, c) elasticidade, d) grande dose de resistência. Essas características<br />

abrem um grande número de aplicações, da indústria eletrônica à medicina<br />

(OLIVEIRA, 2005). O termo nanotecnologia cobre um sem número de tecnologias<br />

em áreas como nano partículas, MEM’s, sensores químicos e bioquímicos,<br />

neurofisiologia, semicondutores e eletrônica molecular, entre outras (SCHUMMER,<br />

2007).<br />

Hoje a nanotecnologia atravessa a sua primeira fase de nanoestruturas<br />

passivas, como nano partículas e polímeros, passando em um futuro próximo à<br />

segunda fase, que envolve nano estruturas ativas; à terceira fase, que envolverá<br />

sistemas de nano sistemas e à quarta, que deve ser alcançada em 2020 e que dará<br />

ênfase a nano sistemas moleculares (NSF, 2008).<br />

É de se esperar também que a nanotecnologia mude o perfil do comércio<br />

global. Países que exportarem produtos intensivos em nanotecnologia ocuparão<br />

fatias maiores do mercado global de produtos manufaturados. Alem disso, o<br />

ciclo de vida de produtos que passem a competir com os nano produtos deve ser<br />

interrompido drasticamente. Países que dependem de produtos baseados em<br />

recursos naturais vão sentir os efeitos da nanotecnologia, na medida em que várias<br />

commodities serão substituídas por produtos nano. Assim, esses países sofrerão<br />

uma mudança na quantidade e perfil de demanda por seus produtos.<br />

Estima-se que o mercado para nanotecnologia na indústria global crescerá<br />

33% ao ano, em média, entre 2007 e 2015. Na área de produtos de consumo, o<br />

emprego de nano deverá registrar um crescimento de 9,4% ao ano entre 2007 e<br />

2015 (MARKET RESEARCH.COM, 2008). Mas a nanotecnologia já é uma realidade<br />

em várias indústrias. Em 2003, o mercado para produtos de nanotecnologia nas<br />

áreas de semicondutores, energia, medicina, instrumentação, e materiais, chegou<br />

a US$ 499 milhões. Em 2009, esse mercado deve crescer para US$ 4,5 bilhões.<br />

O mercado americano para nano materiais deve chegar a US$ 1 bilhão em<br />

2007. Suas principais aplicações deverão ocorrer na área de produtos de consumo,<br />

na indústria de defesa, e no setor automotivo. Em 2005, perto de 700 nano produtos<br />

já estavam sendo comercializados (SOUTH CENTRE, 2005). Em 2008, a Intel lançou<br />

a sua nova geração de processadores “Atom” desenhados para a nova geração de<br />

“mobile internet devices – MIDS” e uma nova geração de “internet centric computers”. A Hewlett-<br />

Packard e a Intel estão fazendo pesquisas com circuitos moleculares com o intento<br />

de usar nano tubos de carbono no lugar de silício. A substituição faz com que a<br />

50<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


capacidade de processamento aumente exponencialmente (SOUTH CENTRE, 2005).<br />

Cientistas da empresa Kraft Foods, estão criando “uma língua eletrônica” que<br />

irá identificar patogênicos em produtos alimentícios, alertando consumidores<br />

do seu estado de conservação antes que sejam comprados. Pesquisadores da<br />

Rice University estão pesquisando nano cristais para remover arsênico de águas<br />

contaminadas.<br />

2. Nanociências & Nanotecnologia: A Experiência Internacional<br />

Os países da tríade econômica (Estados Unidos, Europa, e Japão), a China, a<br />

Índia, os Tigres Asiáticos e o Brasil estão desenvolvendo vários programas nas áreas<br />

de nanociências e nanotecnologia.<br />

2.1 Estados Unidos<br />

Os Estados Unidos são os maiores investidores mundiais na nova tecnologia,<br />

e tem o maior número de empresas ligadas à indústria de nanotecnologia, com<br />

cerca de mil empresas. A expectiva é de que o programa de nanotecnologia seja<br />

tão importante como foi o programa espacial americano (ROCO, 2002, ROCO<br />

2003; FREITAS, 2004; NSF, 2008; A. T. KERNEY, 2009). Em 2009, o governo dos<br />

Estados Unidos tem um orçamento de 1.5 bilhoes de dólares em P&D na área de<br />

nanociências e nanotecnologia, bem acima dos 116 milhões de dólares investidos<br />

em 1997 e dos 500 milhões investidos em 2001 (NATIONAL NANOTECHNOLOGY<br />

INITIATIVE, 2009).<br />

Nos Estados Unidos os esforços coordenados começaram com o<br />

Nanotechnology Group, em 1996. Em 2000 foi criada a “National Nanotechnology Initiative<br />

(NNI)” A nano iniciativa é coordenada pelo “Nanoscale Science, Engineering and Technology<br />

(NSET)”, que é um sub comitê do “National Science and Technology Council (NSTC)”. O NNI tem<br />

como foco principal a ênfase na pesquisa básica em nanotecnologia, bem como<br />

em aplicações industriais. O NNI também compreende, alem da pesquisa básica, a<br />

criação de centros e redes de excelência, e promove a criação de uma infraestrutura<br />

de pesquisa, formação de recursos humanos, e estuda o impacto da nanotecnologia<br />

no meio ambiente alem dos impactos sociais.<br />

O crescente orçamento reflete o apoio do Governo e do Congresso dos Estados<br />

Unidos a essa tecnologia. Esses esforços são parte do “American Competitiveness Initiative”,<br />

que foca em tecnologias chaves para o futuro desenvolvimento econômico do<br />

país. Como no passado, o “Department of Defense – DOD”, o National Science<br />

Foundations –NSF”, e o “Department of Energy-DOE” são as agências com os maiores<br />

orçamentos, ilustrando as várias dimensões da nanotecnologia sob a perspectiva<br />

dos Estados Unidos (FREITAS 2004; NATIONAL NANOTECHNOLOGY INITIATIVE, 2009;<br />

ROCO 2002, ROCO 2003, ROCO 2007). Além dessas agências existem também o<br />

“Homeland Security”, Department of Agriculture (USDA), e o “Department of Justice.”<br />

(ROCO, 2003; 2004). Essas agências participam do processo de regulamentação<br />

da área.<br />

O National Science Foundation, Department of Defense e o Department of<br />

Energy correspondem a mais de 2/3 dos investimentos no setor de nanotecnologia<br />

em nível federal. . Em 2003, os Estados Unidos passaram o ato “21st Century<br />

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />

51


Nanotechnology Research and Development Act” alocando US$ 3.7 bilhões, para<br />

projetos apoiados pela NNI no período 2005-2008, em subsídios federais para a<br />

NNI. A NNI já tem o seu orçamento estimado em US$ 886 milhões para 2005, o<br />

que corresponde a quase 3% dos gastos de P&D do governo americano. Dentro do<br />

âmbito da NNI, US$ 4.6 bilhões foram autorizados para P&D alem de programas<br />

do National Nanotechnology Coordination Office. Mas o setor privado da América<br />

também investe maciçamente na nova tecnologia. Desde 1999, venture capitalists<br />

investiram mais de US$ 1 bilhão em iniciativas na área de nanotecnologia.<br />

Em 2009, os Estados Unidos tinham perto de quatro mil nano projetos,<br />

com cerca de 500 universidades, 50 laboratórios e o setor privado investindo em<br />

nanotecnologia. Dessas universidades, seis foram designadas como “Nanoscale<br />

Science and Engineering Centers”: Rice, Columbia, Cornell, Harvard, Northwestern<br />

e Rensselaer. Essa presença se estende ao número de trabalhos citados, na<br />

percentagem das patentes na USPTO ( perto de 60%,) e detém 70% das novas<br />

empresas em nano (NSF, 2008).<br />

Em 2007, o setor privado americano gastou perto de 3 bilhões de dólares<br />

em P&D (Sargent, 2008). Em 2007, os Estados Unidos investiram 2.6% de seu PIB<br />

em P&D, ou 129.7 bilhões de dólares (Butcher, 2008). A expectativa é de que a<br />

nanotecnologia contribuirá com 1 trilhão de dólares para a economia americana<br />

em 2015 (Atkearney, 2009).<br />

Desde 2000, o Congresso Americano alocou cerca de 8.4 bilhões para P&D<br />

em nanotecnologia (Sargent, 2008). Em 2003, o Congresso passou o 21st Century<br />

Nanotechnology Research and Development Act” criando um fundação legal para<br />

as atividades do NNI.<br />

A NNI também promoveu a criação de redes regionais de pesquisa na área de<br />

nanotecnologia. Redes regionais como a Nanotechnology Alliance na Southern<br />

Califórnia, o Nanotechnology Franklin Institute, e a Texas Nanotechnology Initiative<br />

são alguns exemplos. Agências como NSET/NNCO funcionam como catalizadores<br />

do encontros entre pesquisadores e o mundo empresarial.<br />

O Laboratório Sandia National Laboratories, Los Alamos National Laboratories,<br />

University of New Mexico, New Mexico Tech and New Mexico State estão<br />

cooperando na área de nanotecnologia com ênfase na comercialização dessas<br />

tecnologias. Sandia está investindo perto de 500 milhões de dólares no projeto<br />

Mesa que resultará no mais avançado laboratório de microtecnologia dos Estados<br />

Unidos.<br />

2.2 Ásia: Japão, China, Taiwan, e Coréia do Sul<br />

As economias asiáticas estão também investindo maciçamente em<br />

nanotecnologia. Paises asiáticos tem sido grandes proponentes da nanotecnologia,<br />

que apóiam através de políticas governamentais, pesquisa, e estratégias<br />

tecnológicas. Essas estratégias materializam-se no apoio a programas “triple<br />

helix” sto é., programas que envolvam colaboração entre a universidade, o<br />

governo e o setor privado. Alem desses programas provererem incentivos para<br />

a comercialização e exportação de nano produtos, a Ásia começa a mostrar<br />

um maior interesse em pesquisa aplicada (Small Times, 2005). A ênfase tem sido<br />

52<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


dada a pesquisas com impacto de mercado, contruindo alianças entre pesquisas<br />

desenvolvidas no setor privado e pesquisas realizados em agências de pesquisa<br />

do governo e universidades.<br />

2.3 Japão<br />

Em 2009, a nanotecnologia é uma das quatro grandes prioridades tecnológicas<br />

do Japão a nível de governo e a nível empresarial. Em 2008, o orçamento da<br />

nanotecnologia deve chegar a US$ 5.2 billion, quando em 1998 foi de US$ 135<br />

milhões. O governo Japonês é o grande financiador do P&D através do Ministério<br />

da Educação e do Ministério da Indústria e Comércio (KALLENDER, 2004; NEWSWIRE<br />

TODAY, 2008; SANO; 2003; SOOD, 2003).<br />

Os esforços na área de nanotecnologia datam de 1992, com as primeiras<br />

iniciativas de se desenvolver as fundações de uma estrutura “bottom-up” para<br />

a indústria de nanaotecnologia japonesa. Em 2002 foi criado o Nanoeletronics<br />

Collaborative Research Center (NCRC), com o propósito de gerar sinergias entre<br />

pesquisas realizadas no setor privado japonês e no setor acadêmico. O NCRC está<br />

localizado na Universidade de Tokio.<br />

O Ministério da Indústria e Comércio é o grande responsável pela fase de<br />

promoção da fase de comercialização da tecnologia e de seu desenvolvimento.<br />

Em 2004 o seu orçamento chegou a US$ 101 milhões na área de nanotecnologia.<br />

Hoje, ela é uma das quatro prioridades tecnológicas do Ministério, assim como IT,<br />

meio ambiente, e ciências da vida. A nanotechnologia já é reconhecida como uma<br />

indústria pelo governo japonês, o que a qualifica para apoio governamental nas<br />

áreas tecnológicas de próxima geração.<br />

O Japão esta atrás dos USA em IT e biotechnologia, mas esta investindo<br />

de maneira substancial em nanotecnologia. Espera-se que nos próximos anos o<br />

governo chegue perto de US$ 50 bilhões para pesquisa em nanotecnologia. O<br />

governo tem enfatizado seus investimentos nas áreas de IT/eletrônica e na área<br />

de nanomateriais. Essas são duas áreas de excelência do Japão.<br />

Mas não é só o governo que está investindo na nanotecnologia. O setor privado<br />

japonês investiu em 2004 cerca de US$ 200 milhões. O Japão tem hoje mais de 21<br />

empresas competindo na área de carbon walled nanotubes. A NEC é a empresa<br />

de maior destaque nessa área.<br />

Companhias japonesas como a Hitachi, Sony, Toray, Fujitsu, e Mitsui estão<br />

investindo grandes somas nessa tecnologia. O grupo Mitsui investiu, entre 2004 e<br />

2008, perto de US$ 800 milhões. O setor privado Japonês vê a nanotecnologia como<br />

um componente vital na restauração de seu momento econômico. O triple helix no<br />

Japão é uma parte importante desse desenvolvimento. Um dos consórcios entre o<br />

setor acadêmico privado e governo, é liderado pela Matsushita Electric Industrial,<br />

Tokyo Institute of Technology, Nara Institute of Science and Technology and Osaka<br />

University and Kyoto University. A Universidade de Kyoto tem laços de pesquisa<br />

com as empresas Pioner, Hitachi, and Mitsubishi Chemicals (FDI, 2004).<br />

Venture Capital (VC), até recentemente uma figura pouco ativa no cenário<br />

tecnológico no Japão, também esta mudando. A partir de 2000, uma série de<br />

mudanças, tem permitdo o surgimento de angels e VCs no Japão. No âmbito da<br />

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />

53


nanotecnologia a “Innovation Engine” é uma importante VC dedicada à área de<br />

nanotecnologia.<br />

2.4 Taiwan<br />

Taiwan é outro ativo participante na indústria de nanotecnologia. O<br />

programa Nacional de Nanociência e Nanotecnologia foi criado em 2003, com um<br />

orcamento de 550 milhões de dólares. O programa de Taiwan premia a aplicação<br />

de nanotecnologia na indústria, visando seu uso comercial . Espera-se que até<br />

2008 Taiwan já esteja vendendo perto de US$ 8.8 bilhões de produtos baseados<br />

em nanotecnologia, com estimativas de US$ 30 bilhões até 2012. As hoje 800<br />

empresas, chegariam a 1,500 empresas até 2012 (CHOI, 2004). As empresas de nano<br />

se concentram, na sua maioria, na área engenharia química e o resto nas áreas de<br />

eletrônicos, metais, e equipamento industrial. Taiwan em 2007 registrou perto de<br />

1,000 patentes, mostrando a grande evolução do setor, comparado com 131 US<br />

patentes entre 1990-1999. O governo de Taiwan espera que até 2012 o país tenha<br />

500 empresas com receita de 30 bilhões de dólares. O país lançou o primeiro sistema<br />

de certificação mundial – Nano Mark – onde empresas que queiram vender os seus<br />

produtos tem que se submeter aos testes de qualidade do governo. O governo de<br />

Taiwan espera começar a usar os princípios da nanotecnologia no ensino médio,<br />

visando a criação de uma mão-de-obra especializada em nanotecnologia (SMALL<br />

TIMES, 2005; THE REPUBLIC OF CHINA, 2008).<br />

2.5 China<br />

A China elegeu a nanotecnologia como uma prioridade tecnológica e tem<br />

enfatizado esforços na área de alta tecnologia como uma estratégia de aceleração<br />

de seu crescimento econômico. No caso chinês, esses investimentos são realizados<br />

ao mesmo tempo que o país explora suas vantagens competitivas em indústrias<br />

intensivas em mão-de-obra. (PARKER, 2008).<br />

O país está investindo em nanociencia com o propósito de aumentar a sua<br />

fatia em um mercado de produtos manufaturados nano, estimado em 3 trilhões<br />

de dólares daqui a uma década. A China também acredita que descobertas nessa<br />

tecnologia na área de pesquisa e no desenvolvimento de produtos dará ao país<br />

um status de superpotência econômica. A nanotecnologia é parte fundamental<br />

da estratégia global chinesa na área de exportação, competitivividade econômica<br />

e crescimento sustentável a longo prazo (PHYSORG, 2007).<br />

Até recentemente, o crescimento econômico chinês era o resultado de uma<br />

combinação de salários baixos e manufatura baseada em baixas densidades<br />

tecnológicas. Mas esse padrão de manufatura está mudando. A China entra no<br />

final da primeira década do ano 2000 enfatizando investimentos crescentes em<br />

P&D e está evoluindo do modelo copiador para o modelo inovador. Nos próximos<br />

anos, a China planeja gastar 2.5% do seu PIB em P&D. O governo chinês, através<br />

do Programa 973 ou “Programa Nacional Chinês de Pesquisa Básica”[...] promove<br />

o renovação do país usando a ciência e a tecnologia através de pesquisa básica<br />

e aplicada. A nanotecnologia será usada na China nas áreas de energia, indústria,<br />

54<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


defesa, meio ambiente, e doenças como SARS e Gripe Aviária (Appelbaum, Gereffi,<br />

Parker, e Ong, 2006). Nos últimos 12 anos os gastos com P&D na China cresceu<br />

a uma taxa de 17% ao ano. Esses gastos são compartilhados pelo setor privado,<br />

governo e universidades.<br />

Os esforços chineses na área de nanotecnologia já resultam em mais de 70<br />

institutos acadêmicos, 50 universidades, 20 institutos de pesquisa, e mais de 100<br />

empresas desenvolvendo nano produtos. O montante de investimentos também<br />

tem aumentado consideravelmente. A China tem orçamentos de US$ 240 milhões<br />

de recursos da área Federal e US$ 250 milhões de fundos estaduais. Isso atesta o<br />

rápido crescimento da indústria na China, não só em P&D mas também sua ênfase<br />

na aplicação industrial dessas inovações e descobertas (INVESTORIDEAS, 2003;<br />

PEOPLE’S DAILY, 2001; WAGA, 2002).<br />

A China capitaliza ainda, nos chineses que trabalham no exterior, facilitando o<br />

desenvolvimento de parcerias com empresas, centros de pesquisa, e universidades<br />

estrangeiras (PARKER, 2008).<br />

Antes de 2000, pouco se falava sobre nanotecnologia na China. Hoje, dezenas<br />

de centros de pesquisa e centenas de empresas estão envolvidas em tecnologias<br />

ligadas a nanotecnologia. A maior parte desses centros e empresas se encontram<br />

nos maiores centros urbanos como Beijing, Shenyang, Shanghai, Hangzhou e<br />

Hong Kong.<br />

O centro em Beijing, The National Center for Nanoscience and Technology<br />

(NCNST) está focado na pesquisa básica. Em Shanghai, The National Engineering<br />

Research Center for Nanotechnology (NERCN), centra seus esforços na área de<br />

pesquisa aplicada e na área de transferência de tecnologia entre outros centros<br />

chineses e estrangeiros. O centro em Tianjin, The Nanotechnology Industrialization<br />

Base of China (NIBC), funciona como uma incubadora para micro empresas alem<br />

de ter como função a comercialização de inovações desenvolvidas nos outros<br />

centros. O centro em Suzhou faz pesquisas nas áreas de nano materiais, nano<br />

biotechnologia, medicina, nano bionics, e tecnologia de nano bioseguranca (Asian<br />

Technology Information Program, 2006).<br />

A nanoindustria recebeu grande apoio do governo, hoje listada como uma<br />

das prioridades tecnológicas Chinesas. Esse apoio foi formalizado com o Plano<br />

Nacional de “Alta Tecnologia 863.” (Nemets, 2004).<br />

Investimentos chines em tecnologia tem focado em áreas, como a<br />

nanotecnologia, onde podem explorar sinergias onde essas tecnologias podem,<br />

também, ter usos militares, isto é, onde a integraçãoo e sinergias de esforços<br />

tecnológicos entre o setor privado e o militar são substanciais. Companhias chinesas<br />

como Huawei, Datang, e Zhongxing interagem com o “People’s Liberation Army<br />

– PLA” na forma de pesquisas conjuntas upgrading a qualidade do hardware e<br />

software militar chinês. O Pentágono estima que em 2007, a China gastou perto<br />

de US$ 139 billhões em projetos militares como nanotecnologia, Tecnologia da<br />

Informação, Células de Hidrogênio, entre outros projetos (Pells, 2008; Vance, 2008).<br />

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />

55


As principais agências de financiamento chinesas são a Academia Chinesa<br />

de Ciências, a Fundação Nacional de Ciência Chinesa, Ministério da Educação, e o<br />

Ministério de Ciência e Tecnologia. O Ministério de Ciência e Tecnologia tem dado<br />

ênfase a projetos na área de nano-eltrônicos, nano-biotecnologia, nano-meio<br />

ambiente, nano-energia, e nanomaterials.<br />

O governo chinês está criando o Centro de Pesquisa de Nano Ciências<br />

e Tecnologia, que funcionará como o grande integrador de esforços na área<br />

de nanotecnologia no país. O centro vai também coordernar esforços com as<br />

universidades líderes na pesquisa de nanotecnologia como Fudan, Jiaotong,<br />

Nanjing, Beijing, TsingHua, e a East China.<br />

Os esforços de P&D nessa área já começam a dar frutos. A China já encontrase<br />

em terceiro lugar no mundo, no número de patentes, atrás dos Estados Unidos<br />

e do Japão. Entre o início dos anos 1990 até 2001, a China tinha perto de 1,000<br />

patentes na área. Nos últimos três anos esse número já deu a China 2,400 patentes<br />

na indústria, perto de 12% do montante mundial De acordo com O Ministério<br />

Chinês de Ciência e Tecnologia, a China começou dando ênfase aos materiais<br />

nanométricos nos anos 1990 e hoje, já compete com as nações mais avançadas na<br />

área de materiais nanométricos e suas aplicações. A China já é o segundo país do<br />

mundo em publicações de artigos na área de nanotecnologia. Os Estados Unidos<br />

estão no primeiro lugar e o Japão em terceiro.<br />

A estratégia Chinesa é a de integrar a indústria de nanotecnologia com o seu<br />

parque industrial manufatureiro, gerando e criando novas vantagens competitivas<br />

na forma de produtos intensivos em conhecimento, e com competitividades globais<br />

. Nesse sentido, a China está montando o Centro de Engenharia e de Base Industrial<br />

e o Centro de Nanotecnologia Industrial em TianJin. Esse centro irá enfatizar o lado<br />

aplicado à manufatura da nanotecnologia. Em 2008, o governo chinês desenvolveu<br />

o “International<br />

Nanotech Innovation Park. O parque é composto de uma incubadora (Biobay)<br />

e Suzhou Nanotech e Nanbionics Instituto.<br />

Cientistas da Academia de Ciências Chinesa desenvolveram aplicações de<br />

nanotecnologia a produtos como seda e tecidos de algodão tornando-os á prova de<br />

água.e óleos. Esses resultados já estão sendo aplicados por fabricantes de gravatas.<br />

por exemplo: as “nanogravatas”. A tecnologia fará com que roupas se mantenham<br />

limpas por mais tempo. No futuro os tecidos inteligentes irão se adaptar a variações<br />

de luminosidade, temperatura, umidade e radiação.<br />

Como outros paises, a China tem procurado criar uma indústria de<br />

nanotecnologia com porosidade tecnológica. Por exemplo: empresas americanas<br />

já começam a desenvolver parcerias estratégicas com essas empresas chinesas. A<br />

empresa Americana Veeco abriu um centro de pesquisas na China, em Beijing. O<br />

centro sera dirigido por cientistas e engenheiros chineses . Esse centro será operado<br />

pelo Instituto de Química da Academia Chinesa de Ciências e é o maior centro de<br />

pesquisa científica da China.<br />

Outro fator a ser considerado no caso chinês, é o crescente investimento<br />

por companhias multinacionais na criação de centros de P&D na China. Esses<br />

investimentos reforçam o esforço tecnológico chinês. A China quer ser reconhecida<br />

56<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


como uma economia do conhecimento ate 2020, como um grande reservatório de<br />

conhecimento gerado na própria China e tem tomado medidas para assegurar que<br />

esse cenário se torne uma realidade. Na ultima década, gastos em P&D cresceram à<br />

taxa de 20% ao ano, o dobro do crescimento econômico . De acordo com a OCDE,<br />

a China em 2006 já estava em segundo lugar no mundo em gastos em P&D, atrás<br />

apenas do Japao. Um dos resultados alcançados é o segundo lugar no número de<br />

publicações acadêmicas em nanotecnologia depois dos Estados Unidos. Com cerca<br />

de 40% dos alunos universitários na China estudando engenharia e ciências, o país<br />

consolida seu futuro na nanaotecnologia e em outras novas e pouco desenvolvidas<br />

tecnologias (Hughes, 2008).<br />

2.6 Coreia do Sul<br />

Outro pais asiático que se destaca na nanotecnologia é a Coreia do Sul. O<br />

governo tem atuado direta e indiretamente na área de nanotecnologia. O macro<br />

plano nanotecnológico da Coreia do Sul tem três estágios bem claros: a) criar<br />

infraestrutura, b) formar mão de obra especializada, c) desenvolver estratégias<br />

de comercialização de produtos nanotecnológicos (Nanotechnology Research<br />

Institute, 2004). O governo quer desenvolver pelo menos 10 nanotecnologias até<br />

2010, nas áreas de nano materiais, e nano mechatronics.<br />

O “triple helix” é uma marca do esforço Coreano com os nano projetos no<br />

governo, universidades, e empresas privadas,. criando sinergias e integrados. . A<br />

ênfase tem sido em gerar produtos comercializáveis, baseados na tecnologia.<br />

O país deu ênfase a pesquisas nas áreas nanomateriais, eletrônicos baseados<br />

em tecnologia nano, memórias, e aparelhos lógicos moleculares.<br />

A Coreia do Sul inaugurou em 2005 o “Nano Fab Center (NNFC) “ alojado no<br />

Instituto de Ciência e Tecnologia (KAIST), sob os auspícios do Ministério de Ciência e<br />

Tecnologia. O NanoFab Center é ligado a uma série de laboratórios satélites ao redor<br />

da Coreia. A idéia principal do NNFC é oferecer um nano onde empresas possam<br />

passar do desenvolvimento à manufatura de produtos nanotecnologicos.<br />

O setor privado Coreano teve uma participação expressiva nos esforços na<br />

área de nanotecnologia. Empresas como Daewo, LG, e Samsung tem investido na<br />

área. A empresa Sul Koreana “Hyosung” lançou em 2004 uma fibra sintética com<br />

propriedades antibactericidas para várias pecas de vestuário. Esse é só um exemplo<br />

dos esforços Coreanos nesta área. E a Samsung desde 2002 comercializa “flash<br />

memory chips” baseados em tecnologia de nanotecnologia.<br />

2.7 Europa<br />

Os Europeus também investem na nova fronteira tecnológica e a União<br />

Europeia, através da Comissão Europeia, é o maior investidor público em<br />

nanotecnologia a nível global. Na União Europeia 2/3 dos fundos dirigidos à<br />

nanotecnologia são provenientes do Estado, e um terço e proveniente do setor<br />

privado, mostrando a fragilidade do modelo europeu (NANOCHINA, 2008). Em 2008,<br />

a UE desenvolveu e adotou um código de conduta para nanociência que inclui a<br />

contabilidade e sustentabilidade. A França e a Alemanha são os grandes investidores<br />

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />

57


nessa área. Ainda em 2008, a União Europeia está investindo 5.5 bilhões de euros<br />

em “embedded chips” e nanoctenologia. Esse esforço tecnológico, ARTEMIS, irá<br />

enfatizar a microcomputação. Recursos federais de vários países europeus serão<br />

articulados com universidades e empresas europeias em um típico arranjo de “triple<br />

helix.” (THEREGISTEr, 2008). Os Europeus estabeleceram um código de conduta<br />

para listar princípios que identifiquem as lacunas de conhecimento e os possíveis<br />

impactos em seres humanos e no meio ambiente (EUBUSINESS, 2007). Hoje, a Uniao<br />

Europeia é um dos líderes em nanotecnologia.<br />

A União Europeia apresentou 550 projetos na área entre 2002-2006, investindo<br />

1.4 bilhões de euros na implementacao do “Sixth Framework Programme – FP6.” Os<br />

investimentos deverão aumentar com a implementação do “Seventh Framework<br />

Programme -FP7 (Eubusiness, 2007). Em 2008, um novo programa foi colocado no<br />

lugar do MEDEA, um programa pan europeu na área de microeletrônica - o CATRENE<br />

(Cluster for Aplication and Technology Research in Europe on Nanoeletronics (Solid<br />

State, 2007).<br />

2.8 França<br />

A França tem um bom nível de pesquisa de nanociências, na área de nanoobjetos,<br />

magnetismo, e em electrônica molecular. Entre 1991 e 1999, a França<br />

estava em quarto lugar no mundo em número de aplicações de patentes na área.Os<br />

maiores centros de pesquisa encontram-se m Paris, Lille, Grenoble, e Toulouse. Os<br />

atores principais na área de nanotecnologia são Technology Research Department,<br />

Onera, Sciences pour L´Ingenieur e Sciences et Technologies de Ìnformation. A<br />

França também dispõe de programas como o Programme National Nanosciences,<br />

ACI nanotechnologies, Reseau Dês Grandes Centrales em Nanotechnologies, . O<br />

Reseau Micro et Nanotechnologies provê fundos para pesquisa, tanto públicas<br />

como privadas. (British Embassy, 2004; The Institute of Technology 2003ª).<br />

Em 1999 o governo francês reestruturou a pesquisa em nanotecnologia,<br />

com a criação do Reseau National de MicroNano Technologies (RMNT). Essa rede<br />

permite laços entre o setor publico e o privado na área de pesquisa. Em 2003,<br />

mais redes entre os maiores centros de tecnologia franceses foram promovidas.<br />

O RMNT conseguiu fundos de 100 milhões de euros para o período 2003-2006.<br />

Os maiores centros de pesquisa na França são SCS cluster em Sophia Antipolis,<br />

Systematic cluster em Paris, Minalogic em Grenoble, Institut dÉlectronique<br />

Fondamentale em Orsay, Laboratoire de Physique et Nanostructurte, em Paris,<br />

o Institut d´Electronique de Microelectronique et de Nanotechnologies em Lille<br />

(innovations-report, 2007).<br />

2.9 Alemanha<br />

Na Alemanha, em 1998 o Ministério Federal de Educação e Pesquisa (BMBF)<br />

lançou os Centros de Competência em Nanotecnologia, com o objetivo de<br />

promover uma maior interação entre ciência e indústria. Em 2002 o governo federal<br />

alemão criou a Nanotechnology Initiative. As prioridades são: comercialização da<br />

nanotecnologia, promover a formação de cientistas, promover o estabelecimento<br />

58<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


de novas empresas da área, e estabelecer redes de pesquisa (Loick, 2003; Roos,<br />

2004; The Institute of Technology, 2003b).<br />

Como em outros países a Alemanha promove o uso de nanotecnologias em<br />

indústrias que sejam competitivas e de interesse para a economia Alemã como<br />

a automotiva, informação e comunicação, química, alem de opticoeletrônicos,<br />

biotechnologia, metrologia, e engenharia médica.<br />

Os maiores centros de nanotecnologia do país são German Research<br />

Foundation (DFG), Leibniz Association (WGL), Helmholtz Association (HGF), Max<br />

Planck Society (MPG), Fraunhofer Society (FhG). Outros centros de competência<br />

na área de nano tecnologia na Alemanha : Nanotechnologie CC-NanoChem,<br />

NanoCLubLateral, Nanomat, NanOp, OpTech-Net, UPOB.<br />

3 Nanotecnologia no Brasil<br />

A pesquisa em nanotecnologia e nanociência (Nano S&T) é de natureza<br />

recente no Brasil. As atividades na área sao na maior parte focadas em pesquisa<br />

básica. Investimentos são feitos a nível federal e estadual .<br />

No plano do PACTI de 2007-2010, a nanotecnologia é parte de esforços<br />

tecnológicos em áreas estratégicas do governo federal. Os objetivos são o de<br />

desenvolver estratégias de médio e longo prazo para o setor, fortalecer a dimensão<br />

educacional, consolidar a infraestrutura, e fortalecer as competências na área.<br />

Com essa intençção, no período de 2007-2010, dez laboratórios serão<br />

consolidados. Esses laboratórios irão manipular sistemas de nanoestruturas. Há<br />

intenção de contemplar-se e apoiar projetos de pesquisa que envolvam o setor<br />

privado, educar perto de 100 profissionais na área de nanotecnologia, e estimular<br />

a cooperação internacional.(Nanoforumeula, 2008). Uma dessas cooperações<br />

internacionais seria com a Argentina e um centro de nanotcnologia foi criado<br />

centralizando os esforcos dos dois países. Esforços de cooperação com Canadá, a<br />

India e Africa do Sul também estão sendo organizados .<br />

Várias agências governamentais e empresas estão engajadas no esforço<br />

nanotecnológico como: Petrobras, Embraer, INMETRO, INPA, Embrapa, Centene.<br />

Estima-se que perto de 40 empresas, no país, tenham projetos na área de<br />

nanotecnologia. Entre elas podemos citar: Petrobras, Natura, Boticario, Braskem,<br />

Santista Textil, Ceramica, entre outras. A Brasken criou uma nano resina<br />

termoplástica que tem maior resistência a calor e maior proteção à luz do sol e<br />

umidade, com grandes aplicações na indústria automobilística.<br />

A Embrapa está centralizando seus esforços em várias áreas críticas para a<br />

agência. Está investindo na produção de nanofibras para aumentar a resistência de<br />

fibras naturais de coco e de sisal. A Embrapa também investe em nanoparticulas<br />

para serem usadas em pesticidas (Science and Development Network, 2009). Um<br />

nano laboratório de 1.9 milhões de dólares está sendo construído para fortalecer<br />

e focar os esforços nanotecnológicos da agência e tem desenvolvido projetos com<br />

universidades nacionais e estrangeiras. A agência desenvolveu a “língua eletrônica”<br />

em cooperação com a USP e a University of Pennsylvania. Esse sensor, permite a<br />

identificação de tipos diferentes de água, vinhos, e café. A “língua eletrônica” vai<br />

ser adaptada para atuar na área de sucos, de frutos e leite (Almeida, 2008).<br />

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />

59


Uma nova geração de nano empresas começa a aparecer no Brasil, como<br />

resultado de programas de incubação em universidades, ou como manifestações<br />

empreendedoras, tais como: Nanobionics, Supranano, Perinova, Ponto Quantico,<br />

e Gaviasensor.<br />

As redes de pesquisa na área da nano no país são bem diversificadas. Decidiuse<br />

criar redes nas áreas de: materiais nanoestruturados, nanobiotecnologia,<br />

nanotecnologia molecular e de Interfaces, nanobioestruturas, e nano dispositivos<br />

semicondutores e materiais nano estruturados. Esses redes ficaram sob o controle<br />

das seguintes universidades: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Unicamp,<br />

e a Universidade Federal de Pernambuco. Juntas, essas redes agregam cerca de<br />

300 pesquisadores de 40 instituições de pesquisa e ensino. Hoje o país dispõe de<br />

cursos de mestrado e doutorado na área, garantindo uma oferta interna de técnicos<br />

e cientistas para essa indústria nascente. Até o momento, as rede geraram 17<br />

patentes, e perto de 1,000 artigos acadêmicos. Em Julho de 2004, o Ministério de<br />

Ciência e Tecnologia (MCT) criou a Coordenação Geral de Política e Programas de<br />

Nanotecnologia (Cezar, 2004; Godinho, 2004; Pereira, 2005; Silveira, 2003). Em 2005,<br />

a Universidade Federal de Minas Gerais começou a comercializar nanotubos de<br />

carbono através da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa –Fundep (Oliveira,<br />

2005).<br />

Pode se dizer que a pesquisa em nanociências e nanotecnologia começou<br />

no Brasil em 1999, quando a Universidade Federal de Minas Gerais passou a<br />

pesquisar nanotubos. Em 2001 o CNPq lançou as bases para a criação de redes de<br />

nanotecnologia. Essas redes são formadas por 40 institutos de pesquisa nacionais<br />

e 6 do exterior e estão localizadas em vários estados brasileiros como São Paulo,<br />

Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, e Pernambuco<br />

(Foladori, 2006).<br />

Universidades federais e estaduais desenvolvem vários projectos, alguns com<br />

empresas nacionais. A UFRGS atua na área de semicondutores, a UFPE na área<br />

de nanotecnologia molecular, a Unicamp e USP na área de nanobiotechnologia<br />

e nanomateriais, a Coppe atua na área da nanotecnologia molecular, a UFMG<br />

atua na área de nanotubos de carbono, e a Suframa na área de microsistemas.<br />

Nanobiotecnologia e nanoeletronicos, CTA e o INPE tem seu foco na área de nano<br />

para uso espacial, e a Embrapa no uso de nano para a agricultura. A Universidade<br />

Federal do Rio Grande do Sul, desenvolve junto com a Petrobras nanocatalizadores<br />

que podem ajudar a empresa a proteger o meio ambiente por meio da remoção de<br />

compostos poluidores, resultado de processos de refinação.<br />

O Plano Pluri Anual do governo federal alocou R$ 77.7 milhões no período<br />

2004-2007 para o desenvolvimento de nanociência e nanotecnologia. Segundo<br />

indicações do Ministério da Ciência e Tecnologia, existem possibilidades de fundos<br />

para a nanotecnologia e nanociência serem expandidos consideravelmente nos<br />

próximos anos.<br />

Outro investimento federal em Nano S&T, são os 15 “Millennium Institutes”<br />

, resultado de uma parceria entre o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Banco<br />

Mundial, um investimento de R$ 90 milhões (ALMEIDA, 2008). Novos laboratórios<br />

estão sendo construidos com o apoio do MCT, ampliando a infrastructura nacional<br />

de nano (NANOVIP.COM, 2008).<br />

60<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Os esforços nanotecnológicos nacionais, já começam a dar frutos. A Petrobrás<br />

trabalha na elaboração de biosensores em nanoescala; a Embrapa desenvolveu<br />

a “língua eletrônica”, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul trabalha na<br />

produção de sistemas inteligentes para a administração de fármacos. No setor<br />

privado, a empresa Nanacore Biotechnology trabalha na área de vacinas utilizando<br />

sistemas micro e nano particulados.<br />

O futuro desenvolvimento da nanotecnologia no país, no entanto, enfrenta<br />

uma série de desafios. Ao contrário de outros países, as redes de nanotecnologia<br />

nacional não têm a participação expressiva do setor privado nacional, os recursos são<br />

escassos e falta um “master plan” nanotecnológico por parte do governo Aos poucos,<br />

no entanto, empresas como a Petrobras começam a desenvolver centros de pesquisa,<br />

como o centro de nanotecnologia na PUC do Rio de Janeiro (NANOFORUMEULA,<br />

2008). O país ainda precisa construir uma infraestrutura nanotecnológica, incentivos<br />

para a criação de nano empresas e centros que promovam uma maior interação<br />

entre o setor privado, acadêmico e estatal. Alem disso, é importante enfatizar o<br />

pragmatismo de outros países em suas pesquisas nanotecnológicas.<br />

A comercialização é um ponto marcante na experiência nanotecnológica<br />

desses países. O Brasil não conseguiu ainda criar um “triple-helix” efetivo, envolvendo<br />

um número maior de empresas do setor privado nacional, governo, e instituições<br />

acadêmicas. E mais, tem um modelo top-down, ao contrário de outros países onde<br />

se dá ênfase ao modelo “bottom-up” consultivo. A política de se criar nichos de<br />

excelência na nanotecnologia é uma<br />

característica marcante da experiência desses países. A nanotecnologia<br />

está sendo usada para criação de novas vantagens competitivas em setores que<br />

já são competitivos ou venham a ser no futuro. Nesse sentido, o Brasil tem que<br />

prestar atenção ao pragmatismo usado por outros países em suas indústrias<br />

nanotecnológicas.<br />

Nossas redes de nanotecnologia deveriam estar construindo pontes com os<br />

setores mais dinâmicos da economia brasileira. O Brasil não pode se dar ao luxo de<br />

criar mais “torres de marfim” tecnológicas no pais. Nossos esforços têm que resultar<br />

em patentes e em produtos comercializáveis com alcance global.<br />

4 Desafios<br />

Vários países estabeleceram regras e políticas para assegurarem a seguranca<br />

da nanotecnologia nas áreas ambientais, de saúde, e segurança. Os nanotubos de<br />

carbono (CNTs) e outras moléculas de carbono têm sido objeto de intensa pesquisa.<br />

Algumas pesquisas em animais mostram lesões causadas por esses elementos,<br />

outras mostram a não toxicidade de CNTs e moléculas de carbono. Alem disso, a<br />

acumulação dessas nano partículas no cérebro e pulmão podem ser fatais (SARGENT,<br />

2008). Estudos com camundongos, mostram que a exposição ao nanocarbono<br />

danificam o coração e a artéria da aorta.<br />

Hoje, mais de 700 nano produtos já estão no mercado, sem uma legislação<br />

específica. Algumas questões terão que ser respondidas. Por exemplo: a) As<br />

regulações existentes são adequadas?, b) Quais são as circumstâncias que irão fazer<br />

com que a nanotecnologia force a mudança nas legislações existentes?<br />

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />

61


Um dos problemas e desafios presentes é a falta de dados em nível<br />

internacional. É quase imperativo que países que hoje pesquisam nanotecnologia<br />

combinen seus esforços para o design de estratégias regulatórias na área de<br />

nanociência e nanotecnologia.<br />

No entanto, um número crescente de artigos científicos apontam para o fato<br />

de que nano particulas podem criar riscos à saúde humana e ao meio ambiente.<br />

As nanoparticulas podem ser ingeridas, aspiradas, ou passar através da pele (CRN,<br />

2008).<br />

Esses riscos à saúde em potencial, levantam questões sobre a imposição de<br />

regulações comerciais a nível global, como acordos no âmbito da “SPS Agreement<br />

– Sanitary and Phytosanitary Measures.” Essas são medidas que visam proteger<br />

animais, plantas, ou saúde humana contra riscos associados à importacao de<br />

produtos estrangeiros como toxinas, pestes e outras doenças contagiosas (THAYER,<br />

2005). O “Environmental Protection Agency - EPA” dosEstadosUnidos tem dado<br />

apoio financeiro para pequisas em universidades americanas sobre os impactos da<br />

nonotecnologia sobre o meio ambiente e a saúde humana (THAYER, 2005).<br />

A nível internacional , perto de 80% do comércio global é afetado por standards<br />

e por regulações. A nanotecnologia vai demandar a implementação de standards<br />

que favoreçam o desenvolvimento e a comercialização de novas tecnologias e que<br />

protejam consumidores e o meio ambiente (ANSI, 2007).<br />

No Brasil, a rede Renanosoma, enfatiza o impacto da nanotecnologia na<br />

sociedade e no meio ambiente. Desde 2006, a Fundacentro estuda os impactos da<br />

nanotecnologia em trabalhadores e no meio ambiente. Outras agências como o<br />

DIEESE, DIESAT, também estão envolvidos nesses esforços.<br />

5 Redesenhando Vantagens Competitivas a Nível Global<br />

A avaliação dos impactos de curto, médio,e longo prazo das nanotecnologias<br />

e nano inovações são de fundamental importância para a competitividade de<br />

empresas e crescimento econômico de países.<br />

Hoje, a aplicação de inovações nanotecnologicas já são uma realidade nas<br />

indústrias automobilísticas, de telecomunicações, comésticos, químico, e médicos.<br />

Microsistemas são usados extensivamente na telefonia celular, computadores<br />

pessoais e eletrônicos.<br />

A experiência internacional nos mostra que vários paises já entenderam<br />

as ramificações e importância desse novo ponto de inflexão tecnológico e as<br />

implicações que irão ter sobre o seus modelos de negócios e econômicos vigentes.<br />

A participação do setor estatal, privado e acadêmico, ou a existência do<br />

“triple helix” tem sido o modelo prevalente de mais sucesso. Em todos os países, a<br />

ênfase tem sido não só na pesquisa básica mas também na comercialização desssa<br />

inovações. O número de patentes de países como os Estados Unidos, Japão e China,<br />

por exemplo, mostram o pragmatismo desses paises em relação a nanotecnologia.<br />

Existe ainda um planejamento claro e definido que procura encontrar nichos de<br />

excelência tecnológica e manufatureira. O envolvimento do três setores nesse<br />

planejamento nanotecnólogico é também o ponto em comum dessas experiências.<br />

A crescente alocação de recursos para a indústria, a formação crescente<br />

62<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


de profissionais e infra-estrutura é outra característica marcante da experiência<br />

internacional.<br />

O Brasil ainda tem muito a aprender com a experiência internacional. Nossas<br />

universidades não são muito eficientes em transformar pesquisas em produtos<br />

comercializáveis (Albuquerque, 2003; Cruz, 2005). Sem uma participação maior do<br />

setor privado e multinacional no setor de nanotecnologia, o país não vai criar uma<br />

indústria de nanotecnologia.<br />

No México, o Centro de Física Aplicada y Tecnologia Avanzada da Unam criou<br />

a tinta Deletum 3000 que repele água e óleo, fazendo dela uma nanotinta que é<br />

resistente ao graffiti (Azonano, 2004). Esse tipo de nano produto com alto potencial<br />

de comercialização a nível global é de fundamental importância para manter a<br />

expansão desses estudos.<br />

As implicações para o futuro econômico do país podem ser vários. No lado<br />

exportador, fica muito claro que produtos nanotecnológicos irão controlar uma fatia<br />

cada vez maior dos mercados mundiais. Países que não dispuserem de produtos<br />

nanotecnológicos verão o preço de seus produtos caírem e perderem faixas de<br />

mercado.<br />

As experiências Chinesas e Coreanas nos mostram, muito claramente a<br />

estratégia exportadora que já começam a desenvolver. Esses países entenderam<br />

que a sua participação nos mercados mundiais será ditada por seus sucessos na<br />

nanotecnologia.<br />

No lado dos investimentos, empresas começarão a se localizar em países onde<br />

a existência de uma infra estrutura nanotecnológica facilite suas operações. Países<br />

que continuem enfatizando a disponibilidade de mão de obra barata e de recursos<br />

naturais verão o perfil de investimentos mudar radicalmente no futuro, tendo suas<br />

economias afetadas pelo “nano-divide.” As parcerias nanotecnológicas entre países<br />

que investem nessa nova plataforma è uma indicação dessas tendências a nivel<br />

global.<br />

A nanotecnologia também vai afetar países que hoje dependem da exportação<br />

de commodities e produtos intensivos em recursos naturais e vai alterar o perfil de<br />

demanda por esses produtos radicalmente. Hoje, quase cem paises são dependentes<br />

da exportação desses produtos, mostrando a fragilidade dessas economias para<br />

a nanotecnologia. A nanotecnologia vai criar um novo paradigma para o setor<br />

exportador global, mudando os preços relativos de produtos.intensivos em<br />

nanotecnologia e produtos que não tenham essa tecnologia. É muito provável<br />

que países que exportem produtos sem conteúdo nanotecnológico vejam o<br />

preço de seus produtos cairem em relação aos intensivos em nanotecnológicos. É<br />

bem provável também que as taxas de obsolecência e ciclos de vida de produtos<br />

sem nanotecnologia sejam dramaticamente afetados em mercados domésticos e<br />

internacionais.<br />

A nanotecnologia chegou para mudar radicalmente a estrutura de negócios<br />

e economias a nível global. O Brasil já perdeu vários “bondes tecnológicos”. É de<br />

suma importância que nossos dirigentes entendam as implicações tecnológicas,<br />

econômicas e sociais da nanotecnologia.<br />

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />

63


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67


68<br />

Produção de Conhecimento<br />

em Cursos de MBA: opções<br />

metodológicas para o<br />

desenvolvimento de<br />

monografias<br />

Resumo:<br />

Este trabalho analisa alguns dos processos<br />

que envolvem a elaboração de monografias<br />

em cursos de pós-graduação lato sensu.<br />

Verificou-se que a grande maioria dos livros<br />

sobre Metodologia Científica publicados<br />

nos últimos cinco anos se preocupa mais<br />

com a elaboração das pesquisas e dos<br />

relatórios de conclusão do que com os<br />

itens iniciais como a seleção do tema, a<br />

identificação do problema e os objetivos<br />

que se pretende atingir, ou seja, há poucas<br />

considerações sobre como elaborar o projeto<br />

da monografia. Por isso, são propostos<br />

alguns procedimentos, modelos e exercícios<br />

para facilitar a elaboração das monografias e<br />

para que a produção de conhecimento seja<br />

mais significativa para os alunos de cursos<br />

de MBA.<br />

Palavras chave: MBA, produção científica<br />

do conhecimento, metodologia científica,<br />

monografia.<br />

Celi Langhi*<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

Abstract:<br />

This paper analyzes some of the processes<br />

used in the development of essays in lato sensu<br />

post-graduation courses. It has become<br />

evident that the great majority of books on<br />

Scientific Methodology published over the<br />

last five years is concerned about research<br />

structuring and the construction of the<br />

concluding report, as opposed to the initial<br />

tasks, such as subject selection, problem<br />

identification and the objectives one wishes<br />

to achieve. One realizes that there are few<br />

considerations on how to elaborate the<br />

project for the essay. Therefore this paper<br />

proposes some procedures, models and<br />

exercises in order to facilitate the elaboration<br />

of essays, and so that knowledge production<br />

may become more significant to MBA<br />

courses students.<br />

Keywords: MBA, scientific knowledge<br />

development, scientific methodology,<br />

essay.<br />

*Doutora e mestre em psicologia da aprendizagem (Universidade de São Paulo), mestre em comunicação social<br />

(Universidade Metodista de São Paulo); especialista em didática do ensino superior (Universidade São Judas) e<br />

pedagoga (UNIABC). Professora de metodologia científica há 20 anos em cursos de especialização e MBA. E-mail:<br />

e .


