Revista Estratégica vol.9 - Faap
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<strong>Estratégica</strong><br />
volume 9 • número 8 • junho 2010<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores<br />
que interferem na valorização da marca<br />
Jose Eduardo Amato Balian<br />
Aspectos de uma reestruturação produtiva<br />
sustentável no Brasil<br />
Walter Gomes da Cunha Filho<br />
<strong>Revista</strong> da Faculdade de Administração<br />
James Buchanan e a “Política”<br />
na escolha pública<br />
Marco Antonio Dias<br />
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de<br />
Desenvolvimento Economico: Uma Análise<br />
da Experiência Internacional & Brasileira<br />
Raul Gouvea<br />
Produção de Conhecimento em Cursos<br />
de MBA: opções metodológicas para o<br />
desenvolvimento de monografias<br />
Celi Langhi<br />
Desenvolvimento financeiro e crescimento<br />
econômico<br />
Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos<br />
Aspectos Negociais do Plano de Contas<br />
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e<br />
Márcio Lopes Pimenta<br />
ISSN 1519-4426<br />
Finanças comportamentais: aspectos<br />
teóricos e conceituais<br />
Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato<br />
Ética e as linhas mestras do Código das<br />
Melhores Práticas de Governança<br />
Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro<br />
de Governança Corporativa<br />
Maria do Carmo Whitaker e<br />
José Maria Rodriguez Ramos
volume 9 / número 8/ junho de 2010<br />
ISSN 1519-4426<br />
FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO<br />
Rua Alagoas, 903 - Higienópolis<br />
São Paulo, SP - Brasil
<strong>Estratégica</strong>/ Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado.<br />
Vol. 9, n. 8 (2010) - São Paulo: FA-FAAP, 2010<br />
Semestral<br />
1. Administração – Periódicos. I. Fundação Armando Alvares Penteado. Faculdade<br />
de Administração.<br />
ISSN 1519-4426
volume 9 / número 8/ junho de 2010<br />
Sumário<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na<br />
valorização da marca<br />
Jose Eduardo Amato Balian<br />
Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil<br />
Walter Gomes da Cunha Filho<br />
James Buchanan e a “Política” na escolha pública<br />
Marco Antonio Dias<br />
Nanotecnologia: Um Ponto de Inflexao na Criacao de Novas Novas<br />
Vantagens Competitivas<br />
Raul Gouvea<br />
Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas<br />
para o desenvolvimento de monografias<br />
Celi Langhi<br />
Finanças Comportamentais: Aspectos Teóricos e Conceituais<br />
Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato<br />
Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico<br />
Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos<br />
Aspectos Negociais do Plano de Contas<br />
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e Márcio Lopes Pimenta<br />
Ética e as linhas mestras do Código das Melhores Práticas de<br />
Governança Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança<br />
Corporativa<br />
Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos<br />
5<br />
25<br />
32<br />
46<br />
68<br />
82<br />
103<br />
115<br />
125
Resumos de Monografia<br />
Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de<br />
Bem-Estar Social<br />
Vanessa Martines Cepellos<br />
A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento por<br />
parte das Empresas Brasileiras<br />
Andréia Ghion e Horciliano Marques<br />
Responsabilidade social empresarial a contribuição dos relatórios<br />
sociais para a sua gestão estratégica<br />
Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares<br />
O uso de redes sociais como ferramenta de CRM em São Paulo e<br />
Barcelona<br />
Laura Melaragno<br />
A influência dos fatores socioambientais no processo de decisão de<br />
compra do consumidor<br />
Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França<br />
e Raissa Maria Ribeiro Oiticica<br />
Sistema jurídico e desenvolvimento econômico: A busca pela eficiência<br />
e o caso brasileiro<br />
José Rubens Vivian Scharlack<br />
Resenha<br />
A Arte da Guerra<br />
Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira<br />
Orientação para colaboradores<br />
134<br />
141<br />
147<br />
154<br />
161<br />
168<br />
175<br />
181
Inovação e estratégia de luxo<br />
como fatores que interferem<br />
na valorização da marca<br />
Resumo:<br />
O presente estudo relacionado à<br />
Formação de Preços, Distribuição e<br />
Inovação de Produtos e Serviços visa<br />
contribuir no desenvolvimento de<br />
formas de se agregar valor às Marcas<br />
de Organizações Globais que atuem no<br />
Mercado de Luxo.<br />
A formação de preços é mostrada<br />
como o resultado de uma estratégia<br />
refletindo tudo aquilo que deu certo ou<br />
eventualmente deu errado no dia a dia<br />
dos negócios e desta maneira contribuir<br />
para aumentar ou diminuir a percepção<br />
de valor da marca pelos clientes nos<br />
períodos seguintes.<br />
Os produtos e serviços foram divididos<br />
em grupos conforme seu grau de<br />
distribuição e acesso e as empresas<br />
ranqueadas através seu grau de<br />
inovação. Posteriormente, esses dados<br />
foram comparados com a variação do<br />
valor das marcas no período estudado.<br />
Os resultados obtidos foram<br />
surpreendentes, pois, mostram que<br />
antes da crise mundial deflagrada<br />
em 2008, a inovação não é o fator<br />
determinante na valorização das Marcas<br />
Jose Eduardo Amato Balian ∗<br />
∗ Mestre em Administração de Empresas. Professor da Faculdade de Administração da FAAP. E-mail: <br />
e sim, a distribuição limitada e o acesso<br />
restrito aos consumidores desses tipos<br />
de bens.<br />
No entanto, a partir desta, a situação se<br />
inverte uma vez que foi a inovação o fator<br />
fundamental para a maior valorização<br />
das marcas e não a distribuição limitada<br />
e o acesso restrito aos bens.<br />
O consumidor de bens de luxo não<br />
alterou sua maneira de “ver” os bens<br />
nos últimos cinco anos, mas estratégias<br />
de precificação nos demais setores da<br />
economia ajudaram no processo de<br />
valorização menor dessas marcas.<br />
Palavras chave: valor – marcas –<br />
estratégia.<br />
Abstract<br />
The study related to the Price’s Formation,<br />
Distribution and Innovation of Products<br />
and Services purposes a contribution<br />
to the development of manners to add<br />
value to Brand Global Organizations acts<br />
on the Luxury Market.<br />
The price’s formation is a consequence of<br />
the result of a strategy that reflexes what<br />
went right or eventually, went wrong<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />
5
in the every day business. In this way,<br />
it is possible a contribution to increase<br />
or decrease the value’s perception of a<br />
brand by the clients in the next periods.<br />
The products and services were divided<br />
in groups according to their levels of<br />
distribution and access; the companies<br />
were separated according to their<br />
innovation level. Subsequently, these<br />
data were compared to the value’s<br />
variation of the brands in the studied<br />
period.<br />
The results obtained were surprised,<br />
because they show that before the<br />
world crisis of 2008, the innovation is<br />
not the most important determinant<br />
factor of valorization of the brands, but<br />
it is on the limited distribution and the<br />
restrict access of consumers of this kind<br />
of goods.<br />
However, the situation reverses because<br />
Introdução<br />
Os mercados de luxo assim como a inovação são alvo de mudanças estratégias<br />
e grandes investimentos para a conquista de novos mercados, diferenciação e<br />
vantagem competitiva.<br />
Um dos resultados importantes para avaliar os esforços das empresas é o<br />
valor agregado ao cliente, à empresa, à sociedade e aos stakeholders que, em<br />
conseqüência, gera aumento no valor da marca. Entretanto, são apresentadas<br />
por diversos autores inúmeras formas de agregar valor ao produto ou serviço<br />
oferecido.<br