Introdução<br />

Fazer um curso de MBA (Master Business Administration) é quase obrigatório para<br />

todo profissional que pretende atingir cargos de gerência e direção em empresas<br />

de vários segmentos. Os candidatos podem optar por cursos em instituições<br />

nacionais com ou sem a presença de módulos internacionais, ou então buscar um<br />

curso diretamente no exterior. Dada a grande quantidade de oferta, essa seleção<br />

pode ocorrer tanto pela qualidade do curso quanto pelo valor que o candidato está<br />

disposto a pagar por sua formação em nível de pós-graduação. A qualidade e o<br />

preço de um MBA estão relacionados ao currículo do curso, à formação acadêmica<br />

e profissional de seu corpo docente e à tradição da instituição. Mas, apesar da<br />

diversidade de ofertas entre os cursos, há um item que os aproxima e os torna<br />

vulneráveis, quase que na mesma proporção: a monografia.<br />

É comum os alunos participarem das disciplinas com entusiasmo, buscando<br />

a aplicação das aprendizagens adquiridas em seu dia-a-dia imediato ou almejado.<br />

Contudo, quando chega o momento de iniciar a monografia, surgem reclamações<br />

as mais diversas. Alguns alunos começam a dizer que o curso ficou “chato”. Outros<br />

começam a questionar se realmente esse trabalho é essencial para sua formação.<br />

Outros ainda se consolam com a idéia de que não vão precisar do certificado do<br />

curso e, por isso, não farão a monografia. Esse tipo de argumentação possivelmente<br />

faz parte da realidade da maioria dos professores de Metodologia Científica<br />

que geralmente iniciam suas aulas na segunda parte do curso, quando diversas<br />

disciplinas já foram dadas, e num momento em que os alunos já têm condições<br />

de optar pelo estudo de um único tema.<br />

Para muitos alunos, a produção de conhecimento não é vista como um<br />

importante tipo de aprendizagem que propicia a formação de uma série de<br />

habilidades e competências que são necessárias para a formação de um líder que<br />

pretende atuar em cargos de gerência ou de direção. A partir do momento em<br />

que esse aluno prepara um relatório, contendo informações que fazem parte de<br />

sua experiência com teorias estudadas e/ou pesquisas realizadas, cruzando tais<br />

dados e propiciando uma análise aprofundada baseada em sua percepção e nos<br />

conhecimentos adquiridos, ele se torna mais apto a conduzir equipes e buscar<br />

soluções inovadoras tanto para o desenvolvimento de novos produtos ou serviços,<br />

quanto para a resolução de problemas.<br />

Diante do que foi exposto nota-se que a produção científica do conhecimento<br />

é relevante num curso de MBA, porém, quais são as principais causas que levam<br />

muitos alunos a não apreciarem essa atividade, chegando até mesmo a desistir do<br />

certificado por causa dela?<br />

A essa pergunta pode-se atribuir uma série de respostas, sendo que a mais<br />

comum é a falta de tempo, uma vez que a atividade profissional ocupa todos os<br />

espaços disponíveis e isso sem levar em consideração o tempo destinado ao convívio<br />

familiar. Outros motivos também podem ser apresentados como significativos: a<br />

falta de um tema que seja do interesse do aluno, a falta de bibliografias atualizadas<br />

e interessantes, a dificuldade de expor as idéias por meio da escrita e a falta de<br />

significado que a monografia exerce sobre o aluno.<br />

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />

69


Este artigo tem por objetivo apresentar soluções que auxiliem alunos e<br />

professores na produção de monografias que sejam significativas para tais alunos,<br />

tanto do ponto de vista pessoal como profissional e que estejam engajadas ao<br />

objeto de estudo do curso. O objetivo geral é contribuir para que hajam mais<br />

literaturas que demonstrem de forma prática, como os conteúdos de cunho teórico<br />

podem ser aplicados.<br />

Na organização geral desse artigo, são apresentados os principais conceitos<br />

relacionados à produção de conhecimento, bem como sobre sua aplicação à<br />

realidade corporativa. Na sequência são expostas as principais formas pelas<br />

quais as monografias são apresentadas aos alunos e como os principais livros<br />

de metodologia científica contribuem para essa finalidade. Finalmente são<br />

propostas algumas sugestões para tornar a experiência de produção científica<br />

mais significativa e mais prazerosa num curso de MBA.<br />

1 O Conhecimento e sua Produção<br />

O conhecimento nasce quando há uma espécie de encantamento ao se<br />

contemplar a Natureza, o Universo e as coisas ou fatos que os cercam. Esse<br />

encantamento leva à curiosidade e assim se estabelece o processo do conhecimento<br />

e do discernimento. Esse processo termina com a produção do saber de forma<br />

metódica e organizada (SANTOS, 2010).<br />

A palavra conhecer tem origem no latim “cognascere”, que significa ter a posse<br />

de informações, ter noção e idéias de algo que se relaciona com o mundo com o<br />

qual convive. O conhecimento significa prática de vida, consciência de si mesmo e<br />

“[...] ato ou efeito de saber e conhecer de forma metódica e organizada” (SANTOS,<br />

2010, p. 46).<br />

O conhecimento pode ser entendido como o processo de transmissão e<br />

acumulação de informações. O ser humano herda boa parte dos conhecimentos<br />

que foram produzidos por seus antepassados, os quais durante séculos fizeram<br />

experiências, observações e pesquisas. A capacidade de conhecer e de pensar sobre<br />

o próprio conhecimento é fundamental para a sobrevivência e para o progresso.<br />

“O homem vê e conhece, conhece o que vê e pensa no que viu e no que não viu,<br />

conhece e pensa, pensa e interpreta” (RUIZ, 2006, p. 41).<br />

Um dos objetivos mais perseguidos pelo ser humano é o de conhecer a<br />

realidade ou a verdade e para isso utiliza uma série de mecanismos (MARTINS,<br />

2007). Para que tenha esse tipo de conhecimento o homem se expressa por meio<br />

de processos cognitivos e de forma lenta e gradativa começa a dominar tanto os<br />

fenômenos naturais, metafísicos quanto os produzidos por meio da interação com<br />

o ambiente e também em contato com instituições públicas e privadas. “Nesse<br />

contato, o homem passa a conhecer e compreender o real. Dada a complexidade da<br />

vida moderna, o ato de conhecer surge de maneira natural e o ser humano nem se<br />

dá conta da sua enorme complexidade ou cogita mesmo de saber a conceituação<br />

ou significado do termo conhecer” (SANTOS, 2010, p. 47).<br />

Uma das formas mais utilizadas para se compreender a realidade e adquirir<br />

conhecimento é a leitura. Ela é o principal pré-requisito para àqueles que se sentem<br />

70<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


estimulados a buscar novas idéias, transformá-las e aplicá-las para, então, observar<br />

o resultado do conhecimento que foi adquirido.<br />

1.1 Tipos de Conhecimento<br />

Ao se materializar, o conhecimento pode tomar a forma de senso comum,<br />

de ciência, de filosofia e de religião. “A esse formato correspondem tipos<br />

de conhecimentos distintos: o senso comum ou conhecimento empírico; o<br />

conhecimento religioso; o conhecimento filosófico; e o conhecimento científico”<br />

(SANTOS, 2010, p. 47).<br />

Os estudo dos tipos de conhecimentos é muito frágil. Os limites entre esses<br />

quatro tipos não são muito claros e pode-se até questionar o porquê da nãoinclusão,<br />

por exemplo, das artes como uma forma de conhecimento (MATTAR,<br />

2008). Mas, mesmo reconhecendo as limitações dessa divisão percebe-se que ela<br />

facilita algumas reflexões relacionadas à produção científica do conhecimento.<br />

O conhecimento empírico também pode ser chamado de vulgar, popular,<br />

cotidiano ou de senso comum (MATTAR, 2008). Indica o conhecimento simples<br />

e prático das coisas. Geralmente é praticado por meio de experiências causais,<br />

que representam erros e acertos. É desenvolvido no contato direto e diário com<br />

a realidade e faz parte das crenças e opiniões, utilizadas em geral para objetivos<br />

práticos, ou seja, por meio dos sentidos (RUIZ, 2006). Não emprega nenhum tipo<br />

de metodologia para a busca de informações. É por meio dele que se constitui a<br />

base do conhecimento. As pessoas mais comuns, que desconhecem métodos e<br />

técnicas científicas para a busca de informações mais acertivas, têm conhecimento<br />

de seu mundo e das pessoas com quem convive por causa do processo de interação<br />

humana e social que estabelecem entre si. Os conhecimentos são transmitidos de<br />

uma pessoa à outra, de uma geração à outra.<br />

O conhecimento científico é produzido quando se vai além do empírico,<br />

procurando conhecer, não apenas o fenômeno, mas também suas causas e leis. A<br />

ciência tem como seu objeto principal de estudo, o universo material, naturalmente<br />

perceptível pelos órgãos dos sentidos ou mediante a ajuda de instrumentos de<br />

investigação. Ele resulta da investigação metódica e sistemática da realidade.<br />

Por meio dele os fenômenos são estudados com efeitos imediatos e, através da<br />

experimentação em laboratório, busca-se a construção das leis gerais, que os regem.<br />

Esse conhecimento está em constante e rápida ampliação. Muitas coisas que eram<br />

do domínio da filosofia ou da religião, hoje podem ser comprovados pela ciência.<br />

Há algumas exceções como a matemática, que não se ocupa do universo físico e<br />

material, mas deve ser igualmente metódica, sistemática e verificável.<br />

O conhecimento filosófico pode ser caracterizado como um diálogo contínuo<br />

com os filósofos precedentes, baseados em raciocínios lógicos e sem a obrigação<br />

de aplicação direta à realidade (MATTAR NETO, 2008). Seu principal instrumento é<br />

o raciocínio, o pensar. A filosofia procura compreender a realidade em seu contexto<br />

mais universal. Não há soluções definitivas para grande número de questões.<br />

Entretanto, habilita o ser humano a fazer uso de suas faculdades para ver melhor o<br />

sentido da vida concreta. Para obter conhecimentos filosóficos deve-se partir dos<br />

dados materiais e sensíveis (ciência) para, posteriormente, refletir sobre dados de<br />

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />

71


ordem metafísica, não sensíveis. Em outras palavras, parte-se do concreto material<br />

para o concreto supramaterial; do particular ao universal (CERVO e BERVIAN,<br />

2002).<br />

O conhecimento teológico surge com a revelação de algo divino, aceito pela fé.<br />

Ao adotar esse tipo de conhecimento pode-se ou não utilizar a razão. Não é preciso<br />

ver para crer, e deve-se crer mesmo que as evidências apontem para o contrário<br />

do que a religião ensina. Esse conhecimento geralmente acontece quando há um<br />

mistério, ou seja, algo oculto, que provoca a curiosidade e que leva à busca. São<br />

adquiridos nos livros sagrados e aceitos racionalmente pelas pessoas, depois de<br />

terem passado pela crítica histórica mais exigente.<br />

O quadro a seguir sintetiza as principais características dos tipos de<br />

conhecimento.<br />

72<br />

Conhecimento<br />

Popular<br />

Conhecimento<br />

Filosófico<br />

Conhecimento<br />

Teológico<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

Conhecimento<br />

Científico<br />

Valorativo Valorativo Valorativo Real (factual)<br />

Reflexivo Racional Inspiracional Contingente<br />

Assistemático Sistemático Sistemático Sistemático<br />

Verificável Não Verificável Não verificável Verificável<br />

Falível Infalível Infalível Falível<br />

Inexato Exato Exato Aproximadamente<br />

exato<br />

Quadro 1 Tipos de conhecimentos<br />

a) Conhecimento empírico: valorativo - se fundamenta numa seleção operada<br />

com base em estados de ânimo e emoções: os valores do sujeito impregnam<br />

o objeto conhecido; reflexivo – estando limitado pela familiaridade com o<br />

objeto, não pode ser reduzido a uma formulação geral; assistemático - se<br />

baseia na “organização” particular das experiências próprias do sujeito;<br />

verificável - está limitado ao âmbito da vida diária e diz respeito àquilo que se<br />

pode perceber no dia-a-dia; falível e inexato - se conforma com a aparência<br />

e com o que se ouviu dizer a respeito do objeto.<br />

b) Conhecimento filosófico: valorativo - seu ponto de partida consiste em<br />

hipóteses que não poderão ser submetidas à observação, pois baseiam-se<br />

na experiência; verificável - os enunciados das hipóteses filosóficas não<br />

podem ser confirmados nem refutados; racional - consiste num conjunto<br />

de enunciados logicamente correlacionados; sistemático - suas hipóteses<br />

e enunciados visam a uma representação coerente da realidade estudada,


numa tentativa de apreendê-la em sua totalidade; infalível e exato e seus<br />

postulados e hipóteses não são submetidos ao decisivo teste da observação<br />

(experimentação).<br />

c) Conhecimento teológico: valorativo – apóia-se em doutrinas que contêm<br />

proposições sagradas; inspiracional e infalível – foi revelado pelo sobrenatural;<br />

são exatos; indiscutíveis; sistemático – apresenta origem, significado,<br />

finalidade e destino como obra de um criador divino; não verificável – está<br />

sempre implícita uma atitude de fé perante um conhecimento revelado.<br />

d) O conhecimento científico é real (factual) – lida com ocorrências ou fatos,<br />

ou seja, com alguma forma de existência que se manifesta de algum modo;<br />

contingente – suas proposições ou hipóteses têm a sua veracidade ou<br />

falsidade conhecida por meio da experimentação; sistemático – trata de um<br />

saber ordenado logicamente, formando um sistema de idéias; verificável– as<br />

afirmações que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da<br />

ciência; falível – não é definitivo, absoluto ou final; aproximadamente exato<br />

– novas proposições e o desenvolvimento de técnicas podem reformular o<br />

acervo das teorias existentes.<br />

Estudar os tipos de conhecimentos de forma separada é importante para<br />

que se perceba quais são as características que uma monografia deverá ter. Essa<br />

subdivisão, embora tenha apenas cunho didático, poderá ser esclarecedora para a<br />

produção científica uma vez que não deverão ser utilizadas idéias baseadas apenas<br />

nos próprios conhecimentos ou tendo por base apenas as idéias próprias, sem se<br />

levar em consideração o referencial teórico que já foi produzido sobre o assunto.<br />

Em síntese, para que o aluno prepare uma monografia adequada para um curso<br />

de MBA deverá ter por base as características gerais do conhecimento científico,<br />

a concepção de que nesse mundo não há nada pronto ou acabado e reconhecer<br />

que tudo está em constante transformação, inclusive o próprio ser humano.<br />

2 Elaboração de monografias<br />

Na produção de monografias é necessário ter capacidade de observação,<br />

produção de teorias para explicar essa observação, teste dessas teorias e<br />

aperfeiçoamento de idéias e teorias. A produção do conhecimento não deve ser<br />

considerada como algo pronto, acabado ou definitivo, como era na época dos<br />

filósofos gregos, em especial Aristóteles; ou na Renascença. Deve haver a busca<br />

constante de explicações e de soluções, de revisão e de reavaliação de seus<br />

resultados, apesar de sua falibilidade e de seus limites (CERVO e BERVIAN, 2002).<br />

Em uma monografia o conhecimento deve ser renovado e reavaliado<br />

continuamente. É isso que permite com que a elaboração do conhecimento seja<br />

considerada um processo em construção. Para se aproximar cada vez mais da<br />

verdade utiliza-se métodos que proporcionem controle, sistematização, revisão e<br />

segurança maior do que possuem outras formas de saber não – científicas.<br />

É nesse momento que se reconhece o papel da Metodologia Científica. Por<br />

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />

73


meio dessa disciplina o aluno conhecerá uma série de métodos e técnicas que<br />

poderão auxiliá-lo na produção geral de seu trabalho. Como não existem cursos<br />

próprios para a formação de professores de Metodologia Científica, geralmente<br />

são indicados para essas aulas profissionais que têm experiência com pesquisas<br />

publicadas ou que desenvolveram dissertações de mestrado e teses de doutorado.<br />

Muitas instituições separam os papéis entre os orientadores de metodologia e os<br />

de conteúdo, uma vez que os professores de metodologia científica não dominam<br />

todos os assuntos de um curso e nem sempre encontra-se no mercado nacional<br />

profissionais devidamente titulados, conhecedores do conteúdo que é o objeto da<br />

orientação e ainda com conhecimentos metodológicos suficientes para dominar<br />

toda a cadeia da orientação e do desenvolvimento desses trabalhos. O papel do<br />

professor de metodologia científica pode variar conforme as instituições de ensino,<br />

mas geralmente é quem acompanha o desenvolvimento das monografias.<br />

As aulas de Metodologia Científica, em sua grande maioria, são preparadas<br />

conforme a experiência do professor e por meio de publicações disponíveis no<br />

mercado. A experiência é fundamental para auxiliar os alunos na previsão de<br />

dificuldades. Já as bibliografias especializadas auxiliam o professor a ter o suporte<br />

teórico fundamental, que será o alicerce do trabalho científico. Aqui cabe, contudo,<br />

um breve questionamento: será que as bibliografias disponíveis realmente auxiliam<br />

os professores no preparo da aulas?<br />

Para esse artigo foram estudados vinte e sete livros de metodologia científica,<br />

publicados ou reeditados entre 2005 e 2010. Com base nesse levantamento<br />

verificou-se que os livros de Metodologia Científica podem ser classificados de várias<br />

formas: pelo conteúdo, formato, experiência do autor etc. Ao avaliar essa amostra,<br />

optou-se por utilizar uma classificação própria, também fruto da experiência da<br />

autora desse artigo, na orientação de mais de quinhentas monografias durante<br />

sua carreira profissional.<br />

Essa classificação comporta cinco etapas: conceitos gerais sobre ciência;<br />

sugestões para a elaboração de projetos de pesquisa; classificação dos métodos<br />

e técnicas de pesquisa; produção do relatório final e regras/ normalizações. Cada<br />

uma dessas etapas será analisada a seguir.<br />

74<br />

a) Conceitos sobre ciência - dos vinte e sete livros analisados, seis fazem algum<br />

tipo de referência aos conceitos em que se baseiam o desenvolvimento<br />

científico como: aspectos gerais da filosofia da ciência (APPOLINÁRIO, 2006);<br />

tipos de conhecimento, classificação da ciência, epistemologia, paradigmas e<br />

modelos teóricos dentre outros (MARTINS e THEÓPHILO, 2009; MATTAR, 2008;<br />

LAKATOS e MARCONI, 2007) e técnicas de aprendizagem, conhecimento,<br />

ciência (SANTOS, 2010; BARROS e LEHFELD, 2007).<br />

b) Projeto de pesquisa – sete publicações optaram pelo desenvolvimento do<br />

projeto de pesquisa e suas etapas (LIMA, 2008; BRENNER e JESUS, 2007;<br />

GULLO, 2009; LUNA, 2009; SAMPIERI, COLLADO e LUCIO, 2006; ECO, 2007).<br />

Nota-se que não há um consenso entre quais são os principais elementos<br />

que um projeto de pesquisa deve apresentar. Contudo, a maioria destaca a<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


importância do tema, dos objetivos a serem atingidos e da justificativa. Se<br />

um pesquisador inexperiente se apoiar apenas em publicações para definir<br />

seu projeto de pesquisa, possivelmente terá dificuldade quanto à seleção dos<br />

itens que seu projeto deverá ter. Esse é um dos motivos pelos quais muitas<br />

instituições de ensino (USP, FGV, PUC, Centro Paula Souza), que solicitam<br />

projetos de pesquisa como um dos componentes de classificação para o<br />

ingresso em cursos de mestrado e doutorado, indicam seus próprios modelos<br />

de projeto.<br />

c) Métodos e técnicas de pesquisa – a maioria das publicações analisadas, ou<br />

seja, 18 publicações se preocupam com os métodos e técnicas de pesquisa<br />

(VERGARA, 2008; VERGARA, 2009; ROESCH e FERNANDES, 2007; LIMA, 2008;<br />

BOOTH, COLOMB e WILLIAMS, 2005; MARTINS, 2007; YIN, 2009; CASTRO,<br />

2006; APPOLINÁRIO, 2006; MARTINS e THEÓPHILO, 2009; SANTOS, 2010; GIL,<br />

2009; MATTAR, 2008; SILVERMAN, 2009; BARROS e LEHFELD, 2007; SAMPIERI,<br />

COLLADO e LUCIO, 2006; LAKATOS e MARCONI, 2007). Aqui também não há<br />

consenso sobre quais são os métodos e técnicas de pesquisa mais indicados<br />

para o estudo de determinados assuntos ou áreas do conhecimento. São<br />

apresentados vários tipos de classificações para esses métodos e técnicas,<br />

com foco principalmente em como adotá-los. Contudo, falta uma análise<br />

mais aprofundada de cada um para que auxilie o pesquisador a fazer suas<br />

opções.<br />

d) Relatório final – avaliou-se ainda que treze das publicações analisadas se<br />

preocupam mais com o relatório final que será apresentado no formato de<br />

uma monografia (LIMA, 2008; AQUINO, 2008; ANDRADE, 2007; MARTINS,<br />

2007; MARTINS e THEÓPHILO, 2009; SANTOS, 2010; BERTUCCI, 2009;<br />

MATTAR, 2008; MORAES e AMATO, 2006; BARROS e LEHFELD, 2007; SAMPIERI,<br />

COLLADO E LUCIO, 2006; ECO, 2007; RUIZ, 2006). A preocupação central está<br />

na forma que o documento deverá apresentar. Supõe-se, portanto, que<br />

todas as decisões sobre o tema a ser abordado, o problema da pesquisa, as<br />

hipóteses, os objetivos, a fundamentação teórica e a coleta de dados já estão<br />

resolvidos e aguardam apenas o processo de registro.<br />

e) Regras e normalizações – dos vinte e sete livros analisados, todos indicaram<br />

como aplicar as principais regras para a escrita de citações, referências<br />

bibliográficas, quadros, tabelas, figuras etc. Todas elas se baseiam na<br />

Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para propor seus modelos.<br />

É interessante notar que não mencionam que pode haver outros tipos de<br />

normalizações como, por exemplo, a proposta pela American Psychological<br />

Association – APA. Também não explicam que as normalizações internacionais<br />

é que deverão ser adotadas caso se decida fazer algum tipo de publicação<br />

em periódicos estrangeiros.<br />

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />

75


Após essa análise fica evidente que se o professor de Metodologia Científica<br />

optar pelar adoção um único livro, não oferecerá ao aluno uma visão global do<br />

processo de produção científica do conhecimento. Algumas instituições de ensino<br />

como a FAAP, o Mackenzie, o Instituto de Psicologia da USP e a PUCSP preferem<br />

adotar seus próprios “Manuais de Monografias”. Mas, mesmo esses manuais<br />

contemplam mais as questões de formatação e normalizações do que o processo<br />

criativo, iniciando-se pelo tema do trabalho.<br />

3 Sugestões para tornaras aulas de metodologia científica mais didáticas<br />

Diante da dificuldade dos alunos de cursos de MBA elaborarem suas<br />

monografias, propõe-se que a organização das aulas sejam revistas e que a<br />

monografia seja parte integrante de todo o curso, e não apenas um dos prérequisitos<br />

para aprovação e cuja preocupação advém somente ao término das<br />

disciplinas programáticas. Para isso, se propõe os seguintes passos:<br />

1º Passo: Nas primeiras aulas do curso o aluno deverá ser informado a respeito<br />

da importância da produção de uma monografia para a sua formação no curso.<br />

Isso poderá ocorrer numa aula específica de metodologia científica ou então fazer<br />

parte de aula inaugural quando o coordenador do curso geralmente apresenta a<br />

proposta do programa e as especificações do curso. Nessa aula o aluno poderá ser<br />

instrumentalizado para utilizar algum tipo de ferramenta que o auxilie a detectar um<br />

possível tema de estudo. Sugere-se, por exemplo, o uso da seguinte ferramenta:<br />

EXERCÍCIO: TEMAS PARA MONOGRAFIAS<br />

Siga as instruções indicadas em cada atividade:<br />

Atividade a. Elabore uma relação individual de palavras chave que te<br />

motivou a realizar o curso de MBA.<br />

Atividade b. Selecione cinco dessas palavras chave e numere-as de<br />

acordo com seus interesses particulares (ordem decrescente).<br />

Atividade c. Escreva uma frase contendo mais de três palavras<br />

contidas no quadro elaborado anteriormente.<br />

Atividade d. Transforme essa frase em uma pergunta.<br />

Atividade e. Avalie se você realmente tem interesse em estudar esse<br />

assunto.<br />

76<br />

Quadro 2 Exercício para a seleção de temas de monografias<br />

Por meio dessa ferramenta o aluno será convidado a pensar nos motivos<br />

que o levaram a realizar um curso de MBA e a manter o foco em seus próprios<br />

objetivos.<br />

Sabe-se que a decisão por um tema de monografia não é algo simples. Isso<br />

envolve uma tomada de decisão que, se for errônea, o aluno poderá ter que gastar<br />

muito mais horas de estudos do que realmente esperava consumir para essa<br />

atividade e ainda ficar satisfeito com o trabalho final. A apresentação da ferramenta<br />

no início do curso visa permitir com que o aluno reveja várias vezes suas opções<br />

para, então, tomar a decisão definitiva. Essa decisão geralmente é finalizada no<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


transcorrer de, pelo menos, metade do programa do curso. Dessa forma, o aluno<br />

terá vários meses para optar por um tema e, tendo uma ferramenta de apoio, poderá<br />

se sentir mais confortável em seu delineamento.<br />

2º Passo: Elaboração do Projeto de Pesquisa, caracterizado por um documento<br />

preliminar que deverá indicar como o aluno pretende desenvolver sua monografia.<br />

Ele poderá conter os seguintes elementos:<br />

a) Capa - A capa deverá conter: nome da instituição de ensino e departamento<br />

ao qual o curso pertence, título do documento elaborado, turma e curso,<br />

título do trabalho, nome dos alunos, nome do coordenador do curso e dos<br />

orientadores técnico e de metodologia, local e ano.<br />

b) Título -. Deve ser breve e já dar alguma idéia do tema da pesquisa.<br />

c) Tema/Problema - Indicação do tema geral que será pesquisado. Informar<br />

qual é o caso específico e concreto que se quer pesquisar, ou seja, a questão<br />

principal que a pesquisa procurará descobrir.<br />

d) Introdução e Justificativas – Essa parte é basicamente um balanço<br />

bibliográfico introdutório e justificativo sobre o tema. O aluno deverá elaborar<br />

um texto que introduza o tema e apresente as informações mais importantes<br />

sobre o que já foi escrito sobre o tema escolhido ou, ao menos, sobre os<br />

assunto(s) aos quais o tema se relaciona (pelo menos três obras). Isso permite<br />

organizar melhor as idéias necessárias para começar a pesquisar e mostra<br />

que se está preparado para isso. Devem ser apresentados os argumento<br />

que justificam a relevância do tema e os motivos que levaram a essa escolha<br />

para estudá-lo. Ele vem antes dos itens objetivos e hipóteses uma vez que,<br />

detalhando melhor o tema, permite ao leitor entendê-los melhor.<br />

e) Hipóteses - É a suposição (explicação) inicial que orienta o trabalho de<br />

investigação. Aqui o aluno deve redigir as explicações preliminares e<br />

provisórias que ele quer testar com a pesquisa e a análise. O uso da teoria<br />

é fundamental e deve-se lembrar que, para cada problema é possível mais<br />

de uma hipótese.<br />

f) Objetivos - São as questões / desafios que o trabalho terá que resolver para<br />

responder a questão maior formulada pelo problema. Em outras palavras, é<br />

o problema formulado mais detalhadamente. É ele que irá informar se uma<br />

pesquisa será quantitativa ou qualitativa ou ambos. Assim, os objetivos<br />

devem, em primeiro lugar, estar coerentes com o problema formulado pela<br />

pesquisa, sob o risco do projeto perder o foco. Quanto mais claros e precisos<br />

forem os objetivos maior clareza e foco terá o projeto e mais eficiente será<br />

o trabalho.<br />

g) Metodologia - Deve-se definir em detalhes os procedimentos e os critérios de<br />

cada etapa da pesquisa. Primeiro deve-se indicar quais são os procedimentos<br />

para a busca de fontes secundárias (dados já publicados, teorias, conceitos,<br />

contextualizações realizadas por outros e que necessárias para que se analise<br />

adequadamente os dados primários). A pesquisa dessas fontes é chamada<br />

de pesquisa bibliográfica. Posteriormente deve-se definir como serão<br />

feitas as coletas de dados relacionadas às fontes primárias (que oferecem<br />

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />

77


78<br />

informações sobre o tema específico com o qual se pretende trabalhar). Essas<br />

fontes podem ser obtidas por meio de: Entrevistas pessoais - é uma boa<br />

opção quando a fonte é muito rica e não muito numerosa e pode oferecer<br />

informações não previstas. São classificadas em 3 tipos: estruturada (usa<br />

questionário); semi-estruturada: (usa roteiro ou pauta) e não-estruturada<br />

(conversa livre); Questionários - é bastante interessante quando as fontes<br />

são numerosas e já se sabe bem as informações que se quer, ou seja, é<br />

o mais adequado à pesquisa quantitativa e podem ter 2 tipos questões:<br />

abertas (respostas livres), fechadas (com alternativas já estabelecidas, como<br />

alternativas fixas (sim/não), múltipla escolha, com escala); Observações -<br />

são os registros de comportamentos e atitudes que são importantes para o<br />

assunto estudado. Estas podem ser: sistemática (sempre que a observação<br />

for regulada por horários, intervalos de tempos, repetições e alternância de<br />

estratégias e locais de observação todos anteriormente definidos em detalhe)<br />

e assistemática (sempre que a observação não seja regulada por intervalos,<br />

horários, repetições já definidos).<br />

h) Sumário Preliminar - aqui deve-se apresentar a relação dos capítulos (quer,<br />

dizer, o que será o títulos destes) e partes do trabalhos na ordem em que irão<br />

se suceder. A sugestão é de que os capítulos sejam organizados passando<br />

dos assuntos mais gerais para chegar à situação concreta analisada.<br />

i) Plano de Trabalho - é a descrição das fases e do cumprimento das metas de<br />

pesquisa durante o período de vigência e desenvolvimento da monografia. É<br />

uma tabela onde se define, mês a mês, as atividades gerais desde a realização<br />

da monografia até sua conclusão.<br />

j) Breve Currículo do autor da pesquisa – esse documento é importante para<br />

que os orientadores saibam qual é a experiência profissional e acadêmica<br />

do aluno. O conhecimento desses dados facilita a orientação dos temas da<br />

monografia bem como o seu desenvolvimento. O orientador poderá citar<br />

exemplos, teorias e bibliografias que já são do conhecimento do aluno para<br />

que, a partir daí, possam sugerir novos materiais. Deve-se escrever itens<br />

como: nome completo, contato, local de trabalho e cargo, cursos que já fez,<br />

perspectivas de futuro.<br />

k) Referências Bibliográficas - indicar as referências bibliográficas que<br />

foram utilizadas para a elaboração desse projeto: livros, sites, periódicos,<br />

monografias, dissertações, teses, documentos técnicos etc., para que desde<br />

a apresentação do projeto o aluno já siga um tipo de normalização, o texto<br />

poderá ser formatado de acordo com os seguintes critérios propostos<br />

pela ABNT: letras Arial ou Times New Roman, letra tamanho 12, com<br />

espacejamento de 1,5 cm entre linhas.<br />

3º Passo: Registro de leituras realizadas durante o curso, ou seja, ao participar<br />

das várias leituras os alunos verificam vários tipos de conteúdos, fazem leituras e<br />

participam de trabalhos individuais ou em grupo. As leituras que fazem para essas<br />

atividades podem ser aproveitadas para a realização do referencial teórico das<br />

monografias. Para isso, basta o aluno elaborar um sistema próprio para o registro<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


dessas informações. Sugere-se que as informações lidas e consideradas relevantes<br />

para a elaboração da monografia sejam classificadas por palavras chave, digitadas<br />

e organizadas em arquivos exclusivos num editor de texto como o Microsoft Word<br />

ou o Open Office. Nesse caso deve-se tomar o devido cuidado para sempre registrar<br />

o sobrenome do autor, o ano da publicação e a página onde se encontra a citação<br />

selecionada. Deve-se também organizar uma pasta exclusiva para a indicação<br />

completa das referências bibliográficas como: sobrenome(s) do(s) autor(es), título<br />

da obra, local da publicação, editora e ano. Ao término do curso o aluno terá uma<br />

série de informações colecionadas às quais poderá unir com as demais informações<br />

coletadas sobre as leituras que fizer sobre assuntos específicos de seu tema de<br />

pesquisa. Dessa forma, terá um grande rol de informações para iniciar o registro<br />

da fundamentação teórica.<br />

4º Passo: Pesquisas e Relatos de casos – nesse momento o aluno deverá voltar<br />

sua atenção para a coleta de dados que deverá fazer para verificar quais são as<br />

possíveis respostas para seu problema de pesquisa. Deverão ser elaborados os<br />

roteiros para as entrevistas, os questionários ou os roteiros para observação. Na<br />

sequência deverá selecionar sua amostra e fazer a coleta de dados. Posteriormente<br />

deverá fazer o relatório sobre essas descobertas, o qual deverá conter itens como:<br />

método empregado para o desenvolvimento da pesquisa, participantes (amostra),<br />

material utilizado para a coleta de dados, procedimentos adotados durante a coleta<br />

(por exemplo, como se chegou até aquele sujeito, como ele foi abordado, qual sua<br />

localidade etc), apresentação dos dados. Os resultados deverão ser apresentados<br />

conforme o tipo de pesquisa que foi realizado.<br />

Cabe lembrar que diante de pesquisas quantitativas pode-se apresentar o<br />

relatório no formato de tabelas e gráficos. No caso de pesquisas qualitativas os<br />

dados são apresentados no formato de dissertação.<br />

5º Passo: Análise dos dados e discussão, considerações finais e introdução – para<br />

finalizar a pesquisa deve-se analisar os dados obtidos e compará-los com o que o<br />

referencial teórico diz a respeito dessas informações. É elaborado um cruzamento<br />

entre o que os dados da pesquisa dizem com o que o referencial teórico apresenta,<br />

de forma a indicar suas semelhanças e suas diferenças. Na sequência se apresenta<br />

a opinião do aluno/ pesquisador a respeito dos dados encontrados. Após finalizar<br />

os capítulos deve-se elaborar a introdução, para a qual deve-se elaborar um<br />

texto dissertativo, explicando os motivos que deram origem à monografia (tema,<br />

problema, hipóteses e demais itens que constam no projeto de pesquisa). O término<br />

do trabalho ocorre com a produção das considerações finais, na qual deve-se<br />

reapresentar o problema, as hipóteses e os objetivos da pesquisa e indicar se há<br />

uma possível resposta para esse problema, se as hipóteses foram ou não verificadas<br />

e se os objetivos forma atingidos. Pode-se também sugerir a realização de futuras<br />

pesquisas nessa área de conhecimento.<br />

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />

79


6º Passo: Análise final do trabalho – ocorre quando o trabalho está praticamente<br />

pronto. Nesse momento se faz as devidas verificações ortográficas e metodológicas<br />

para a entrega final e avaliação do trabalho.<br />

Com esses seis passos propostos para a realização das monografias e tendose<br />

em vista os conteúdos apresentados nos livros de Metodologia Científica,<br />

verifica-se que tais publicações são pertinentes para auxiliar o aluno em algumas<br />

das etapas da produção das monografias, mas geralmente uma única publicação<br />

não é suficiente para esse tipo de orientação.<br />

Considerações Finais<br />

A produção de conhecimento científico é fundamental para a inovação<br />

tecnológica e para o desenvolvimento das pessoas e das nações. A elaboração de<br />

monografias nos cursos de MBA tem por função auxiliar na busca dessa inovação<br />

e desse desenvolvimento. Contudo, sua imposição, e a falta de livros didáticos que<br />

facilitem o desenvolvimento do trabalho, têm levado muitos alunos a desistirem<br />

de cursos desse porte antes mesmo de iniciá-los.<br />

Nesse trabalho se pretendeu apresentar os elementos que envolvem a<br />

produção de uma monografia e promover uma reflexão a respeito de como os<br />

livros poderão auxiliá-los tanto na orientação quanto na execução de monografias.<br />

Cabe lembrar que não se teve o interesse de defender um modelo único para a<br />

elaboração dessas monografias. Mas foram apresentados os principais itens que as<br />

compõem e dentre esses itens quais são os mais trabalhados nos livros específicos<br />

dessa área.<br />

Espera-se que essa contribuição permita com que os alunos se sintam menos<br />

angustiados no processo de elaboração de seus trabalhos quer pela visualização<br />

global do que deverão elaborar, quer pela análise dos livros específicos que deverão<br />

fazer e optar, com segurança, sobre como tais materiais poderão auxiliá-los.<br />

80<br />

Referências Bibliográficas<br />

ANDRADE, Maria Margarida de. Redação científica: elaboração do TCC passo a passo.<br />

São Paulo: Factash, 2007.<br />

APPOLINÁRIO, Fabio. Metodologia da ciência: filosofia e prática da pesquisa. São<br />

Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006.<br />

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medo da ABNT. João Pessoa, PB: Universitária/ UFPB, 2008.<br />

BARROS, Aidil Jesus da Silveira; Lehfeld, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos de<br />

metodologia científica. São Paulo: Pearson, 2007.<br />

BERTUCCI, Janete Lara de Oliveira. Metodologia básica para elaboração de trabalhos<br />

de conclusão de cursos: ênfase na elaboração de TCC de pós-graduação lato sensu. São<br />

Paulo: Atlas, 2009.<br />

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São Paulo: Martins Fontes, 2005.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


BRENNER, Eliana de Moraes; JESUS, Dalena Maria Nascimento de. Manual de<br />

planejamento e apresentação de trabalhos acadêmicos. São Paulo: Atlas, 2007.<br />

CASTRO, Claudio de Moura. A prática da pesquisa. São Paulo: Pearson, 2006.<br />

CERVO, Amado L. e BERVIAN, Pedro A. Metodologia científica. São Paulo: Pearson/<br />

Prentice Hall. 2002.<br />

CRUZ, Carla; RIBEIRO, Uirá. Metodologia científica: teoria e prática. Rio de Janeiro:<br />

Axcell, 2004.<br />

GIL, Antonio Carlos. Estudo de caso: fundamentação científica, subsídios para coleta<br />

e análise de dados, como redigir o relatório. São Paulo: Atlas, 2009.<br />

LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia científica. São<br />

Paulo: Atlas. 2007.<br />

LIMA, Manolita Correia. Monografia: a engenharia da produção acadêmica. São Paulo:<br />

Saraiva, 2008.<br />

LUNA, Sergio Vasconcelos de. Planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo:<br />

Educ, 2009.<br />

MARTINS, Gilberto de Andrade. Manual para elaboração de monografias e<br />

dissertações. São Paulo: Atlas, 2007.<br />

MARTINS, Gilberto de Andrade; THEÓPHILO, Carlos Renato. Metodologia da<br />

investigação científica para ciências sociais aplicadas. São Paulo: Atlas, 2009.<br />

MATTAR, João. Metodologia científica na era da informática. São Paulo: Saraiva, 2008.<br />

MORAES, Irany Novah; AMATO, Alexandre Campos Moraes. Metodologia da pesquisa<br />

científica. São Paulo: Roca, 2006.<br />

OLIVEIRA, Sandoval R. de. Metodologia científica: o desafio da atualização. São<br />

Paulo: Edições Enéas Tognini. 2001.<br />

PINHEIRO, Duda; GULLO, José. Trabalho de conclusão de curso TCC: guia prático<br />

para elaboração de projetos de plano de negócio para nova empresa, plano de negócio<br />

para empresa existente, plano de comunicação integrada de marketing, monografia. São<br />

Paulo: Atlas, 2009.<br />

ROESCH, Sylvia Maria Azevedo; FERNANDES, Francisco. Como escrever casos para<br />

o ensino de administração. São Paulo: Atlas, 2007.<br />

RUIZ, João Álvaro. Metodologia científica: guia para eficiência nos estudos. São Paulo:<br />

Atlas. 2006.<br />

SANTOS, Izequias Estevan dos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica.<br />

Rio de Janeiro: Impetus, 2010.<br />

SAMPIERI, Roberto Hernández; COLLADO, Carlos Fernández; LUCIO, Pilar Baptista.<br />

Metodologia de pesquisa. São Paulo: McGraw-Hill, 2006.<br />

SILVERMAN, David. Interpretação de dados qualitativos: métodos para análise de<br />

entrevistas, textos e interações. Porto Alegre: Artmed, 2009.<br />

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 2007.<br />

VERGARA, Sylvia Constant. Métodos de coleta de dados no campo. São Paulo: Atlas,<br />

2009.<br />

VERGARA, Sylvia Constant. Métodos de pesquisa em administração. São Paulo:<br />

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YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.<br />

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />

81


82<br />

Finanças comportamentais:<br />

aspectos teóricos e<br />

conceituais<br />

Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato ∗<br />

Resumo:<br />

As finanças comportamentais constituem<br />

um vasto campo de pesquisa que envolve<br />

o estudo das finanças a partir de uma<br />

ampla perspectiva do ponto de vista das<br />

ciências sociais, incluindo a psicologia<br />

e a sociologia. Neste artigo o objetivo é<br />

apresentar os principais aspectos teóricos<br />

e conceituais que sustentam o campo de<br />

pesquisa das finanças comportamentais<br />

com base na segmentação proposta por<br />

Shefrin (2002) em três temas fundamentais:<br />

viés heurístico, efeitos de estruturação e<br />

mercados ineficientes. Os dois primeiros<br />

temas tratam da influência de aspectos<br />

psicológicos no processo decisório dos<br />

agentes econômicos e o último alega que o<br />

comportamento enviesado dos indivíduos<br />

pode exercer um impacto importante<br />

sobre os preços dos ativos negociados no<br />

mercado.<br />

Palavras chave: Finanças Comportamentais,<br />

Heurísticas, Eficiência de Mercado<br />

∗ Eduardo Pozzi Lucchesi é Doutor em Administração com ênfase em Finanças pela FEA-USP e mestre em Administração<br />

pela PUC-SP. Professor de finanças do Departamento de Administração da PUC-SP e da Fundação Armando<br />

Álvares Penteado nos cursos de graduação e pós-graduação., . José Roberto Securato é Engenheiro, Matemático, Mestrado em Matemática, Doutorado e Livre Docência<br />

em Finanças – FEA/USP. Professor Titular da FEA-USP e Professor Titular na PUC-SP. .<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

Abstract:<br />

Behavioral finance is a wide field of research<br />

that involves the study of finance from a<br />

broader social science perspective including<br />

psychology and sociology. In this paper<br />

the goal is to present the most important<br />

theoretical and conceptual aspects which<br />

support the research field of behavioral<br />

finance based on the division proposed<br />

by Shefrin (2002) on three core themes:<br />

heuristic-driven bias, frame dependence and<br />

inefficient markets. The first two themes deal<br />

with the influence of psychological aspects<br />

in individual decision-making process and<br />

the latter assumes that the individuals<br />

biased behavior can produce an important<br />

impact on prices at which assets are traded<br />

on the market<br />

Keywords: Behavioral Finance, Heuristics,<br />

Market Efficiency


Introdução<br />

A teoria de finanças tradicional, ao longo de seu desenvolvimento, procurou<br />

entender os mercados financeiros assim como as decisões financeiras utilizando<br />

modelos fortemente apoiados na racionalidade dos agentes econômicos. A<br />

racionalidade, segundo Bazerman (2004, p. 6), “refere-se ao processo de tomada de<br />

decisão que esperamos que leve ao resultado ótimo, dada uma avaliação precisa<br />

dos valores e preferências de risco do tomador de decisão”.<br />

O paradigma da racionalidade constituiu o alicerce do arcabouço teórico das<br />

finanças tradicionais cujos principais expoentes são Markowitz (1952) e a teoria do<br />

portfolio; Modigliani e Miller (1958) e suas proposições de irrelevância da estrutura de<br />

capital e da política de dividendos; Sharpe (1964) e Lintner (1965) e o capital asset pricing<br />

model (CAPM); Fama (1970) e a hipótese do mercado eficiente e Black e Scholes (1973)<br />

e o modelo de apreçamento de opções. Tais modelos, segundo Shiller (2003, p. 83),<br />

“procuraram relacionar preços de ativos especulativos a fundamentos econômicos<br />

utilizando expectativas racionais para amarrar as finanças e toda a economia em<br />

uma única elegante teoria”.<br />

Em meados da década de 1950, foi inaugurada uma linha de investigação<br />

que passou a questionar a validade dos modelos baseados no comportamento<br />

plenamente racional e a privilegiar modelos de decisão com base em agentes não<br />

plenamente racionais, incorporando o conceito de racionalidade limitada (SIMON,<br />

1957). O principal argumento dessa abordagem é que a adoção da racionalidade<br />

plena dos agentes econômicos impede o entendimento dos processos de decisão<br />

reais (como uma decisão é tomada), pois privilegia exclusivamente a análise de<br />

processos de decisão normativos (como uma decisão deve ser tomada).<br />

No início da década de 1970, Kahneman e Tversky (1972) deram continuidade<br />

aos estudos de Simon (1957) e passaram a identificar vieses sistemáticos<br />

específicos que afastam o julgamento dos agentes daquilo que seria previsto pelo<br />

comportamento plenamente racional. Essa nova linha de pesquisa em finanças,<br />

cujo foco passou a ser o estudo de como o julgamento dos agentes se desvia<br />

da racionalidade, ficou conhecida como finanças comportamentais. Segundo<br />

Bazerman (2004, p. 129), “as finanças comportamentais focam o modo como os<br />

vieses afetam os indivíduos bem como afetam os mercados”.<br />

Os estudos de como os vieses afetam os indivíduos foram desenvolvidos<br />

ao longo da década de 1970 após a condução de uma série de experimentos<br />

que tinham como objetivo mostrar que erros sistemáticos permeiam o processo<br />

decisório individual. Já a abordagem que foca os mercados foi desenvolvida com<br />

base em resultados de um amplo conjunto de evidências empíricas que mostraram<br />

que o comportamento viesado dos indivíduos pode exercer um impacto substancial<br />

e duradouro sobre os preços dos ativos negociados no mercado. Tais estudos<br />

cujos resultados mostraram-se inconsistentes com aquilo que seria previsto pela<br />

abordagem tradicional ficaram conhecidos como anomalias.<br />

A descoberta de algumas anomalias não constituiria um entrave significativo<br />

para o apelo dos modelos tradicionais pois, segundo Statman (1999, p. 19),<br />

“poucas teorias são consistentes com toda a evidência empírica disponível e as<br />

finanças tradicionais não constituem uma exceção”. Todavia, “a descoberta de<br />

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />

83


novas anomalias ao longo do tempo fez com que os pesquisadores começassem<br />

a questionar a capacidade dos modelos tradicionais em explicar os fatores<br />

determinantes dos preços dos ativos” (SHEFRIN, 2002, p. 9).<br />

Segundo Thaler (1999b, p. 14), “os fatos empíricos levam a concluir que os<br />

mercados financeiros reais não se parecem com aqueles que imaginaríamos se<br />

apenas lêssemos os manuais de finanças tradicionais”. De acordo com o autor,<br />

[...] a leitura de um manual de finanças tradicional [...] pode criar a impressão<br />

de que os mercados financeiros são desprovidos de atividade humana. Grande<br />

atenção é dada para os métodos de cálculo de importantes números tais<br />

como valores presentes, taxas de retorno e análise de risco, além de muitas<br />

discussões sobre quanto uma empresa deveria tomar emprestado, quanto ela<br />

deveria pagar de dividendos (resposta: é irrelevante) e como apreçar opções.<br />

Mas virtualmente, não existem pessoas. Muito pouco seria modificado nas<br />

páginas dos manuais se todas as pessoas tanto nas corporações quanto nas<br />

instituições financeiras fossem substituídas por máquinas. (THALER, 1993,<br />

p. xv).<br />

A noção de que o comportamento dos indivíduos é afetado por vieses<br />

sistemáticos bem como a crescente descoberta de anomalias solidificou a visão de<br />

que os modelos racionais apresentam problemas para explicar tudo o que vemos<br />

nos mercados financeiros. Tal noção fez as finanças comportamentais emergirem<br />

como uma nova abordagem para entender tais mercados, pelo menos em parte,<br />

como resposta às dificuldades enfrentadas pelo paradigma tradicional. Em termos<br />

gerais, o argumento central é que a utilização de modelos nos quais os agentes<br />

não são plenamente racionais pode melhorar a compreensão de alguns fenômenos<br />

financeiros.<br />

Diante do exposto, o objetivo neste artigo é apresentar os principais<br />

aspectos teóricos e conceituais que norteiam o campo de pesquisa das finanças<br />

comportamentais. Para cumprir tal objetivo, foi adotada a segmentação proposta<br />

por Shefrin (2002) em três temas fundamentais: viés heurístico, efeitos de<br />

estruturação e mercados ineficientes. A justificativa para a segmentação é a ausência<br />

de afinidade entre as finanças comportamentais e as finanças tradicionais em<br />

relação ao tratamento desses temas.<br />

O primeiro tema, o viés heurístico, preconiza que os indivíduos cometem<br />

erros ao tomarem decisões porque confiam em regras práticas conhecidas como<br />

heurísticas para processar as informações. Em contraposição a esse argumento,<br />

as finanças tradicionais assumem que os indivíduos, quando processam os dados<br />

para a tomada de decisão, utilizam as ferramentas estatísticas de forma correta e<br />

adequada.<br />

O segundo tema, efeitos de estruturação, aborda o impacto da estruturação<br />

da informação nas decisões dos indivíduos, ou seja, postula que a forma com que<br />

a informação é apresentada ou a maneira com que um problema é estruturado<br />

exerce uma influência significativa no processo de tomada de decisão dos<br />

indivíduos. Em contraste, as finanças tradicionais assumem que os indivíduos são<br />

imunes à estruturação da informação e vêem todas as decisões através das lentes<br />

transparentes e objetivas do trade-off entre risco e retorno.<br />

84<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


O terceiro tema, mercados ineficientes, procura entender como o viés<br />

heurístico e os efeitos de estruturação afetam os preços estabelecidos no mercado<br />

fazendo com que eles se desviem de seus valores fundamentais. Já as finanças<br />

tradicionais assumem que os mercados são eficientes e que os preços dos títulos<br />

coincidem com seus valores fundamentais, mesmo que alguns indivíduos sejam<br />

influenciados por vieses heurísticos ou por efeitos de estruturação.<br />

1 Finanças Comportamentais<br />

1.1 Viés heurístico<br />

A teoria de finanças tradicional, com base no postulado da racionalidade,<br />

assume que os indivíduos processam corretamente as informações quando tomam<br />

decisões. A abordagem das finanças comportamentais, ao contrário, postula que os<br />

indivíduos, ao tomarem decisões, se fiam em diversas estratégias simplificadoras<br />

ou regras práticas conhecidas como heurísticas. Segundo Tversky e Kahneman<br />

(1974, p. 1124), “embora tais heurísticas sejam úteis pois simplificam as complexas<br />

tarefas de avaliação de probabilidades e previsão de valores, sua utilização pode<br />

conduzir a erros graves e sistemáticos os quais afastariam o processo decisório dos<br />

indivíduos da racionalidade”.<br />

Kahneman e Tversky (1972, p. 430) afirmam que “talvez a conclusão mais<br />

genérica obtida a partir de numerosas investigações é que, ao contrário do que<br />

preconizam as finanças tradicionais, as pessoas não seguem os princípios da teoria<br />

das probabilidades ao avaliarem a probabilidade de eventos incertos”. Segundo<br />

os autores, tal conclusão não é surpreendente porque as leis das probabilidades<br />

não são intuitivas e fáceis de aplicar. O fato surpreendente é que a utilização de<br />

heurísticas na avaliação da probabilidade de eventos incertos produz desvios<br />

confiáveis, sistemáticos e difíceis de eliminar.<br />

Segundo Shefrin (2002, p. 13), “a identificação dos princípios que formam as<br />

bases das heurísticas e os erros sistemáticos a elas associados constitui um dos<br />

grandes avanços da psicologia comportamental”. Tversky e Kahneman (1974)<br />

descrevem três heurísticas que são empregadas para avaliar probabilidades e prever<br />

valores e também enumeram os vieses sistemáticos que emanam de tais heurísticas.<br />

São elas: a heurística da representatividade, a heurística da disponibilidade e a<br />

heurística da ancoragem.<br />

1.1.1 Representatividade<br />

Um dos princípios heurísticos mais importantes que afetam as decisões<br />

financeiras é conhecido como representatividade. A definição formal de<br />

representatividade é fornecida por Kahneman e Tversky (1972, p. 431) que<br />

afirmam que “uma pessoa que segue a heurística da representatividade avalia a<br />

probabilidade de um evento incerto pelo grau com que ele (1) é similar em suas<br />

propriedades essenciais à sua população e (2) reflete as características salientes<br />

do processo pelo qual é gerado”.<br />

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />

85


A primeira definição considera que a representatividade refere-se a<br />

julgamentos baseados na confiança em estereótipos. Segundo Bazerman (2004,<br />

p. 10), a heurística da representatividade postula que, “ao fazer um julgamento<br />

sobre um evento, as pessoas tendem a procurar peculiaridades que ele possa ter<br />

que correspondam a estereótipos formados anteriormente”. A implicação dessa<br />

primeira definição para a avaliação de probabilidades de eventos incertos é que<br />

“espera-se que uma amostra que preserve a relação com sua população seja mais<br />

provável que uma amostra igualmente provável (objetivamente) onde essa relação<br />

é violada” (KAHNEMAN; TVERSKY, 1972, p. 433).<br />

Já a segunda definição considera que, para ser representativo, “não é suficiente<br />

que um evento incerto seja similar a sua população. O evento deveria refletir<br />

também as propriedades do processo incerto pelo qual é gerado, ou seja, deveria<br />

apresentar aleatoriedade” (KAHNEMAN; TVERSKY, 1972, p. 434). A implicação disso<br />

para a avaliação de probabilidades de eventos incertos é que se espera que uma<br />

amostra na qual os diversos resultados possíveis estão presentes seja, em geral,<br />

mais representativa que uma amostra comparável na qual alguns dos resultados<br />

não estão incluídos.<br />

A confiança em princípios heurísticos para a avaliação de probabilidades e<br />

previsão de valores pode conduzir a erros sistemáticos conhecidos como vieses<br />

cognitivos. Conforme considera Bazerman (2004, p. 10) “o viés cognitivo ocorre<br />

em situações em que um indivíduo aplica a heurística de maneira inadequada ao<br />

tomar uma decisão”.<br />

Tversky e Kahneman (1974) enumeram um conjunto amplo de vieses cognitivos<br />

que emanam da heurística da representatividade. São eles: insensibilidade aos<br />

índices básicos; insensibilidade ao tamanho da amostra; interpretação errada da<br />

chance; insensibilidade à previsibilidade; ilusão da validade e interpretação errada<br />

da reversão à média, como vemos na seqüência.<br />

Insensibilidade aos índices básicos – trata-se de um viés que ocorre quando<br />

as pessoas tratam com negligência a probabilidade a priori ou a taxa de freqüência<br />

básica dos resultados de um evento incerto. Tversky e Kahneman (1974, p. 1124)<br />

destacam que “aparentemente, as pessoas avaliam a probabilidade de uma<br />

descrição particular pertencer a uma determinada categoria ao invés de outra pelo<br />

grau com que essa descrição é representativa dos estereótipos de tais categorias,<br />

sendo que pouca ou nenhuma atenção é dada para as probabilidades a priori das<br />

categorias consideradas”.<br />

Como exemplo ilustrativo, Tversky e Kahneman (1974, p. 1124) mostram que<br />

“caso seja utilizada a heurística da representatividade para estimar a probabilidade<br />

de um indivíduo ser bibliotecário ou agricultor, o fato de existirem mais agricultores<br />

do que bibliotecários na população deveria ser considerado em qualquer estimativa<br />

razoável”. No entanto, essa taxa de freqüência básica não afeta a similaridade do<br />

indivíduo ao estereótipo de bibliotecários e agricultores, razão pela qual a avaliação<br />

de probabilidades baseada somente na representatividade pode conduzir a erros<br />

graves.<br />

A única circunstância em que as pessoas utilizam probabilidades a priori<br />

corretamente é quando nenhuma outra informação está disponível. De posse de<br />

86<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


qualquer outra informação, mesmo informações sem valor, probabilidades a priori<br />

são desconsideradas.<br />

Insensibilidade ao tamanho da amostra – é outro viés que decorre da<br />

utilização da heurística da representatividade. Neste caso, o argumento é que<br />

o tamanho de uma amostra é independente de sua similaridade com alguma<br />

propriedade essencial da população. Em outras palavras, a representatividade<br />

de uma amostra não tem relação alguma com o tamanho da amostra e,<br />

conseqüentemente, se as probabilidades são avaliadas apenas com base na<br />

representatividade, então, a probabilidade avaliada poderia desconsiderar um<br />

princípio fundamental da teoria das probabilidades que é exatamente o tamanho<br />

da amostra. De acordo com Tversky e Kahneman (1974, p. 1125), “a importância do<br />

tamanho da amostra é uma noção fundamental em estatística, mas visivelmente<br />

não faz parte do repertório de intuição das pessoas”.<br />

Interpretação errada da chance – é um viés baseado na expectativa que<br />

as pessoas têm de que uma seqüência de eventos gerados por um processo<br />

aleatório representará as características essenciais desse processo mesmo quando<br />

a seqüência é pequena, ou seja, as pessoas esperam que uma seqüência de eventos<br />

aleatórios pareça aleatória. Dessa forma, uma decorrência importante desse viés<br />

“é que as pessoas esperam que as características essenciais do processo serão<br />

representadas não apenas globalmente na seqüência como um todo, mas também<br />

localmente em cada uma de suas partes” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1125).<br />

Uma conseqüência importante desse viés é a famosa falácia do jogador<br />

(gambler’s fallacy) ilustrada na seguinte situação:<br />

Após observar uma longa seqüência de vermelhas em uma roleta, por<br />

exemplo, muitas pessoas erroneamente acreditam que uma preta é esperada<br />

presumivelmente porque a ocorrência de uma preta resultará em uma<br />

seqüência mais representativa do que a ocorrência de uma vermelha adicional<br />

(TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1125).<br />

Em situações tais como a descrita acima, a chance é comumente vista como<br />

um processo autocorretivo no qual um desvio em uma direção induz a um desvio<br />

na direção oposta para restaurar o equilíbrio. Na verdade, “os desvios não são<br />

corrigidos à medida que um processo de chance se desenrola, eles são meramente<br />

diluídos” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1125).<br />

A interpretação errada da chance não se limita a sujeitos ingênuos. Um estudo<br />

das intuições estatísticas de experientes psicólogos pesquisadores revelaram uma<br />

crença no que se pode chamar de lei dos pequenos números, de acordo com a<br />

qual mesmo pequenas amostras são altamente representativas da população da<br />

qual foram extraídas. As respostas desses pesquisadores refletem a expectativa<br />

de que uma hipótese válida sobre uma população será representada por um<br />

resultado estatisticamente significante em uma amostra sem levar em conta o<br />

seu tamanho. Como conseqüência, “os pesquisadores atribuem muita importância<br />

aos resultados de amostras pequenas e superestimam a replicabilidade de seus<br />

resultados” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1126).<br />

Kahneman e Tversky (1972) caracterizam a expectativa da representatividade<br />

local como uma crença na lei dos pequenos números, segundo a qual a lei dos<br />

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />

87


grandes números - a idéia de que grandes amostras são mais representativas da<br />

população da qual foram extraídas - também se aplica aos pequenos números.<br />

Insensibilidade à previsibilidade – trata-se de um viés que ocorre quando um<br />

indivíduo faz uma previsão numérica a respeito de um objeto ou evento incerto com<br />

base apenas em uma descrição fornecida, conforme mostra a seguinte situação:<br />

[...] suponha que seja dada uma descrição de uma empresa a uma pessoa<br />

e, com base nessa descrição, ela tenha que prever os lucros futuros da<br />

empresa. Se a descrição da empresa é muito favorável, um lucro muito alto<br />

mostra-se mais representativo dessa descrição; se a descrição é medíocre, um<br />

desempenho medíocre mostra-se mais representativo (TVERSKY; KAHNEMAN,<br />

1974, p. 1126).<br />

A realização de previsões com base exclusivamente em descrições fornecidas<br />

pode conduzir a erros de julgamento por dois motivos. Primeiro, o fato de uma<br />

descrição trazer uma informação favorável ou desfavorável em relação a um objeto<br />

ou evento incerto não implica que tal descrição seja confiável. Segundo, o conteúdo<br />

informacional da descrição fornecida pode ser irrelevante para a realização de<br />

previsões. Por vezes, a descrição de uma empresa não traz informações relevantes<br />

sobre sua lucratividade e, nesse sentido, a utilização da descrição como base para<br />

a realização de previsões não seria adequada.<br />

Segundo Tversky e Kahneman (1974, p. 1126), “o grau com que a descrição<br />

é favorável não é afetado pela confiança naquela descrição ou pelo grau que<br />

permita previsões mais exatas”. Portanto, se as pessoas fazem previsões apenas<br />

considerando quão favorável é a descrição, então, suas previsões serão insensíveis<br />

à confiabilidade das evidências e à exatidão esperada da previsão.<br />

Ilusão da validade – é um viés decorrente da injustificada confiança que é<br />

produzida por um bom ajuste entre o resultado previsto e as informações de entrada<br />

(input information). Um exemplo dado por Tversky e Kahneman (1974) é que as pessoas<br />

expressam grande confiança na previsão de que uma pessoa é bibliotecária quando<br />

é dada uma descrição de sua personalidade que se ajusta com o estereótipo de uma<br />

bibliotecária, mesmo se tal descrição seja limitada, não confiável ou obsoleta, ou<br />

seja, a ilusão da validade persiste mesmo quando o julgador está ciente dos fatores<br />

que limitam a exatidão de suas previsões. A esse respeito Tversky e Kahneman (1974,<br />

p. 1126) afirmam: “É muito comum observar psicólogos que conduzem entrevistas<br />

selecionadas mostrarem uma considerável confiança em suas previsões mesmo<br />

quando eles são conhecedores da vasta literatura que mostra que entrevistas<br />

selecionadas são altamente falíveis.”<br />

Interpretação errada da reversão à média – é um outro viés de julgamento<br />

que ocorre quando os indivíduos falham em refletir adequadamente sobre a<br />

propensão que determinados eventos possuem de tender para a média.<br />

No cotidiano, existe uma vasta gama de exemplos onde é encontrado o<br />

fenômeno da reversão à média. Bazerman (2004, p. 31) cita, por exemplo, que<br />

estudantes brilhantes freqüentemente têm filhos menos bem-sucedidos, pais de<br />

baixa estatura tendem a ter filhos mais altos, ótimos calouros podem fazer segundos<br />

anos medíocres e empresas que alcançam resultados notáveis em um ano tendem<br />

a ter um desempenho não tão bom no ano seguinte.<br />

88<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


A despeito da ampla diversidade de exemplos disponíveis, Tversky e Kahneman<br />

(1974) destacam que as pessoas não desenvolvem intuições corretas sobre esse<br />

fenômeno por dois motivos: o primeiro é que elas não esperam uma reversão à<br />

média em muitos contextos onde certamente ela ocorre; o segundo é que, quando<br />

elas reconhecem a ocorrência da reversão, as pessoas freqüentemente inventam<br />

explicações causais espúrias.<br />

Segundo Bazerman (2004), as pessoas comumente pressupõem que os<br />

resultados futuros podem ser previstos diretamente dos resultados passados e,<br />

por essa razão, há uma tendência em desenvolver previsões ingênuas com base<br />

na presunção de perfeita correlação com os dados passados. Tversky e Kahneman<br />

(1974, p. 1127) ilustram o efeito da interpretação equivocada do fenômeno da<br />

reversão à média por meio da seguinte situação:<br />

Em uma discussão sobre treinamento de vôo, instrutores experientes notaram<br />

que, após um elogio para aterrissagens extremamente suaves, essas eram<br />

tipicamente seguidas por aterrissagens medíocres, enquanto duras críticas<br />

após uma aterrissagem turbulenta produziam uma melhora substancial<br />

na tentativa seguinte. Os instrutores concluíram que elogios verbais eram<br />

prejudiciais para o aprendizado enquanto punições verbais eram benéficas,<br />

contrariando a doutrina psicológica aceita.<br />

Nesse caso, a conclusão dos instrutores é injustificada em virtude da presença<br />

do fenômeno da reversão à média: “A má interpretação dos efeitos desse fenômeno<br />

leva as pessoas a superestimar a efetividade da punição e a subestimar a efetividade<br />

de um elogio” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1127). Segundo Bazerman (2004,<br />

p. 32) “administradores que geralmente falham em reconhecer a tendência de<br />

reversão à média dos eventos provavelmente desenvolverão falsas premissas sobre<br />

resultados futuros e, portanto, farão planos inadequados”.<br />

1.1.2 Disponibilidade<br />

A heurística da representatividade não é o único caminho para estabelecer<br />

uma avaliação intuitiva de probabilidade, como vimos. Tversky e Kahneman (1973)<br />

investigaram outra heurística - a disponibilidade - segundo a qual uma pessoa<br />

estima freqüências ou probabilidades com base no quão facilmente exemplos ou<br />

associações podem ser recuperados na memória.<br />

Segundo Tversky e Kahneman (1973, p. 208), “a experiência mostra que<br />

exemplos de categorias mais numerosas são recordados mais rapidamente do que<br />

categorias menos numerosas, que ocorrências prováveis são mais fáceis de imaginar<br />

do que ocorrências improváveis e que conexões associativas são fortalecidas<br />

quando dois eventos freqüentemente ocorrem simultaneamente”. Assim, uma<br />

pessoa pode estimar a ordem de grandeza de uma categoria, a probabilidade de<br />

um evento ou a freqüência de ocorrências simultâneas avaliando quão facilmente<br />

a operação mental de recordar, construir e associar pode ser executada.<br />

A despeito da disponibilidade ser uma pista útil para avaliar freqüências ou<br />

probabilidades, a confiança nessa heurística de julgamento pode conduzir a vieses<br />

previsíveis. Tversky e Kahneman (1974) enumeram quatro vieses: recuperabilidade<br />

de exemplos, efetividade do contexto da procura, imaginação e correlação ilusória.<br />

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />

89


Recuperabilidade de exemplos – segundo Tversky e Kahneman (1974, p.<br />

1127), “quando o tamanho de uma categoria é avaliado pela disponibilidade de<br />

seus exemplos, uma categoria cujos exemplos são mais facilmente recuperados na<br />

memória mostra-se aparentemente mais numerosa do que uma categoria de igual<br />

freqüência cujos exemplos são menos recuperáveis”. Os autores demonstraram os<br />

efeitos desse viés em um experimento no qual foram lidas para os participantes<br />

listas de nomes de personalidades conhecidas de ambos os sexos e, na seqüência,<br />

foi perguntado a eles se as listas continham mais nomes de homens do que<br />

de mulheres. Diferentes listas foram apresentadas para diferentes grupos de<br />

participantes. Em algumas listas, os homens eram relativamente mais famosos<br />

que as mulheres e, em outras, as mulheres eram relativamente mais famosas que<br />

os homens. Em cada uma das listas, os participantes equivocadamente avaliaram<br />

que a categoria que possuía mais personalidades famosas era a mais numerosa.<br />

Além da familiaridade, vista no experimento anterior, existem outros fatores,<br />

tais como a saliência de um determinado exemplo ou o realce de determinada<br />

ocorrência, que afetam a recuperabilidade de exemplos. Tversky e Kahneman<br />

(1974, p. 1127) afirmam, por exemplo, que “ver uma casa incendiada exerce um<br />

impacto muito maior na avaliação de probabilidades subjetivas de acidentes<br />

dessa natureza do que ler sobre um incêndio no jornal local”. Além disso, é mais<br />

provável que ocorrências recentes estejam relativamente mais disponíveis do que<br />

ocorrências antigas.<br />

Efetividade do contexto da procura – trata-se de um viés que ocorre quando<br />

uma pessoa estima freqüências ou probabilidades de um evento incerto com<br />

base no quão facilmente os contextos nos quais tais eventos aparecem podem ser<br />

recuperados na memória. Tversky e Kahneman (1974, p. 1127) ilustram esse viés<br />

de julgamento com a seguinte situação:<br />

[...] suponha que você tenha que estimar a freqüência com que palavras<br />

abstratas (pensamento, amor) e concretas (porta, água) aparecem no inglês<br />

escrito. Uma forma natural de responder a essa questão é procurar os<br />

contextos nos quais a palavra pode aparecer. É mais fácil pensar em contextos<br />

nos quais conceitos abstratos são mencionados (amor em histórias de amor)<br />

do que pensar em contextos nos quais uma palavra concreta (tal como porta)<br />

é mencionada. Se a freqüência de palavras é avaliada pela disponibilidade<br />

dos contextos nos quais ela aparece, palavras abstratas serão avaliadas como<br />

relativamente mais numerosas do que palavras concretas.<br />

Imaginação – Tversky e Kahneman (1974, p. 1127) afirmam que “algumas<br />

vezes, uma pessoa tem que avaliar a freqüência de uma categoria cujos exemplos<br />

não estão registrados na memória mas podem ser gerados de acordo com uma dada<br />

regra”. Em tais situações, uma pessoa tipicamente gera uma série de exemplos e<br />

avalia a freqüência ou a probabilidade pela facilidade com que exemplos relevantes<br />

podem ser construídos. No entanto, a facilidade em construir exemplos nem sempre<br />

reflete sua freqüência real e, portanto, essa forma de avaliar é propensa a vieses.<br />

Correlação ilusória – é um viés que ocorre quando uma pessoa avalia a<br />

probabilidade de dois eventos ocorrerem ao mesmo tempo. Foi relatado inicialmente<br />

por Chapman e Chapman (1967) que notaram que, quando a probabilidade de<br />

dois eventos ocorrerem concomitantemente é julgada pela disponibilidade de<br />

90<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


exemplos concomitantes percebidos em nossas mentes, usualmente, atribuímos<br />

um valor inadequadamente alto à probabilidade de os dois eventos ocorrerem<br />

concomitantemente de novo. Bazerman (2004, p. 10) afirma, por exemplo, que “se<br />

conhecermos muitos usuários de maconha que são delinqüentes, pressupomos<br />

que o uso da maconha está relacionado com a delinqüência, ou se conhecermos<br />

muitos casais que se casaram jovens e têm famílias grandes, pressupomos que essa<br />

tendência é mais preponderante do que pode ser na realidade”.<br />

Representatividade versus disponibilidade – até aqui, foram explorados<br />

os vieses sistemáticos oriundos da utilização dos princípios heurísticos conhecidos<br />

como representatividade e disponibilidade. Neste ponto, é pertinente salientar as<br />

diferenças entre os dois. Segundo Kahneman e Tversky (1972, p. 452), “a grande<br />

diferença entre as duas heurísticas repousa na natureza do julgamento”. De acordo<br />

com a heurística da representatividade, a probabilidade subjetiva é avaliada pelo<br />

grau de correspondência entre a amostra e sua população ou entre uma ocorrência<br />

e um modelo, enfatizando as características genéricas ou as conotações do evento.<br />

Já conforme a heurística da disponibilidade, a probabilidade subjetiva é avaliada<br />

pelo grau de dificuldade de recuperação e construção de exemplos (ocorrências),<br />

enfatizando as características particulares ou as denotações do evento. Nesse<br />

sentido, a heurística da representatividade é mais propensa a ser empregada<br />

quando os eventos são caracterizados em termos de suas propriedades gerais,<br />

enquanto a heurística da disponibilidade é mais propensa a ser empregada<br />

quando os eventos são pensados em termos de ocorrências específicas. Quando<br />

as características genéricas de um evento bem como suas ocorrências específicas<br />

são consideradas, ambas as heurísticas podem estar presentes na avaliação da<br />

probabilidade subjetiva.<br />

1.1.3 Ancoragem<br />

A terceira heurística de julgamento estudada por Tversky e Kahneman (1974) é<br />

conhecida como ancoragem e preconiza que as pessoas fazem estimativas partindo<br />

de um valor inicial que é ajustado até produzir uma resposta final. O valor inicial ou<br />

ponto de partida pode ser sugerido com base na formulação do problema ou pode<br />

ser o resultado de um cálculo parcial. Em ambos os casos, os ajustes tipicamente são<br />

insuficientes, ou seja, diferentes pontos de partida (âncoras) produzem diferentes<br />

estimativas que são enviesadas na direção do valor inicial.<br />

Da heurística da ancoragem emanam três vieses: ajuste insuficiente da âncora,<br />

vieses de eventos conjuntivos e disjuntivos e excesso de confiança.<br />

Ajuste insuficiente da âncora – preconiza que as pessoas desenvolvem<br />

estimativas partindo de uma âncora inicial, com base em qualquer informação que<br />

seja fornecida, a qual é ajustada até produzir uma resposta final. Uma conseqüência<br />

importante da utilização dessa heurística é que o ajuste geralmente é insuficiente,<br />

ou seja, a resposta final freqüentemente fica próxima dessa âncora.<br />

Para demonstrar que o ajuste em relação à âncora geralmente é insuficiente,<br />

Tversky e Kahneman (1974, p. 1128) realizaram um experimento no qual<br />

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />

91


[...] os participantes deveriam estimar a porcentagem de países africanos nas<br />

Nações Unidas. Para cada participante foi dado um número entre 0 e 100<br />

obtido por uma roleta na presença do participante. Os participantes então<br />

foram instruídos, em primeiro lugar, a indicar se aquele número era maior<br />

ou menor do que a porcentagem real e, depois, foram instruídos a estimar o<br />

valor da porcentagem real ajustando-o para cima ou para baixo a partir do<br />

número dado. Diferentes participantes receberam diferentes números e esses<br />

números arbitrários produziram um efeito substancial nas estimativas. Por<br />

exemplo, a porcentagem mediana estimada de países africanos nas Nações<br />

Unidas era de 25 e 45 para os grupos que receberam 10 e 65, respectivamente,<br />

como pontos de partida.<br />

Vieses de eventos conjuntivos e disjuntivos – segundo Tversky e Kahneman<br />

(1974), estudos indicam que as pessoas tendem a superestimar a probabilidade<br />

de eventos conjuntos (eventos que devem ocorrer em conjunção com um outro)<br />

e subestimar a probabilidade de eventos disjuntivos (eventos que ocorrem<br />

independentemente). Tversky e Kahneman (1974, p. 1129) afirmam que “esse viés<br />

fornece explicações importantes para os problemas de cronograma de projetos<br />

que requerem planejamento multiestágio, pois a tendência geral de superestimar<br />

a probabilidade de eventos conjuntivos leva a um injustificado otimismo na<br />

avaliação da propensão de que planos serão bem sucedidos ou que projetos serão<br />

finalizados no prazo”.<br />

Excesso de confiança – em análise de decisão, especialistas freqüentemente<br />

são requisitados a expressar suas crenças em relação a uma quantidade, tal como<br />

o valor médio do índice da Bolsa de Valores em um determinado dia, na forma<br />

de distribuição de probabilidade. “Tal distribuição é geralmente construída por<br />

meio da solicitação para que as pessoas selecionem valores que correspondam<br />

a percentis específicos na sua distribuição de probabilidade subjetiva” (TVERSKY;<br />

KAHNEMAN, 1974, p. 1129).<br />

Ao coletarmos distribuições de probabilidades subjetivas para diversas<br />

quantidades diferentes, é possível testar o avaliador por meio de uma calibragem<br />

adequada. A calibragem consiste na comparação dos valores reais com aqueles<br />

declarados pelo avaliador em sua distribuição de probabilidade subjetiva. Dessa<br />

forma, para que um avaliador seja considerado adequadamente calibrado em<br />

um conjunto de problemas, a quantidade real deve estar exatamente dentro do<br />

intervalo de confiança por ele selecionado.<br />

Segundo Tversky e Kahneman (1974, p. 1129), muitos pesquisadores têm<br />

obtido distribuições de probabilidade para muitas quantidades de um grande<br />

número de avaliadores. Essas distribuições indicam desvios amplos e sistemáticos<br />

de calibragem adequada, o que sugere que as pessoas declaram intervalos<br />

de confiança bastante estreitos, os quais refletem uma certeza maior do que<br />

aquela justificada pelo seu conhecimento sobre as quantidades avaliadas. Esse<br />

efeito, atribuído em parte à ancoragem, é conhecido como viés de excesso de<br />

confiança.<br />

Para Barberis e Thaler (2003), o excesso de confiança pode, em parte, originarse<br />

de outros dois vieses: auto-atribuição e previsão retrospectiva. O primeiro se<br />

refere à tendência de as pessoas atribuírem aos seus próprios talentos qualquer<br />

92<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


sucesso obtido em uma atividade, enquanto atribuem à má sorte, e não à sua<br />

incompetência, qualquer fracasso obtido. A repetição dessa tendência leva as<br />

pessoas à agradável, porém errônea, conclusão de que são muito talentosas. Por<br />

exemplo, investidores poderiam tornar-se excessivamente confiantes após vários<br />

trimestres de investimentos bem sucedidos. Já o viés de previsão retrospectiva<br />

consiste na tendência de as pessoas acreditarem, após a ocorrência de um evento,<br />

que elas o previram antes de ele ter acontecido. Nesse caso, se as pessoas pensam<br />

que previram o passado melhor do que realmente fizeram, elas também podem<br />

acreditar que são capazes de prever o futuro melhor do que realmente podem.<br />

Um outro viés intimamente relacionado ao excesso de confiança é o otimismo<br />

que, segundo Shefrin (2005b), consiste na superestimação da freqüência de<br />

resultados favoráveis e na subestimação da freqüência de resultados desfavoráveis.<br />

Bazerman (2004) afirma que embora os conceitos de excesso de confiança e<br />

otimismo possuam uma estreita relação, existe uma importante distinção entre<br />

eles: “quando investidores tomam decisões excessivamente confiantes, conservarão<br />

esse otimismo despropositado em relação ao sucesso futuro; retrospectivamente,<br />

eles manterão o otimismo, mesmo quando os resultados desapontadores de seus<br />

investimentos estiverem facilmente disponíveis” (BAZERMAN, 2004, p. 133).<br />

Em termos de modelagem, Baker, Ruback e Wurgler (2004, p. 35) afirmam que<br />

“o otimismo pode ser modelado como uma superestimação da média e o excesso<br />

de confiança como uma subestimação da variância”. Em outras palavras, investidores<br />

otimistas tendem a superestimar o retorno esperado de suas aplicações, enquanto<br />

investidores excessivamente confiantes tendem a subestimar o risco.<br />

1.2 Efeitos de estruturação<br />

Na seção anterior, abordou-se o tema do viés heurístico que prevê que os<br />

indivíduos cometem erros ao tomarem decisões porque confiam em uma série<br />

de regras práticas (heurísticas) para processar as informações. Nesta seção, o foco<br />

central é o impacto da estruturação da informação nas decisões dos indivíduos.<br />

De acordo com essa abordagem, a maneira como um problema é estruturado<br />

ou a forma como a informação é apresentada exerce um impacto importante no<br />

processo decisório.<br />

1.2.1 Teoria perspectiva<br />

A ampla maioria dos modelos que tentam entender os preços dos ativos<br />

assume que os investidores avaliam decisões em condições de risco de acordo com<br />

as suposições da teoria da utilidade esperada, a qual é baseada em um conjunto<br />

de axiomas que fornecem os critérios de uma escolha racional. No contexto dessa<br />

teoria, as escolhas de um indivíduo podem ser descritas em termos das utilidades<br />

de diversos resultados para aquele indivíduo e a utilidade de uma perspectiva<br />

arriscada é igual à utilidade esperada de seus resultados, obtida pela ponderação<br />

da utilidade de cada resultado possível pela sua probabilidade. Diante de uma<br />

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />

93


escolha, um tomador de decisão racional irá escolher a perspectiva que oferece a<br />

mais alta utilidade esperada.<br />

A teoria da utilidade esperada tem dominado a análise de tomada de decisão<br />

em condições de risco e tem sido amplamente aceita como um modelo descritivo<br />

do comportamento econômico racional (KAHNEMAN; TVERSKY, 1979). Todavia, o<br />

resultado de uma série de experimentos tem mostrado que as pessoas exibem<br />

padrões de preferência incompatíveis com a teoria da utilidade esperada.<br />

Em resposta aos resultados dos experimentos que têm mostrado que as<br />

pessoas sistematicamente violam a teoria da utilidade esperada quando tomam<br />

decisões em condições de risco, surgiu uma série de abordagens alternativas.<br />

Segundo Barberis e Thaler (2003, p. 1067), “de todas as abordagens alternativas à<br />

teoria da utilidade esperada, a mais promissora em termos de aplicação em finanças<br />

é a teoria perspectiva de Kahneman e Tversky (1979)”.<br />

Para aqueles autores, a teoria perspectiva contribui para explicar por que as<br />

pessoas fazem escolhas diferentes em situações nas quais o nível de riqueza final<br />

é o mesmo. Trata-se de uma constatação que ilustra uma característica importante<br />

da teoria: a capacidade de acomodar os efeitos da descrição ou estruturação de<br />

um problema. Existem inúmeras demonstrações de mudanças de preferências com<br />

base na descrição de um problema e nenhuma teoria normativa de escolha pode<br />

acomodar tal comportamento, uma vez que o primeiro princípio da escolha racional<br />

é que as escolhas deveriam ser independentes da descrição do problema.<br />

Os resultados de um experimento realizado por Tversky e Kahneman (1981,<br />

p. 454) ilustram as bases da teoria perspectiva. Os autores apresentaram aos<br />

participantes do experimento um par de decisões concorrentes e, então, solicitaram<br />

a eles a indicação da opção preferida.<br />

Decisão 1 - Escolha entre:<br />

a) um ganho certo de $ 240 (84%);<br />

b) 25% de chance de ganhar $ 1.000 e 75% de chance de não ganhar nada<br />

(16%).<br />

Decisão 2 - Escolha entre:<br />

c) uma perda certa de $ 750 (13%);<br />

d) 75% de chance de perder $ 1.000 e 25% de chance de não perder nada<br />

(87%).<br />

A escolha preferida pela maioria dos respondentes (84%), na decisão 1, é avessa<br />

ao risco, ou seja, uma perspectiva menos arriscada é preferível a uma perspectiva<br />

arriscada de valor esperado igual ou maior. Em contraste, a escolha preferida pela<br />

maioria dos respondentes (87%), na decisão 2, é propensa ao risco, ou seja, uma<br />

perspectiva arriscada é preferível a uma perspectiva menos arriscada de igual valor<br />

esperado. De acordo com a teoria perspectiva, quando se trata de ganhos e de<br />

perguntas estruturadas positivamente, as pessoas tendem a ser avessas ao risco. Ao<br />

contrário, quando se trata de perdas ou de perguntas estruturadas negativamente,<br />

as pessoas tendem a ser propensas ao risco. Isso acontece em virtude da função<br />

de valor na teoria perspectiva possuir a forma de S (côncava acima do ponto de<br />

referência e convexa abaixo dele), conforme apresentado na figura 1.<br />

94<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Fonte: Kahneman e Tversky (1979, p. 279)<br />

Figura 1 – Função de valor hipotética<br />

Os resultados do experimento mostram que o valor associado ao ganho de $<br />

240 é maior do que 24% do valor associado ao ganho de $ 1.000 e o valor (negativo)<br />

associado à perda de $ 750 é menor do que 75% do valor associado à perda de $<br />

1.000. Dessa forma, para os autores, a forma da função de valor contribui para a<br />

aversão ao risco na decisão 1 e para a propensão ao risco na decisão 2. Em outras<br />

palavras, a resposta das pessoas às perdas é mais extrema que a resposta a ganhos,<br />

isto é, o aborrecimento associado à perda de uma soma em dinheiro é geralmente<br />

maior do que o prazer associado ao ganho do mesmo montante, fenômeno que<br />

ficou conhecido como aversão à perda.<br />

1.3 Mercados ineficientes<br />

Nas duas últimas seções, tratou-se da influência de aspectos psicológicos no<br />

processo decisório dos indivíduos com base no argumento de que a confiança em<br />

princípios heurísticos e os efeitos da estruturação da informação conduzem a vieses<br />

sistemáticos que afastariam as decisões dos indivíduos daquilo que seria previstos<br />

pela teoria da utilidade esperada. Essa linha de investigação desempenhou um<br />

papel central na construção do campo de pesquisa das finanças comportamentais.<br />

Shefrin (2002, p. 7), nessa direção, afirmou que “as finanças comportamentais<br />

floresceram quando os avanços feitos pelos psicólogos chamaram a atenção dos<br />

economistas”.<br />

Nesta seção, o objetivo é contrapor os argumentos das finanças<br />

comportamentais, que defendem que o viés heurístico e os efeitos de estruturação<br />

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />

95


afetam os preços estabelecidos no mercado fazendo-os se desviarem de seus<br />

valores fundamentais, aos argumentos das finanças tradicionais os quais assumem<br />

que os mercados são eficientes e que os preços dos títulos coincidem com seus<br />

valores fundamentais, mesmo que alguns indivíduos sejam influenciados por vieses<br />

heurísticos ou por efeitos de estruturação.<br />

1.3.1 Bases teóricas da hipótese do mercado eficiente<br />

A hipótese do mercado eficiente, segundo a qual “os preços dos ativos, em<br />

qualquer tempo, refletem plenamente toda a informação disponível” (FAMA,<br />

1970, p. 383), tem sido a proposição central em finanças nas últimas décadas. No<br />

contexto dessa teoria, assume-se que os agentes são racionais e que o preço de um<br />

título é igual ao seu valor fundamental, isto é, a soma dos fluxos de caixa futuros<br />

esperados descontados, em que, na formação das expectativas, os investidores<br />

processam corretamente toda informação disponível e a taxa de desconto reflete<br />

adequadamente as características de risco do título, conforme apresentado no<br />

esquema da figura 2. Nesse caso, nenhuma estratégia de investimentos poderia<br />

obter retornos esperados maiores do que aqueles justificados pelo risco.<br />

A premissa assumida pela hipótese do mercado eficiente, de que nenhuma<br />

estratégia de investimentos pode obter retornos maiores do que aqueles<br />

justificados pelo risco, implica a dependência de um modelo de relação justa entre<br />

risco e retorno. Essa constatação - de que a eficiência do mercado não é, por si só,<br />

testável em virtude da dependência de um modelo de apreçamento que forneça<br />

um padrão de referência adequado considerando a relação de risco e retorno dos<br />

ativos analisados - é conhecida como hipótese conjunta, a qual permeou grande<br />

parte do debate das finanças empíricas e constituiu a grande contribuição de Fama<br />

(1970, 1991).<br />

96<br />

Fonte: Daniel (2004, p. 57)<br />

Figura 2 – Processo simples de formação de preço<br />

Na ótica de Shleifer (2000), as previsões empíricas da hipótese do mercado<br />

eficiente podem ser divididas em duas grandes categorias: (1) quando notícias sobre<br />

o valor de um título chegam ao mercado, seu preço deveria reagir e incorporar<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


essas notícias rápida e corretamente e (2) uma vez que o preço de um título deve<br />

igualar-se ao seu valor fundamental, os preços não deveriam se mover sem que<br />

houvesse qualquer notícia a respeito do título, ou seja, os preços não deveriam<br />

reagir a mudanças na oferta ou demanda de um título que não seja acompanhada<br />

por notícias sobre o seu valor fundamental.<br />

O raciocínio por trás da idéia de que os preços devem refletir seu valor<br />

fundamental repousa em duas afirmações: (1) assim que é constatado um desvio<br />

em relação ao valor fundamental, uma oportunidade de investimento atrativa é<br />

criada e (2) investidores racionais imediatamente irão aproveitar a oportunidade e,<br />

portanto, os preços serão corrigidos pois tal movimento por parte dos investidores<br />

os fará voltar a refletir o valor fundamental (BARBERIS; THALER, 2003).<br />

As afirmações que norteiam o raciocínio apresentado remetem ao conceito<br />

de arbitragem cuja definição é a compra e venda simultânea do mesmo título ou<br />

de títulos essencialmente similares, em dois mercados diferentes, com o objetivo<br />

de tirar proveito de diferenciais de preços sem correr riscos. De acordo com Shleifer<br />

e Vishny (1997, p. 35), “a arbitragem desempenha um papel crítico na análise do<br />

mercado de títulos porque seu efeito faz os preços dos títulos refletirem seu valor<br />

fundamental, mantendo, assim, os mercados eficientes”, conforme é mostrado no<br />

esquema da figura 3.<br />

Fonte: Daniel (2004, p. 58)<br />

Figura 3 – Processo de formação de preços com investidores ingênuos e arbitradores<br />

Segundo Shleifer (2000, p. 5), “de fato, o campo das finanças acadêmicas<br />

em geral, e a análise de títulos em particular, foi criado com base na hipótese do<br />

mercado eficiente e suas aplicações”. No entanto, nas últimas décadas, tanto as<br />

bases teóricas da hipótese do mercado eficiente quanto as evidências empíricas<br />

que a suportam têm sido desafiadas.<br />

1.3.2 Desafios da hipótese do mercado eficiente<br />

Conforme apresentado na seção anterior, a hipótese do mercado eficiente é<br />

fortemente calcada em dois postulados. O primeiro assume que os investidores<br />

avaliam decisões em condições de risco de acordo com as suposições da teoria<br />

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />

97


da utilidade esperada, a que fornece os critérios de uma escolha racional, ou seja,<br />

no contexto da hipótese do mercado eficiente, assume-se que os investidores<br />

são plenamente racionais e, por conseguinte, tal racionalidade é incorporada<br />

nos preços dos títulos no mercado, os quais refletiriam seu valor fundamental. O<br />

segundo assume que, caso seja constatado qualquer desvio em relação ao valor<br />

fundamental, os investidores plenamente racionais, por meio de operações de<br />

arbitragem, atuariam de modo a fazer os preços dos títulos voltarem a refletir seu<br />

valor fundamental.<br />

Em contraposição aos postulados da hipótese do mercado eficiente, os<br />

argumentos favoráveis à abordagem das finanças comportamentais colocam em<br />

xeque tanto o aspecto da racionalidade plena dos investidores quanto a efetividade<br />

da atividade de arbitragem como um instrumento para a manutenção de um<br />

mercado eficiente.<br />

Com relação ao postulado que assume que os investidores são plenamente<br />

racionais, os teóricos das finanças comportamentais argumentam que “alguns<br />

aspectos dos preços dos ativos são mais plausíveis de serem explicados como<br />

desvios em relação ao valor fundamental e que esses desvios são verificados<br />

em razão da presença de investidores não plenamente racionais” (BARBERIS;<br />

THALER, 2003, p. 1054). As bases desse argumento repousam na idéia de que<br />

o comportamento enviesado dos indivíduos, fruto da influência dos princípios<br />

heurísticos e dos efeitos da estruturação da informação, pode exercer um impacto<br />

substancial sobre os preços dos títulos negociados no mercado, afastando-os de<br />

seu valor fundamental. Dessa forma, os teóricos defendem que o processo decisório<br />

dos indivíduos sistematicamente se afasta daquilo que seria previsto pela teoria da<br />

utilidade esperada e, portanto, não é norteado pela racionalidade plena.<br />

De acordo com Daniel (2004), quando os pesquisadores das finanças<br />

comportamentais afirmam que os investidores se comportam de maneira não<br />

plenamente racional, não estão dizendo que eles são desequilibrados, desmedidos<br />

ou que suas atitudes são insensatas. Ao contrário, tais investidores tomam atitudes<br />

que seriam consideradas bastante razoáveis por grande parte das pessoas, uma vez<br />

que utilizam a intuição - definida como um conjunto de regras ad hoc que norteiam a<br />

tomada de decisões - de forma sofisticada para decidir sobre situações complexas.<br />

Um grande número de experimentos, porém, indica que há muitos cenários em que<br />

a intuição conduz a equívocos e os pesquisadores argumentam que os mercados<br />

financeiros apresentam tais cenários para os investidores e que os pequenos erros<br />

cometidos pelos investidores fazem os preços se desviarem daqueles previstos<br />

pelas teorias baseadas na racionalidade plena.<br />

Em relação a esse aspecto, não existe uma discordância absoluta entre os<br />

partidários da hipótese do mercado eficiente e os partidários da abordagem das<br />

finanças comportamentais.<br />

Conforme é destacado por Daniel (2004, p. 58),<br />

[...] mesmo os fortes proponentes da teoria das expectativas racionais concordariam que<br />

alguns indivíduos não processam corretamente as informações e estão sujeitos a vieses.<br />

Todavia, eles argumentariam que, mesmo que muitos investidores tomem atitudes<br />

consideradas irracionais, os preços, ainda assim, seriam estabelecidos como se todos os<br />

98<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


investidores fossem plenamente racionais. O argumento para isso é que, caso os preços<br />

de mercado não estejam corretamente estabelecidos, a atividade de arbitragem forçaria<br />

os preços a retornar para os seus valores fundamentais.<br />

Todavia, se, por um lado, não existe uma discordância absoluta entre as duas<br />

abordagens em relação à constatação de que o comportamento enviesado dos<br />

indivíduos pode exercer um impacto nos preços estabelecidos no mercado, por<br />

outro lado, existe uma visceral discordância acerca da efetividade da atividade de<br />

arbitragem como um instrumento de correção dos preços dos títulos no sentido<br />

de fazê-los refletirem o valor fundamental.<br />

O questionamento acerca do papel desempenhado pela atividade de<br />

arbitragem é encontrado em uma série de estudos conhecidos na literatura como<br />

limites à arbitragem. Esses estudos, segundo Barberis e Thaler (2003, p. 1053),<br />

“constituem uma abordagem que mostra que, em uma economia em que agentes<br />

racionais e irracionais interagem, a irracionalidade pode ter um impacto substancial<br />

e duradouro sobre os preços”.<br />

Para Shleifer e Vishny (1997, p. 36), “os manuais de finanças tradicionais<br />

abordam a questão da arbitragem como uma atividade exercida por um grande<br />

número de pequenos arbitradores, cada um deles assumindo uma pequena posição<br />

e cuja ação coletiva conduz os preços na direção de seus valores fundamentais”. O<br />

problema dessa abordagem é que os milhões de pequenos investidores não são<br />

tipicamente aqueles que possuem o conhecimento e a informação adequada para<br />

se envolver na atividade de arbitragem. O mais comum é a atividade de arbitragem<br />

ser relativamente conduzida por poucos profissionais altamente especializados,<br />

tais como gestores de grandes fundos de investimento que combinam seu<br />

conhecimento com os recursos dos investidores externos.<br />

A constatação de que a atividade de arbitragem no mundo real é conduzida<br />

por profissionais que não estão gerindo os seus próprios recursos mas os de<br />

terceiros traz consigo uma importante implicação na qual cérebros e recursos são<br />

separados por uma relação de agência (SHLEIFER; VISHNY, 1997) que, de acordo<br />

com Barberis e Thaler (2003, p. 1057), tem conseqüências importantes, pois os<br />

investidores, desprovidos de conhecimento especializado para avaliar as estratégias<br />

de arbitragem conduzidas por profissionais, podem simplesmente avaliá-los com<br />

base em retornos. Caso o desvio de preço que o arbitrador (gestor) esteja tentando<br />

explorar aumente no curto prazo, ou seja, não reverta para o seu valor fundamental,<br />

gerando retornos negativos, os investidores podem considerá-lo incompetente e<br />

sacar seus recursos. Se isso acontecer, o gestor será forçado a liquidar sua posição<br />

de forma prematura. O medo de tal liquidação prematura o torna menos agressivo<br />

no combate aos desvios de preços em relação aos valores fundamentais.<br />

Um outro aspecto importante destacado por Shleifer e Vishny (1997, p. 52)<br />

é que “a abordagem dos mercados eficientes é baseada na suposição (altamente<br />

implausível) de que existem muitos arbitradores diversificados”. Na realidade,<br />

todavia, os recursos da atividade de arbitragem são fortemente concentrados nas<br />

mãos de poucos investidores altamente especializados em negociar poucos ativos<br />

e que estão longe de serem diversificados.<br />

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />

99


Como resultado, esses investidores preocupam-se com o risco total e não<br />

apenas com o risco sistemático. Dessa forma, uma vez que o retorno em excesso<br />

de equilíbrio é determinado por estratégias de negociação desses investidores,<br />

considerar o risco sistemático como único determinante de apreçamento é<br />

inapropriado, pois o risco idiossincrático também intimida os arbitradores.<br />

Um último aspecto levantado por Shleifer (2000) como fator limitador da<br />

atividade de arbitragem seria a ausência de ativos substitutos no mercado. Esse<br />

aspecto possui uma implicação importante, pois uma condição essencial para que<br />

a atividade de arbitragem seja rápida e efetiva é a existência de ativos substitutos<br />

prontamente disponíveis.<br />

Diante do exposto, Shleifer (2000, p. 5) destaca que “as principais forças por<br />

meio das quais o mercado deveria atingir a eficiência, tais como a atividade de<br />

arbitragem, são, provavelmente, mais fracas e mais limitadas do que supõem<br />

os teóricos da eficiência do mercado”. Em suma, com novas teorias e evidências,<br />

as finanças comportamentais emergiram como uma nova visão alternativa dos<br />

mercados financeiros, segundo a qual a teoria econômica não nos leva a esperar<br />

que os mercados financeiros sejam eficientes. Ao contrário, espera-se que desvios<br />

sistemáticos e significantes em relação à eficiência persistam por um longo<br />

período de tempo. Empiricamente, as finanças comportamentais tanto explicam as<br />

evidências que se mostram anômalas sob a ótica dos mercados eficientes quanto<br />

geram novas predições que têm sido confirmadas pelos dados.<br />

Considerações Finais<br />

O objetivo neste artigo consistiu em apresentar os principais aspectos teóricos<br />

e conceituais que sustentam o campo de pesquisa das finanças comportamentais.<br />

Em termos gerais, esse campo de pesquisa é baseado em dois argumentos. O<br />

primeiro é que vieses cognitivos sistemáticos permeiam o processo decisório<br />

e afastam o julgamento dos agentes daquilo que seria previsto pelo postulado<br />

da racionalidade. O segundo é que o comportamento enviesado dos indivíduos<br />

pode exercer um impacto importante sobre os preços dos ativos negociados no<br />

mercado.<br />

Estes dois argumentos em conjunto questionam a validade de um paradigma<br />

dominante no campo das finanças tradicionais que é a hipótese do mercado<br />

eficiente. A esse respeito, Shleifer (2000) coloca um importante questionamento:<br />

por que os pesquisadores falharam em reportar tantas evidências que desafiam<br />

a eficiência de mercado até o início da década de 1980? A resposta inclui duas<br />

possíveis explicações. A primeira, menos plausível, destaca a dominância<br />

profissional dos defensores da hipótese do mercado eficiente e a dificuldade de<br />

publicar rejeições a essa hipótese em periódicos acadêmicos. Esta explicação<br />

não é inteiramente satisfatória uma vez que há muitos periódicos de finanças e<br />

economia competindo por novos achados. A segunda argumenta que muitos<br />

testes de eficiência de mercado apresentam um baixo poder para discriminar<br />

formas plausíveis de ineficiência. Independentemente do motivo, o fato é que, na<br />

prática, o impacto cumulativo tanto das teorias quanto das evidências enfraqueceu<br />

100<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


a hegemonia da hipótese do mercado eficiente e criou uma nova área de pesquisa:<br />

as finanças comportamentais.<br />

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102<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Desenvolvimento financeiro<br />

e crescimento econômico<br />

Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos*<br />

Resumo:<br />

O trabalho apresenta a visão de diferentes<br />

autores sobre as relações causais entre o<br />

desenvolvimento dos mercados financeiro<br />

e de capitais e o crescimento econômico,<br />

mostrando a evolução dessa análise desde a<br />

formulação inicial de Joseph A. Schumpeter<br />

em 1911 até os dias atuais, tanto no exterior<br />

como no Brasil.<br />

Palavras chave: desenvolvimento financeiro,<br />

crescimento econômico, regulação, estrutura<br />

legal, governança.<br />

Introdução<br />

Abstract:<br />

The paper presents the evolution of the<br />

ideas concerning to the relations between<br />

financial development and economic growth<br />

since the inicial proposition of Joseph<br />

A. Schumpeter in 1911 untill nowadays.<br />

The opinions of foreign economists and<br />

financial experts are compared to the essays<br />

presented in Brazil about the subject.<br />

Key-words: financial development, economic<br />

growth, regulation, legal structure, corporate<br />

governance.<br />

A análise dos fenômenos causais que guardam relação com o desenvolvimento<br />

econômico é relativamente recente, tanto na literatura estrangeira, como no Brasil.<br />

Na segunda metade dos anos 80 surgiram estudos sobre o crescimento econômico,<br />

procurando analisar as implicações decorrentes de ações sobre os investimentos<br />

de infra-estrutura nas políticas de distribuição de renda e fiscal.<br />

Com relação à contribuição do sistema financeiro para o crescimento<br />

econômico, os estudos que procuraram abordar esta questão surgiram na<br />

literatura especializada estrangeira desde a formulação inicial de Schumpeter<br />

(2004) em 1911. Nos anos 50, desde a posição exposta por Joan Robinson (1982),<br />

poucos autores trataram do assunto. As principais contribuições foram as de<br />

Solow (1956) e de Modigliani e Miller (1958). O assunto foi tratado ao final dos<br />

anos 60 por Cameron(1967), Goldsmith (1969) e Hicks(1969), sendo retomado<br />

no início da década seguinte por McKinnon(1973) e Shaw(1973) . Estudos mais<br />

detalhados foram apresentados por Romer (1986) e por Lucas (1988). A partir do<br />

trabalho de Lucas, mais autores passaram a preocupar-se com o assunto, sendo<br />

importante destacar as contribuições de Greenwood e Jovanovic (1990), Grossman<br />

e Helpman(1991), King e Levine (1992; 1993a; 1993b), Pagano (1993), Dermirgüç-<br />

1 Doutor em Ciências – História Econômica, Professor Titular Doutor da Faculdade de Administração e da Faculdade<br />

de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado, Vice-Diretor da Faculdade de Administração da FAAP,<br />

Diretor do FAAP-MBA. E-mail: <br />

Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, p. 103-114<br />

103


Kunt e Maksimovic (1996), Jayaratne e Strahan (1996), La Porta, Lopez-De-Silanes,<br />

Schleifer e Vishny (1997), Levine (1997), Arestis e Demetriades (1998), Levine e<br />

Zervos (1997), Raghuram e Zingales (1998), Darrat (1999) e, finalmente, Khan e<br />

Senhadji (2000).<br />

Como se pode notar, as contribuições dos autores estrangeiros ao assunto<br />

se intensificaram a partir da segunda metade dos anos 80. Isso se deve à falta de<br />

adequação dos modelos neoclássicos às questões do desenvolvimento econômico.<br />

Assim, apenas após o surgimento dos modelos de crescimento endógeno,<br />

inspirados nos estudos e formulações de Romer (op.cit.), em 1986, e de Lucas(op.<br />

cit), em 1988, é que a relação entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento<br />

econômico pode ser estudada com mais detalhe.<br />

No Brasil pouco se tem discutido sobre esta questão. No plano teórico deve-se<br />

destacar as contribuições de Gonçalves (1980) e de Studart (1993), enquanto que<br />

no aspecto empírico existem trabalhos de Triner (1996), Monte e Távora Jr.(2000),<br />

Arraes e Teles(2000), Carvalho (2001) e Matos(2002).<br />

O debate acadêmico no exterior<br />

O estudo sobre as relações existentes entre o desenvolvimento dos mercados<br />

financeiro e de capitais, que doravante se designará simplesmente como<br />

desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico, têm ocupado diversos<br />

autores ao longo do tempo. Trata-se de saber se o desenvolvimento financeiro<br />

contribui para que se tenha crescimento econômico ou se, por outro lado, é o<br />

crescimento econômico que provoca o desenvolvimento financeiro, na medida<br />

em que a expansão das atividades produtivas passa a exigir o crescimento e o<br />

aperfeiçoamento dos instrumentos financeiros, o que provoca um salto qualitativo,<br />

além do quantitativo, no nível de intermediação financeira.<br />

Um grande número de autores, desde Schumpeter (2004), enfatiza a influência<br />

positiva do desenvolvimento do setor financeiro de um país sobre o nível e a taxa<br />

de crescimento de sua renda per capita. O argumento essencial é que os serviços<br />

fornecidos pelo setor se caracterizam como um elemento essencial na promoção<br />

do crescimento econômico.<br />

Estes serviços residem na realocação dos recursos de capital, buscando<br />

maximizar seu retorno, evitar os riscos de seleção adversa e reduzir os custos de<br />

transação envolvidos. Para Schumpeter (2004), o papel desempenhado pelo sistema<br />

financeiro para a introdução das inovações tecnológicas é essencial para que se<br />

chegue ao desenvolvimento econômico.<br />

Este assunto também foi objeto de considerações relativamente detalhadas por<br />

Hicks (1969) que, ao analisar a Revolução Industrial, procura estabelecer as relações<br />

entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico, baseando-se no<br />

fato que as inovações tecnológicas, que caracterizaram o grande salto alcançado<br />

por ocasião da primeira etapa da Revolução Industrial, haviam sido criadas muito<br />

antes, sem que conseguissem precipitar a grande mudança.<br />

Hicks (1969) argumenta ainda que foi o surgimento do mercado de capitais<br />

que viabilizou a mobilização de grandes somas de recursos, por períodos longos o<br />

suficiente, para permitir que as inovações tecnológicas pudessem ser introduzidas<br />

104<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


na produção. Foi o mercado de capitais que criou as necessárias condições de<br />

liquidez para que os detentores de poupança pudessem se dispor a aplicar recursos<br />

de vulto em investimentos de longo prazo de maturação.<br />

Bencivenga, Smith e Starr (1993), em trabalho publicado pelo Journal of<br />

Economic Theory, concluem que a revolução industrial só ocorreu realmente após<br />

a revolução financeira.<br />

Outros autores, como Joan Robinson (1982), preferem adotar a posição<br />

oposta, segundo a qual o desenvolvimento financeiro nada mais é do que uma<br />

conseqüência do crescimento. Para a autora, a ampliação do alcance e do volume<br />

da atividade bancária é irrelevante, na medida em que decorre do aumento das<br />

transações que caracterizam um processo de desenvolvimento econômico ou de<br />

crescimento industrial.<br />

Para Solow (1956) as inovações financeiras não se traduzem em fatores de<br />

indução do crescimento econômico no longo-prazo, se ocorrer uma modificação<br />

endógena na tecnologia. Por outro lado, Grossman e Helpman (1991), Lucas<br />

(1988) e Romer (1986), afirmam, em modelos de crescimento endógeno, que<br />

níveis mais elevados de poupança e de investimento, ou ainda investimentos de<br />

melhor qualidade 1 podem elevar, no longo prazo, a taxa de crescimento. Para Lucas<br />

(1988), especialmente, está havendo uma tendência exagerada dos economistas<br />

de considerarem os fatores financeiros como essenciais ao desenvolvimento<br />

econômico.<br />

Os autores mais céticos, entre os quais se incluem Arestis e Demetriades (1998),<br />

apresentam um conjunto de argumentos contra essa pretensa relação causal. Em<br />

primeiro lugar, o de que o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico<br />

decorrem de variável não explícita, que é a propensão a poupar da sociedade. Na<br />

medida em que a poupança endógena afeta a taxa de crescimento de longo prazo<br />

de uma dada economia, não é surpreendente que crescimento econômico e o<br />

desenvolvimento financeiro inicial estejam correlacionados.<br />

Por outro lado, o desenvolvimento financeiro, se medido através do nível<br />

de crédito e da dimensão do mercado de ações, pode antecipar o crescimento<br />

econômico simplesmente porque os mercados financeiros antecipam o crescimento<br />

futuro: o mercado de ações capitaliza o valor presente das oportunidades de<br />

crescimento, enquanto as instituições financeiras elevam seus empréstimos para<br />

setores que apresentam boas perspectivas de crescimento.<br />

Assim, a configuração do sistema financeiro e do mercado de capitais é<br />

afetada naturalmente pelo crescimento econômico, que implica – de forma<br />

progressiva – em uma elevação da demanda por serviços dessa natureza. Neste<br />

caso, o desenvolvimento financeiro é apenas um indicador importante, ao invés<br />

de um fator de causação.<br />

Modigliani e Miller (1958,) se situam em uma quarta posição distinta em<br />

relação ao debate, expressa em seu trabalho The cost of capital, corporation finance and the theory<br />

of investment, publicado pela American Economic Review em 1958, uma contribuição essencial<br />

ao estudo dos investimentos nas finanças corporativas. Para esses autores,<br />

1 O investimento de melhor qualidade deve ser entendido na acepção de inversões que geram um retorno mais<br />

elevado para o investidor.<br />

Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, p. 103-114<br />

105


não existe relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico,<br />

posição que fica muito clara na medida em que afirmam que a forma pela qual as<br />

empresas obtêm financiamentos não apresenta maior relevância e caracterizam<br />

os mercados financeiros como independentes do restante da economia.<br />

O mesmo tipo de visão é explicitado por Stern (1989) que, ao estudar o<br />

desenvolvimento econômico, não faz nenhuma referência à contribuição dos<br />

mercados financeiro e de capitais para a aceleração do ritmo de crescimento<br />

econômico.<br />

Por outro lado, na visão de Rondo Cameron (1967), o desenvolvimento<br />

financeiro age como um lubrificante, o que constitui um aspecto essencial, mas<br />

que não atua como substituto do mecanismo, que é o crescimento econômico. Em<br />

outras palavras, a despeito do valor que cerca a existência de um setor financeiro,<br />

aí incluído o mercado de capitais, como elemento provocador do crescimento<br />

econômico, o autor não atribui às instituições financeiras a capacidade de induzir<br />

esse crescimento.<br />

Raymond W. Goldsmith (1969), em pesquisa baseada em dados de 35<br />

países, no período compreendido entre 1860 e 1963, conclui que existe um forte<br />

paralelismo entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico,<br />

quando observada a evolução em várias décadas. Para o autor, não há possibilidade,<br />

no entanto, de estabelecer com precisão em que direção ocorre a relação causal,<br />

ou seja, de determinar se os fatores financeiros foram responsáveis pela aceleração<br />

do crescimento econômico ou, ao contrário, o crescimento econômico criou as<br />

condições para que se desse o desenvolvimento financeiro.<br />

Na mesma linha de raciocínio, McKinnon (1973) e Shaw (1973) mostram<br />

que economias com elevado grau de crescimento tendem a dispor de mercados<br />

financeiros altamente sofisticados, mas, como Goldsmith (1969), preferem registrar<br />

a relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, sem<br />

determinar a natureza da relação entre ambos.<br />

Greenwood e Jovanovic (1990) desenvolvem um modelo no qual a extensão<br />

da intermediação financeira e o crescimento econômico se acham determinados<br />

de forma endógena. Em seu trabalho, os intermediários financeiros podem investir<br />

com maior produtividade que os demais agentes econômicos em virtude de sua<br />

habilidade para identificar oportunidades de investimento. Assim, a intermediação<br />

financeira promove o crescimento econômico porque permite obter maiores taxas<br />

de retorno sobre o capital aplicado e o crescimento, por sua vez, fornece os recursos<br />

para implementar estruturas financeiras mais caras.<br />

O modelo desenvolvido por Greenwood e Jovanovic (1990) serve para<br />

demonstrar que o desenvolvimento financeiro reduz o custo de captação de<br />

recursos externamente à empresa, em oposição aos recursos gerados internamente<br />

pelo fluxo de caixa. Normalmente se considera que os custos de captação externa<br />

de recursos são mais elevados em virtude do reduzido controle que os fornecedores<br />

de fundos, localizados externamente à empresa, detém sobre a atuação da mesma.<br />

O desenvolvimento financeiro, contando com melhores normas contábeis e de<br />

transparência dos dados das empresas, bem como um melhor grau de governança<br />

corporativa, contribui para reduzir a diferença entre os custos de recursos externos<br />

106<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


e internos, permitindo que se acelere o crescimento, especialmente das empresas<br />

que necessitam mobilizar volumes maiores de recursos no mercado financeiro ou<br />

de capitais.<br />

Robert G. King e Ross Levine (1993) investigam a relação causal com base em<br />

dados empíricos, mostrando que o comportamento do desenvolvimento financeiro<br />

em um dado momento se constitui em bom instrumento pré-determinador do<br />

crescimento econômico que deverá ocorrer num período mais à frente, com uma<br />

defasagem temporal de dez a trinta anos.<br />

Levine e Zervos (1997) referem-se à relação entre mercado de capitais e<br />

sistema bancário e a promoção do crescimento econômico, concluindo que o<br />

grau de liquidez do mercado se acha fortemente relacionado ao crescimento,<br />

acumulação de capital e produtividade, enquanto que formas mais tradicionais<br />

de se mensurar o desenvolvimento financeiro, como o volume das transações no<br />

mercado de capitais, não apresentam uma relação muito forte. Outra conclusão dos<br />

autores diz respeito ao volume de empréstimos do setor bancário ao setor privado,<br />

indicando a existência de uma relação direta muito forte entre esse volume e o<br />

crescimento econômico.<br />

Darrat (1999), analisa dados de países do Oriente Médio, mostrando que o grau<br />

de desenvolvimento financeiro tem uma relação causal com o crescimento, apesar<br />

de ter constatado que essa relação é maior em alguns países que em outros.<br />

Em estudo mais recente, Khan e Senhadji (2000) concluem pela existência<br />

de sinais de uma relação direta entre desenvolvimento financeiro e crescimento<br />

econômico. Utilizando o modelo de Mankiw et alli. (1992) aplicado a 159 países no<br />

período 1960/99, estes autores concluem que o crescimento do PIB real per capita<br />

depende da taxa de investimento e do crescimento demográfico. Para representar<br />

o crescimento econômico, foram utilizadas, tentativamente, algumas variáveis,<br />

como: a relação investimento/PIB; as taxas de crescimento demográfico; os termos<br />

de troca; e o PIB per capita de 1987, para indicar a renda inicial e testar a hipótese de<br />

convergência (uma vez que países com renda mais baixa no passado tendem a<br />

apresentar taxas de crescimento mais elevadas no futuro). Os resultados indicam<br />

uma forte correlação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico,<br />

além de mostrarem que existe um desenvolvimento financeiro ótimo, ou seja,<br />

o desenvolvimento financeiro tem um impacto direto sobre o crescimento até<br />

determinado ponto, declinando a seguir.<br />

As relações do desenvolvimento financeiro com a estrutura legal<br />

Alguns autores, durante a década de 90, procuraram estudar a natureza<br />

das relações entre o desenvolvimento financeiro e o arcabouço legal existente<br />

numa dada economia. Dentre esses trabalhos, merecem especial destaque as<br />

contribuições de Dermirgüç-Kunt e Maksimovic (1996) , Jayaratne e Strahan(1996),<br />

La Porta et alli.(1997) e Levine (1998) .<br />

Dermirgüç-Kunt e Maksimovic (1996) utilizam-se de dados provenientes do<br />

comportamento de empresas em diferentes países para desenvolver um teste<br />

sobre a influência do desenvolvimento financeiro no crescimento econômico. Os<br />

autores demonstram a existência de uma correlação positiva entre as empresas<br />

Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, p. 103-114<br />

107


que apresentam crescimento acima da média de seus mercados e o volume de<br />

recursos aplicados nos respectivos mercados de capitais nacionais. Essa correlação<br />

positiva também se verifica quando é analisado o grau de segurança oferecido<br />

pelo sistema legal dos países, em termos de respeito e manutenção dos termos<br />

acordados em contratos legais. Assim, o respeito pelos contratos celebrados, ao<br />

lado do volume de operações registrado no mercado de capitais, que nada mais<br />

significam que o desenvolvimento financeiro, se acham na base do crescimento<br />

econômico, de forma mais acentuada neste ou naquele país.<br />

A mesma linha de abordagem é seguida por Jayaratne e Strahan (1996), que<br />

ao examinar o processo de desregulamentação bancária em vários estados dos<br />

Estados Unidos, concluem que o processo levou a uma ampliação das condições<br />

financeiras à disposição das empresas, o que provocou um impacto positivo sobre<br />

o crescimento econômico do Estado.<br />

Uma forma de progredir na análise da causalidade seria abordar os mecanismos<br />

teóricos, por meio dos quais o desenvolvimento financeiro vem afetar o crescimento<br />

econômico e analisar esta relação. Os diferentes autores afirmam que as instituições<br />

e o mercado financeiro contribuem para que a empresa supere as questões de<br />

risco moral e de seleção adversa, reduzindo dessa forma os custos de captação<br />

de recursos envolvidos. Assim, o desenvolvimento financeiro contribui para que<br />

setores ou empresas que tem grande dependência da captação de recursos para<br />

assegurar seu crescimento pudessem fazê-la de forma mais ágil e eficiente.<br />

La Porta, Lopez-De-Silanes et alli (1997) em trabalho sobre investimentos<br />

estrangeiros apresentado ao 57˚ Congresso Anual da American Finance Association,<br />

demonstram que o ambiente legal, representado pela estrutura da legislação e pela<br />

eficiência de funcionamento do poder judiciário influenciam o tamanho e o grau<br />

de sofisticação que o mercado de capitais pode assumir em um dado país.<br />

Na medida em que existam dispositivos legais que possam proteger<br />

investidores externos contra expropriações, tais dispositivos funcionam como<br />

pólos de atração de recursos e sua troca por valores mobiliários, expandindo as<br />

condições de funcionamento do mercado de capitais.<br />

Os autores mostram que os países que mantém uma tradição legal de direito<br />

codificado (próprio de legislações baseadas no direito romano) apresentam não<br />

apenas um grau inferior de proteção aos direitos dos investidores e acionistas, mas<br />

também um menor grau de desenvolvimento no mercado de capitais, que aqueles<br />

baseados na common law, como os países anglo-saxões.<br />

A questão que se coloca é se os países com direito codificado mantém normas<br />

legais pouco atraentes aos investidores por coincidência, ou se – pelo contrário –<br />

esta é uma medida intencional no sentido de assegurar às empresas familiares e<br />

ao governo um papel mais destacado no cenário dos negócios.<br />

Levine (1998) concentra-se no objetivo de verificar se as características legais<br />

vigentes em um dado país guardam relação com o produto per capita, crescimento<br />

do estoque de capital e crescimento da produtividade, utilizando os direitos do<br />

credor, enforcement 2 e, como La Porta et alli.(1997), a origem histórica do sistema legal<br />

2 Expressão inglesa usada para designar mecanismos através dos quais a lei obriga que um dado agente obedeça<br />

determinado(s) preceito(s).<br />

108<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


vigente no país, como variáveis. Os resultados obtidos confirmam o trabalho de<br />

La Porta et alli, indicando que os países em que o sistema legal protege os direitos<br />

do credor e mantém enforcement apresentam setor bancário mais desenvolvido do<br />

que aqueles em que a lei não prioriza credores e mantém um regime frouxo ou<br />

ambíguo. O ambiente legal, concluiu o autor, é fortemente relacionado com as<br />

possibilidades de desenvolvimento a longo prazo, com a acumulação de capital<br />

e com a expansão da produtividade. Levine, em outro estudo desenvolvido em<br />

parceria com Loyasa e Beck (1999) publicado pelo Banco Mundial, confirma as<br />

suas conclusões anteriores.<br />

Diferenças entre grau de capitalização e nível de desenvolvimento financeiro<br />

requerido<br />

Outra questão interessante abordada pelos autores que se dedicaram ao<br />

estudo das relações entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico<br />

diz respeito à ligação entre o grau de capitalização requerido para o crescimento<br />

de um dado setor econômico e a estrutura financeira disponível em um país.<br />

Raghuram e Zingales (1998) verificam que, em países com maior<br />

desenvolvimento financeiro, empresas fortemente dependentes da mobilização<br />

de recursos vultosos, como as que se situam no setor farmacêutico, devem se<br />

desenvolver de forma mais rápida que as que independem desses recursos.<br />

Entre os setores menos dependentes de um volume considerável de recursos<br />

externos, situa-se a industria do fumo, por exemplo. Estudo focalizando as taxas de<br />

crescimento setorial das indústrias farmacêutica e do fumo, em países emergentes<br />

como Malásia, Coréia e Chile, mostram que nos dois países asiáticos, em que há um<br />

razoável grau de desenvolvimento financeiro, o setor farmacêutico cresceu a taxas<br />

maiores que a indústria de fumo, enquanto que no Chile, que apresenta um menor<br />

nível de desenvolvimento em seu setor financeiro, as taxas de crescimento do setor<br />

farmacêutico foram bastante menores que as registradas pela indústria do fumo. A<br />

conclusão dos autores é que o desenvolvimento financeiro influencia de maneira<br />

positiva as taxas de crescimento relativo de diferentes setores da economia.<br />

Para Raghuram e Zingales (1998), o crescimento industrial pode ser<br />

decomposto em dois diferentes aspectos: o crescimento do número de empresas<br />

do setor e o crescimento da escala média de produção, por estabelecimento. O<br />

efeito provocado pelo desenvolvimento financeiro é duas vezes mais pronunciado<br />

quando se aborda a questão da expansão do número de empresas, do que quando<br />

se trata de elevar o número de plantas de empresas existentes ou de se expandir<br />

a escala produtiva das empresas já estabelecidas.<br />

O desenvolvimento financeiro, dessa maneira, está afetando mais o<br />

estabelecimento de novas empresas, que auxiliando a expansão das já existentes. Se<br />

as novas empresas forem ligadas a novas tecnologias, trata-se de viabilizar as ondas<br />

de ”destruição criativa” a que se refere Schumpeter (2004), que evidentemente<br />

não poderiam ocorrer em países que apresentem baixo grau de desenvolvimento<br />

financeiro.<br />

Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, p. 103-114<br />

109


Raghuram e Zingales (1998) mostram que o desenvolvimento financeiro<br />

desempenha uma influência importante sobre a taxa de crescimento econômico<br />

e que esta influência se dá pela redução dos custos de captação de recursos para<br />

as empresas que deles dependem.<br />

Aduzem que não existe contradição mesmo quando ocorre uma taxa<br />

relativamente baixa de crescimento econômico em períodos em que, pelo contrário,<br />

está ocorrendo desenvolvimento financeiro de forma persistente. Essa falta de<br />

sincronia pode decorrer da ação de outros fatores, que provocam alterações na<br />

atratividade de investimentos em um dado país. O desenvolvimento dos mercados<br />

financeiro e de capitais pode, ao contrário, estimular a superação desse ambiente<br />

adverso, permitindo que o crescimento de longo-prazo possa ser retomado.<br />

Por outro lado, considerando os fatores restritivos que são impostos ao<br />

crescimento econômico por variáveis dependentes do grau de desenvolvimento<br />

financeiro alcançado, Raghuram e Zingales (1998) consideram, no artigo<br />

citado, que existem evidências no sentido de relacionar os impactos criados<br />

pelas imperfeições do mercado financeiro sobre os investimentos e o ritmo de<br />

crescimento econômico.<br />

Finalmente, os mesmos autores concluem que existe uma correlação positiva<br />

entre o grau de desenvolvimento financeiro e os padrões de especialização<br />

industrial de cada país. Ainda que o grau de desenvolvimento dos mercados<br />

financeiro e de capitais tenha sido determinado por um acidente histórico, ou<br />

por regulamentação governamental, a existência de uma estrutura robusta para<br />

essas atividades se constitui em uma vantagem competitiva para um dado país,<br />

quando se trata de atrair indústrias que são mais dependentes da captação externa<br />

de recursos. Simultaneamente, a falta dessa estrutura financeira atua como uma<br />

forte barreira para o ingresso de novas empresas nesses setores dependentes de<br />

recursos. Assim, pode-se concluir que o desenvolvimento financeiro se constitui<br />

também em um fator determinante da dimensão e do grau de concentração de<br />

um determinado setor industrial.<br />

A contribuição acadêmica no Brasil<br />

De acordo com Carvalho (2001), os benefícios gerados pelo sistema financeiro<br />

devem depender de alguns aspectos. O primeiro é a competência com que o<br />

mesmo deve mobilizar recursos, promovendo a redução de vazamentos dentro da<br />

economia. O segundo aspecto a abordar é a forma com que o sistema pode tornar<br />

compatível a oferta de recursos com a correspondente demanda. Em ambos os<br />

casos existem diferentes padrões de risco, retorno e prazos de maturação.<br />

O trabalho de Triner (1996) aborda a evolução do sistema bancário brasileiro<br />

entre 1906 e 1930, procurando as relações entre desenvolvimento financeiro,<br />

industrialização e crescimento econômico. Suas conclusões são no sentido de<br />

confirmar a relação entre o funcionamento do sistema de intermediação financeira<br />

e o crescimento econômico, mostrando que existe uma relação mais forte com o<br />

crescimento industrial que com o do setor agrícola.<br />

O estudo de Arraes e Telles (2000), que analisa as condições de crescimento<br />

econômico no país, se utiliza de dois modelos diversos. No primeiro modelo, a meta<br />

110<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


é comparar modelos de crescimento endógeno e exógeno, testando a hipótese<br />

de retroalimentação contínua nas variáveis que geram impacto no crescimento a<br />

longo prazo. O segundo modelo procura relacionar as variáveis produto per capita,<br />

tecnologia, capital físico e humano. No caso da tecnologia, o desenvolvimento<br />

financeiro foi considerado como variável exógena. Os autores concluem, após a<br />

análise de dados para estados do Nordeste e demais estados do Brasil, no período<br />

1980/93, que em modelos com variáveis defasadas, existe uma relação positiva entre<br />

desenvolvimento financeiro e produto per capita, mas que esta relação é inversa no<br />

caso dos estados nordestinos, especialmente quando analisa uma defasagem de 20<br />

anos entre as variáveis. Como o progresso tecnológico é sempre uma determinante<br />

do crescimento do produto per capita, há evidências que – mesmo no caso estudado<br />

– o desenvolvimento financeiro se integra ao crescimento econômico através do<br />

progresso tecnológico.<br />

Por outro lado, Monte e Távora (2000) estudam o impacto dos financiamentos<br />

regionais do Banco do Nordeste, Sudene e BNDES sobre o crescimento do produto<br />

regional nos estados da região Nordeste. Os resultados comprovam a existência de<br />

uma forte relação entre os financiamentos das três fontes mencionadas e o ritmo<br />

de crescimento econômico experimentado pela região a partir de 1981 até 1998.<br />

Por fim, Matos (2002) estuda a existência de uma relação entre o<br />

desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico no Brasil no período<br />

1947/2000, concluindo pela existência de uma relação significativa entre<br />

desenvolvimento financeiro e crescimento econômico.”<br />

O autor afirma que os estímulos financeiros ao crescimento econômico<br />

ganham uma dimensão adicional quando se aborda a questão da confiabilidade<br />

institucional. Reformas que venham promover uma expansão no grau de confiança<br />

dos investidores internos e externos, que depositem sobre a estabilidade econômica<br />

e sobre a proteção oferecida a seus direitos, pela estrutura legal vigente no país,<br />

deverão sempre resultar em fatores de atração de um maior volume de recursos<br />

para a economia e, conseqüentemente, maior crescimento econômico.<br />

Aspectos a destacar<br />

A revisão da literatura destaca alguns dos aspectos mais importantes que se<br />

acham presentes neste estudo.<br />

Em primeiro lugar, considerando as contribuições de autores estrangeiros<br />

e as evidências empíricas colhidas por pesquisadores brasileiros, fica claro que<br />

existe uma relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico. A<br />

maioria dos trabalhos empíricos demonstra que esta relação é direta, ou seja, que<br />

o desenvolvimento financeiro se constitui em uma alavanca para o crescimento<br />

econômico.<br />

Por outro lado, existem também contribuições que procuram relacionar o<br />

ambiente legal e institucional com o desenvolvimento financeiro e este com o<br />

crescimento econômico. Fica claro que os diferentes autores que se ocuparam desse<br />

tema mostram uma íntima relação entre respeito ao direito de investidores, internos<br />

Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, p. 103-114<br />

111


e externos, o arcabouço legal existente num dado país e o grau de desenvolvimento<br />

financeiro que pode ser alcançado.<br />

Outro ponto coberto pelos estudos já realizados sobre o assunto se refere<br />

à relação entre o nível de capitalização requerido por empresas situadas em<br />

setores de uso mais intenso de tecnologia e o grau de desenvolvimento financeiro<br />

atingido por um determinado país. Quando se trata de atrair setores de densidade<br />

tecnológica maior, que – por sua própria característica – exigem um maior volume<br />

de investimentos, o patamar atingido pelos mercados financeiro e de capitais de<br />

uma dada economia se constitui num elemento relevante. Apenas países dotados<br />

de um apreciável nível de desenvolvimento financeiro poderão contar com setores<br />

de elevado grau de capitalização com desempenho superior ao revelado por setores<br />

que requerem menor grau de capitalização.<br />

No entanto, o que não se acha coberto pelas contribuições analisadas<br />

diz respeito ao formato do desenvolvimento financeiro em si mesmo. Não se<br />

localizou, na literatura estudada, dados que permitam realizar a comparação<br />

entre os mercados financeiro e de capitais quanto à sua contribuição para o<br />

desenvolvimento financeiro.<br />

Economias mais desenvolvidas, como as dos Estados Unidos e Inglaterra<br />

apresentam mercados de capitais muito ativos, o que permite oferecer às empresas<br />

formas distintas de acesso aos recursos requeridos para o crescimento econômico.<br />

Por outro lado, em alguns países europeus e no Japão, ainda predomina a presença<br />

de um mercado financeiro forte, como elemento essencial do desenvolvimento<br />

financeiro.<br />

Em suma, não existe nenhuma indicação no sentido de que exista uma<br />

tendência de aumento da desintermediação financeira na medida em que o<br />

desenvolvimento financeiro avança e parcelas maiores dos requisitos de capital<br />

das empresas passam a ser supridos pelo mercado de capitais.<br />

Outro ponto importante reside na composição do sistema financeiro.<br />

Nos países mais desenvolvidos do hemisfério norte (Estados Unidos, países da<br />

Comunidade Econômica Européia e Japão), o mercado financeiro e o mercado de<br />

capitais são essencialmente privados, enquanto que no caso de países emergentes,<br />

como a Coréia e mesmo a China, a presença do Estado no mercado financeiro é<br />

um ponto essencial.<br />

Em ambos os sentidos, faz-se necessário analisar a evolução histórica recente<br />

dos dois mercados no Brasil, para procurar determinar em que medida a economia<br />

brasileira está caminhando para um modelo de desenvolvimento mais aberto, com<br />

maior ou menor grau de intermediação financeira e com maior ou menor presença<br />

do Estado como financiador das atividades econômicas.<br />

112<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


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114<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Aspectos Negociais do Plano<br />

de Contas<br />

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e Márcio Lopes Pimenta*<br />

Resumo:<br />

Atualmente o plano de contas é um<br />

aparato fundamental para diversas<br />

atividades contábeis e gerenciais dentro das<br />

organizações, incluindo: analisar projetos,<br />

granjear investidores, obter empréstimos,<br />

gerenciar andamento de operações.<br />

Garantir a solvência da operação é uma<br />

situação desejada atualmente nas empresas,<br />

entretanto, nem todos os formatos de planos<br />

de contas permitem flexibilizar controles<br />

com base nas operações específicas do<br />

negócio em questão. Este artigo visa<br />

fomentar a discussão para aproximar a<br />

contabilidade do negocial, adaptando o<br />

plano de contas a alguns exemplos de<br />

operação em que o ciclo de produto varia.<br />

São apresentados exemplos ilustrativos<br />

de operações com ciclos produtivos curto<br />

e longo, que denotam a percepção de<br />

que o plano de contas pode, se orientado<br />

por atividades, demonstrar ‘o que’ de fato<br />

ocorreu, norteando mais claramente o<br />

processo de tomada de decisão.<br />

Introdução<br />

Palavras chave: plano de contas, ciclo de<br />

produto, contabilidade, aspectos negociais<br />

Abstract:<br />

Presently, account chart is an essential<br />

apparatus to many accounting and<br />

managerial matters. This includes project<br />

analysis, getting capital investment, applying<br />

for lances, operations managing. To guaranty<br />

operation balance is a current goal in any<br />

enterprise. Account charts, however, not<br />

always offer enough flexibility to control<br />

specific operations. This article tries to<br />

improve the discussion towards to align<br />

accounting and business point of view.<br />

For doing so, account charts were adapted<br />

to some short or long production cycles<br />

operations in order to show that the account<br />

chart, based on activities, can present<br />

what has actually occurred, which helps in<br />

decision making process.<br />

Keywords: chart of account, product cycle,<br />

accounting, business pont of vew<br />

Existe uma dicotomia entre o que a contabilidade oferece e o que o<br />

administrador precisa saber, seja ele da área de marketing, produção ou finanças<br />

(CUPERTINO, 2004). Pricing depende da contabilidade de custos, seja via markup,<br />

seja via observação de mercado (KOTLER e KELLER, 2006), enquanto a contabilidade<br />

de custos depende intimamente do plano de contas (MARTINS, 2003). Nesta mesma<br />

ótica, administração da produção depende da contablidade de custos para tomar<br />

* Luiz Alberto M. de Carvalho é mestre em Teoria Econômica pela PUC-SP. Pós-graduado em Economia Internacional<br />

pela Columbia University (NY). Professor do MBA Executivo da FAAP. Empresário de consultoria em<br />

Agronegócios. lasilva@faap.br. Marcio Lopes Pimenta é mestre em Administração de Empresas. Doutorando em<br />

Engenharia da Produção. Professor da Universidade Federal de Itajubá. Consultor em Agronegócios.<br />

Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124<br />

115


decisões sobre processos e produtos, assim como na assunção da inovação como<br />

meta. O administrador financeiro, por sua vez, precisa dos índices que também são<br />

fornecidos pelo plano de contas, pois é a posição em que as contas se encontram<br />

que os determina, portanto, disso depende a acurácia das decisões, seja de<br />

orçamento, seja de investimento.<br />

A dicotomia reside em que, sejam as demonstrações orientada por solidez,<br />

como na primeira metade do século XX (RICHARD, 1995); por liquidez, mais<br />

frequente de lá para cá, de acordo com a lei 6404/76 (TEIXEIRA, 2001); por atividade<br />

ou processo, que parece ser a tendência (GOMES, 2004; AZEVEDO, CARVALHO<br />

e GOMES, 2008), dificilmente compreendem os aspectos negociais da entidade<br />

analisada.<br />

O mundo vive a ditadura da liquidez, pois, seja para analisar projetos, seja<br />

para granjear investidores, seja para obter empréstimos, o que vale a capacidade<br />

de a empresa pagar suas contas em um dado prazo, ao contrário dos tempos em<br />

que o que valia era a solidez, ou seja, a possibilidade de o patrimônio garantir a<br />

solvência da operação (TEIXEIRA, 2001).<br />

Exemplo da dissociação entre os anseios dos investidores e a apresentação<br />

das contas é que, quanto mais específicas forem as matérias-primas, menor será<br />

sua liquidez, mesmo assim, os itens especiais não são discriminados entre as contas<br />

de almoxarifado, tendo o mesmo peso no ativo circulante. Indo mais adiante,<br />

meio avião não vale a metade de um avião, ou seja, a simples transferência de<br />

recursos (mão-de-obra, uso de máquinas, matéria-prima e serviços de terceiros)<br />

de uma conta para outra não faz com que o dispêndio de recursos representem<br />

maior liquidez. Um rolo de chapa de alumínio tende a ser comercialmente muito<br />

mais líquido que uma asa pela metade. Neste exemplo, a adição de mão-de-obra<br />

e uso de máquinas, ao contrário, torna o bem menos vendável. Mais notório é o<br />

problema na agricultura, pois, além de não estar certo do preço por que venderá<br />

a mercadoria, o produtor não sabe sequer qual será a quantidade produzida.<br />

Nem mesmo a conta de mercadorias pode sempre ser considerada como<br />

de maior liquidez, haja vista que há empresas que trabalham sob encomenda,<br />

partindo de matérias-primas consideradas como commodityes, e, mesmo que<br />

o produto esteja acabado, pode transformar-se emsucata, caso não se cumpra o<br />

contrato que o gerou, mesmo que haja indeninzações previstas. Tudo isso se reflete<br />

no restante da administração da empresa, mais obviamente no que é financeiro,<br />

porém, extendendo-se a todos os seus demais aspectos.<br />

Este artigo visa fomentar a discussão para aproximar a contabilidade do<br />

negocial, adaptando o plano de contas a alguns exemplos de operação em que<br />

o ciclo de produto varia. Na segunda seção, apresenta-se um exemplo fictício de<br />

operação com ciclo curto de produto, enquanto que, no terceiro, apresentam-se<br />

algumas alternativas para apresentação das contas em empresas cujo ciclo de<br />

produto seja longo.<br />

Quando o ciclo de produto é curto<br />

Empresas como tecelagens têm ciclo de produto muito curto, ou seja, entre a<br />

matéria-prima entrar em processo e transformar-se em produto acabado o tempo<br />

é tão curto que a conta de produto em elaboração tem valor ínfimo, se comparado<br />

116<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


à de almoxarifado e à de mercadorias e, principalmente, em função da conta de<br />

custos das mercadorias vendidas (CMV). Mesmo assim, alguns itens resultantes<br />

de suas etapas de produção simplesmente não têm valor, como pode se ver no<br />

quadro 1, onde, no campo ‘valor’, N representa itens não vendáveis e S vendáveis.<br />

Etapa Input Processo Output Valor<br />

1<br />

algodão em pluma e fibras<br />

sintéticas<br />

Linha de<br />

Abertura Manta N<br />

2 Manta Cardagem Véu N<br />

3 Véu Passador Mecha N<br />

4 Mecha Filatório Fio S<br />

5 Fio Tear Tecido Cru S<br />

6 Tecido Cru Tingimento<br />

Tecido<br />

Tingido S<br />

Fonte: Elaborado pelos autores<br />

Quadro 1 Bens relacionados por etapa produtiva.<br />

Há outros casos em que, apesar de o ciclo de produto ser curto, formou-se<br />

um mercado secundário, como no automobilístico, pois as peças, a partir de uma<br />

determinada condição, realmente podem ser encaradas como produtos acabados de<br />

reposição. Exemplos disso são capôs, portas, para-lamas e outros não adquiridos de<br />

terceiros. Mesmo assim, há pontos em que esse exemplo enquadra-se perfeitamente<br />

no anterior. Um capô, por exemplo, leva quatro operações (corte, estampa, dobra,<br />

solda e tratamento de superfície). Ele só adquire valor comercial a partir do quarto<br />

passo, sendo valorizado como sucata na prática, nos três primeiros, por menor que<br />

seja a probabilidade de o processo interromper-se ali de fato.<br />

Fazer os itens intermediários transitarem pelo estoque só é possível desde que<br />

haja interrupção no processo sem prejuízo do produto em si. No caso da tecelagem<br />

(exceto confecção), são os itens que contém S na quarta coluna da tabela acima; fios,<br />

tecidos crus e tecidos acabados, sendo o último obviamente item de mercadoria.<br />

Mesmo assim, se o fio destinar-se a um tecido exclusivo, não poderá enquadrar-se<br />

nesse rol, posto que não possui mercado próprio.<br />

Uma maneira interessante parece ser adaptar o plano de contas por atividade,<br />

ou seja, distinguindo-se a etapa e o modelo dela resultante, caso haja um (BACKEs et<br />

al, 2009). No exemplo em questão, o dispêndio com a linha de abertura, cardagem,<br />

formação de mechas e fiação acabarão por compor uma só atividade, que é a<br />

fiação, tendo como último nível o item a ser produzido. O controler poderá, então,<br />

provisionar valor correspondente ao risco de perfórmance dos contratos que,<br />

porventura, os tenham gerado. Essa provisão reduzirá o saldo no ativo, adequando<br />

os cálculos dos índices mais usados pelos administradores financeiros, permitindolhes<br />

estimar melhor os riscos de seu negócio. O quadro 2 mostra um exemplo de<br />

plano de contas para processos simples de tecelagem. Como tratamos não apenas de<br />

Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124<br />

117


contas tradicionais do plano de contas utilizamos a nomenclatura de grau ao inves de<br />

nível, de modo a evidenciar aspectos multi-dimensionais envolvidos nas operações.<br />

Note-se que a inversão das contas que, geralmente, iniciam-se pelos clientes no<br />

realizável, ao contrário de prejudicar o cômputo dos principais índices financeiros,<br />

por exemplo, dá uma idéia muito mais precisa do que a empresa faz, sendo mesmo<br />

um passo para o plano de contas baseado em atividades.<br />

118<br />

grau 1 grau 2 grau 3 grau 4 grau 5 descrição<br />

1 Ativo<br />

1 1 Ativo Circulante<br />

1 1 1 Disponibilidade<br />

1 1 1 1 Caixa<br />

1 1 1 1 1 Caixa Central<br />

1 1 1 2 Bancos<br />

1 1 1 1 Aplicações de Curto Prazo<br />

1 1 2 Realizável a Curto Prazo<br />

1 1 2 1 Almoxarifado<br />

1 1 2 1 1 Algodão<br />

1 1 2 1 2 Poliester em microfibras<br />

1 1 2 2 Produtos em Elaboração<br />

1 1 2 2 1 Fiação em Anel<br />

1 1 2 2 2 Fiação Open End<br />

1 1 2 2 3 Tecelagem de Brim<br />

1 1 2 2 3 Tingimento<br />

1 1 2 3 Mercadorias<br />

1 1 2 3 1 Fios Comuns<br />

1 1 2 3 2 Fios Especiais<br />

1 1 2 3 3 Brim Cru<br />

1 1 2 3 4 Brim Tingido<br />

1 1 2 4 Clientes<br />

Fonte: Elaborado pelos autores<br />

Quadro 2 exemplo fictício de plano de contas para a tecelagem<br />

Produtos de Ciclo Longo<br />

Dizer que um produto tem ciclo longo simplesmente não dá a real idéia do<br />

que aqui se vai tratar. A construção de um prédio, por exemplo é de ciclo longo para<br />

qualquer efeito, pois costuma ultrapassar um exercício. O mesmo acontece com a<br />

de um navio ou a de um avião, porém, há produtos de ciclo anual que se podem<br />

considerar como longo, como é o caso da agricultura, especialmente porque são<br />

regidos pela Natureza, cujo ciclo não coincide com o ano fiscal, especialmente no<br />

Brasil, haja vista que, em outros países, pode findar em qualquer mês do ano. Nos<br />

Estados Unidos, por exemplo, o exercício varia conforme os interesses da empresa<br />

(SOUZA; MELHADO, 2008). Em complemento, Jaruga e Szychta (1997, p.509)<br />

destacam que na legislação polonesa a partir de 1990 “business entities (apart from those in<br />

the budgetary sector and banks) develop individually their own plans of accounts which are best suited to financial<br />

reporting and management accounting purposes”.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


O café brasileiro, por exemplo, é colhido de maio a setembro, enquanto o<br />

preparo da safra seguinte se dá a partir do fim da colheita, quando recomeçam as<br />

chuvas. O milho safrinha, ao contrário, tem seu ciclo dentro do mesmo exercício, pois<br />

começa no fim da colheta da soja (fim de janeiro a início de abril), sendo colhido no<br />

início do período de seca (de maio a junho). Seu ciclo tem entre noventa e cento e<br />

dez dias, dependendo da precocidade da variedade empregada. Já a soja, mesmo<br />

pertencendo à classe da lavoura branca como o milho, visto que tem de ser replantada<br />

anualmente, tem seu ciclo limitado pelo vazio sanitário, ou seja, muito embora seu<br />

ciclo seja de noventa a cento e vinte dias, não se pode plantar duas vezes ao ano<br />

para que as enfermmidades não se propaguem irremediavelmente. Assim, a soja<br />

fatalmente passa de um exercício para o outro, acumulando saldo visível na conta de<br />

produtos em elaboração no balanço anual, ao contrário do milho safrinha ou algodão,<br />

cujo custo só se apresenta nas contas de resultado como CMV (custo das mercadorias<br />

vendidas). Cabe lembrar que a conta de estoque pode sim carregar valores de um<br />

ano para o outro, dependendo da disponibilidade do produtor e dos contratos de<br />

entrega futura ou de “warranty” sobre eles firmados, o que não é alvo deste artigo.<br />

Para efeito deste estudo, considerar-se-á o ciclo ser curto ou longo<br />

consoante o peso que o saldo de produtos em elaboração possa ter<br />

sobre a conta de CMV para o mesmo item, o que, por si só já requer a<br />

sua separação nas contas de resultado, como no exemplo a seguir.<br />

Grau<br />

1<br />

Grau<br />

2<br />

Grau<br />

3<br />

Grau<br />

4<br />

Grau<br />

5<br />

Descrição<br />

Débito/<br />

Crédito<br />

3 Resultado do Exercício Saldo<br />

3 1 Resultado Operacional Saldo<br />

3 1 1 Resultado com Soja Saldo<br />

3 1 1 1 Receitas com Soja Saldo<br />

3 1 1 1 1 Vendas de Soja<br />

Redutores de Receita com<br />

Crédito<br />

3 1 1 1 2<br />

Soja Débito<br />

3 1 1 2 Despesas com Soja Saldo<br />

3 1 1 2 1 Mão-de-Obra para Soja Débito<br />

3 1 1 2 2 Mecanização para Soja Débito<br />

3 1 1 2 3 Insumos para Soja<br />

Serviços contratados para<br />

Débito<br />

3 1 1 2 4<br />

Soja Débito<br />

3 1 2 Resultado com Milho Saldo<br />

3 1 2 1 Receitas com Milho Saldo<br />

3 1 2 1 1 Vendas de Milho<br />

Redutores de Receita com<br />

Crédito<br />

3 1 2 1 2<br />

Milho Débito<br />

3 1 2 2 Despesas com Milho Saldo<br />

3 1 2 2 1 Mão-de-Obra para Milho Débito<br />

3 1 2 2 2 Mecanização para Milho Débito<br />

3 1 2 2 3 Insumos para Milho Débito<br />

3 1 2 2 4 Serviços contratados para Milho Débito<br />

Fonte: elaborado pelos autores<br />

Quadro 3 Contabilização em ciclos longo e curto<br />

Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124<br />

119


No exemplo acima, vê-se uma particularidade, o abandono das fórmulas que<br />

se ensinam como aplicáveis às demonstrações de resultado, fazendo com que o<br />

próprio mecanismo de débito e crédito redunde na apuração de forma explícita.<br />

O maisusual, é que o produto em elaboração fique no ativo como nos exemplos a<br />

seguir, igualmente elaborados pelos autores. Note-se que, em ambos, já houve a<br />

preocupação em separar os itens de almoxarifado, tal que alguns deles possam ser<br />

excoimados em possíveis análises, consoante serem específicos para a planta em<br />

questão. Aqui representaram-se pelos fertilizantes formulados, já que a fórmula em<br />

si depende da decisão de plantio, bem como da análise de solo, o que dificilmente<br />

será aplicável a outro produtor.<br />

Grau<br />

1<br />

Grau<br />

2<br />

Grau<br />

3<br />

Grau<br />

4<br />

Grau<br />

5<br />

Descrição<br />

Débito/<br />

Crédito<br />

1 Ativo Saldo<br />

1 1 Ativo Circulante Saldo<br />

1 1 1 Disponibilidade Saldo<br />

1 1 1 1 Caixa Saldo<br />

1 1 1 1 1 Caixa Central Saldo<br />

1 1 1 2 Bancos Saldo<br />

1 1 1 2 1 Banco Bradesco Saldo<br />

1 a a 3 Aplicações a Curto Prazo Saldo<br />

1 1 1 3 1 Títulos Públicos Saldo<br />

1 1 2 Realizável Saldo<br />

1 1 2 1 Almoxarifado Saldo<br />

1 1 2 1 1 Fertilizantes Formulados Saldo<br />

1 1 2 1 2 Insumos Saldo<br />

1 1 2 1 3 Combustíveis Saldo<br />

1 1 2 1 4 Material de Consumo Saldo<br />

1 1 2 1 5 Peças Saldo<br />

1 1 3 Atividade em Andamento Saldo<br />

1 1 3 1 Soja Saldo<br />

1 1 3 1 1 Mão-de-Obra para Soja Saldo<br />

1 1 3 1 2 Mecanização para Soja Saldo<br />

1 1 3 1 3 Insumos para Soja<br />

Serviços Contratados para<br />

Saldo<br />

1 1 3 1 4<br />

Soja Saldo<br />

1 1 3 2 Milho Saldo<br />

1 1 3 2 1 Mão-de-Obra para Milho Saldo<br />

1 1 3 2 2 Mecanização para Milho Saldo<br />

3 Insumos para Milho<br />

Serviços Contratados para<br />

Saldo<br />

1 1 3 2 4<br />

Milho Saldo<br />

1 1 4 Estoque Saldo<br />

Fonte: elaborado pelos autores<br />

Quadro 4 Plano de Contas não Acumulativo para produtos em Elaboração<br />

120<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Note-se que, no exemplo acima, durante a colheita, creditam-se os valores<br />

contidos nos fatores de produção (Mão-de-obra, mecanização, insumos e serviços<br />

contratados), debitando-se o estoque de mercadorias, o que reduz o saldo conta<br />

a conta, de sorte que os custos relativos a uma safra não contaminem os registros<br />

vindouros. Seu defeito, porém, é perder o histórico, haja vista que, assim que os<br />

fatores de produção são creditados e o estoque é debitado, o saldo torna-se zero<br />

em todos eles.<br />

Grau<br />

1<br />

Grau<br />

2<br />

Grau<br />

3<br />

Grau<br />

4<br />

Grau<br />

5<br />

Descrição<br />

Débito/<br />

Crédito<br />

1 Ativo Saldo<br />

1 1 Ativo Circulante Saldo<br />

1 1 1 Disponibilidade Saldo<br />

1 1 1 1 Caixa Saldo<br />

1 1 1 1 1 Caixa Central Saldo<br />

1 1 1 2 Bancos Saldo<br />

1 1 1 2 1 Banco Bradesco Saldo<br />

A a a 3 Aplicações a Curto Prazo Saldo<br />

1 1 1 3 1 Títulos Públicos Saldo<br />

1 1 2 Realizável Saldo<br />

1 1 2 1 Almoxarifado Saldo<br />

1 1 2 1 1 Fertilizantes Formulados Saldo<br />

1 1 2 1 2 Insumos Saldo<br />

1 1 2 1 3 Combustíveis Saldo<br />

1 1 2 1 4 Material de Consumo Saldo<br />

1 1 2 1 5 Peças Saldo<br />

1 1 3 Atividade em Andamento Saldo<br />

1 1 3 1 Soja Saldo<br />

1 1 3 1 1 Mão-de-Obra para Soja Débito<br />

1 1 3 1 2 Mecanização para Soja Débito<br />

1 1 3 1 3 Insumos para Soja<br />

Serviços Contratados para<br />

Débito<br />

1 1 3 1 4<br />

Soja Débito<br />

1 1 3 1 5 Produção de Soja Crédito<br />

1 1 3 2 Milho Saldo<br />

1 1 3 2 1 Mão-de-Obra para Milho Débito<br />

1 1 3 2 2 Mecanização para Milho Débito<br />

3 Insumos para Milho<br />

Serviços Contratados para<br />

Débito<br />

1 1 3 2 4<br />

Milho Débito<br />

1 1 3 2 5 Produção de Milho Crédito<br />

1 1 4 Estoque Saldo<br />

1 1 4 1 Lavoura Branca Saldo<br />

1 1 4 1 1 Soja Saldo<br />

1 1 4 1 2 Milho Saldo<br />

Fonte: elaborado pelos autores<br />

Quadro 5 Plano de Contas com Valores Acumulativos para Produto em elaboração<br />

Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124<br />

121


No exemplo acima, os valores vão-se acumulando, safra a safra, desde o<br />

início da atividade, de sorte que a transferência para estoque dar-seá pelo saldo<br />

da atividade no momento da colheita num só lançamento, prejudicando a análise<br />

horizontal do balanço no que tange à evolução dos custos de produção.<br />

No exemplo a seguir, denota-se a preocupação com o fato de o investimento<br />

estar em alto risco enquanto não se transformar em produto final, além de, para<br />

efeito de custo, por não se poder antever a produtividade, considerar o quanto da<br />

safra atual poderá ser financiada pela safra anterior. Isso decorre de que as contas<br />

3.1.1.2.6 (CMV com Soja) e 3.1.2.2.6 (CMV com Milho) apresentarem-se valores<br />

obtidos na safra anterior.<br />

Grau<br />

1<br />

Grau<br />

2<br />

Grau<br />

3<br />

Grau<br />

4<br />

Grau<br />

5<br />

Descrição<br />

Débito/<br />

Crédito<br />

3 Resultado do Exercício Saldo<br />

3 1 Resultado Operacional Saldo<br />

3 1 1 Resultado com Soja Saldo<br />

3 1 1 1 Receitas com Soja Saldo<br />

3 1 1 1 1 Vendas de Soja<br />

Redutores de Receita com<br />

Crédito<br />

3 1 1 1 2<br />

Soja Débito<br />

3 1 1 2 Despesas com Soja Saldo<br />

3 1 1 2 1 Mão-de-Obra para Soja Débito<br />

3 1 1 2 2 Mecanização para Soja Débito<br />

3 1 1 2 3 Insumos para Soja Débito<br />

3 1 1 2 4 Serviços contratados para Soja Débito<br />

3 1 1 2 5 Produção de Soja Crédito<br />

3 1 1 2 6 CMV com Soja Débito<br />

3 1 2 Resultado com Milho Saldo<br />

3 1 2 1 Receitas com Milho Saldo<br />

3 1 2 1 1 Vendas de Milho<br />

Redutores de Receita com<br />

Crédito<br />

3 1 2 1 2<br />

Milho Débito<br />

3 1 2 2 Despesas com Milho Saldo<br />

3 1 2 2 1 Mão-de-Obra para Milho Débito<br />

3 1 2 2 2 Mecanização para Milho Débito<br />

3 1 2 2 3 Insumos para Milho<br />

Serviços contratados para<br />

Débito<br />

3 1 2 2 4<br />

Milho Débito<br />

3 1 2 2 5 Produção de Milho Crédito<br />

3 1 2 2 6 CMV com Milho Débito<br />

122<br />

Fonte: elaborado pelos autores<br />

Quadro 6 Demonstração de Resultados com Foco em atividades<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


No exemplo acima, a contaminação dos custos pelas safras anteriores não<br />

ocorre porque, no fim do exercício, as contas de resultado têm seu saldo extinto<br />

pela própria transferência do resultado aos produtos elaborados.<br />

Conclusão<br />

A padronização do plano de contas preconizado pela lei 11638/06 não<br />

pode esterilizar os registros contáveis a ponto de os controladores perderem a<br />

flexibilidade fornecida pela criatividade na ordenação das contas no que tange<br />

as análises financeiras, e de riscos de negócio. Pelo contrário, cabe ao controlador<br />

ordenar as contas para que as análises tornem-se mais transparentes e contínuas,<br />

haja vista que o risco não é constante ao longo do ano e que, talvez, não se possa<br />

esperar o fim do exercício para tomar uma decisão mais abrangente.<br />

Na agricultura, que aqui foi mais explorada por estar mais próxima dos<br />

autores, o risco é agregado pela operação e pelo mercado. No momento da decisão<br />

por plantar, é a soma dos dois. Enquanto a lavoura está exposta às intempéries<br />

aguardando a colheita, o risco de operação parece ser decrescente, chegando ao<br />

de mercado a partir do momento em que os grãos entram no silo. Por causa disso –<br />

sendo que há atividades de ciclo muito maior que o dos grãos na agropecuária– o<br />

emprego de um plano de contas baseado em atividades parece ser de importância<br />

significativa, especialmente, se o ciclo de produto justificar, como parece ser o caso<br />

da pecuária de corte em que, entre a inseminação da vaca e o abate, podem-se<br />

passar três anos.<br />

A construção civil, por si só é tema para um novo artigo, tantos e tão variados<br />

são os tipos de contratação. Mesmo assim, algo parece claro, pelo menos, quando<br />

se trata de contratos em que o pagamento deve ser feito por medição. Em outras<br />

palavras, a empresa recebe conforme as etapas ficam prontas. O plano de contas<br />

poderá, se orientado por atividades, demonstrar o que de fato ocorreu, norteando<br />

mais claramente as decisões a tomarem-se.<br />

Resumindo, quanto mais descritivo da operação for o plano de contas, mais<br />

apuradas serão as decisões dos administradores, seja de que áreas forem. Quanto<br />

menor for a necessidade de controles paralelos, menor será a falta de comunicação<br />

entre os diversos setores da empresa.<br />

Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124<br />

123


124<br />

Referências Bibliográficas<br />

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DEL CORSO, Jansen Maia. Indicadores contábeis mais apropriados para mensurar o<br />

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a gestão das empresas de projeto a importância do sistema de informação para a gestão<br />

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<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Ética e as linhas mestras do<br />

Código das Melhores Práticas<br />

de Governança Corporativa<br />

do IBGC – Instituto Brasileiro<br />

de Governança Corporativa<br />

Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos ∗<br />

Resumo:<br />

O presente trabalho pretende mostrar que<br />

a Ética está acima e é mais abrangente<br />

que os valores adotados pelas melhores<br />

práticas de Governança Corporativa. A<br />

empresa que deseja se envolver com<br />

a Governança Corporativa para atrair<br />

maiores investimentos e ser bem sucedida<br />

em seu desempenho financeiro deve,<br />

também, estar preocupada com a adoção<br />

dos critérios éticos para atingir o seu fim.<br />

Não basta que sejam adotadas práticas de<br />

alto nível no âmbito contábil e financeiro das<br />

organizações, se a empresa como um todo,<br />

não estiver sintonizada com a preocupação<br />

de permear todas as suas áreas de critérios e<br />

práticas éticas. São analisados os princípios<br />

e valores éticos, bem como as linhas mestras<br />

das melhores práticas da Governança<br />

Corporativa adotadas pelo Instituto<br />

Brasileiro de Governança Corporativa.<br />

Conclui-se que é imprescindível colocar<br />

acima das melhores práticas os princípios e<br />

valores éticos que atingem todas as pessoas<br />

com as quais a empresa se relaciona. É a Ética<br />

e não somente a Governança Corporativa<br />

que permitirá à empresa atingir seu fim<br />

e deixar um rastro de imagem sólida no<br />

mercado.<br />

Palavras chaves: Ética, Governança<br />

Corporativa, Melhores Práticas, Gestão<br />

Financeira e Contábil<br />

Abstract:<br />

The present paper intends to show that<br />

Ethics are above and more inclusive than the<br />

values utilized by even the best practices in<br />

Corporative Governance. The company that<br />

desires to involve itself with Corporative<br />

Governance in order to attract greater<br />

investments and be successful in its financial<br />

performance must also be concerned with<br />

the adoption of the ethical criteria necessary<br />

to reach its goal. It is not enough to apply<br />

high level practices and criteria in the<br />

financial areas if the company, as a whole, is<br />

not concerned with using ethical practices<br />

and criteria in all of its areas. The ethical<br />

principles and values will be analyzed, as<br />

well as the guide lines to the most successful<br />

Corporative Governance practices used<br />

by the Brazilian Institute of Corporative<br />

Governance. This analysis will make it<br />

possible to conclude that it is essential to<br />

place ethical principles and values that reach<br />

all the people the company has contact with,<br />

above Corporative Governance practices.<br />

∗ Maria do Carmo Whitaker é consultora em ética nas organizações, organizadora do site www.eticaempresarial.<br />

com.br e Professora do Curso de Ciências Econômicas da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. E-mail:<br />

José Maria Rodriguez Ramos é Prof.essor dos Cursos de Ciências Econômicas e de<br />

Relações Internacionais da Faculdade de Economia da FAAP. E-mail:< josemariarr@hotmail.com><br />

Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133<br />

125


It is Ethics, and not only Corporative<br />

Governance, that will allow the company<br />

to reach its objective while also establishing<br />

a solid image in the marketplace.<br />

Introdução<br />

126<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

Key words: Ethics, Corporative<br />

Governance, Best Practices, Financial<br />

Management<br />

O presente trabalho tem por objetivo mostrar que assim como o ser humano<br />

sempre almeja metas mais elevadas para se realizar, a empresa também procura<br />

se superar para sobreviver e enfrentar a concorrência.<br />

A empresa que adota as melhores práticas de Governança Corporativa e<br />

por isso está propensa a atrair maiores investimentos e ser bem sucedida em<br />

seu desempenho financeiro deve, também, estar preocupada com a adoção dos<br />

critérios éticos para atingir o seu fim.<br />

Com razão observa Lynn Paine: “But no longer are companies judged by<br />

financial results alone. To be considered truly outstanding, companies today must<br />

than achieve superior financial results or meet impressive production targets. They<br />

must receive high marks not only from shareholders concerned with financial<br />

returns but also from other parties with whom they interact. And to do so, as we<br />

have seen, they must satisfy a mix of economical and ethical criteria” (2003, p. 116).<br />

Nessa era de globalização, em que a vida das pessoas está mudando dentro<br />

e fora das empresas, tem sido crescente a competição instalada em todos os<br />

segmentos da sociedade e a pressão sobre os indivíduos tem aumentado de<br />

modo significativo. Assim, não basta que sejam adotadas práticas de alto nível no<br />

âmbito contábil e financeiro das organizações, se a empresa como um todo, não<br />

estiver sintonizada com a preocupação de permear todas as suas áreas de critérios<br />

e práticas éticas.<br />

Em outras palavras, a conduta ética deve ser a preocupação maior da empresa<br />

porque ela tem a ver diretamente com a realização do ser humano. Quando se<br />

faz referência à empresa fala-se de um ente abstrato, mas tem-se consciência de<br />

que ela é formada por indivíduos e são esses mesmos indivíduos que fomentarão<br />

na organização, as práticas dos melhores padrões de informações financeiras e<br />

contábeis e imprimirão ou não, um caráter ético à organização.<br />

A criação de uma cultura ética em uma empresa não é algo com que a maioria<br />

dos administradores tenha experiência. É fácil cometer erros. Infelizmente, erros<br />

éticos não podem ser desfeitos com a mesma facilidade que erros econômicos.<br />

Aguilar oferece um bom exemplo ao comentar que, enquanto “uma perda<br />

operacional de dez milhões de dólares é compensada por um ganho de dez milhões<br />

[...] o registro das falhas éticas tende a ser escrito com tinta indelével” (1996, p. 37).<br />

Neste trabalho serão analisadas as linhas mestras das melhores práticas<br />

da Governança Corporativa, adotadas pelo Instituto Brasileiro de Governança<br />

Corporativa, para concluir que aliadas a outros princípios e valores éticos permitirão<br />

à empresa atingir o seu fim e deixar um rastro de imagem sólida no mercado.


Ética e governança corporativa<br />

A ética nas organizações e o compromisso com os valores éticos dentro das<br />

empresas é um tema que vem adquirindo particular relevância e destaque nos<br />

últimos anos, tanto academicamente quanto no mundo empresarial e na sociedade<br />

como um todo. Em função do crescente espaço e importância que têm sido<br />

atribuídos aos valores éticos torna-se necessário estabelecer alguns parâmetros<br />

iniciais para analisar o tema.<br />

A questão ética na empresa não passará de um modismo caso a adoção<br />

de valores éticos não esteja fundamentada em uma perspectiva filosófica que<br />

justifique o porquê e a importância de introduzir valores éticos nas empresas e na<br />

Governança Corporativa.<br />

Os valores éticos nas organizações não deveriam ser vistos como um conjunto<br />

de regras que podem contribuir para o resultado econômico da empresa, mas como<br />

algo que representa um valor em si, independentemente do resultado econômico<br />

da empresa.<br />

A questão ética surge na Grécia clássica como uma explicação filosófica da vida<br />

feliz, da vida boa, que vale a pena ser vivida, como ilustra, por exemplo, Platão nos<br />

seus diálogos Alcibíades, Fédon e Ménon. O elemento econômico é um fator fundamental<br />

para a vida, porém pode não contribuir para uma vida boa e feliz caso os resultados<br />

econômicos sejam obtidos à margem dos valores éticos.<br />

No momento em que a ética se torna um modismo nas organizações há<br />

o perigo de que seja instrumentalizada para fins econômicos. Nesse sentido<br />

torna-se necessário adotar, como ponto de partida, que os valores éticos são<br />

fundamentais para a plena realização das pessoas como seres humanos no interior<br />

das organizações. A inversão de valores, ou a subordinação dos valores éticos aos<br />

interesses econômicos pode produzir melhores resultados econômicos para as<br />

empresas, porém nunca será capaz de contribuir para a realização das pessoas<br />

como seres humanos.<br />

O desempenho econômico de uma empresa, medido em termos de lucro,<br />

participação do mercado, volume de negócios ou através de qualquer outro<br />

indicador econômico diz respeito a um resultado fundamental e necessário para<br />

a sobrevivência e continuidade da empresa. Entretanto, em caso de conflito, os<br />

valores éticos devem prevalecer, uma vez que a perspectiva ética é mais importante,<br />

na ordem dos fins da vida humana, do que o resultado econômico.<br />

Há muitas maneiras de traduzir os valores e princípios éticos para a vida das<br />

empresas. A discussão das diversas perspectivas éticas para as organizações é uma<br />

questão que foge ao objetivo deste trabalho sem, no entanto, poder ser deixada<br />

de lado. Uma perspectiva ética que se tem revelado particularmente frutífera<br />

para as organizações é a ética aristotélica. As obras de Tom Morris (1998) e Robert<br />

Solomon (2000) dão referências de como a ética aristotélica pode ser introduzida<br />

na vida das empresas.<br />

De acordo com Aristóteles a vida feliz consiste em viver conforme a virtude.<br />

Partindo da premissa de que toda atividade humana tem um fim, Aristóteles<br />

examina no Livro I da Ética a Nicómaco qual é o fim da vida humana, concluindo que<br />

Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133<br />

127


a virtude é um modo de ser pelo qual a pessoa se torna boa, realiza a sua função<br />

e é feliz.<br />

A virtude concretiza ainda mais Aristóteles no Livro II, é um modo de ser da<br />

reta razão que se adquire pela repetição de atos de virtude, isto é as virtudes são<br />

adquiridas como resultado de ações exteriores. Ou seja, e resumindo o pensamento<br />

aristotélico, a vida feliz é a vida virtuosa e a vida virtuosa é alcançada pela prática<br />

constante de atos de virtude. As virtudes, portanto, são os princípios e valores<br />

que devem presidir o relacionamento e a vida humana em todos os seus âmbitos:<br />

econômico, social, político. Retorna-se, assim, a ponto de partida de que a ética<br />

é um valor em si e de que os valores éticos devem ser preservados em todos os<br />

aspectos da vida humana, também no campo econômico.<br />

Embora estes comentários sobre a perspectiva aristotélica possam parecer<br />

distantes do tema “Ética e Governança Corporativa”, estão muito próximos ao se<br />

considerar que a Governança Corporativa está fundamentada em relacionamentos,<br />

entre pessoas e grupos de pessoas, que representam os interesses das organizações.<br />

As virtudes devem presidir esses relacionamentos. No caso do Código das Melhores<br />

Práticas da Governança Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança<br />

Corporativa, as virtudes que merecem especial destaque são: a equidade, a<br />

transparência e a prestação de contas. Esta última pode ser analisada como uma<br />

consequência da responsabilidade.<br />

Para se entender como a ética, através das virtudes, está presente na<br />

Governança Corporativa, é preciso em primeiro lugar definir bem os termos e<br />

conceitos envolvidos.<br />

Governança Corporativa consiste nas práticas e nos relacionamentos<br />

entre os Acionistas ou Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria<br />

Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da<br />

empresa e facilitar o acesso ao capital. Para João Bosco Lodi “é um novo nome que<br />

identifica o sistema de relacionamento entre esse público” (2000, p. 9).<br />

A expressão Governança Corporativa é designada para abranger os assuntos<br />

relativos ao poder de controle e direção de uma empresa, bem como as diferentes<br />

formas e esferas de seu exercício e os diversos interesses que, de alguma maneira,<br />

estão ligados à vida das sociedades comerciais.<br />

Governança Corporativa é valor, apesar de, por si só, não criá-lo. Isto somente<br />

ocorre quando ao lado de uma boa governança tem-se também um negócio de<br />

qualidade, lucrativo, bem administrado e permeado de princípios éticos. Neste caso,<br />

a boa governança permitirá uma administração ainda melhor, em benefício de todos<br />

os acionistas e daqueles que lidam com a empresa. O movimento de governança<br />

corporativa ganhou força nos últimos dez anos, tendo nascido e crescido,<br />

originalmente, nos Estados Unidos e na Inglaterra e, a seguir, se espalhando por<br />

muitos outros países (www.ibgc.org.br , acessado em maio/2003).<br />

No Brasil, os conselheiros profissionais e independentes começaram a<br />

surgir basicamente em resposta à necessidade de atraírem capitais e fontes de<br />

financiamento para a atividade empresarial, o que foi acelerado pelo processo de<br />

globalização e pelas privatizações de empresas estatais no país.<br />

128<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Hoje, o mercado de capitais, as empresas, os investidores e a mídia especializada<br />

já se utilizam habitualmente da expressão governança corporativa, mencionam e<br />

consideram as boas práticas de governança em sua estratégia de negócios. Um<br />

dos principais responsáveis por essa nova realidade é o IBGC - Instituto Brasileiro<br />

de Governança Corporativa.<br />

Atualmente, diversos organismos e instituições internacionais priorizam<br />

a Governança Corporativa, relacionando-a com um ambiente institucional<br />

equilibrado, com a política macroeconômica de boa qualidade e, assim, estimulando<br />

sua adoção em nível internacional.<br />

“Deve haver uma divisão de esforços entre diretores executivos e outros<br />

líderes, no processo de liderar e dirigir o trabalho e desempenho efetivo de uma<br />

corporação ou organização”. (BRANDÃO FILHO et al., 2001, p. 57).<br />

A boa governança<br />

A boa governança sugere que na gestão da empresa haja separação entre<br />

participação acionária e controle.<br />

Na teoria econômica tradicional, a Governança Corporativa surge para<br />

procurar superar o chamado “conflito de agência”, presente a partir do fenômeno<br />

da separação entre a propriedade e a gestão empresarial. O “principal”, titular da<br />

propriedade, delega ao “agente” o poder de decisão sobre essa propriedade. A<br />

partir daí surgem os chamados conflitos de agência, pois os interesses daquele que<br />

administram a propriedade nem sempre estão alinhados com os de seu titular. Sob a<br />

perspectiva da teoria da agência, a preocupação maior é criar mecanismos eficientes<br />

(sistemas de monitoramento e incentivos) para garantir que o comportamento<br />

dos executivos esteja alinhado com o interesse dos acionistas. (www.ibgc.org.br,<br />

acessado em maio/2003)<br />

A boa governança corporativa proporciona aos proprietários (acionistas ou<br />

cotistas) a gestão estratégica de sua empresa e a efetiva monitoração da direção<br />

executiva. As principais ferramentas que asseguram o controle da propriedade<br />

sobre a gestão são os Conselhos de Administração, a Auditoria Independente e o<br />

Conselho Fiscal. (www.ibgc.org.br acessado em maio/2003).<br />

Outra contribuição à aplicabilidade das práticas de Governança partiu da Bolsa<br />

de Valores de São Paulo, ao criar segmentos especiais de listagem destinados a<br />

empresas com padrões superiores de Governança Corporativa. Além do mercado<br />

tradicional, passaram a existir três segmentos diferenciados de Governança: Nível<br />

1, Nível 2 e Novo Mercado. O objetivo foi o de estimular o interesse dos investidores<br />

e a valorização das empresas listadas.<br />

Basicamente, o segmento de Nível 1 caracteriza-se por exigir práticas<br />

adicionais de liquidez das ações e disclosure. Enquanto o Nível 2 tem por obrigação<br />

práticas adicionais relativas aos direitos dos acionistas e conselho de administração.<br />

O Novo Mercado, por fim, diferencia-se do Nível 2 pela exigência para emissão<br />

exclusiva de ações com direito a voto. Estes dois últimos apresentam como resultado<br />

esperado a redução das incertezas no processo de avaliação, investimento e de risco,<br />

o aumento de investidores interessados e, consequentemente, o fortalecimento do<br />

Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133<br />

129


mercado acionário. Resultados que trazem benefícios para investidores, empresa,<br />

mercado e Brasil. (www.ibgc.org.br, acessado em 19/05/2010)<br />

O IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa é um órgão criado com<br />

a meta principal de contribuir para otimizar o conceito de Governança Corporativa<br />

nas empresas do país. Ao assumir esta missão, o Instituto visa cooperar com o<br />

aprimoramento do padrão de governo das empresas nacionais, para seu sucesso<br />

e perpetuação. A boa Governança Corporativa assegura aos sócios: equidade,<br />

transparência, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa<br />

Equidade<br />

Aristóteles (1973, p. 324-325), afirma que em toda espécie de ação em que<br />

há o mais e o menos também há o igual. Enquanto o injusto é iníquo, o justo é<br />

equitativo; e como o igual é um ponto intermediário, o justo será um meio termo. E<br />

de acordo com Tomás de Aquino (1946, p. 233): “A equidade está ordenada para fazer<br />

triunfar a razão de ser da justiça e o bem comum, objeto próprio da justiça legal”.<br />

Em termos de Governança Corporativa, pode-se dizer que o envolvimento<br />

entre os líderes da empresa, os integrantes do Conselho, os diretores, os auditores,<br />

membros do Conselho Fiscal e as diferentes classes de proprietários deve ser<br />

caracterizado pelo tratamento justo e equânime. Não se aceitam atitudes ou<br />

políticas discriminatórias.<br />

Transparência<br />

Transparente é aquilo que se deixa atravessar pela luz, é diáfano, translúcido,<br />

evidente, claro, dizem os dicionários1 .O Código das Melhores Práticas do IBGC<br />

exige que o executivo principal (CEO) e a diretoria satisfaçam às diferentes<br />

necessidades de informação dos proprietários, do conselho de administração, da<br />

auditoria independente, do conselho fiscal, das partes interessadas (stakeholders) e<br />

do público em geral de modo transparente, sem ocultar nada que seja relevante<br />

para o bom andamento dos negócios. A 4ª edição do referido Código, editado em<br />

2009, pretende basear este princípio em um clima de confiança, não somente entre<br />

o público interno das empresas , como também, em suas relações com terceiros.<br />

Prestação de contas (accountability)<br />

O relatório anual é a mais importante e mais abrangente informação da<br />

companhia, e por isso mesmo não deve se limitar às informações exigidas por lei.<br />

Envolve todos os aspectos da atividade empresarial em um exercício completo,<br />

comparativamente a exercícios anteriores, ressalvados os assuntos de justificada<br />

confidencialidade, e destina-se a um público diversificado.<br />

Os agentes de governança (sócios, administradores, conselheiros de<br />

administração e executivos/ gestores), conselheiros fiscais e auditores) devem<br />

prestar contas de sua administração. E mais, esse dever se complementa com a<br />

1 Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa do Jornal da Tarde. Ed. Globo S.A., São Paulo, S.P. 30ª ed.1993. Novo<br />

Dicionário da Língua Portuguesa, Cândido de Figueiredo, 13ª ed., 1947, W.M. Jackson, Inc. Rio de Janeiro,Brasil.<br />

130<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


demonstração de sua responsabilidade ao assumir as consequências de seus atos<br />

e omissões.<br />

Responsabilidade Corporativa<br />

A responsabilidade é uma virtude que faz com que a pessoa assuma as<br />

consequências pelos seus atos, sejam eles intencionais, resultantes, portanto, das<br />

decisões tomadas ou aceitas; ou não intencionais (ISAACS, 2000, p. 133). Assumir<br />

as consequências significa preocupar-se com a projeção desses atos em relação<br />

aos demais, isto é, se podem beneficiar ou prejudicar as pessoas.<br />

Em se tratando de empresas ou outras instituições, a responsabilidade pelos<br />

resultados, deve ser mais abrangente do que, simplesmente gerar lucros. Significa<br />

preocupar-se com a repercussão dos atos de cada um, em relação à própria empresa<br />

e aos stakeholders.<br />

A 4ª edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa<br />

incluiu como responsabilidade das empresas, a sustentabilidade, de modo que as<br />

estimula a incorporarem considerações de ordem social e ambiental na definição<br />

dos negócios e operações.<br />

Conclusão<br />

As empresas devem ter a preocupação de que todas as suas atividades<br />

estejam permeadas por critérios e práticas éticas. A boa Governança Corporativa<br />

assegura aos sócios: equidade, transparência, prestação de contas (accountability) e<br />

responsabilidade corporativa. Esses valores devem ser assegurados não somente<br />

aos sócios, mas também a todos os stakeholders.<br />

A equidade, por exemplo, deve fazer prevalecer à justiça não apenas no âmbito<br />

dos acionistas e no relacionamento entre eles e a diretoria, auditoria e conselheiros.<br />

A Justiça deve vigorar em todos os setores da empresa. Nenhum privilégio deve<br />

ser concedido, nenhuma informação privilegiada deve ser usada, nenhum abuso<br />

de poder deve ser praticado, nenhum ato desonesto enfim pode ser aceito, nas<br />

empresas que pretendem se pautar pela Ética.<br />

A transparência e a clareza devem ser praticadas entre todos os colaboradores,<br />

clientes, fornecedores, concorrentes e não somente entre os acionistas, diretores e<br />

conselheiros. Nada que seja relevante para o bom andamento dos negócios deve<br />

ser ocultado. Ao mesmo tempo o sigilo e a discrição deverão ser preservados em<br />

todos os âmbitos da organização.<br />

O quadro em que se desenvolve a empresa (sua situação econômica,<br />

financeira, comercial e políticas administrativas) deve ser divulgado entre todos os<br />

interessados na sua atuação. Assim como a responsabilidade deve ser uma virtude<br />

assumida por cada integrante da empresa, cada pessoa tem um papel a cumprir e<br />

o seu desempenho terá influência sobre o desempenho do demais. Todos e cada<br />

um são responsáveis por seus atos.<br />

Com efeito, muitas pessoas passam grande parte do seu tempo nas empresas.<br />

É no convívio com os seus colegas de trabalho e com o público com o qual se<br />

relacionam em função deste trabalho, que se processa o desenvolvimento pessoal<br />

Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133<br />

131


e a realização profissional de cada um. A realidade do dia-a-dia é de uma riqueza<br />

incomensurável, por meio da qual a pessoa cresce, corrige os erros tirando deles<br />

experiência, amadurece, descobre valores, exercita-se na prática desses valores.<br />

Uma virtude, em essência, é um valor incorporado e moldado como ação<br />

(SOLOMON, 2000, p.103). As virtudes resultam de hábitos, e estes da prática<br />

contínua dos mesmos atos. Quem adquire bons hábitos pelo exercício constante<br />

de boas práticas, torna-se uma pessoa íntegra, virtuosa, e a prática das virtudes é<br />

fundamental e se encontra na base da boa Governança Corporativa.<br />

132<br />

Referências Bibliográficas<br />

AGUILAR, Francis J. A ética nas empresas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1996.<br />

Trad. Ruy Jungmann.<br />

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Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133<br />

133


134<br />

Resumos de Monografia<br />

Valores e Proteção Social do<br />

Idoso: Proposta de Índice<br />

Experimental de Bem-Estar<br />

Social *<br />

Resumo:<br />

Este artigo aborda ações direcionadas para<br />

a população idosa brasileira, desenvolvidas<br />

por órgãos públicos, empresas privadas e<br />

Organizações da Sociedade Civil de Interesse<br />

Público (OSCIP); sugere indicadores sociais<br />

que identificam os principais valores e<br />

circunstâncias que influem na qualidade<br />

de vida dos idosos. São examinadas<br />

questões consideradas pertinentes e atuais<br />

para a discussão, tais como: a tendência<br />

demográfica, os valores, o bem-estar social<br />

e a gestão intersetorial de políticas públicas.<br />

O estudo buscou identificar quais os valores<br />

implícitos nos programas e projetos sociais<br />

desenvolvidos intersetorialmente que<br />

influenciam as escolhas dos idosos, e como<br />

essas escolhas determinam as condições de<br />

qualidade de vida dessa população.<br />

Palavras-chave: Idoso. Bem-estar social.<br />

Intersetorialidade<br />

Vanessa Martines Cepellos *<br />

* Este artigo foi extraído da monografia de Iniciação Científica,”Valores e proteção social do idoso: proposta de<br />

índice experimental de bem-estar social”, apresentada, em 2009 na Faculdade de Administração da Fundação<br />

Armando Álvares Penteado sob a orientação da Profª Drª Eloísa Helena de Souza Cabral, tendo sido apresentada<br />

também como trabalho em andamento no 9º Congresso de Iniciação Científica SEMESP em novembro de 2009.<br />

* Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado-FAAP<br />

no ano de 2009 e atualmente atua como Professora Auxiliar de Ensino em Tempo Integral na mesma<br />

Instituição.<br />

Email: vmcepellos@faap.br<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

Abstract:<br />

This article deals with activities aimed<br />

at the brazilian elderly population,<br />

developed by public agencies, private<br />

companies and Civil Society Organizations<br />

of Public Interest (OSCIP) suggests social<br />

indicators that identify the core values and<br />

circumstances that influence the quality of<br />

life for seniors. Relevant and current issues<br />

are considered for discussion, such as the<br />

demographic trend, values, social welfare<br />

and management of intersectoral public<br />

policies. The study sought to identify which<br />

e values are implicit in social programs<br />

and projects developed intersectorally<br />

influencing the choices of the elderly, and<br />

how those choices determine the conditions<br />

of quality of life for this population.<br />

Keywords: Elderly. Welfare. Intersectoral


Introdução<br />

Atualmente, muito se discute acerca do aumento de expectativa de vida no<br />

Brasil e do impacto que esse aumento pode causar na sociedade brasileira. Nos<br />

últimos 46 anos a expectativa de vida saltou de 54,6 anos para 72,3 anos, sendo<br />

registrado, em 2006, um aumento de 32,4%. Estudos populacionais indicam que a<br />

projeção da população aponta para um efetivo de 34,3 milhões de idosos em 2050.<br />

Este fato denota o processo de envelhecimento da população brasileira e se deve<br />

a diversos fatores, dentre ao adiamento da mortalidade por conta dos avanços da<br />

medicina e dos meios de comunicação (IBGE, 2008).<br />

Diante dessa conjuntura, é fundamental que toda a sociedade se atente<br />

e acompanhe esse processo de transição demográfica. Esse quadro requer a<br />

busca de alternativas que proporcionem qualidade de vida e bem-estar aos anos<br />

conquistados e sugere uma maior atenção com esse contingente de idosos por<br />

parte dos órgãos governamentais, dos movimentos e associações da sociedade civil.<br />

A partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e posteriormente<br />

com a Política Nacional dos Idosos e o Estatuto do Idoso, essa população vem sendo<br />

alvo de maiores cuidados. A responsabilidade do Estado em assegurar condições<br />

dignas de sobrevivência se estende à iniciativa privada, a qual atua na proposta de<br />

ações sociais, por meio da responsabilidade social, e às Organizações da Sociedade<br />

Civil de Interesse Público (OSCIP), cabendo a esses setores iniciativas na lógica da<br />

solidariedade.<br />

Desta maneira, as ações acontecem por meio de uma nova forma de gerir<br />

serviços com a atuação dos mais diversos atores da sociedade. A intersetorialidade<br />

se faz necessária nessa sociedade em constante transformação e na qual diversos<br />

setores buscam respostas aos problemas da vida moderna. Ações articuladas têm<br />

como objetivo agrupar energias e recursos visando ao bem comum, norteadas<br />

pelas necessidades do público-alvo e transpondo fronteiras setoriais. As propostas<br />

dessas ações e seus valores são revelados na missão das Instituições públicas,<br />

privadas e do Terceiro Setor que, para Cabral (2007), representa a razão de ser da<br />

organização e aponta para onde os esforços devem ser direcionados. A missão<br />

reflete a maneira como uma questão social se apresenta à sociedade e revela os<br />

valores que deverão ser alcançados mediante o processo de gestão. Nessa linha,<br />

a análise da missão dos programas e projetos sociais englobados na pesquisa de<br />

campo realizada subsidiou o estudo em questão.<br />

1 Idosos e as ações intersetoriais<br />

Segundo a definição legal da Política Nacional do Idoso (Lei 8.842, de 4<br />

de janeiro de 1994) e pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de<br />

2003), é considerado idoso o indivíduo com 60 anos ou mais. No Brasil, em 2007,<br />

havia aproximadamente 20 milhões de idosos, representando 10,5% do total da<br />

população (IBGE, 2007). Nos próximos anos a população de idosos será ainda maior,<br />

a projeção da população sinaliza um efetivo de 34,3 milhões de idosos em 2050<br />

no país (IBGE, 2008). Esse aumento gradativo da população de 60 anos ou mais<br />

indica o processo de envelhecimento populacional que se deve, principalmente,<br />

Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de Bem-Estar Social, Vanessa Martines Cepellos, p. 134-140<br />

135


ao adiamento da mortalidade por conta dos avanços da medicina e dos meios de<br />

comunicação.<br />

Como analisa Maltempi (1999), este é um quadro novo que apresenta o Brasil,<br />

não mais como um país de jovens, mas sim, com grande número de idosos. A autora<br />

chama a atenção para a criação de alternativas de qualidade de vida e bem-estar<br />

à essa população de idosos e sugere maior atenção tanto do governo, como da<br />

sociedade, das empresas e das famílias. Deve-se cogitar, portanto, uma trajetória<br />

de envelhecimento bem-sucedida que, de acordo com Guerreiro e Rodrigues<br />

(1999, p.53), faz com que se pense sobre o ideal de manutenção da autonomia<br />

do idoso, permitindo que o indivíduo siga o curso de sua vida, mantenha a sua<br />

identidade e capacidade de interação e contribua para oferecer maior sentido à<br />

sua sobrevivência. Um envelhecimento bem-sucedido está associado à ideia de<br />

socialização dos idosos por meio de redes sociais.<br />

Dessa forma, é relevante que maiores cuidados e atenção sejam direcionados<br />

aos idosos, de maneira que estes se sintam realmente integrantes da sociedade.<br />

Ações sociais que congregam esforços do Governo, das empresas privadas, das<br />

associações e fundações têm a meta de oferecer serviços para a população idosa.<br />

Essas ações congregadas representam uma mistura de integração e proteção social,<br />

que podem ser analisada pela perspectiva da intersetorialidade e que acontecem,<br />

portanto, no espaço público. Junqueira (2004, p.27) faz menção à visão integrada<br />

de diferentes atores acerca dos problemas sociais e declara que a intersetorialidade<br />

está intimamente ligada à qualidade de vida de uma população e chama a atenção<br />

para a necessária visão integrada das questões sociais. Para o autor, esta é uma<br />

nova possibilidade de solucionar os problemas que incidem sobre a população<br />

de um determinado território.<br />

2 Qualidade de Vida e Bem-estar como Valores Sociais<br />

São muitos os conceitos de qualidade de vida e bem-estar. O tema envolve<br />

diversos campos, desde a área da saúde até a economia e por isso as definições são<br />

complexas e diversas. Sen (1993, p.31) estudou o assunto através da Abordagem<br />

das Capabilities, conceito utilizado para a avaliação do bem-estar individual e do<br />

regime social, da concepção de políticas e de propostas de mudanças sociais<br />

associadas a uma ampla gama de áreas. A Abordagem das capabilities abrange todas<br />

as dimensões do bem-estar humano, dando bastante atenção às ligações entre os<br />

aspectos material, mental, social e os interesses econômicos, políticos e culturais<br />

da vida. Para o autor, o alcance do bem-estar de uma pessoa pode ser visto como<br />

uma avaliação da capacidade ou do acesso que a pessoa tem para realizar o estado<br />

de bem-estar. O exercício, então, é avaliar os elementos constituintes do indivíduo,<br />

vistos da perspectiva de acesso ao próprio bem-estar pessoal.<br />

Dessa forma, o bem-estar é avaliado segundo o estado do indivíduo, de acordo<br />

com seus elementos constituintes e suas realizações, compondo o conjunto de<br />

escolhas sociais que constitui o pacote (bundle) de elementos considerados, pelo<br />

próprio indivíduo, valiosos para sua vida. Pode-se dizer que a liberdade da escolha<br />

está intimamente ligada à capability e, portanto, qualidade de vida dos indivíduos.<br />

136<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


3 Metodologia da Pesquisa<br />

A coleta de informações a respeito do que o idoso realiza em sua vida foi<br />

efetuada com base em uma pesquisa de campo, com uma amostra de 110 idosos:<br />

25 idosos asilados, 60 idosos participantes de programas e projetos sociais e 25<br />

idosos não participantes de programas e projetos sociais.<br />

Por grupo de não participantes de programas e projetos sociais, entende-se os<br />

idosos que não participam de ações sociais, pois não se interessam e não procuram<br />

por este serviço. Por grupo de asilados, entende-se idosos que vivem nas entidades<br />

ou instituições beneficentes. Por grupo de participantes de programas e projetos<br />

sociais entende-se os idosos que estão envolvidos em programas e projetos sociais,<br />

sejam eles desenvolvidos pelas prefeituras, empresas ou organizações do Terceiro<br />

Setor.<br />

Assim, foi possível identificar os valores prezados pelos grupos, as escolhas<br />

sociais que estes idosos realizam na sociedade e sua percepção da qualidade de<br />

vida. Para a obtenção de dados primários foi elaborado um questionário composto<br />

por quatro partes.<br />

A primeira parte do questionário, denominada “Caracterização”, identifica o<br />

perfil do idoso através das variáveis de caracterização do indivíduo.<br />

Na segunda parte, denominada “Valores/Atitudes”, o indivíduo deveria ordenar<br />

os valores pessoais de acordo com a importância de cada um deles em sua vida,<br />

atribuindo ao valor mais importante a nota dez, ao menos importante a nota<br />

um e aos demais, atribuir em ordem decrescente do mais importante ao menos<br />

importante as notas de nove a dois, sem repetição da mesma nota para valores<br />

diferentes. Os valores apresentados foram: reconhecimento social, experiência<br />

de vida, auto-estima, participação na comunidade, condição econômica, ser útil<br />

socialmente, laços familiares, amizades, independência e autonomia e proteção.<br />

A terceira parte do questionário, denominada “Temas Sociais”, é composta por<br />

dez questões com cinco ou seis alternativas de resposta, em que o indivíduo deveria<br />

assinalar a alternativa que melhor se encaixa na compreensão do que significa<br />

para ele a oferta de bem-estar. A intenção era identificar o conjunto de escolhas<br />

sociais que o idoso realiza. Os temas sociais que compuseram o questionário foram:<br />

acessibilidade e segurança, assistência social, consumo, relações humanas, cultura,<br />

igualdade social, saúde, trabalho, lazer e uso do tempo.<br />

Na última parte do questionário, denominada “Qualidade de Vida”, foi definido<br />

um formato para medir a intensidade das respostas, em que foram fornecidas dez<br />

afirmações relacionadas aos temas sociais. O entrevistado deveria atribuir uma nota<br />

de 1 a 6 para as frases apresentadas; a nota 1 significava que a pessoa discordava<br />

totalmente da afirmação e a nota 6 que a pessoa concordava totalmente com a<br />

afirmação. Nesta situação, as frases permitiram estimar as alternativas para uma<br />

qualidade de vida satisfatória.<br />

4 Análise dos Resultados<br />

Para o grupo de asilados, os resultados obtidos foram diferentes dos demais,<br />

constituindo-se esse grupo em um caso único. Assim, o valor pessoal “amizades”<br />

Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de Bem-Estar Social, Vanessa Martines Cepellos, p. 134-140<br />

137


é o mais prezado entre os idosos e a condição econômica é o menos prezado. As<br />

escolhas que se referem ao estado de bem-estar relativas a cada tema social foram:<br />

segurança no lar em que reside; abrigo para a Terceira Idade; moradia; convivência<br />

com os amigos da comunidade ou do local em que reside; rádio e TV; aceitação<br />

do idoso; cuidados com a alimentação; satisfação pessoal e auto-estima; religião:<br />

cultos e reuniões; atividades laborais. No que tange à percepção da qualidade de<br />

vida, a afirmação referente ao tema social consumo obteve maior média de notas<br />

e a afirmação relativa ao tema saúde foi o que obteve a menor média.<br />

Para o grupo de não participantes de programas e projetos sociais, o valor<br />

“laços familiares” é o mais prezado dentre os idosos e o valor “reconhecimento<br />

social” é o menos prezado. As escolhas que se referem ao estado de bem-estar,<br />

respectivas a cada tema social, para este grupo foram: equipamentos públicos e<br />

privados adaptados para a Terceira Idade; serviço médico/odontológico; aquisição<br />

de medicamentos e serviços médicos/odontológicos; convivência com os filhos;<br />

rádio e TV; aceitação do idoso; atendimento médico/odontológico, medicamentos<br />

e vacinação; satisfação pessoal e auto-estima; religião: cultos e reuniões; e a<br />

realização de atividades domésticas. No que tange à percepção da qualidade de<br />

vida, a afirmação relativa ao tema social relações humanas obteve maior média<br />

de notas e a afirmação relativa ao tema social assistência social foi o que obteve<br />

a menor média.<br />

Para o grupo de participantes de programas e projetos sociais, o valor “laços<br />

familiares” é o mais prezado dentre os idosos e o valor “proteção” é o menos<br />

prezado. As escolhas que se referem ao estado de bem-estar respectivamente a<br />

cada tema social foram: segurança e defesa pública; serviço médico/odontológico<br />

para a população da Terceira Idade; lazer: teatros, cinemas, viagens, entre outros;<br />

convivência com os filhos; cursos específicos para a Terceira Idade; aceitação do<br />

idoso; cuidados com a alimentação; aplicação da experiência que adquiriu durante<br />

a vida; viagens; realização de atividades domésticas. Concernente à percepção<br />

da qualidade de vida, a afirmação relativa ao tema social uso do tempo foi o que<br />

obteve maior média de notas e a afirmação relativa ao tema assistência social<br />

obteve a menor média.<br />

Os dados possibilitaram a criação de um Índice capaz de medir o Bem-estar<br />

social do idoso, permitindo maior conhecimento acerca dos grupos selecionados<br />

para análise. Para sua criação foi utilizada a metodologia sugerida por Jannuzzi<br />

(2008) de Indicador Sintético. O Índice, denominado Índice Experimental de Bemestar<br />

Social (IEBS) foi configurado com base no conjunto de indicadores de bemestar<br />

social: Indicador Família, Indicador Convivência Familiar, Indicador Nível de<br />

Escolaridade, Indicador Renda e Indicador Escolhas. Os valores do IEBS referente a<br />

cada indivíduo estão situados entre 0 e 1, sendo que “0” representa o mínimo de<br />

bem-estar e “1” representa o máximo de bem-estar na vida do indivíduo.<br />

Os índices IEBS obtidos na pesquisa com os 110 idosos foram submetidos à<br />

análise estatística descritiva com ferramentas do aplicativo Microsoft Excel e os<br />

indivíduos tratados em 3 grupos distintos: participantes de programas e projetos<br />

sociais, não participantes de programas e projetos sociais e asilados. Os resultados<br />

138<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


foram analisados a partir do intervalo de confiança em que se concentram 95%<br />

dos IEBS.<br />

Para o grupo de não participantes de programas e projetos sociais, o intervalo<br />

é de 0,7154 até 0,7979. Isto significa que 95% dos indivíduos do grupo de idosos<br />

que não participam de programas e projetos sociais possuem alto IEBS, pois se<br />

aproximam do valor ideal 1. A média do IEBS deste grupo é 0,7566.<br />

Quanto ao grupo dos participantes de programas e projetos sociais, visto que<br />

95% dos IEBS se concentram no intervalo de 0,6858 e 0,7673, estes atingem parte<br />

do intervalo do grupo de não participantes de programas e projetos sociais, o IEBS<br />

para o tipo ideal de um grupo pode pertencer ao outro grupo na medida em que<br />

as médias são estatisticamente indistintas. A média do IEBS deste grupo é 0,7255.<br />

O intervalo de confiança relativo ao grupo dos asilados ficou entre 0,3844 e<br />

0,5852. Isto significa que 95% dos indivíduos do grupo dos asilados possuem IEBS<br />

dentro deste intervalo e exprimem valores distantes do ideal 1. A média do IEBS<br />

deste grupo é 0,4848.<br />

A criação do IEBS permitiu levantar duas hipóteses: (a) asilados constituem<br />

um grupo de idosos isolados da sociedade; confirmada quando se verifica que a<br />

média do IEBS para o grupo de asilados em relação aos demais grupos de análise<br />

não são estatisticamente iguais, demonstrando que os grupos agregam indivíduos<br />

diferentes para a métrica do IEBS, e a hipótese (b) Os programas e projetos sociais<br />

apresentam uma amplitude quanto ao acolhimento dos indivíduos com os mais<br />

variados perfis mensurados pelo índice; confirmada quando se verifica a igualdade<br />

das médias do IEBS dos grupos de não participantes de programas e projetos sociais<br />

e do grupo de participantes de programas e projetos sociais, demonstrando que os<br />

grupos agregam indivíduos semelhantes para a métrica do IEBS, fato que decorre<br />

da universalidade dos programas sociais que acontecem na intersetorialidade.<br />

Considerações Finais<br />

Este artigo delineou questões concernentes ao idoso, tais como suas<br />

características e sua inserção na sociedade, como também os fatores referentes à<br />

sua qualidade de vida e bem-estar, condições estas propostas pelos diversos atores<br />

sociais e como estes diversos atores podem atuar por meio da intersetorialidade.<br />

Em linhas gerais, este estudo teve como objetivo sugerir indicadores sociais<br />

que permitissem avaliar os principais valores e resultados que interferem na<br />

qualidade de vida dos idosos. A pesquisa de campo teve como finalidade conhecer<br />

quais os valores que o idoso preza, suas escolhas sociais e a percepção que possui<br />

acerca de sua qualidade de vida. Os dados obtidos permitiram ainda a criação<br />

de um Índice, o Índice Experimental de Bem-estar Social do Idoso (IEBS), que<br />

possibilitou separar os grupos de análise e identificar as diferenças entre os grupos<br />

e as possíveis convergências em termos de valores do espaço público nos quais as<br />

iniciativas acontecem.<br />

O resultado obtido permite indicar que asilados compõem um grupo à parte<br />

dos demais analisados, visto que o índice foi capaz de configurá-los como um<br />

caso extremo. Assim, uma Instituição sem um plano pode levar à marginalização<br />

de indivíduos.<br />

Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de Bem-Estar Social, Vanessa Martines Cepellos, p. 134-140<br />

139


Conclui-se, também, que a importância das relações sociais como atributo do<br />

espaço público manifesta-se nas sociabilidades induzidas pelos programas sociais<br />

e são reconhecidas pelos idosos como uma importante contribuição das atividades<br />

intersetoriais para o florescimento do espaço público.<br />

Os entrevistados, ao escolherem a qualidade de vida e bem-estar, definem<br />

os seus olhares para o futuro. Alguns com mais capacidade para determinar suas<br />

condições de qualidade de vida, outros em busca de algumas saídas para que essa<br />

qualidade se materialize. Ambos com crença nos laços e vínculos sociais, crença<br />

essa que qualifica cada ser como essencialmente humano.<br />

140<br />

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<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


A Evolução do Uso de<br />

IPO como Alternativa de<br />

Financiamento por Parte das<br />

Empresas Brasileiras<br />

Andréia Ghion e Horciliano Marques ∗<br />

Resumo:<br />

A oferta pública inicial (IPO), do inglês<br />

“initial public offering”, é considerada<br />

como alternativa para o financiamento e<br />

desenvolvimento das empresas brasileiras.<br />

Apresenta-se, neste artigo, o processo<br />

evolutivo do mercado de capitais, com o<br />

aprimoramento da auto-regulação e a busca<br />

pela eficiência compatível com os maiores<br />

mercados de capitais mundiais. Nossa<br />

abordagem refere-se aos fundamentos<br />

teóricos que proporcionaram sustentação<br />

aos argumentos apontados.<br />

Palavras chave: Abertura. Capital.<br />

Regulamentação. Financiamento.<br />

Desenvolvimento. Mercado de capitais<br />

Abstract:<br />

Initial public offering is evaluated as an<br />

alternative for the funding and growth of<br />

Brazilian companies. The capital market<br />

evolutionary process is discussed, considering<br />

the self-regulation improvements and the<br />

search for effectiveness, which must achieve<br />

the same level as the major worldwide<br />

capital markets. The approach refers to the<br />

theoretical principles that provided grounds<br />

for the opinions expressed here.<br />

Keywords: Public offering. Capital.<br />

Regulation. Funding. Development.<br />

Capital market.<br />

* Andréa Ghion é administradora de empresas, com MBA Executivo pela FAAP, é diretora do Grupo Parra<br />

Comunicação. Horciliano Marques é administrador de empresas, com MBA Executivo pela FAAP, é Gerente de<br />

Prevenção a Atos Ilícitos no Banco Itaú S/A.<br />

A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento..., Andréia Ghion e Horciliano Marques, p. 141-146<br />

141


Introdução<br />

A maioria dos negócios inicia-se com uma empresa individual ou sociedade, e<br />

as mais bem-sucedidas na medida em que crescem consideram desejável converterse<br />

em empresas de capital aberto. Inicialmente, as ações dessas novas empresas<br />

são captadas pelos executivos e funcionários-chave das empresas, além de uns<br />

poucos investidores, que não estão ativamente envolvidos com a administração.<br />

Entretanto, se o crescimento continuar, essas empresas poderão decidir abrir seu<br />

capital 1 .<br />

A Oferta pública inicial (IPO) é o evento que marca a primeira venda de ações<br />

ordinárias de uma empresa no mercado de ações. A abertura de capital pode<br />

ser entendida como a democratização do capital social de uma companhia, pois<br />

permite a distribuição de suas ações a um grande número de investidores. As<br />

limitações de uso do capital de terceiros e o esgotamento da capacidade do Estado<br />

de financiar os crescentes investimentos da indústria nacional em transformação<br />

fizeram com que o mercado de capitais se tornasse estrategicamente importante.<br />

Logo, a decisão de abertura de capital ganhou o merecido destaque.<br />

A estabilização da economia e a liquidez internacional contribuíram para esse<br />

aumento do número de ofertas. Além do mais, não se pode deixar de destacar a<br />

importância da criação de diferentes níveis de governança corporativa por parte<br />

da Bolsa de Valores de São Paulo 2 .<br />

A partir de meados da década de 1990, com a aceleração da abertura da<br />

economia brasileira, houve não somente um aumento do volume de investidores<br />

estrangeiros atuando no mercado de capitais brasileiro, como algumas empresas<br />

brasileiras começam a alcançar o mercado externo pela da listagem de suas ações<br />

em bolsas de valores estrangeiras, com o intuito de se capitalizar por meio do<br />

lançamento de valores mobiliários no exterior, principalmente nos EUA. Com isso,<br />

as companhias abertas nacionais foram obrigadas a seguir as regras contábeis,<br />

de transparência e divulgação de informações impostas pelo órgão regulador<br />

do mercado de capitais norte-americano, “Securities and Exchange Commission”<br />

(SEC). Além do mais, com a listagem internacional essas empresas começaram a<br />

atrair acionistas mais exigentes, habituados a investir em mercados com práticas<br />

de governança corporativa, mais avançadas das aplicadas no mercado brasileiro.<br />

Tais práticas garantiam tanto proteção ao acionista minoritário, como redução das<br />

incertezas em relação às aplicações financeiras, uma vez que possuíam regras de<br />

maior transparência e supervisão de tais companhias.<br />

Neste cenário ocorre a necessidade de alterações da Lei Societária em vigor<br />

desde 1976 (Lei nº 6.404/76) 3 , surgindo a Nova Lei das S/As - Nº 10.303 de 2001 4 a<br />

142<br />

1 WESTON, J. Fred; BRIGHAM, Eugene F. Fundamentos da administração financeira. 10ª Ed.. São Paulo: Pearson<br />

Education do Brasil, 2000. p. 756.<br />

2 BOVESPA. Disponível em: . Acesso em 25 mai 2008.<br />

3 Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações.<br />

4 Lei no 10.3033/01, de 31 de outubro de 2001 - Altera e acrescenta dispositivos na Lei nº 6.404, de 15 de<br />

dezembro de 1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações, e na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976,<br />

que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


fim de aperfeiçoar e incrementar os direitos e proteção dos acionistas minoritários,<br />

fortalecer o mercado de capitais e estimular a maior participação dos investidores.<br />

Nessa alteração foram introduzidas diversas regras com princípios de “disclousure”<br />

(transparência), tratamento eqüitativo, “compliance” e “accountability” (prestação<br />

de contas), além da volta do “tag along” que estabelece garantia de preço aos<br />

acionistas minoritários na venda das suas ações, impedindo que sejam ignorados,<br />

na venda do controle da empresa pelo acionista majoritário.<br />

Essas alterações contribuíram para a confiabilidade dos investidores e, a<br />

partir de 2003, haveria um reaquecimento do mercado acionário, com aumentos<br />

significativos nos volumes médios diários de negócios registrados pela Bovespa 5 .<br />

Com a modernização do Mercado de Capitais, a auto-regulação foi um tema<br />

que ganhou maior importância, aparecendo a necessidade de uma regulamentação<br />

específica das ofertas públicas. Essa regulamentação foi consolidada na Instrução<br />

CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003 6 . Um ponto interessante desta<br />

regulamentação, deixa claro que a CVM apenas regula o processo, eximindo-se de<br />

qualquer avaliação relativa às expectativas de retorno do papel objeto da oferta.<br />

Neste sentido, destaca-se o importante papel desempenhado pela Associação<br />

Nacional dos Bancos de Investimento (ANBID) 7 , que é a principal representante das<br />

instituições que atuam no mercado de capitais brasileiro, e tem por objetivo buscar<br />

seu fortalecimento como instrumento fomentador do desenvolvimento do país.<br />

Dentre as recentes iniciativas voltadas para o aperfeiçoamento do Mercado<br />

de Capitais no Brasil, destaca-se o Plano Diretor do Mercado de Capitais 8 , liderado<br />

pela Bovespa e com a participação de 45 outras entidades. Os principais objetivos<br />

desse Plano Diretor foram identificar as ações do governo e do setor privado<br />

promovidas para superar obstáculos ao desenvolvimento e à funcionalidade do<br />

mercado de capitais brasileiro, criando condições compatíveis com sua eficiência;<br />

promovendo adequado grau de coordenação entre ações públicas e privadas e<br />

mobilizar todos os segmentos da sociedade em favor da prioridade e urgência do<br />

desenvolvimento desse mercado.<br />

Entre os principais resultados alcançados, destacam-se a alteração na<br />

tributação sobre o mercado de capitais, com destaque para o fim da contribuição<br />

provisória sobre a movimentação financeira (CPMF); o aperfeiçoamento dos<br />

processos de auto-regulação; e o aperfeiçoamento das boas práticas de governança<br />

corporativa.<br />

É importante mencionar entre estes resultados a criação do Bovespa Mais,<br />

novo segmento destinado às empresas com estratégias graduais e diferenciadas<br />

de acesso ao mercado de capitais e que se comprometem com boas práticas de<br />

5 BOVESPA. Disponível em: . Acesso em 25 mai 2008.<br />

6 COMISSÃO DE VALORES MOBIL. Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003. Dispõe sobre as ofertas<br />

públicas de distribuição de valores mobiliários, nos mercados primário ou secundário. Disponível em:<br />

. Acesso em 27 mai 2008.<br />

7 ANBID, op. cit.<br />

8 PLANO DIRETOR DO MERCADO DE CAPITAIS. Disponível em:<br />

. Acesso em 15 set 2008.<br />

A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento..., Andréia Ghion e Horciliano Marques, p. 141-146<br />

143


governança corporativa. A criação deste novo segmento permitiu a redução dos<br />

custos de IPO e facilitou o acesso ao mercado de capitais.<br />

Na Ata da 24ª Reunião do Comitê Executivo do Plano Diretor do Mercado de<br />

Capitais realizada em 23/04/2007 9 , além de ter sido feito um balanço dos resultados<br />

obtidos, também foram definidas as principais diretrizes que têm norteado e que<br />

nortearão a atuação do citado fórum, entre as quais se ressaltam:<br />

144<br />

a) Atuação junto ao Ministério da Educação visando à inclusão nos cursos<br />

básicos de disciplinas voltadas para educação financeira e de formação de<br />

poupança de longo prazo.<br />

b) A continuidade ao Programa de Popularização do Mercado, que vem<br />

sendo conduzido pela Bovespa, buscando inclusive maior participação dos<br />

trabalhadores no capital das empresas.<br />

c) A criação de um novo modelo previdenciário, buscando benefícios fiscais<br />

de longo prazo e permitindo que este seja mais um veículo de participação<br />

dos trabalhadores no capital das empresas.<br />

d) A possibilidade dos trabalhadores utilizarem, voluntariamente, parte dos<br />

recursos do FGTS para a aquisição de ações.<br />

e) A utilização da Participação nos lucros e resultados (PLR) do trabalhador no<br />

capital das empresas, cujo estudo já foi desenvolvido, dependendo de uma<br />

ação que envolva várias entidades para sua efetiva implementação.<br />

f) Os fundos de investimentos, os certificados de recebíveis imobiliários, a<br />

securitização de hipotecas e seus derivativos, a abertura do capital das<br />

empresas do setor são alguns dos veículos do mercado de capitais que<br />

podem ser utilizados para o desenvolvimento do mercado imobiliário.<br />

g) A possibilidade de criação de novos títulos agrícolas e a abertura de capital<br />

na bolsa de empresas do setor são fortes indicativos que caberá ao mercado<br />

de capitais financiar o crescimento do setor agrícola.<br />

Pode-se afirmar que nas últimas décadas foram inúmeras as transformações<br />

pelas quais passou o mercado de capitais brasileiro, saindo de um período de<br />

baixa regulamentação e pouco apelo junto à sociedade, e que chega aos dias<br />

atuais permeado por uma legislação mais eficiente e possuindo um maior nível<br />

de penetração junto à sociedade em geral.<br />

Em que pese às críticas existentes em relação à lisura e forma de condução dos<br />

processos de privatização no Brasil, é inegável que os recursos obtidos por meio da<br />

venda das empresas estatais foram fundamentais para a melhoria dos fundamentos<br />

econômicos do país, principalmente no que se refere à redução da dívida pública.<br />

Além do mais, os investimentos realizados pelas empresas que assumiram o<br />

controle das estatais deram inicio a uma fase de transformação na infra-estrutura<br />

de serviços do no país. Apesar dos inúmeros problemas ainda existentes, quem<br />

não se recorda do período em que os usuários enfrentavam uma longa espera para<br />

terem acesso a uma linha telefônica?<br />

Outro exemplo de sucesso é o caso da Vale do Rio Doce que, na época de sua<br />

9 Ata da 24ª Reunião do Comitê Executivo do Plano Diretor do Mercado de Capitais – 23/04/07 - Sede da Bovespa.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


privatização estava praticamente falida e hoje se tornou uma companhia global.<br />

No setor privado, o IPO também se mostrou uma alternativa interessante para<br />

obtenção de investimentos onde inúmeras empresas abriram seu capital, visando<br />

atrair recursos para dar continuidade ao seu processo de crescimento. Até mesmo<br />

grandes Grupos Empresariais, cuja administração tinha caráter basicamente familiar,<br />

foram atraídos por este mecanismo, como por exemplo, os Grupos Gerdau e Pão<br />

de Açúcar.<br />

É importante destacar que como qualquer outra estratégia empresarial, o uso<br />

do IPO como fonte de captação de recursos apresenta vantagens e desvantagens.<br />

Entre as vantagens, podemos mencionar o aumento da base de captação de<br />

recursos, o que permite atrair investimentos que serão destinados ao financiamento<br />

de projetos, expansão, mudança de escala ou diversificação de seus negócios, ou<br />

mesmo à reestruturação de seus passivos financeiros.<br />

A abertura de capital também apresenta algumas desvantagens, como a que<br />

se refere aos custos financeiros deste processo, uma vez a empresa será obrigada<br />

a manter um departamento de acionistas e um departamento de relações com os<br />

investidores, com a missão de centralizar todas as informações internas a serem<br />

fornecidas ao mercado. Adicionalmente, a companhia deverá contratar uma<br />

empresa especializada em emissão de ações escriturais, custódia, serviços de<br />

planejamento, de corretagem e “underwriting”. Além disso, também deverá arcar<br />

com os custos referentes às taxas da CVM e das Bolsas de Valores; à contratação de<br />

serviços de auditores independentes mais abrangentes que aqueles exigidos para<br />

as demais companhias; e as despesas de divulgação de informação sistemática ao<br />

mercado sobre as atividades da empresa.<br />

Do ponto de vista do cenário atual e das perspectivas futuras, devemos frisar<br />

a importância da criação da nova bolsa, que tende não só a consolidar-se, mas<br />

melhorar, na medida do crescimento do País e do reconhecimento da economia<br />

brasileira entre as mais atrativas do mundo. Outro acontecimento recente refere-se<br />

à classificação do Brasil como “investment grade”. Normalmente, quando se recebe<br />

a nova classificação, o prêmio de risco cai, atraindo investidores para o Mercado<br />

de Capitais interno. A percepção que prevalece é que, com a eventual retomada<br />

do crescimento econômico, virá para o Brasil um número elevado de investidores<br />

estrangeiros, o que fará com que a demanda cresça, incentivando as empresas ao<br />

lançamento de suas ações.<br />

Dessa forma, parece claro que a captação de recursos por meio da abertura<br />

de capital é uma alternativa interessante. Contudo, a decisão final deverá levar em<br />

conta vários fatores, como a situação macroeconômica, setorial e do mercado de<br />

capitais. O cenário atual exemplifica de forma bastante clara que o mercado de<br />

valores imobiliários é cíclico e, nem sempre, é possível realizar a abertura de capital<br />

a um preço considerado justo pelos atuais acionistas. Desta forma, é necessário que<br />

a operação seja concretizada no momento certo, que nem sempre coincide com a<br />

necessidade de recursos da empresa, exigindo, portanto, que haja um planejamento<br />

de médio prazo. Outro ponto importante a ser considerado, é o fato de o mercado<br />

de capitais ainda ser relativamente elitizado, ou seja, é necessário que a companhia<br />

já tenha certo porte, tradição, administração de caráter profissional e que atue num<br />

A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento..., Andréia Ghion e Horciliano Marques, p. 141-146<br />

145


mercado interessante e com perspectivas positivas. Desta forma, para empresas de<br />

pequeno porte, ou que atuem em segmentos fortemente afetados por questões<br />

como a informalidade, a abertura de capital ainda não se apresenta como uma<br />

alternativa atraente de financiamento.<br />

É possível afirmar que o aumento no uso de IPO, é um fator benéfico para<br />

todo o mercado de capitais, pois além de acelerar o crescimento da produção<br />

e do emprego, permitirá atingir outros objetivos de significado social, como<br />

a geração de recursos para grandes projetos de infra-estrutura, impactando a<br />

melhora da qualidade de vida da população; o aceso à casa própria, com a oferta<br />

de financiamento habitacional de longo prazo e, finalmente, a democratização do<br />

capital, ao facilitar o acesso de pequenos poupadores a projetos de grande escala<br />

e rentabilidade.<br />

146<br />

Referências Bibliográficas<br />

ANBID - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS BANCOS DE INVESTIMENTO.<br />

Disponível em: .<br />

COSTA, Roberto Teixeira da. Mercado de capitais: uma trajetória de 50 anos. São<br />

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internacional. 9ª Ed. Porto Alegre: Bookman, 2002.<br />

FITCH RATINGS. Disponível em:.<br />

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INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Disponível<br />

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JORNAL GAZETA MERCANTIL. Grau de investimento. Suplemento Especial. 4<br />

mai 2008.<br />

PLANO DIRETOR DO MERCADO DE CAPITAIS. Disponível em: .<br />

SOUSA, Lucy Aparecida de Sousa. O mercado de capitais brasileiro no período 1987-<br />

97 [tese]. Campinas: Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, 1998.<br />

SOUZA SANTOS, Tharcisio Bierrenbach. Desenvolvimento financeiro e crescimento<br />

econômico: a modernização do sistema financeiro brasileiro [tese]. Departamento<br />

de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na Universidade de<br />

São Paulo: São Paulo, 2005.<br />

WESTON, J. Fred; BRIGHAM, Eugene F. Fundamentos da administração financeira.<br />

10ª Ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2000.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Responsabilidade social empresarial a<br />

contribuição dos relatórios sociais para<br />

a sua gestão estratégica *<br />

Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares **<br />

Resumo:<br />

O presente artigo tem como foco a<br />

Responsabilidade Social Empresarial,<br />

buscando avaliar sua importância no meio<br />

empresarial e destacar a importância<br />

dos relatórios sociais como ferramentas<br />

utilizadas pelas empresas para difundir a<br />

ideia, publicar e mensurar os resultados<br />

das suas ações de responsabilidade social.<br />

São discutidos ainda dois modelos de<br />

mensuração de resultados, o Balanço Social<br />

do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e<br />

Econômicas (IBASE) e o Global Reporting Initiative<br />

(GRI) da Coalition for Environmentally Responsible<br />

Economies (CERES) e do Programa das Nações<br />

Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Por<br />

fim, o artigo aborda a forma como esses<br />

relatórios são utilizados pela empresa<br />

Vale para avaliar a importância desses dois<br />

modelos na apresentação dos resultados das<br />

ações de responsabilidade social.<br />

Palavras Chave: Responsabilidade social,<br />

Estratégia, Relatórios de Responsabilidade<br />

Social, Vantagem Competitiva.<br />

Abstract:<br />

The present article focuses on Corporate<br />

Social Responsiblity, in order to evaluate its<br />

importance in the corporative environment.<br />

It also aims to emphasize the role of social<br />

reports as tools used by the corporations to<br />

disseminate the idea of Social Responsibility<br />

and publish and measure the results of<br />

their actions in this area. Two models of<br />

result measurement are discussed: the<br />

Balanço Social do Instituto Brasileiro de Análises Sociais<br />

e Econômicas - IBASE (Social Balance of the<br />

Brazilian Institute of Social and Economic<br />

Analysis) and the Global Reporting Initiative<br />

(GRI) of the Coalition for Environmentally<br />

Responsible Economies (CERES) and of the<br />

United Nations Environment Programme<br />

(UNEP). Finally the article analyzes how<br />

these reports are used by Vale Corporation<br />

to evaluate the importance of these<br />

two models in the presentation of social<br />

responsibility actions results.<br />

Keywords: Social Responsability, Strategy,<br />

Social Responsabiblity Report, Conpetitive<br />

Advantage.<br />

*<br />

Este artigo foi extraído da monografia de Iniciação Científica, “Responsabilidade social empresarial e a contribuição<br />

dos relatórios sociais para a sua gestão”, apresentada, em 2009, na Faculdade de Administração da Fundação<br />

Armando Alvares Penteado, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Dirce Harue Ueno Koga , tendo sido apresentada<br />

também como trabalho em andamento no 9º Congresso de Iniciação Científica SEMESP em novembro de 2009.<br />

**<br />

Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares são graduadas em Administração de Empresas pela<br />

Faculdade de Administração da FAAP.<br />

Responsabilidade social empresarial a contribuição..., Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares, p. 147-153<br />

147


Introdução<br />

O conceito de Responsabilidade Social é tão antigo quanto podemos imaginar,<br />

ele existe desde o inicio de nossa sociedade, porém não da perspectiva que<br />

conhecemos atualmente. Na sociedade colonial brasileira a Responsabilidade Social<br />

já estava, porém como forma de filantropia realizada principalmente pelas Igrejas.<br />

O século XX e o início do século XXI representam um marco para a<br />

Responsabilidade Social, pois nesse período a temática começou a envolver<br />

também o âmbito empresarial, uma vez que, até então, ela estava mais presente na<br />

sociedade por meio das instituições governamentais e religiosas. Nesse momento,<br />

o desemprego, a exclusão social, fez com que a idéia de Responsabilidade Social<br />

passasse a ser aplicada também nas empresas, nascendo assim, a Responsabilidade<br />

Social Empresarial (RSE).<br />

Apesar do desenvolvimento da idéia de RSE “a premissa fundamental da<br />

legislação sobre as corporações era de que tinha como propósito, a realização do<br />

lucro para seus acionistas” (ASHLEY, et al, 2004, p. 18), entretanto surgiram diversas<br />

manifestações no mundo em favor da Responsabilidade Social e a “noção de<br />

que a corporação deve responder apenas aos acionistas, sofreu muitos ataques”<br />

(ASHLEY, et al, 2004, p. 19). Embora o conceito mais amplo de Responsabilidade<br />

Social Empresarial já houvesse sido desenvolvido, ele ainda era muito limitado à<br />

idéia de garantir a segurança no ambiente de trabalho com preocupações com a<br />

ética empresarial e princípios como: honestidade, integridade, justiça e confiança.<br />

O conceito de RSE se ampliou quando incorporou o conceito e os interesses<br />

de stakeholders 1 : “a idéia de responsabilidade dissocia-se progressivamente na noção<br />

discricionária de filantropia, e passa a referir-se às consequências das próprias<br />

atividades usuais da empresa” (KREITLON, 2004, p. 5).<br />

Na década de 90 o tema da Responsabilidade Social assumiu um aspecto<br />

empresarial tão forte, ao ponto de se transformar em uma doutrina empresarial,<br />

sem a qual não há sucesso. Nesse sentido, os empresários foram incentivados a<br />

investir cada vez mais em causas sociais o que contribuiu de forma significativa<br />

para gerar mudanças de grau estratégico nas empresas. A RSE passa a ser encarada<br />

como uma atividade associada ao negócio da empresa, envolvendo inclusive uma<br />

atitude estratégica, no sentido de fortalecer sua imagem.<br />

Embora muito difundido entre as empresas, o tema da Responsabilidade<br />

Social ainda não tem seu conceito totalmente consolidado, ou seja, cada autor<br />

ou fundação cria seu próprio conceito, o que consequentemente faz com que as<br />

empresas tenham posturas tão diferenciadas, dependendo do conceito de RSE<br />

adotado por ela. Um dos conceitos mais utilizados e conhecidos atualmente é o<br />

do Instituto ETHOS,<br />

1 Os stakeholders são os grupos de interesse para a empresa, “partes [...] interessadas no funcionamento da<br />

empresa, seja porque impactam ou são impactados pela empresa [...] Entre eles podemos incluir comunidades<br />

[...], empregados, consumidores, fornecedores, associações comerciais, governos, mídia, ONGs, (OLIVEIRA, J.,<br />

2008, p. 94-95), também a sociedade, bancos, meio ambiente, entre outros. Cada empresa tem seus stakeholders<br />

dependendo de seu segmento.<br />

148<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Responsabilidade Social Empresarial é a forma de gestão que se define pela<br />

relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais<br />

se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem<br />

o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos<br />

ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e<br />

promovendo a redução das desigualdades sociais. (INSTITUTO ETHOS, 2009).<br />

Apesar da constante evolução e aperfeiçoamento das diversas definições de<br />

Responsabilidade Social Empresarial nota-se que a RSE tem uma relação íntima<br />

com a ciência da Administração.<br />

Sua aplicabilidade de forma estratégica mostra-se muito vantajosa para as<br />

empresas, pois pode reforçar a imagem e se converte em vantagem competitiva<br />

para as organizações. A sociedade, o governo e todos os demais stakeholders têm<br />

cobrado das empresas uma postura socialmente responsável e estas sabem dessa<br />

tendência e, portanto, buscam “na responsabilidade social, uma nova estratégia para<br />

aumentar seu lucro e potencializar seu desenvolvimento.” (ASHLEY, et al, 2004, p. 3),<br />

por isso é crescente o número de empresas que vem se interessando pela temática.<br />

No estudo em questão percebeu-se que a empresa ao adotar a responsabilidade<br />

em sua estratégia de negócio deve produzir ou utilizar ferramentas e/ou relatórios<br />

de gestão que sejam capazes de criar vantagem competitiva. Por essa razão<br />

muitas empresas têm divulgado relatórios, demonstrando sua performance,<br />

desempenho e iniciativas nas questões sociais e ambientais, a fim de obter um<br />

ganho econômico-financeiro: “independentemente do porte da empresa, nota-se<br />

que a Responsabilidade Social é considerada cada vez mais como uma das principais<br />

estratégias para alavancar seu crescimento” (ASHLEY, et al, 2004, p. 11).<br />

Desta forma, identificamos diversas ferramentas que podem ser utilizadas<br />

pelas empresas de acordo com seu perfil e objetivo de negócio. Dessas ferramentas<br />

analisadas duas foram selecionadas como as mais importantes e mais abrangentes,<br />

para o foco desse trabalho: o Balanço Social do IBASE e as Diretrizes da GR.<br />

Diversas instituições desenvolveram instrumentos para mensuração de ações<br />

sociais e ambientais das empresas, a maioria destes instrumentos são indicadores de<br />

desempenho que integram as dimensões econômica, social e ambiental. Porém, não<br />

existe um padrão de relatório consolidado, ou exigido por lei, cada empresa pode<br />

desenvolver seu próprio modelo. Estas publicações são estratégias de comunicação<br />

já adotadas por várias empresas com o objetivo de divulgação de suas ações, porém,<br />

para os relatórios passarem a exercer sua função social, é preciso ultrapassar o<br />

caráter divulgador, e que permitam às próprias empresas e à sociedade avaliarem<br />

os resultados concretos de sua atuação na área de Responsabilidade Social.<br />

O Balanço Social modelo IBASE, é um dos modelos mais divulgados e uma<br />

referencia de Balanço Social no Brasil. O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e<br />

Econômicas (IBASE) fundado, em 1981, por Herbert de Souza, desenvolveu em<br />

parceria com empresas públicas e privadas um modelo de Balanço Social que<br />

estimula as empresas a divulgarem informações referentes às suas atividades<br />

sociais. O Instituto elaborou um padrão para o relatório que facilita a análise da<br />

função social de uma empresa ao longo dos anos e auxilia os gestores na analise<br />

comparativa com outras empresas. É um modelo simples e direto, mas engloba<br />

Responsabilidade social empresarial a contribuição..., Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares, p. 147-153<br />

149


questões importantes em relação à Responsabilidade Social das empresas. O<br />

modelo do Balanço Social do IBASE apresenta seis divisões, descritas abaixo:<br />

1) Base de Cálculo: informações financeiras;<br />

2) Indicadores Sociais Internos: investimentos em programas sociais que<br />

atendam empregados e dependentes, também chamados de benefícios;<br />

3) Indicadores Sociais Externos: investimentos em programas sociais que<br />

atendam a comunidade externa da empresa, chamados de patrocínios;<br />

4) Indicadores Ambientais: investimentos em programas sociais relacionados<br />

com o meio ambiente e recursos naturais;<br />

5) Indicadores do Corpo Funcional : mostra o perfil de recursos humanos da<br />

empresa, sendo considerados os empregados, estagiários e terceiros;<br />

6) Informações Relevantes quanto ao Exercício da Cidadania Empresarial: a<br />

postura da empresa perante a sociedade. Trás métricas que refletem a política de<br />

recursos humanos, a relação com seus consumidores e a riqueza produzida pela<br />

empresa.<br />

O modelo de relatório social do IBASE demonstra todos os investimentos<br />

realizados pela empresa nos aspectos mencionados acima, sempre em forma<br />

numérica, sendo um relatório 100% quantitativo.<br />

O Global Reporting Initiative (GRI) foi lançado oficialmente em 2002, uma iniciativa<br />

conjunta da organização não-governamental Coalition for Environmentally Responsible Economies<br />

(CERES) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). A GRI<br />

apresenta uma estrutura mundialmente aceita para relatórios de sustentabilidade,<br />

seu objetivo é permitir às empresas e outras organizações preparar relatórios<br />

padronizados e comparáveis entre si, com a possibilidade de medir, divulgar e<br />

prestar contas para os stakeholders. Um relatório baseado na GRI divulga os resultados<br />

obtidos dentro de um período relatado, no contexto dos compromissos, da<br />

estratégia e da forma de gestão da organização. O relatório apresenta inúmeros<br />

indicadores que compõem diretrizes e são distribuídos em seis categorias<br />

apresentadas abaixo:<br />

1) Indicadores de desempenho econômico: financeiros da organização,<br />

demonstram os principais impactos econômicos e o fluxo de capital da empresa,<br />

distribuídos entre diferentes stakeholders;<br />

2) Indicadores de desempenho do meio ambiente: demonstrados os<br />

impactos da organização sobre sistemas naturais vivos e não-vivos abrangem o<br />

desempenho relacionado a insumos (como material, energia, água) e a produção<br />

(emissões, efluentes, resíduos). Apontam o desempenho relativo à biodiversidade,<br />

à conformidade ambiental entre outros dados relevantes;<br />

3) Indicadores de desempenho referentes a práticas trabalhistas e trabalho<br />

decente: considerados aspectos de desempenho fundamentais referentes a práticas<br />

trabalhistas, direitos humanos, sociedade e responsabilidade pelo produto;<br />

4) Indicadores de desempenho referentes a direitos humanos: importância<br />

dada aos direitos humanos nas práticas de investimento e seleção de fornecedores<br />

e empresas contratadas, o treinamento dos empregados em direitos humanos e<br />

em não discriminação, liberdade de associação, trabalho infantil, direitos dos índios<br />

e trabalho forçado e escravo;<br />

150<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


5) Indicadores de desempenho social referente à sociedade: abordam os<br />

impactos que as empresas geram nas comunidades em que operam e enfocam a<br />

divulgação de como os riscos resultantes de suas interações com outras instituições<br />

sociais;<br />

6) Indicadores de desempenho referentes à responsabilidade pelo produto:<br />

abrange os aspectos dos produtos e serviços da organização relatora que afetam<br />

diretamente os clientes, saúde e segurança, informações e rotulagem, marketing<br />

e privacidade.<br />

O modelo da GRI demonstra as atividades da empresa em todos os aspectos<br />

mencionados acima, porém dentro de cada categoria existem itens a serem<br />

preenchidos, podendo ser quantitativos em números ou descrevendo as atividades<br />

realizadas, desta forma, mesclando o quantitativo e o qualitativo.<br />

Os dois modelos de Relatórios de Responsabilidade Social apresentados<br />

são muito diferentes entre si, em relação à amplitude de informações abordadas,<br />

sendo a GRI, uma ferramenta muito mais completa do que o Balanço Social. Porém<br />

os objetivos são bastante similares, pois as duas ferramentas são utilizadas por<br />

empresas para divulgar suas ações de Responsabilidade Social para seus stakeholders<br />

e quanto aos temas abordados são todos convergentes.<br />

Partindo desses dois modelos foi selecionada uma empresa para que a<br />

aplicabilidade dessas ferramentas fosse avaliada na prática. Desta forma, a<br />

escolha recaiu sobre a Vale, maior empresa da América Latina e referência em<br />

Responsabilidade Social Empresarial. Foram realizadas entrevistas e coletados<br />

depoimentos de profissionais que atuaram de forma direta no processo de<br />

construção de uma nova perspectiva de Responsabilidade Social da empresa Vale,<br />

sendo Liesel Mack Filgueiras, (Gerente Geral de Responsabilidade Social Corporativa<br />

da Vale e Fundação Vale), em 06 de novembro de 2009 e Olinta Cardoso Costa que,<br />

em 2007, ocupava o cargo de Diretora de comunicação da Vale e de presidente da<br />

Fundação Vale.<br />

O ano de 2007 foi escolhido para realização da análise, pois neste ano foram<br />

implementadas na Vale novas ferramentas no campo da Responsabilidade Social<br />

Empresarial com a utilização das diretrizes da GRI em seu relatório social, além<br />

da continuidade do relatório Balanço Social IBASE anteriormente utilizado pela<br />

empresa. Assim, 2007, foi o primeiro e último ano em que a Vale utilizou os dois<br />

modelos de relatórios sociais, o Balanço Social e a GRI.<br />

A análise do relatório, Balanço Social IBASE 2007 da Vale, percebe-se que<br />

ele está parcialmente preenchido, nota-se que os dados obtidos através do<br />

departamento financeiro estão completos, enquanto outros dados mais detalhados<br />

ficaram em branco, o que demonstra que a empresa não tinha informação suficiente<br />

para preencher o relatório. Em entrevista com Liesel Mack Filgueiras, ficou evidente<br />

que na empresa Vale a área de controladoria era uma das principais fontes de<br />

informação para elaboração do Balanço Social. De forma geral, verificou-se que a<br />

ferramenta não era vista como uma peça estratégica pela empresa.<br />

Ao ser analisado, o Relatório GRI 2007 da Vale, verifica-se que se trata de um<br />

relatório muito complexo e amplo, que engloba detalhadamente os aspectos<br />

Responsabilidade social empresarial a contribuição..., Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares, p. 147-153<br />

151


e descrições de cada indicador, possuindo no total 226 páginas, o tamanho e a<br />

abrangência do relatório é superior ao do Balanço Social IBASE. Para aplicação<br />

das diretrizes contidas no relatório GRI foi necessária uma adequação na empresa;<br />

uma área especifica foi criada para desenvolver esta atividade e não mais pelo<br />

departamento financeiro, “mais de 600 pessoas envolvidas na implantação do<br />

processo” (informação verbal) 2 . Pode-se perceber que a empresa ao adotar este<br />

modelo de ferramenta, passou a encarar a temática da Responsabilidade Social<br />

Empresarial de forma estratégica, ou seja, como um padrão de gestão envolvendo<br />

diversas áreas da empresa.<br />

Assim, apesar do conceito de RSE ainda não estar perfeitamente consolidado,<br />

as empresas estão adotando, cada vez mais, as práticas de Responsabilidade<br />

Social visando vantagens financeiras e competitivas. Uma empresa ao adotar<br />

uma postura socialmente responsável não pode somente realizar ações pontuais<br />

e isoladas de modo a simplesmente mostrar para a sociedade que está realizando<br />

ações de Responsabilidade Social. Os compromissos da empresa a pressionam a<br />

ir além disso. O estudo permite afirmar que para uma empresa obter as devidas<br />

vantagens com a Responsabilidade Social Empresarial, deve encará-la como uma<br />

estratégia corporativa.<br />

Pesquisando as possíveis utilizações dos relatórios, pode-se constatar que,<br />

quando se deseja adotar a Responsabilidade Social de forma estratégica, elas são<br />

grandes facilitadores para as empresa. Porém, como a própria identidade desses<br />

relatórios revela, tratam-se de ferramentas, de instrumentos que por si mesmos,<br />

não são capazes de alterar a cultura organizacional da empresa. Dessa forma,<br />

os relatórios deixam de ser meros prestadores de contas, relatos de números e<br />

atividades, que não agregam seu potencial valor ao negócio.<br />

Verificou-se também que a maioria das empresas que utilizam estes relatórios<br />

são de grande porte, pela própria pressão internacional, já que são obrigadas a<br />

estarem alinhadas com políticas globais.<br />

As vantagens para as empresas ao adotar um relatório de Responsabilidade<br />

Social de forma estratégica são diversas, porém, ficou constatado que o ponto mais<br />

importante e relevante é a imagem da empresa, o que consequentemente gera<br />

impacto e benefícios para a empresa como um todo.<br />

Concluí-se, portanto, que uma estratégia corporativa de responsabilidade<br />

social, gera um diferencial competitivo entre as empresas, melhorando seu<br />

desempenho em todos os aspectos. E para que isto se efetive é necessário que os<br />

relatórios de Responsabilidade Social funcionem como peças chaves neste processo,<br />

possibilitando a geração de diversas vantagens, tais como, impacto positivo na<br />

imagem corporativa, potencialização da marca, obtenção de reconhecimento de<br />

toda cadeia de stakeholders, etc. Além disso, os relatórios de RSE, como indicadores de<br />

resultados, possibilitam a conquista de novo mercados, o incremento nas vendas<br />

e lucros, a solicitação de benefícios fiscais, o reconhecimento e maior lealdade de<br />

seus empregados, o aumento da confiança, possibilitando assim um aumento de<br />

sua participação no mercado. A conjunção de todos esses elementos em um plano<br />

2 Entrevista realizada com Liesel Mack Filgueiras (gerente geral da Fundação Vale), em 06 de novembro de 2009.<br />

A transcrição foi feita pelos autores.<br />

152<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


de RSE e sua expressão por meio dos relatórios de responsabilidade social indicam<br />

a ampliação do conceito de RSE na direção dos interesses de todos os envolvidos<br />

com a organização, o transformando de fato em instrumento de gestão estratégica.<br />

Referências Bibliográficas<br />

ASHLEY, Patrícia Almeida et al. Ética e responsabilidade social nos negócios. São<br />

Paulo: Saraiva, 2004.<br />

HAAGSMA, Cristiane Fernandes e TAVARES, Marcella Balthar. Responsabilidade Social<br />

Empresarial e a Contribuição dos Relatórios Sociais para sua gestão <strong>Estratégica</strong>.<br />

Monografia (Trabalho de Iniciação Científica) – Fundação Armando Álvares Penteado.<br />

Faculdade de Administração. São Paulo, 2009.<br />

INSTITUTO ETHOS. O que é RSE. Disponível em: Acesso em: 18 de ago. 2009.<br />

KREITLON, Maria Priscilla. A Ética nas Relações entre Empresas e Sociedade:<br />

Fundamentos Teóricos da Responsabilidade Social Empresarial. (Artigo) Associação<br />

Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ENANPAD). Curitiba, 2004.<br />

VALE. 2009. Disponível em: . Acesso em: 28 de out. 2009.<br />

Responsabilidade social empresarial a contribuição..., Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares, p. 147-153<br />

153


154<br />

O uso de redes sociais como<br />

ferramenta de CRM em São<br />

Paulo e Barcelona *<br />

Resumo:<br />

O presente artigo aborda as práticas<br />

de relacionamento entre a empresa e o<br />

consumidor nos mercados de São Paulo e<br />

Barcelona comparados por meio de análise<br />

de informações coletadas em entrevistas<br />

realizadas com profissionais da área de<br />

comunicação empresarial destas cidades<br />

e de estudos de casos publicados em sites e<br />

revistas especializadas. A avaliação permite<br />

apontar algumas tendências, os receios das<br />

organizações e o momento que as mesmas<br />

se encontram diante das novas ferramentas<br />

de comunicação representadas pelas redes<br />

sociais.<br />

Palavras-chave: redes sociais, CRM, blog,<br />

microblogging, marketing de relacionamento.<br />

Laura Melaragno **<br />

* Este artigo é um resumo do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado ”Redes sociais como ferramentas de<br />

Customer Relationship Management: estudo comparativo entre São Paulo e Barcelona” apresentado em 2009<br />

na Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado sob a orientação da Prof Dr. Armando<br />

Terribili Filho.<br />

** Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da FAAP e pela Escuela de<br />

Administración de Empresas da Universidad Politécnica de Catalunya. Analista de ativação de marcas e trade na<br />

Kinberly Clark Brasil. Email: .<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

Abstract:<br />

The current article regards the relationship<br />

practices between companies and<br />

consumers from São Paulo and Barcelona<br />

compared using information collected<br />

by interviews with professionals in the<br />

corporative communication area in these<br />

cities as well as case studies published<br />

in web sites and specialized magazines.<br />

The evaluation allows pointing out some<br />

tendencies, organizational reluctances and<br />

the moment they are facing with the new<br />

communication tools represented by the<br />

social network.<br />

Key Words: social networks, CRM, Blog,<br />

microblogging, relationship marketing.


Introdução<br />

Com a evolução nos meios de comunicação, saindo da era do ouro do<br />

rádio, passando pela primeira televisão a cores, os celulares portáteis chegando<br />

à Internet, verifica-se uma mudança no ritmo de vida das pessoas, que passou<br />

a ser cada vez mais acelerado e com informações transmitidas em tempo<br />

real (UOL, 2009). De acordo com Celaya (2008, p. 23), a utilização da Internet<br />

em âmbito mundial atinge aproximadamente 1,5 bilhão de usuários, ou seja,<br />

aproximadamente 22% da população mundial. O Brasil conta com 39 milhões de<br />

internautas (BERGAMASCO, 2008, p. F1), o que acompanha a tendência mundial<br />

em termos de penetração, representando 21% dos 184 milhões de habitantes<br />

(IBGE, contagem 2007). Os usuários cadastrados no Orkut, site de relacionamento<br />

mais acessado no país, despendem em média 763,2 minutos ao mês navegando<br />

no mesmo (BERGAMASCO, 2008, p. F1), o que representa cerca de meia hora diária<br />

de utilização. Já a Espanha possui 23 milhões de internautas e está classificada<br />

como terceiro país no ranking de crescimento do número de internautas dentro da<br />

Europa, crescendo a uma taxa de 15% ao ano, 7% acima da média do continente<br />

(CELAYA, 2008, p. 23), contando com uma penetração de aproximadamente 57%<br />

dos 40 milhões de habitantes (CIA, 2008).<br />

Em paralelo ao crescimento de usuários na rede, houve um aumento nas<br />

ferramentas à sua disposição; com isso, os internautas tiveram acesso a novas<br />

formas de se expressar, de manifestar seus interesses e opiniões, seja por meio<br />

de redes sociais como Orkut, Facebook, MySpace ou por “diários virtuais”, blogs e<br />

fotologs, ou ferramentas de microblogging, como o Twitter, além de fóruns, chats e portais.<br />

Ou seja, surgiu uma nova forma de relacionamento que utiliza tecnologias ligadas<br />

à Internet para administrar as interações com amigos, familiares e colegas de<br />

trabalho, além de possibilitarem uma nova maneira de interação com as marcas:<br />

o consumidor tem a opção de deixar de aceitá-las de forma passiva, pois agora<br />

avalia, aceita ou rejeita os “claims” de marketing baseando-se no seu conhecimento<br />

prévio (IND; RIONDINO apud MAKLAN; KNOX; RYALS, 2008).<br />

Tendo em vista essa crescente influência e abrangência das comunidades<br />

virtuais, as empresas passam a considerá-las em suas estratégias de relacionamento<br />

com os clientes; por isso, essa nova forma de interação requer das empresas<br />

adaptações e inovações nestas estratégias.<br />

1 Metodologia<br />

Para analisar as diferentes práticas de relacionamento das empresas, foram<br />

selecionadas organizações tanto em Barcelona (Blanz Marketing e a Barcelona<br />

Virtual), como no Brasil (E-life, O Boticário, Tecnisa, Kimberly-Clark, Caixa Econômica<br />

Federal e Citröen) que utilizam as redes sociais como uma forma de marketing de<br />

relacionamento com os seus clientes, obtenção de dados, ou que simplesmente<br />

realizam o monitoramento do ambiente virtual para uma análise mais aprofundada<br />

O uso de redes sociais como ferramenta de CRM em São Paulo..., Laura Melaragno, p. 154-159<br />

155


do conteúdo publicado para uso interno na organização. A autora entrevistou<br />

quatro executivos, dois em cada cidade, responsáveis pelo gerenciamento da<br />

área de relacionamento entre a organização e o consumidor no âmbito virtual.<br />

O roteiro de entrevistas foi segmentado entre a identificação do profissional,<br />

a forma de monitoramento das redes sociais, a utilização na organização dos<br />

dados coletados, a importância e a relevância dada a essa prática. As entrevistas<br />

com os executivos foram transcritas e com base nas proposições teóricas, que<br />

refletem um conjunto de questões da pesquisa, foi estruturada um guia de<br />

análise do estudo de caso, o que contribuiu para pôr em foco certos dados e<br />

ignorar outros. O conteúdo gerado pelas entrevistas foi compilado por temas em<br />

comum, trechos que abordavam assuntos similares baseado no guia de análise,<br />

o que permitiu a elaboração de conclusões que evidenciaram algumas práticas<br />

em comum realizadas no mercado paulistano e barcelonês e apontar eventuais<br />

diferenças entre eles.<br />

Para um melhor entendimento do trabalho, cinco definições são apresentadas:<br />

blogs, CRM, marketing de relacionamento, microblogging e redes sociais.<br />

1.1 Blogs<br />

O termo blog descreve genericamente um diário pessoal mantido na Internet<br />

que pode ser editado pelo usuário. A diversidade de uso dessa ferramenta<br />

gerou as diferentes classificações: Blogs pessoais onde pessoas físicas publicam<br />

fotos e vídeos relacionados ao seu cotidiano, ou seja, fazem uso da ferramenta<br />

como se fosse um diário virtual. Os blogs profissionais que são sendo escritos<br />

por pessoas físicas, porém, o foco da ferramenta é outro, os autores desses blogs<br />

costumam ser formadores de opinião em determinado assunto. Ao longo dos<br />

últimos anos, muitas empresas passaram a adotar blogs como um complemento<br />

da sua estratégia corporativa por representar um canal dinâmico e diferente dos<br />

meios tradicionais de comunicação. Para atender aos seus diversos públicos, as<br />

empresas dividiram seus blogs entre internos e externos, assim criam novos canais<br />

de comunicação com clientes atuais ou potenciais, com fornecedores, com os<br />

meios de comunicação, com a sociedade de modo geral, bem como geram maior<br />

proximidade com os seus colaboradores.<br />

1.2 CRM<br />

A ferramenta de Customer Relationship Management (CRM) é definida por Jenkins<br />

(1999, p. 88-92) como sendo o processo de prever como se comporta o cliente<br />

e determinar as ações da empresa, buscando influenciar comportamentos que<br />

beneficiem a organização. Complementando essa definição, O’Brien (2004, p.<br />

210) alega que o CRM é a principal estratégia da empresa que busca se centrar<br />

no cliente, e que essa ferramenta utiliza a tecnologia da informação para criar<br />

156<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


um sistema interfuncional que integra e automatiza diversos processos ligados<br />

ao atendimento ao cliente, como vendas, marketing, além dos serviços de produtos.<br />

1.3 Marketing de relacionamento<br />

O marketing tem como um dos seus objetivos principais desenvolver o<br />

relacionamento com todas as pessoas ou organizações que podem afetar o<br />

sucesso da empresa, direta ou indiretamente. Uma de suas dimensões é o marketing<br />

de relacionamento, sendo que a meta dessa faceta é cultivar o tipo certo de<br />

relacionamento com o grupo certo. Para que isso seja possível, a organização deve<br />

executar a questão do relacionamento com os seus clientes por meio do CRM, bem<br />

como com os seus parceiros (KOTLER; KELLER, 2006, p. 16).<br />

1.4 Redes sociais e microblogging<br />

As redes sociais são plataformas no ambiente virtual que permitem aos<br />

seus usuários se relacionar entre si. Por meio da ferramenta eles podem enviar<br />

mensagens instantâneas, publicar fotos e vídeos e se comunicarem em chats da<br />

própria rede.<br />

No ano de 2007, surgiu uma nova forma de comunicação virtual, o fenômeno<br />

conhecido como microblogging. Essa ferramenta permite aos usuários enviarem<br />

pequenas mensagens de texto com até 140 caracteres por meio da Internet ou<br />

por meio de plataformas móveis (celulares) de forma instantânea e gratuita para<br />

todos os leitores de suas páginas, podendo ser amigos ou até mesmo pessoas<br />

desconhecidas. A mais conhecida ferramenta de microblogging é o Twitter.<br />

2 Resultados Obtidos<br />

Com base nas informações obtidas por meio das entrevistas realizadas e coleta<br />

de informações em sites e revistas especializadas, a autora desse trabalho consolidou<br />

uma base de informações sobre as práticas realizadas nos mercados estudados.<br />

2.1 Comunicação<br />

As empresas passaram a assumir as redes sociais como uma forma de interação<br />

com o consumidor em uma via de mão dupla, deixando de lado a publicidade<br />

unilateral. Isto representa uma quebra de paradigma, pois a publicidade tradicional<br />

deixou de ser o único veículo de comunicação e posicionamento da marca para<br />

o mercado consumidor.<br />

Através das redes sociais, dos blogs, e microblogs, e das demais ferramentas<br />

interativas como alguns sites, e o YouTube, vias rápidas de comunicação de mão<br />

dupla, o consumidor consegue comunicar-se com a empresa e expor aos demais<br />

O uso de redes sociais como ferramenta de CRM em São Paulo..., Laura Melaragno, p. 154-159<br />

157


consumidores suas necessidades, vontades e frustrações. Assim, a informação<br />

que antes chegava ao público alvo somente via empresa, passa a ser disseminada<br />

entre os grupos, entre os formadores de opinião, e entre os próprios consumidores,<br />

sejam comentários positivos ou negativos a respeito da organização ou de seus<br />

produtos. As redes sociais também permitem que o retorno da empresa para o<br />

consumidor seja mais ágil e personalizado, possibilitando a correção de erros, ou<br />

responder a alguma insatisfação do consumidor em relação ao que ela produz.<br />

Nas entrevistas realizadas, pode-se observar que as empresas estão buscando<br />

“ouvir os consumidores” e se organizando de maneira que possam atender suas<br />

expectativas, além de identificar seus pontos fracos internos e tentar saná-los.<br />

2.2 Controle<br />

Com esse diálogo e essa interação entre as partes, abre-se um espaço<br />

para que os consumidores construam a marca juntamente com a empresa. O<br />

relacionamento mais estreito entre ambos possibilita que o consumidor deixe<br />

de ser apenas um crítico da empresa, e passe a ser um aliado na construção do<br />

produto ou do serviço oferecido.<br />

Algumas empresas de ponta estão começando a encarar essa interação como<br />

uma oportunidade ímpar de comunicação e relacionamento com o cliente. Estão<br />

mudando sua forma de contato nas redes, passando da simples publicidade de<br />

produtos para a criação e manutenção de uma relação com seus clientes. A partir do<br />

momento que essa relação é criada, a empresa lança a informação e o consumidor<br />

a devolve para a empresa, criando um relacionamento com base no diálogo, o que<br />

representa algo totalmente diferente da forma unilateral de comunicação que se<br />

tinha anteriormente.<br />

Com o poder dos consumidores de trocarem de informações entre si, e<br />

criarem coisas novas a partir do conteúdo disponível na Internet, as empresas<br />

perdem o controle sobre o que se fala delas na rede mundial. Para tentar minimizar<br />

isso, as empresas podem construir uma imagem através dessa relação com seus<br />

consumidores, podem fazer com que eles conversem a respeito do que está<br />

incomodando, das formas de uso e de pontos de melhora que eles tenham<br />

detectado. Nesse meio, o consumidor pode disseminar informações negativas<br />

sobre as empresas de uma forma muito fácil, mas também pode se sentir muito<br />

valorizado quando é ouvido. Nesse relacionamento, o consumidor ganha uma<br />

importância que até então não havia sido dada a ele. Dessa forma, ao invés de ir<br />

contra a organização disseminando informações negativas, ele pode agir a favor<br />

da empresa por se sentir ouvido, acatado, respeitado, e, sobretudo, atendido.<br />

2.3 Perfis Falsos<br />

A publicação em perfis falsos é um fator que ainda preocupa as organizações,<br />

pois usuários podem falar em nome da empresa, apesar de não pertencerem a<br />

158<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


organização. Com isso, difamam a imagem da marca no ambiente virtual. Por<br />

outro lado, as organizações podem fazer uso dessa prática ao criar perfis falsos<br />

que elogiem o seu produto ou serviço para enaltecer sua imagem de uma forma<br />

antiética. Assim, seja identificado pelos consumidores uso indevido das redes<br />

sociais, certamente, acarretaria a perda de confiabilidade e uma péssima reputação<br />

para a organização. Vale ressaltar que devido ao fato do uso das redes ser algo<br />

recente, ainda não há um conjunto de leis específicas que tratem do tema, por<br />

isso, jurisprudência vem sendo criada com as primeiras ocorrências.<br />

Conclusão<br />

As organizações ainda estão em processo de aprendizado, em fase de<br />

“tentativa e erro” com relação a melhor forma de interação com o consumidor no<br />

ambiente virtual. Por não haver uma prática consolidada no mercado com relação<br />

às formas de interação, as empresas identificam o que deu certo e procuram<br />

manter, ao mesmo tempo que buscam melhorar as práticas que não foram bem<br />

aceitas. Nesse novo cenário, as empresas estão aprendendo, rompendo antigos<br />

paradigmas de comunicação com o consumidor, ajustando suas formas de<br />

comunicação nesses canais, e buscando a melhor forma de interagir, e de lidar<br />

com essa realidade das redes sociais e dos consumidores interagindo entre si.<br />

As redes sociais deixaram de ser uma possibilidade e passaram a ser uma<br />

obrigação para as empresas que desejam se destacar no mercado e se relacionar<br />

de forma rápida, real e mais profunda com seus consumidores.<br />

Seja o consumidor nascido na cidade que tem a Ponte Estaiada ou na que tem<br />

a inacabada Igreja da Sagrada Família, ele já está utilizando as redes sociais como<br />

uma forma de interagir com as empresas. Este consumidor já está consciente do<br />

seu poder de influência sobre outros consumidores, e por consequência, sobre<br />

as organizações.<br />

Referências Bibliográficas<br />

BERGAMASCO, Daniel. A força da turma: saiba como os milhões de usuários das redes<br />

sociais estão mudando a Internet. Folha de S. Paulo. São Paulo 5 mar. 2008. Caderno<br />

Informática, p. F1.<br />

CELAYA, Javier. La empresa en la web 2.0: el impacto de las nuevas redes sociales<br />

en la estrategia empresarial. Barcelona: Planeta, 2008.<br />

CIA. Disponível em: . 28/10/2009. Acesso em: 02 nov. 2009.<br />

IBGE. Disponível em: . Acessado em: 25 set. 2009.<br />

JENKINS, Drury. Customer relationship management and the data warehouse. Call<br />

Center Solutions, Norwalk, v. 18, n. 2, p. 88-92, Aug. 1999.<br />

O uso de redes sociais como ferramenta de CRM em São Paulo..., Laura Melaragno, p. 154-159<br />

159


KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de marketing. São Paulo:<br />

Pearson Prentice Hall, 2006.<br />

MAKLAN, Stan; KNOX, Simon; RYALS, Lynette. New trends in innovation and<br />

customer relationship management: a challenge for market research. International<br />

Journal of Market Research. V. 50, n. 2, 2008.<br />

O’BREIN, James A. Sistemas de informação e decisões gerenciais na era da Internet.<br />

São Paulo: Saraiva, 2004.<br />

UOL. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2009.<br />

160<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


A influência dos fatores<br />

socioambientais no processo<br />

de decisão de compra do<br />

consumidor *<br />

Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere<br />

França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica **<br />

Resumo:<br />

O artigo aborda o comportamento do consumidor<br />

perante a influência dos fatores socioambientais.<br />

O objetivo é verificar se os consumidores<br />

estão dando importância para os fatores<br />

socioambientais antes de realizar uma compra,<br />

qual é o nível de conhecimento e consciência<br />

sobre o tema e, por fim, investigar a adoção<br />

de hábitos e atitudes no dia-a-dia em favor do<br />

meio ambiente na comunidade. Por meio de<br />

uma pesquisa de campo realizada pela internet,<br />

foi possível apontar que o conhecimento sobre<br />

o tema sustentabilidade ainda é pouco claro,<br />

enquanto que o tema de responsabilidade<br />

ambiental mostra-se mais maduro para os<br />

entrevistados. Com relação a influencia dos<br />

fatores socioambientais (embalagem reciclável,<br />

alimento orgânico, produto biodegradável entre<br />

outros) no processo de decisão de compra,<br />

notou-se que estes são considerados importantes<br />

para os entrevistados, porém não há o costume<br />

de procurar informações socioambientais nas<br />

embalagens dos produtos. A respeito dos<br />

hábitos e atitudes do dia-a-dia em prol do meio<br />

ambiente e da comunidade, observa-se que os<br />

consumidores estão adotando hábitos, porém<br />

ainda com alguma resistência.<br />

Palavras chave: comportamento do consumidor,<br />

fatores socioambientais, sustentabilidade.<br />

Abstract:<br />

The paper studies consumer behavior before<br />

the influence of social environmental factors.<br />

The goal is to ensure that consumers are giving<br />

importance to the social and environmental<br />

factors before making a purchase, which is the<br />

level of knowledge and awareness on the issue<br />

and finally, to investigate the habits and attitudes<br />

in day-to-day in favor environmental community.<br />

Through field research conducted over the<br />

Internet, you can point that knowledge about the<br />

sustainability issue is still unclear, while the theme<br />

of environmental responsibility shows itself most<br />

mature respondents. Regarding the influence<br />

of social environmental factors (recyclable<br />

packaging, organic food, biodegradable products<br />

among others) in the process of purchase decision,<br />

it is noted that they, in short, are considered<br />

important to respondents, but the same does not<br />

tend to seek information or socio-environmental<br />

factors on product packaging. Regarding<br />

the habits and attitudes of the day-to-day in<br />

favor of the environment and community, it is<br />

observed that consumers are adopting habits,<br />

but still had some reservations.<br />

Keywords: consumer behavior, social and<br />

environmental factors, sustainability.<br />

* Este artigo é um resumo do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado ”A influência dos fatores socioambientais<br />

no processo de compra do consumidor” apresentado em 2009 na Faculdade de Administração da Fundação<br />

Armando Álvares Penteado sob a orientação da Prof. Dr. Agustín Perez Rodrigues.<br />

** Os autores são graduados em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da FAAP.<br />

A influência..., Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica, p. 160-167<br />

161


Introdução<br />

Sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, responsabilidade ambiental<br />

e social são conceitos muito comuns atualmente. Todos já ouviram, leram ou viram<br />

alguma coisa relacionada a esses temas. Mas afinal, o que é isso tudo?<br />

É notável o cenário conflitante entre o crescimento econômico e a degradação<br />

do meio ambiente. Torna-se cada vez mais preocupante a maneira acelerada com a<br />

qual o meio ambiente está “desaparecendo”, o que poderá acarretar nos próximos<br />

anos, a perda da biodiversidade e dos recursos naturais, bem como o desequilíbrio<br />

das condições climáticas do planeta.<br />

Por mais que muitos ainda acreditem que a preocupação socioambiental<br />

seja moda ou apenas uma maneira de criar um diferencial competitivo nas<br />

empresas, nota-se que essa questão não pode ser tratada como algo passageiro.<br />

Hoje a preocupação com o meio ambiente e com a comunidade tornou-se uma<br />

necessidade mundial, não pode estar apenas em prateleiras, como forma de<br />

consumo consciente, mas também inserida no cotidiano social, sendo ensinado<br />

nas escolas, nas empresas, por meio de campanhas explicativas organizadas<br />

pelo governo. Enfim isso deve ser vivido por todos, afinal vale lembrar que<br />

os ecossistemas são condições mínimas necessárias para a sobrevivência da<br />

humanidade e conseqüentemente da economia.<br />

Diante desta situação, surgem novos conceitos e novas maneiras de trabalho,<br />

de vida e de abordagem do problema, como por exemplo, o marketing social,<br />

entendido segundo Dias (2007, p.53), como: "[...] a aplicação de tecnologias<br />

próprias do marketing comercial na análise, planejamento, execução e avaliação<br />

de programas criados para influenciar o comportamento de determinados grupos<br />

sociais ou da população de um modo geral, com o objetivo de melhorar suas<br />

condições de vida."<br />

O marketing verde, como sendo uma maneira de intensificar a relação entre<br />

o meio ambiente, a empresa e o consumidor, ou seja, mostrar que um produto<br />

ou serviço ecologicamente correto é também mais saudável, pois reduzem os<br />

danos ambientais, fazendo com que a qualidade de vida das pessoas, direta ou<br />

indiretamente, apresente melhorias.<br />

Começa-se a pensar também no produto em si, surgindo assim, os produtos<br />

ecologicamente corretos, ou seja, produtos que causem prejuízos menores ao meio<br />

ambiente, tanto em relação à sua composição e origem, quanto ao seu processo<br />

produtivo e até mesmo ao seu consumo. (DIAS, 2006). Com isso, torna-se necessária<br />

a criação de certificações que garantam o cumprimento das normas, como por<br />

exemplo, a ISO (Internacional Organization for Standardization, em português, Organização Internacional de<br />

Padronizações), a FSC (Forest Stewardship Council, em português, Conselho de Manejo Florestal) entre outros.<br />

O próprio conceito de sustentabilidade, demonstrado graficamente através<br />

do tripé econômico, social e ambiental, representa o equilíbrio entre os aspectos<br />

sociais – o capital humano, os aspectos ambientais – o capital natural e por fim, o<br />

econômico – o capital financeiro.<br />

162<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Fonte: Elkinggton (2001)<br />

Figura 1 Equilíbrio dos Pilares da Sustentabilidade<br />

Denominadas de consumidor “verde” ou “ecológico”, algumas pessoas<br />

passam a ter maior consciência ambiental e social e adotam um novo estilo de<br />

vida, conhecendo e obtendo mais informações sobre as empresas e os produtos,<br />

planejando melhor as suas compras, preocupando-se mais com a adequação<br />

dos produtos e empresas aos seus valores e, com isso, passando a exigir mais do<br />

mercado.<br />

Portanto, diante dessa nova atitude e comportamento, pode-se notar que<br />

há uma tendência da questão socioambiental se tornar cada vez mais presente no<br />

cotidiano das pessoas e das empresas, por isso torna-se necessário a compreensão<br />

de todos os aspectos relacionados a ela, principalmente no que tange às exigências<br />

dos stakeholders, sobretudo dos consumidores e do mercado em geral.”<br />

1 Metodologia<br />

No estudo foi utilizado o método de estudo descritivo ad hoc, caracterizado pela<br />

identificação de situações de mercado através de dados primários.<br />

A pesquisa foi realizada por meio da internet e o questionário foi desenhado<br />

para obter indicadores numéricos, a fim de identificar o grau de importância que<br />

os consumidores estão atribuindo para as questões socioambientais tanto nos<br />

hábitos e costumes, como na intenção de compra, caracterizando assim, uma<br />

pesquisa quantitativa. Alem do caráter quantitativo a pesquisa contou também<br />

com perguntas abertas, que possibilitaram a identificação de percepções, opiniões<br />

dos consumidores sobre o tema, caracterizando, portanto, também uma pesquisa<br />

qualitativa.<br />

A pesquisa de campo tinha como objetivo atingir os consumidores internautas<br />

em nível nacional, de uma maneira geral e aleatória, a fim de explorar e conhecer<br />

melhor a opinião dos mesmos sobre os aspectos e os fatores socioambientais. A<br />

pesquisa é subjetiva e abrangente, pois não foi escolhido nenhum produto ou<br />

empresa específica. A idéia era conhecer a opinião dos consumidores e identificar<br />

tendências.<br />

A influência..., Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica, p. 160-167<br />

163


• População segundo CETIC (in http://www.cetic.br/usuarios/ibope/wtab02-01-2009.htm,<br />

acesso em 05/11/2009): 35,5 milhões de internautas<br />

ativos em residências e no trabalho e horas navegadas – base 2009.<br />

• Amostra obtida: 365 entrevistados<br />

Levando em consideração o objetivo do trabalho e o tamanho da população,<br />

os elementos da amostra foram selecionados de acordo com critérios subjetivos,<br />

porém de maneira aleatória, caracterizando-se por uma amostra não probabilística<br />

e autogerada, ou seja, o grupo enviou o questionário para a sua rede contatos,<br />

com pessoas de diversos lugares e diversos perfis, atingindo aproximadamente<br />

300 pessoas com acesso à internet no trabalho e/ou no domicílio e depois<br />

cada entrevistado enviou o questionário para o seu grupo de contato e assim<br />

sucessivamente. Dessa maneira o alcance do questionário através de referências<br />

obtidas foi grande o que não permitiu o controle do número de pessoas que<br />

efetivamente receberam o questionário.<br />

A amostra é relativamente jovem, sendo a maioria dos respondentes na faixa<br />

entre 20 e 40 anos (66%), predominantemente do sexo feminino (53%), solteiras<br />

(52,9%), com nível de escolaridade Superior Completo (37,3%) e Incompleto (20,8%),<br />

com renda familiar média mensal acima de R$ 3.001,00 (76%).<br />

1.1 Análise dos resultados<br />

Com relação aos conceitos testados, sustentabilidade, responsabilidade<br />

ambiental e responsabilidade social, o conceito de sustentabilidade ainda não está<br />

muito claro para a maioria dos entrevistados, uma vez, que na maior parte dos casos<br />

(54%), ele ainda é relacionado apenas ao uso consciente dos recursos e a reutilização<br />

dos materiais. Porém, como foi observado anteriormente, sustentabilidade é um<br />

conceito mais amplo que isso, envolvendo o pilar econômico, social e ambiental.<br />

Já com relação aos hábitos e costumes, observa-se que, de uma maneira geral,<br />

o grau de concordância com as frases encontra-se entre “concordo parcialmente”<br />

e “concordo totalmente”, indicando que os entrevistados possuem hábitos como<br />

separação de lixo, interesse pelo tema, preocupação em ensinar e divulgar o tema<br />

para as outras pessoas, escovar os dentes sem deixar a torneira aberta e tomar<br />

banho o mais rápido que pode. Vale ressaltar neste aspecto, que a alternativa que<br />

obteve o menor grau de concordância entre todas, foi àquela relacionada ao banho<br />

rápido. Isso demonstra que alguns hábitos estão sendo incorporados, mas que a<br />

adoção de outros ainda apresenta certa resistência.<br />

164<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Gráfico 1 Resumo médias ponderadas Hábitos e Costumes<br />

Sobre o grau de informação testado, através das perguntas: “Quanto ao<br />

conhecimento sobre a separação do lixo”, “Quanto aos impactos causados pela<br />

sociedade ao meio ambiente e suas conseqüências” e “Quanto às medidas que o<br />

mundo está tomando sobre sustentabilidade”, nota-se que as pessoas consideramse<br />

entre mais ou menos informadas e muito informadas.<br />

Vale ressaltar neste ponto a diferença observada entre gerações, demonstrada<br />

através da pergunta “Onde você teve contato com os conceitos de sustentabilidade,<br />

meio ambiente, ecologia, socioambiental pela primeira vez?”: a escola aparece em<br />

primeiro lugar com 19,7% dos entrevistados, seguido de faculdade/ universidade<br />

com 16,7% e logo depois na empresa onde trabalha ou trabalhou com 12,1%.<br />

Lembrando que se trata de uma amostra jovem, predominantemente entre 20<br />

e 40 anos. Ao analisarmos os entrevistados com mais de 41 anos, as revistas ou<br />

jornais aparecem em primeiro lugar (23,6%), seguidos, com o mesmo percentual<br />

(18,1%), na empresa onde trabalha ou trabalhou e na TV. Sendo assim, pode-se<br />

dizer que os conceitos foram e provavelmente continuam sendo trabalhados e<br />

incorporados nas instituições de ensino como escolas, faculdades e universidades.<br />

Isso representa algo positivo, pois, quanto antes essas questões forem aprendidas,<br />

mais fácil será incorporar mudanças nos hábitos e até mesmo nas empresas em<br />

prol do meio ambiente e da comunidade.<br />

Por fim, com relação às influencias dos fatores socioambientais no processo<br />

de decisão de compra, nota-se que a qualidade, preço são sempre as mais<br />

importantes, porém já é possível perceber uma preocupação com o atributo de<br />

biodegradabilidade nas categorias de higiene e limpeza doméstica e de cuidados<br />

pessoais. Já na categoria de alimentos, os produtos orgânicos ou não transgênicos<br />

foram os menos importantes, porém vale salientar a importância dada aos produtos<br />

que não contem gordura trans.<br />

A influência..., Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica, p. 160-167<br />

165


Foi interessante observar que os entrevistados não costumam buscar<br />

informações nas embalagens dos produtos, sendo assim, torna-se difícil a<br />

identificação de elementos ou atributos socioambientais do produto. Um outro<br />

aspecto importante foi que os entrevistados, em sua maioria, disseram estar<br />

dispostos a pagar mais por produtos de marcas ou empresas preocupadas com<br />

aspectos socioambientais.<br />

Considerações finais<br />

Por meio dos resultados obtidos pela pesquisa, é possível indicar que as<br />

pessoas estão mais preocupadas e conscientes com o tema e sabem da sua<br />

importância, porém percebe-se que ainda falta clareza e informação adequada para<br />

o consumidor, já que o mesmo muitas vezes não conhece alternativas para melhorar<br />

seus hábitos de consumo. Sendo assim, apesar da pouca informação essa mudança<br />

de comportamento dos consumidores pode demonstrar uma tendência de maior<br />

exigência com as empresas e com as demais instituições, pois se os indivíduos já<br />

estão preocupados com isso e conscientes de alguns aspectos, é provável que esses<br />

fatores se tornem cada vez mais importantes e essenciais.<br />

Neste ponto, as empresas podem desempenhar um papel informativo<br />

importante para a sociedade. Ao contrário de apresentarem-se apenas como<br />

sustentáveis, demonstrar as medidas adotadas, ou seja, o que é feito, devem<br />

procurar fazer ações de marketing com o objetivo de informar quais os atributos<br />

socioambientais dos seus produtos, demonstrando como buscar elementos<br />

socioambientais nas embalagens, explicando os selos, enfim, estimulando busca<br />

por informação por mais conhecimento.<br />

A fim de resumir e traduzir a idéia desse estudo para uma forma gráfica foi<br />

criado a figura conceito abaixo, que possui elementos como cérebro no formato<br />

de uma árvore, no sentido de estimular a informação e o conhecimento sobre o<br />

tema, bem como o pensamento sobre o assunto de maneira mais criteriosa e de<br />

forma consciente.<br />

Figura 1 Conceito trabalho<br />

166<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Embora durante muito tempo os problemas sócio-ambientais tenham sido<br />

preocupação apenas do Estado e ambientalistas, hoje, vem sendo debatidas<br />

intensamente por toda a sociedade, não apenas a divulgação, como também a<br />

maior conscientização e proximidade com esses problemas, levam empresas e<br />

consumidores a se preocupar cada vez mais com o assunto e rever suas praticas<br />

, dando espaço a novos conceitos, como consumo consciente, consumo verde,<br />

consumo sustentável.<br />

Referências Bibliográficas<br />

CETIC – Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação.<br />

Disponível em: . Acessado em 08 de novembro de 2009.<br />

DIAS, Reinaldo. Marketing Ambiental: Ética, responsabilidade social e competitividade<br />

nos negócios. São Paulo: Atlas, 2007.<br />

DIAS, Reinaldo. Gestão Ambiental: Responsabilidade Social e Sustentabilidade. São<br />

Paulo: Atlas, 2006.<br />

ELKINGTON, John. Canibais com garfo e faca. São Paulo: Makron Books, 2001.<br />

SUKHDEV, Pavan. TEEB Interim Report. Disponível em .<br />

Acessado em 7 de nov. de 2009.<br />

A influência..., Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica, p. 160-167<br />

167


168<br />

SISTEMA JURÍDICO E<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

ECONÔMICO:<br />

A BUSCA PELA EFICIÊNCIA E<br />

O CASO BRASILEIRO<br />

Resumo:<br />

O texto analisa o desempenho da instituição<br />

máxima do sistema jurídico brasileiro,<br />

o Poder Judiciário, no desenvolvimento<br />

econômico de nosso país e busca discutir o<br />

papel e a capacidade desse poder perante as<br />

demandas que lhe serão apresentadas nesta<br />

época de crise e recuperação econômica em<br />

que se adentra.<br />

Palavras chave: Sistema jurídico.<br />

Desenvolvimento. Economia. Eficiência.<br />

Introdução<br />

José Rubens Vivian Scharlack *<br />

* Advogado em São Paulo. Sócio-fundador de Rodante & Scharlack Advogados. Professor-Colaborador da FAAP.<br />

Trabalho adaptado da monografia apresentada ao Curso de MBA da FAAP. Contatos pelo endereço eletrônico<br />

.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />

Abstract:<br />

The text analyzes the performance of the<br />

Brazilian legal system’s main institution,<br />

the Judiciary Power, in the economic<br />

development of our Country and intends<br />

to discuss the role and the capacity of such<br />

power toward the demands that will be<br />

presented to it in this newly-entered time<br />

of economic crisis and recuperation.<br />

Key words: Legal system. Development.<br />

Economy. Efficiency.<br />

Sistemas jurídicos, enquanto conjuntos de normas, processos e instituições,<br />

destinam-se a pacificar e regrar as relações sociais e, porque a qualidade destas influi<br />

na qualidade do sistema de trocas entre os agentes econômicos, é correto afirmar<br />

que alguma relação existe entre o nível de desenvolvimento de uma economia e<br />

o sistema jurídico ali vigente.<br />

Dentre os sistemas jurídicos existentes no mundo, sobressaem-se, por sua<br />

relevância numérica, aqueles filiados ao civil law (ou direito romano-germânico) e<br />

aqueles adeptos do common law. O civil law é uma “família” de sistemas jurídicos em<br />

que predomina fortemente a lei geral e abstrata cuja hierarquização gera um<br />

ordenamento jurídico lógico, cuja flexibilização tem a rigidez da modificação


legislativa e cuja aplicação ao caso individual e concreto depende de interpretação 1 .<br />

De sua vez, o common law pode ser definido como uma “família” em que os costumes,<br />

em maior grau, e as leis, em menor grau, servem de fontes e cuja elaboração,<br />

secular, foi feita nas cortes judiciais, e não nas universidades. Sua flexibilização<br />

é menos rígida porque prescinde de alterações legislativas e sua utilização nos<br />

casos concretos demanda menos a concretização de preceitos abstratos do que a<br />

identificação do remédio legal necessário.<br />

Logo, a filiação de um sistema jurídico a determinada “família” influencia<br />

a maneira como as regras jurídicas serão criadas (seja pelo processo legislativo,<br />

mais geral e abstrato, seja pelo processo judicial ou costumeiro, mais individual e<br />

concreto, cada qual com particularidades e dinâmicas próprias) e como os conflitos<br />

serão solucionados, ou seja, a filiação determina a forma como se darão as normas<br />

e os processos. Não define como serão as instituições.<br />

É por isso que a mera filiação de um sistema ao civil law ou ao common law – ou mesmo<br />

a aglutinação de influências dessas duas “famílias” em um mesmo sistema jurídico – não se revela fator<br />

determinante à catapultagem (ou não) de um país ao desenvolvimento econômico.<br />

Prova disso é o fato de existirem países ricos e pobres adeptos do civil law. Outros<br />

tantos, filiados ao common law, também os há economicamente desenvolvidos e<br />

subdesenvolvidos. Além do mais, a qualidade com que as normas são aplicadas<br />

pode variar significativamente de sistema para sistema dentro de uma mesma<br />

“família”, com relevantes conseqüências ao funcionamento das respectivas<br />

economias.<br />

Por outro lado, outro fator revela-se crucial à criação de um ambiente<br />

propício ao desenvolvimento econômico: o grau de eficiência do sistema jurídico, sua<br />

capacidade de regrar a vida social, atender à população e solucionar-lhe os conflitos.<br />

Acredita-se que a busca pela eficiência dos sistemas jurídicos possa tanto resultar<br />

em modificações decorrentes da importação de figuras de sistemas alienígenas<br />

quanto no aperfeiçoamento de figuras do direito interno. De uma forma ou de<br />

outra, e sem se desprezar a importância de se ter regras e processos de qualidade,<br />

o que dará o tom para a classificação de um sistema jurídico como eficiente (ou<br />

não) será o grau de desenvolvimento de suas instituições.<br />

Dentre as instituições encarregadas de aplicar as regras jurídicas, sobressaise,<br />

por sua importância, o Judiciário. A migração do sistema econômico global<br />

do Estado intervencionista para a economia de mercado trouxe para o enfoque<br />

mundial a necessidade de avaliação e qualificação do Judiciário.<br />

Na esteira desse raciocínio, deve-se ter em mente que um Judiciário lento,<br />

imprevisível ou arbitrário acarreta ao país custos econômicos, dentre os quais<br />

se destacam (i) o estreitamento da abrangência da atividade econômica, com<br />

desestímulo à especialização e à exploração de economias de escala (devido ao<br />

risco); (ii) o desencorajamento a investimentos e à ótima utilização do capital<br />

disponível, que, mercê da insegurança jurídica, tem de ser alocado de forma<br />

menos eficiente; (iii) a distorção do sistema de preços (decorrente da introdução<br />

do fator de risco jurídico nos preços); (iv) a diminuição da qualidade da política<br />

econômica, que volta a ser mais intervencionista; e (v) a pior avaliação, pelas<br />

1 Em português jurídico, subsunção (adequação do fato à norma).<br />

Sistema Jurídico E Desenvolvimento Econômico: A Busca Pela..., José Rubens Vivian Scharlack, p. 168-175<br />

169


agências de rating, das medidas de risco-país. O impacto da eficiência do sistema<br />

judicial no desenvolvimento econômico é, portanto, altamente relevante.<br />

Com relação ao Brasil, nosso sistema jurídico oriunda do civil law e, assim, tem<br />

na lei o seu principal norte e na Constituição Federal de 1988 sua principal lei.<br />

Na eventualidade de uma lacuna legal, os operadores do direito utilizam-se de<br />

equidade, analogia e demais ferramentas postas pelo próprio Direito, notadamente<br />

pela Lei de Introdução ao Código Civil e demais codificações. Exercem grande<br />

influência sobre a forma de resolução de conflitos os Códigos de Processo Civil<br />

e Penal. Na área tributária, apesar da profusão normativa existente, prevalece o<br />

Código Tributário Nacional.<br />

Por outro lado, não se pode negar a já importante mas ainda crescente influência<br />

que exerce em nosso sistema jurídico a jurisprudência. Cada vez mais se volta a atenção<br />

aos precedentes jurisprudenciais para se tomar decisões negociais e para se realizar<br />

planejamentos. Em contraste, cada vez menos atenção se dá às lições doutrinárias,<br />

outrora tão relevantes no civil law, ultimamente referenciadas apenas como fonte de<br />

aprofundamento do conhecimento da lei. O próprio Código de Processo Civil vem<br />

sendo reformado para dar mais valor aos precedentes jurisprudenciais e, assim,<br />

aproximar um pouco nosso sistema do common law. Prova disso são seus artigos 557<br />

e 558, que permitem ao juiz relator (i) negar seguimento a recurso que esteja em<br />

manifesto confronto com súmula ou jurisprudência pacificada no Supremo Tribunal<br />

Federal (STF) ou em Tribunal Superior, (ii) dar pronto provimento a recurso contra<br />

decisão que esteja em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência pacificada<br />

no STF ou em Tribunal Superior, ou ainda, ao juiz de primeira instância, (iii) dispensar<br />

de revisão pela segunda instância sentenças proferidas de acordo com súmula ou<br />

jurisprudência do STF ou Tribunal Superior.<br />

No tocante ao quesito eficiência, entretanto, acredita-se que ainda hoje sejam<br />

fortes os problemas enfrentados por nosso sistema jurídico e, particularmente,<br />

por nosso Judiciário. Neste sentido, é necessário destacar o parcial descolamento<br />

fático das regras e estruturas formalmente idealizadas e postas na constituição<br />

e na lei. Fazendo uso dos conceitos criados por Gray (1989) para ilustrar o caso<br />

indonésio, conclui-se que o sistema jurídico brasileiro é um misto entre o modelo<br />

formal (sistema independente e funcional que reflete em grande parte as ideias<br />

de Max Weber sobre o tipo ideal de organização burocrática) e o modelo informal<br />

(sistema jurídico com distribuição assimétrica de informação e aversão a risco, com<br />

consequentes problemas de representação autoridade-agente).<br />

Eis porque criam-se no Brasil estruturas paralelas às instituições formalmente<br />

existentes, como clubes ou empresas familiares. Ademais, proliferam, no Brasil,<br />

sistemas de informação contendo “listas negras”, como a Centralização de Serviços<br />

dos Bancos (SERASA), o Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) e o governamental<br />

Cadastro Informativo de Devedores da Fazenda Nacional (CADIN), além, é claro, da<br />

preferência empresarial pela negociação direta e pela cuidadosa e prévia seleção<br />

de parceiros de negócios. O recurso ao Judiciário é visto como última alternativa.<br />

Por ser oriundo de um sistema misto, em que diversas funções são original<br />

e constitucionalmente reservadas a instituições que terminam por delegá-las ao<br />

Executivo, o Poder Judiciário não deixa de apresentar deficiências. Pinheiro (2003a)<br />

170<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


demonstra que os problemas do Judiciário brasileiro implicam às empresas custos<br />

econômicos estimados – grosseiramente – em 20% do PIB, o que evidencia a gigantesca<br />

importância do assunto. Tais problemas, apesar de agravados pela instabilidade<br />

de nosso arcabouço jurídico, decorrem de causas profundamente arraigadas e<br />

sedimentadas em nossa sociedade e são ainda hoje uma parcial incógnita em<br />

razão da quase ausência de estudos e análise a respeito desse Poder. Eis porque<br />

elaborou extensa pesquisa sobre a impressão dos próprios membros do Judiciário<br />

sobre a situação do Poder. Serviram de fonte 741 magistrados brasileiros, das<br />

Justiças Federal, Estadual e do Trabalho, em todas as suas instâncias. Seus principais<br />

resultados vão resumidos abaixo:<br />

Os principais problemas do Judiciário, de acordo com os magistrados, são, em<br />

primeiro lugar, a morosidade, em segundo, o alto custo de acesso (custas judiciais e<br />

outros custos) e, em terceiro lugar, a falta de previsibilidade das decisões judiciais.<br />

O aspecto mais positivo ressaltado pelos magistrados é a imparcialidade de suas<br />

decisões;<br />

De acordo com a visão dos magistrados, contribuem para a morosidade do<br />

Judiciário (i) a ação de indivíduos, firmas e grupos – sobretudo o próprio Estado, na<br />

seara tributária – que a ele recorrem não para pleitear direitos mas para postergar<br />

o cumprimento de suas obrigações; e (ii) problemas internos ao funcionamento<br />

do sistema legal e judicial (antigos e conhecidos, mas alheios à própria atuação<br />

dos magistrados, tais como número insuficiente de juízes, profusão de recursos<br />

e possibilidades de se protelar uma decisão – o que, além da morosidade, gera desmotivação e<br />

menos comprometimento do magistrado com a qualidade de suas próprias decisões, que sempre acabam sendo<br />

revistas por uma instância superior –, falta de equipamentos de informática, preferência dos<br />

advogados por estender a duração de litígios – e assim preservar seu mercado de trabalho –,<br />

ênfase no formalismo processual e precária situação das instalações judiciárias);<br />

Ainda segundo os magistrados, contribuem para a falta de previsibilidade<br />

de suas decisões (i) as falhas no ordenamento jurídico, (ii) o uso freqüente de<br />

liminares e (iii) a tendência a que as decisões sejam tomadas com base em detalhes<br />

processuais (não se alcançando, portanto, em muitas decisões, o mérito das causas);<br />

Por outro lado, não são percebidos pelos magistrados dois problemas que<br />

inquinam de imprevisibilidade as decisões judiciais – e consequentemente, afetam de forma<br />

séria a segurança jurídica de nosso sistema –, a saber, (i) a ‘judicialização’ da política, que é<br />

a tendência de os poderes políticos transferirem para o Judiciário a solução de<br />

conflitos políticos, a qual só é admitida pelos magistrados no círculo restrito dos<br />

Tribunais Superiores, e (ii) a ‘politização’ das decisões judiciais, fenômeno ainda<br />

mais perigoso, segundo o qual as decisões judiciais são baseadas mais na visão<br />

política do juiz do que na interpretação rigorosa da lei. De acordo com os achados de<br />

Pinheiro (2003b, p. 47), a politização das decisões judiciais, fenômeno tão mais grave<br />

em razão do pouco conhecimento que dele se tem, “[...] freqüentemente resulta<br />

da tentativa dos magistrados de proteger a parte mais fraca na disputa que lhe é<br />

apresentada. Os magistrados se referem a essa atitude como um papel social que o<br />

juiz tem de desempenhar. Em relação a essa questão, perguntou-se aos magistrados<br />

sobre com qual de duas proposições eles concordavam mais: (A) que os contratos<br />

devem ser sempre respeitados, independentemente de suas repercussões sociais;<br />

Sistema Jurídico E Desenvolvimento Econômico: A Busca Pela..., José Rubens Vivian Scharlack, p. 168-175<br />

171


ou (B) que a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos. A<br />

grande maioria dos entrevistados (73,1%) respondeu que eles concordavam mais<br />

com a segunda alternativa (B)”. Enfim, os magistrados claramente privilegiam, por<br />

esse viés de politização de suas decisões, a “justiça” em detrimento da segurança<br />

jurídica. Quer o juiz brasileiro, dentro de nosso sistema de civil law, agir, em larga<br />

medida, como um juiz do common law, sem, entretanto, limitar-se pelas regras de<br />

precedente ou pelas decisões de tribunais superiores, que são os instrumentos<br />

que dão previsibilidade ao sistema de common law. Sua neutralidade, enfim, fica<br />

gravemente comprometida, sobretudo em questões envolvendo direito ambiental,<br />

direito do trabalho, direto previdenciário, direito do consumidor e direito tributário.<br />

Percebe-se, pelos achados acima, que, infelizmente, no caso brasileiro, por<br />

compor um sistema jurídico onde ainda se vê divorciarem-se previsão constitucional<br />

e realidade fática, o Judiciário, na busca pela eficiência, tropeça em dois problemas<br />

particularmente graves: a demora para a entrega de uma prestação jurisdicional<br />

final e a falta de neutralidade política dos juízes. Ambos os problemas impactam<br />

negativa e significativamente o desenvolvimento econômico nacional, já que<br />

a demora do Judiciário e a incerteza do resultado de seus processos tornam-se<br />

componentes de risco que instruem as matrizes de preços em todas as transações<br />

(sobretudo as financeiras e de crédito nacional e externo, sendo a medida de<br />

risco-país a mais visível delas), bem como inibem o desenvolvimento da atividade<br />

empreendedora no país e o afluxo de investimentos externos na atividade produtiva<br />

nacional.<br />

Todavia, conforme apontado na pesquisa, o problema da morosidade<br />

pode ser mitigado com o implemento de medidas simples e que não implicam<br />

necessariamente a realocação de mais recursos governamentais ao Judiciário,<br />

tais como (i) a instituição de indicadores de performance como condicionadores<br />

da promoção de magistrados (foram particularmente sugeridos dois critérios<br />

interessantes, a saber, [a] indicadores quantitativos sobre celeridade processual<br />

– intervalo de tempo entre a entrada e o julgamento dos processos – e [b]<br />

indicadores quantitativos sobre previsibilidade das decisões – proporção de<br />

decisões confirmadas em instâncias superiores), (ii) o aumento do treinamento de<br />

juízes em fase pré-judicatura (a exemplo do que ocorre com os diplomatas) e (iii)<br />

a nomeação de administradores forenses, ferramenta fundamental para otimizar<br />

o tempo dos juízes e concentrá-lo no que eles realmente são talentosos: proferir<br />

decisões judiciais.<br />

Para remediar o problema da não-neutralidade, é necessária educação<br />

econômica, a qual pode ser, ao menos inicialmente, passada aos magistrados<br />

durante os treinamentos pré-judicantes, ou mesmo mediante leve aprimoramento<br />

das grades curriculares nos cursos de direito. A educação econômica mostra-se<br />

particularmente importante como mecanismo destinado a reduzir ou mesmo<br />

evitar a chamada “politização da justiça”, de modo a que os juízes centrem suas<br />

decisões na análise do Direito e não subvertam seu papel decisor eminentemente<br />

técnico no afã distributivista de realizarem, individualmente e em substituição<br />

ao governo, política social, mesmo porque a forma mais eficiente de se atingir os<br />

objetivos distributivistas que pesam na consciência dos juízes é garantir segurança<br />

172<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


jurídica ao nosso sistema, do qual o Poder Judiciário é a instituição máxima.<br />

Ademais, é necessário que se entenda que a não-neutralidade do magistrado tem<br />

conseqüências negativas, das quais se pinça, com Pinheiro (2003b), a incerteza dos<br />

contratos e o aumento de prêmios de risco (isto é, preços) com prejuízo direto, a<br />

posteriori, às próprias partes (trabalhadores, consumidores, clientes bancários etc.)<br />

a que o magistrado buscara inicialmente proteger.<br />

Ainda, lembra-se que há recentes reformas implementadas, cujos resultados,<br />

pendentes de avaliação em razão de sua pouca expressividade até o momento,<br />

podem alterar o quadro acima descrito. É que, a partir de 2005, com o advento<br />

da Emenda Constitucional nº 45, foram sendo paulatinamente introduzidas<br />

modificações no sistema brasileiro visando a aplacar as principais mazelas do<br />

Judiciário e, assim, dar-lhe maior eficiência. São oriundas dessa reforma, por<br />

exemplo, as súmulas vinculantes, as quais não só condensam o entendimento<br />

do STF a respeito de determinado assunto, mas também se impõem às<br />

instâncias inferiores, de modo a uniformizar a jurisprudência sobre aquele tema,<br />

trazendo mais segurança jurídica e previsibilidade ao nosso sistema. Também<br />

são resultados dessa reforma a ferramenta de repercussão, a qual, quando<br />

utilizada, “congela” o trâmite de todos os processos existentes no país sobre<br />

determinado assunto até que o STF exare sua decisão a respeito. Por fim, é<br />

igualmente produto da reforma a criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão<br />

composto por membros do Judiciário, do Ministério Público e da Advocacia,<br />

bem como por cidadãos de destaque, ao qual é atribuído o papel de controle<br />

externo do Poder Judiciário. Na esteira da Emenda 45, reformas outras foram<br />

trazidas pela legislação ordinária, donde se pinça, dentre outras, (i) a nova Lei<br />

de Execução Civil (Lei 11.232/2005), que abreviou a duração do processo de<br />

execução; (ii) a Súmula Impeditiva de Recursos (Lei 11.276/2006), que permite<br />

ao juiz não receber recurso de apelação se sua sentença estiver de acordo com<br />

matéria sumulada pelo STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); (iii) a Lei<br />

11.277/2006, que estabelece a possibilidade de pronta extinção da ação pelo juiz<br />

em casos repetitivos sobre cujo assunto ele já possua entendimento firmado pela<br />

improcedência da causa; e (iv) a Lei 11.280/2006, que permite ao juiz reconhecer<br />

a prescrição 2 do direito discutido no processo sem prévia provocação das partes.<br />

Outra iniciativa de caráter administrativo que se vem notando é a progressiva<br />

informatização dos fóruns e tribunais, permitindo a verificação dos andamentos<br />

e decisões processuais pela internet e, nalgumas esferas mais restritas, mesmo a<br />

apresentação de ações, defesas e recursos por meio eletrônico.<br />

Por fim, cabe ressaltar que parte do discurso liberalizante que ensejou toda<br />

a discussão a respeito da reforma do Judiciário – de acordo com o qual o Estado<br />

deveria reduzir sua atuação para atuar como mero facilitador dos negócios a serem<br />

empreendidos, com a maior liberdade possível, pela iniciativa privada – caiu por<br />

terra, em razão dos abusos cometidos no mercado financeiro norte-americano e<br />

europeu que acabaram por gerar uma onda de clamor por uma maior regulação<br />

do mercado financeiro e, por via de conseqüência, um maior controle estatal<br />

sobre suas transações. A tendência mesmo parece ser uma mudança significativa<br />

2 Extinção do direito pelo decurso do tempo, sem que tenha havido o seu exercício pelo titular.<br />

Sistema Jurídico E Desenvolvimento Econômico: A Busca Pela..., José Rubens Vivian Scharlack, p. 168-175<br />

173


do papel do Estado na economia. No momento inicial, em que a crise bateu às<br />

portas dos países, o Estado foi chamado a contribuir para reverter a iliquidez<br />

geral dos mercados e não raro assumir dívidas do setor privado. Em um segundo<br />

momento, estima-se a ampliação das funções regulatórias estatais, com esperadas<br />

repercussões políticas e sociais.<br />

Com isso de maneira nenhuma se altera a necessidade de reforma judicial,<br />

mas reforça-se a necessidade da presença estatal, não como empreendedor,<br />

mas como forte regulador e facilitador (na medida em que não lhe cria<br />

entraves despropositados e ainda proporciona a infra-estrutura necessária ao<br />

desenvolvimento) da economia, cujos principais agentes, concorda-se, devem<br />

ser os entes privados. A desestatização da economia significa, em última análise, a<br />

retirada do Estado do papel de ator econômico principal, nunca se lhe subtraindo,<br />

entretanto, a tutela do interesse público e a necessária regulação e controle das<br />

atividades dos particulares, na medida em que a falta dessa regulação e controle<br />

prejudiquem os direitos e garantias individuais e sociais e, assim, a sociedade como<br />

um todo.<br />

Neste novo cenário, em que a demanda pela atuação estatal (não<br />

empreendedora, mas reguladora) é reforçada, o papel do Judiciário torna-se<br />

ainda mais relevante – posto que ele se constitui na esfera última de proteção<br />

ao indivíduo, à sociedade e ao próprio Estado, bem como a instituição máxima<br />

garantidora da segurança necessária à conformação da infra-estrutura legal para<br />

o desenvolvimento nacional – e sua reforma, nos termos aqui analisados, torna-se<br />

mesmo crucial.<br />

174<br />

Referências Bibliográficas<br />

GRAY, C. W. Legal process and economic development, a case study of Indonesia,<br />

Washington: World Bank Technical Paper, 1989.<br />

PINHEIRO, A. C. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou<br />

confronto? Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2003a.<br />

_______. Judiciário, reforma e economia: a visão dos magistrados. Rio de Janeiro:<br />

Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA, 2003b.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Resenha<br />

A Arte da Guerra<br />

TZU, S. A arte da guerra. Adaptação e prefácio: James Clavell.<br />

Tradução: José Sanz. 29ª ed.. Rio de Janeiro: Record, 2002, 111 p.<br />

Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira **<br />

Escrita há aproximadamente 2.500 anos na China antiga pelo general Sun<br />

Tzu, “A Arte da Guerra” é uma obra clássica não sujeita ao tempo. Redescoberta<br />

pelo mundo ocidental e utilizada como um “manual de estratégias” devido ao seu<br />

denso conteúdo filosófico, a obra reúne uma série de premissas de cunho militar,<br />

que podem ser facilmente aplicadas atualmente por administradores, políticos,<br />

empresários, entre outros, para formulação de suas estratégias.<br />

A obra de Sun Tzu é considerada por muitos a precursora da literatura acerca<br />

da estratégia em combate. Posteriormente, essa temática também foi abordada<br />

em “Da Guerra” (1832), pelo general Clausewitz, e se tornou principal referência<br />

clássica em estratégia de guerra no Ocidente.<br />

Grande parte da utilização do pensamento estratégico na área de negócios é<br />

proveniente da referida esfera de combate, na qual a estratégia é definida como uma<br />

arte militar que envolve o planejamento e a execução necessários para se chegar<br />

aos objetivos principais da guerra. Diferente de uma simples questão lógica, através<br />

da qual é possível alcançar um mesmo resultado final, a necessidade estratégica<br />

nasce da impossibilidade de satisfação simultânea de interesses divergentes e da<br />

imprevisibilidade da reação de qualquer oponente, que possui valores e percepções<br />

geralmente constituídos de forma totalmente diversa (COSTA; ALMEIDA, 2005, p.<br />

205).<br />

Segundo o professor Pankaj Ghemawat, os termos estratégicos existentes, a<br />

partir de sua origem militar, foram incorporados aos negócios efetivamente a partir<br />

do século XX, porém anteriormente, no período da Segunda Revolução Industrial,<br />

surgia a “emergência da estratégia como forma de moldar as forças do mercado<br />

e afetar o ambiente competitivo”, principalmente pelo surgimento dos mercados<br />

em massa (2000, p.16).<br />

De acordo com o mesmo autor, a Segunda Guerra Mundial viabilizou o<br />

* Silvye Ane Massaini, formada em Administração de Empresas pela FAAP em 2008, pós-graduanda em Gestão<br />

<strong>Estratégica</strong> de Projetos e Professora Auxiliar de Ensino em tempo integral na mesma instituição. . Viviane Renata Franco de Oliveira é bacharel e licenciada em História pela USP e bacharel em<br />

Administração de Empresas pela FAAP, onde também exerce função. <br />

A Arte da Guerra, Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira, p. 176-180<br />

175


pensamento estratégico nas empresas para solucionar o problema de alocação de<br />

recursos na economia e para guiar decisões gerenciais, com o objetivo de exercer<br />

influência sobre as forças do mercado (2000, p.17). As escolas de administração<br />

foram as principais responsáveis por promover o pensamento estratégico nos<br />

meios acadêmicos e, a partir da década de 1960, essa influência se fazia fortemente<br />

presente em diversos tipos de negócios, principalmente através da atuação de<br />

firmas de consultoria em estratégia que se formaram em meados da década de 1970.<br />

A obra “O processo da estratégia” salienta que a influência militar foi ainda<br />

mais relevante nas concepções estratégicas que se disseminaram na década de<br />

1980, sendo Michael Porter um dos representantes dessa influência, conhecida<br />

como Escola de Posicionamento. Na vertente do posicionamento, que tem a obra<br />

de Sun Tzu como base, a estratégia “reduz-se a posições genéricas selecionadas<br />

por meio de análises formalizadas das situações de segmento”, fazendo com que<br />

os estrategistas sejam caracterizados fundamentalmente pela sua capacidade<br />

analítica (MINTZBERG et al, 2003, p.10).<br />

Percebe-se, pela apreciação de “A Arte da Guerra”, que tal aspecto fora<br />

explorado por Sun Tzu, ao afirmar que o general que tiver capacidade de analisar<br />

seu ambiente cuidadosamente, planejar estrategicamente e liderar, conhecendo a<br />

si e aos seus inimigos, obterá êxito. Sua obra apresenta como ponto central a busca<br />

da vitória frente a um ambiente de competição e conflito, na qual se evidencia a<br />

necessidade de antecipação diante do inimigo, de adaptação frente às diferentes<br />

variáveis e de ação rápida e eficaz.<br />

O livro é dividido em 13 capítulos, nos quais o autor expõe a importância da<br />

disciplina e do planejamento nas ações militares.<br />

Inicialmente, o autor trata da preparação dos planos, evidenciando a<br />

necessidade de planejamento para alcance dos objetivos. Nesse sentido, a figura do<br />

chefe militar torna-se fundamental devido a sua responsabilidade pela condução<br />

de seu exército de forma segura. Para tanto, o militar deve considerar as condições<br />

de sua equipe e de seu inimigo, tendo em mente cinco princípios básicos para se<br />

tornar um vencedor:<br />

176<br />

1. Lei Moral: significa a submissão do exército diante de seu governante.<br />

2. Céu: refere-se ao clima, representando tudo o que se encontra além do<br />

controle do militar.<br />

3. Terra: refere-se ao caminho, à segurança, aos perigos e à distância,<br />

questões através das quais é possível traçar algum tipo de avaliação prévia.<br />

4. Chefe: significa a sabedoria, a coragem, a integridade e a liderança para<br />

o alcance de determinado objetivo.<br />

5. Método e disciplina: refere-se principalmente às divisões militares, aos<br />

regimentos e ao método a ser aplicado para conduzir o exército.<br />

Feitas tais considerações, Sun Tzu enfatiza a necessidade de estar um passo à<br />

frente do adversário e de ser eficiente nas ações militares, como forma de preservar<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


os recursos militares e minimizar o desgaste do grupo. As operações militares<br />

não devem ser conduzidas em campanhas demasiadamente prolongadas, pois<br />

isso acarretaria na exaustão do grupo e na extinção de seus recursos, deixando-o<br />

vulnerável frente ao inimigo. Segundo Carlos Lima Silva, em seu livro “Harmonia<br />

no Conflito: A arte da estratégia de Sun Tzu”, o general deve encontrar o equilíbrio<br />

entre a velocidade e o tempo, estando ciente da situação em que os soldados se<br />

encontram (1999, p.306).<br />

Nesta mesma linha argumentativa, o autor defende que a melhor estratégia de<br />

ataque será aquela que mantiver o Estado inimigo intacto, utilizando-se do domínio<br />

e da rendição ao invés do extermínio. “A glória suprema consiste em quebrar a<br />

resistência do inimigo sem lutar” (TZU, 2002, p.25). Dessa forma, a melhor política<br />

militar é aquela que obtém a vitória através do impedimento dos planos inimigos,<br />

explorando ao máximo as possibilidades diplomáticas.<br />

A partir dessa ótica, Sun Tzu ressalta a necessidade do conhecimento do<br />

inimigo e de si mesmo, como forma de destacar-se frente ao oponente. Para tanto,<br />

torna-se fundamental a análise dos pontos fortes e fracos e a possibilidade de<br />

utilização de diversos métodos de ataque e defesa para surpreender o exército<br />

inimigo. Em outras palavras, o chefe militar deve preparar seus arranjos técnicos<br />

de modo a evitar os pontos fortes do inimigo, atacando seus pontos fracos. No<br />

âmbito organizacional, tal afirmação pode ser entendida como a necessidade<br />

de conhecimento da própria organização, dos clientes e da concorrência, para<br />

possibilitar o alcance dos objetivos (KRAUSE apud ZACCARELLI, 2000, p.43)<br />

Outro ponto destacável da obra refere-se à questão da liderança, da utilização<br />

da lei moral, dos métodos e da disciplina. Conforme o autor, um comando rígido<br />

e imparcial possibilitará o alcance de uma vantagem competitiva, evidenciando<br />

assim a importância da coordenação, da força, da organização e da dinâmica do<br />

grupo. Para Sun Tzu, “o guerreiro inteligente procura o efeito da energia combinada<br />

e não exige muito dos indivíduos. Leva em conta o talento de cada um e utiliza<br />

cada homem de acordo com sua capacidade” (TZU, 2002, p.36), o que pode ser<br />

considerado inclusive no âmbito da liderança organizacional.<br />

Isto posto, Sun Tzu trata das diferentes manobras de combate no campo de<br />

batalha. Segundo o autor, para posicionar-se à frente do inimigo, é necessário<br />

conhecer muito bem o terreno e mover-se rapidamente por ele. O planejamento<br />

das manobras facilita o sucesso do exército, assim como o conhecimento do<br />

território de batalha possibilita o ataque direto e indireto, facilitando a atração<br />

dos adversários à emboscadas. Aprofundando-se no tema, o autor apresenta<br />

nove fatores que devem considerados, como forma de evitar surpresas no campo<br />

de batalha: não acampe em terrenos baixos; busque “parcerias” com os príncipes<br />

dos terrenos considerados estratégicos; esteja preparado em terrenos sujeitos a<br />

armadilhas; lute agressivamente em um terreno no qual não se possa avançar ou se<br />

retirar; há momentos em que os inimigos não devem ser atacados, dentre outros.<br />

No ambiente de negócios, tais fatores podem ser representados pela a formação<br />

A Arte da Guerra, Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira, p. 176-180<br />

177


de alianças estratégicas, por exemplo, ou até mesmo pela utilização de estratégias<br />

para evitar “guerra de preço”.<br />

Dando continuidade ao assunto, o autor trata das movimentações estratégicas<br />

que o exército deve tomar. Para se posicionar, o general deve procurar um território<br />

seguro e selecionar um lugar alto e ensolarado para montar seus acampamentos<br />

militares, aproveitando-se das vantagens propiciadas pelo terreno. Do ponto de<br />

vista mercadológico, tal fato pode ser entendido como a identificação de uma<br />

oportunidade de mercado, presente na análise SWOT. Esta ferramenta estratégica,<br />

amplamente difundida por autores contemporâneos, tem como base os mesmos<br />

princípios enunciados por Sun Tzu, e se baseia no levantamento das forças,<br />

fraquezas, oportunidades e ameaças presentes no ambiente interno e externo de<br />

uma empresa, de forma a possibilitar a tomada de decisão e, conseqüentemente, o<br />

cumprimento de seus objetivos. Ainda a esse respeito, Sun Tzu afirma: “para que o<br />

impacto do seu exército possa ser semelhante a uma pedra de moinho chocando-se<br />

com um ovo, utilize a ciência dos pontos fracos e fortes” (TZU, 2002, p.37).<br />

Além disso, são apresentados diversos tipos de terrenos (acessível, complicado,<br />

duvidoso, estreito, acidentado e distante) e a forma mais adequada de lidar com<br />

cada um deles, enfatizando a questão da adaptação. Em um terreno acessível, por<br />

exemplo, as tropas devem ocupar posições altas e ensolaradas, mantendo as linhas<br />

de provisão desimpedidas, facilitando a luta com o inimigo. Já em um terreno<br />

duvidoso, é aconselhável recuar e atrair o oponente a uma situação através da<br />

qual se possa obter algum tipo de vantagem. Analogamente, essa questão pode<br />

ser compreendida nas organizações como a necessidade de um posicionamento<br />

estratégico, utilizando-se das variáveis do mercado, para obtenção de uma<br />

vantagem competitiva sustentável.<br />

Outro ponto abordado na obra diz respeito aos cinco erros que podem<br />

afetar o líder militar: a negligência, que leva à derrota; a covardia, que leva à<br />

captura; a debilidade da honra, que leva à humilhação; a impetuosidade, que leva<br />

à precipitação; e o excesso de solicitude com os soldados, que leva à hesitação<br />

e passividade. Tais erros implicam em perda e para evitá-los nas organizações é<br />

necessária uma adaptação constante. Isso só será possível a partir de uma análise<br />

situacional, do cálculo dos recursos e da força necessária, da comparação dessa<br />

força com a força dos adversários e da previsão da vitória ou da derrota (SILVA,<br />

1999, p.203).<br />

O autor ainda destaca a necessidade dos soldados serem tratados de forma<br />

humana, mantidos, no entanto, sob controle de uma rígida disciplina. Assim, “quanto<br />

maior for o entendimento mútuo, o senso de justiça e a disciplina imparcial, maior<br />

será a confiança mútua entre superiores e subordinados” (SILVA, 1999, p.369).<br />

Sun Tzu também discute algumas questões pelas quais o general é o grande<br />

responsável, evidenciando a importância do superior no alcance dos objetivos:<br />

178<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Quando os soldados rasos são muito mais fortes e seus oficiais muito fracos,<br />

o resultado é a insubordinação [...]; quando os oficiais são muito fortes e os<br />

soldados rasos muito fracos, o resultado é o colapso [...]; quando o general é<br />

fraco e sem autoridade, quando suas ordens não são claras e compreensíveis<br />

[...] o resultado é a desorganização absoluta [...]; quando um general, incapaz<br />

de calcular as forças inimigas, permite que uma força inferior ataque uma<br />

superior [...] o resultado pode ser a derrota total (TZU, 2002, p.71-72).<br />

Sua abordagem tem continuidade na descrição dos cinco tipos de ataques<br />

incendiários. O fogo, neste contexto, representa a rápida destruição através da<br />

utilização da tecnologia, tendo como objetivo confundir o adversário, deixando-o<br />

hesitante (SILVA, 1999, p.494). Para atear fogo, no entanto, é importante aguardar o<br />

momento propício (dias secos e ventos fortes), ter os materiais necessários sempre<br />

à mão e conduzir o combate de forma apropriada.<br />

Ao final de sua obra, Sun Tzu refere-se à utilização de espiões, como forma de<br />

reduzir os custos de guerra e obter informações essenciais a respeito do inimigo.<br />

Diante desta abordagem, o espião assume um papel de suma importância, já que<br />

toda a capacidade de movimentação do exército repousa sobre o conhecimento<br />

do inimigo (TZU, 2002, p.110-111). Para o autor Carlos Lima Silva, o papel do espião<br />

pode ser representado, no contexto organizacional, pelos funcionários e suas<br />

contribuições com relação ao conhecimento que possuem, tornando-se peças<br />

fundamentais no intercâmbio de informações (1999, p.509).<br />

No contato com a obra comprova-se a relevância das idéias de Sun Tzu pela<br />

capacidade de síntese da filosofia e da realidade, permitindo a abstração de seus<br />

conceitos para realização das mais diversas analogias.<br />

A comparação entre o cenário militar com o cenário organizacional é possível,<br />

uma vez que ambos dependem da formulação de estratégias adequadas para o<br />

alcance de seus objetivos. Assim sendo, para o administrador, a grande valia da obra<br />

está em sua possibilidade de aplicação genérica às questões de cunho estratégico.<br />

A convergência dos conceitos anunciados por Sun Tzu ocorre também pela<br />

acentuada preocupação com o futuro na condução das organizações, influenciando<br />

diretamente as decisões e ações das organizações. As dificuldades eminentes nas<br />

projeções futuras são resultantes da complexidade do ambiente formado pelas<br />

“rápidas e radicais transformações que atingem a sociedade contemporânea”<br />

(COSTA; ALMEIDA, 2005, p. 23), sendo a estratégia uma das principais ferramentas<br />

utilizadas para amenizar os efeitos do atual cenário pautado pela incerteza.<br />

A Arte da Guerra, Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira, p. 176-180<br />

179


180<br />

Referências Bibliográficas<br />

COSTA, Benny Kramer; ALMEIDA, Martinho Isnard Ribeiro de (Org.). Estratégia:<br />

direcionando negócios e organizações. São Paulo: Atlas, 2005.<br />

GHEMAWAT, Pankaj. A estratégia e o cenário dos negócios: textos e casos. Tradução:<br />

Nivaldo Montigelli Jr. Porto Alegre: Bookman, 2000.<br />

MINTZBERG, H.; QUINN, J. O processo da estratégia: conceitos, contextos e casos.<br />

Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 4ªed.. Porto Alegre: Bookman, 2006.<br />

SILVA, Carlos Lima. Harmonia no conflito: a estratégia de Sun Tzu. Rio de Janeiro:<br />

Qualitymark Ed., 1999.<br />

ZACCARELLI, Sérgio B. Estratégia e sucesso nas empresas. São Paulo: Saraiva, 2000.<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


Orientação para Colaboradores<br />

1 Foco da <strong>Revista</strong><br />

A <strong>Revista</strong> <strong>Estratégica</strong> publica artigos inéditos nas áreas de Estratégia,<br />

Administração, Gestão e temas afins, em português, espanhol e inglês, de autores<br />

brasileiros e do exterior e que foram devidamente aprovados pelo Conselho Editorial<br />

da <strong>Revista</strong>. Excepcionalmente, publica também artigos não inéditos, mas ainda não<br />

divulgados em português ou espanhol, e que a <strong>Revista</strong> considere importantes para<br />

publicação nessas línguas, modificados ou não, conforme avaliação dos editores<br />

ou de membros do Conselho Editorial. Os artigos devem conter: resumo, abstract<br />

(e respectivas palavras chave), introdução, desenvolvimento, considerações finais<br />

e referências bibliográficas. A escrita deve ser acessível ao público em geral.<br />

2 Formato dos Originais<br />

Os textos devem ser submetidos na forma de arquivo eletrônico, em CD-Rom<br />

ou por e-mail, no programa Word, em fonte Times New Roman, 12 pontos, e com<br />

tabelas e gráficos no mesmo formato ou em Excell. Incluindo tabelas, gráficos e<br />

referências, cada artigo deve ter de 8 a 25 páginas tamanho A4, com espaço 1,5 entre<br />

linhas, entre 5 mil e 7 mil palavras ou 30 mil a 40 mil caracteres, inclusive espaços.<br />

Tabelas e gráficos não preparados originalmente pelo autor e retirados de<br />

outras fontes não poderão ser colocados no artigo na forma de figuras. Precisarão<br />

ser refeitos no formato citado, e sempre escritos no mesmo idioma do texto em<br />

que estarão inseridos.<br />

As notas, na mesma fonte, em 10 pontos, devem ser colocadas nos rodapés,<br />

numeradas sequencialmente, exceto a primeira, que referenciada por um * deve<br />

corresponder ao(s) autor (es) indicando a titulação acadêmica, a ocupação atual e<br />

outras já exercidas, bem como um endereço eletrônico para contato. O texto dessa<br />

nota inicial deverá tomar de três a cinco linhas.<br />

As referências bibliográficas deverão ser listadas alfabeticamente no final do<br />

texto, seguinto a norma NBR – 6023 da Associação Brasileira de Normas Técnicas<br />

– ABNT, tal como mostram os exemplos a seguir:<br />

• Livro<br />

BAZERMAN, Max H. Processo decisório. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2004.<br />

• Livro em Meio Eletrônico<br />

ALVES, Castro. Navio negreiro. [S.I.]: Virtual Books, 2000. Disponível em: http://<br />

www.terra.com.br/virtualbooks/freebook/port/Lport2/navionegreiro.htm.<br />

Acesso em: 10 jan. 2002, 16:30:30.<br />

• Parte de Coletânea<br />

ROMANO, Giovanni. Imagens da juventude na era moderna. In: LEVI, G; SCHIMIDT, J.<br />

(Org.). História dos jovens 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 7-16.<br />

SANTOS, F. R. dos. A colonização da terra do Tucujús. In: __________. História do<br />

Amapá, 1º grau. 2. ed. Macapá: Valcan, 1994. cap. 3.<br />

181


• Artigo de <strong>Revista</strong><br />

STUDART, R. O sistema financeiro e o financiamento do crescimento: uma alternativa<br />

pós-keynesiana à visão convencional. <strong>Revista</strong> de Economia Política, 13(1). Rio de<br />

Janeiro: 1993, p. 101-138 .<br />

REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA. Rio de Janeiro: IBGE, 1939-. Trimestral. Absorveu<br />

Boletim Geográfico, do IBGE. Ìndice acumulado, 1939-1983. ISSN 0034-723X.<br />

• Artigo de Jornal<br />

COSTURA x P.U.R. Aldus, São Paulo, ano 1, n. 1, nov. 1997. Encarte técnico, p. 8.<br />

NAVES, P. Lagos andinos dão banho de beleza. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 jun.<br />

1999. Folha Turismo, Caderno 8, p. 13.<br />

LEAL, L. N. MP fiscaliza com autonomia total. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 3,<br />

25 abr. 1999.<br />

SILVA, Ives Gandra da. Pena de morte para o nascituro. O Estado de S. Paulo, São<br />

Paulo, 19 set. 1998. Disponível em: < http://www.providafamilia.org/pena_morte_<br />

nascituro.htm>. Acesso em: 19 set. 1998.<br />

• Trabalho de Congresso Publicado em Meio Eletrônico<br />

REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA, 20., 1997, Poços de Caldas.<br />

Química: academia, indústria, sociedade: livro de resumos. São Paulo: Sociedade<br />

Brasileira de química, 1997.<br />

SILVA, M. M. L. Crimes da era digital. .Net, Rio de Janeiro, nov. 1998. Seção Ponto de<br />

Vista. Disponível em: http://www.brazilnet.com.br/contexts/brasilrevistas.htm. Acesso<br />

em 28 nov. 1998.<br />

RIBEIRO, P. S. G. Adoção à brasileira: uma análise sociojurídica. Dataveni@, São Paulo,<br />

ano 3, n. 18, ago. 1998. disponível em: http://www.datavenia.inf.br/frame.artig.html.<br />

Acesso em: 10 set. 1998.<br />

Cada artigo deverá estar acompanhado de um resumo de 100 a 150 palavras, não<br />

incluídas na contagem do tamanho do artigo, bem como a menção de três a cinco<br />

palavras-chave, no mesmo idioma do texto. A correspondência de remessa deve<br />

incluir o nome do autor e a instituição ou instituições a que está ligado. Pede-se<br />

também um endereço para contato, com menção do eletrônico e de um telefone.<br />

3 Avaliação dos Originais<br />

Os artigos serão submetidos a pareceristas, cujos nomes não serão informados<br />

aos autores.<br />

4 Resenhas<br />

A revista publica resenhas de livros, que deverão ser submetidos no mesmo<br />

formato dos artigos, mas com tamanho limitado a ¼ dos parâmetros mencionados<br />

no item 2.<br />

182<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010


5 Remessa de Originais<br />

Os originais devem ser remetidos para:<br />

<strong>Estratégica</strong><br />

<strong>Revista</strong> da Faculdade de Administração<br />

Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP<br />

Faculdade de Administração<br />

Rua Alagoas, 903,<br />

01242-902 São Paulo – SP<br />

e-mail: estratégica@faap.br<br />

6 Assinaturas<br />

Informações poderão ser obtidas por meio do e-mail acima.<br />

183


184<br />

<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010

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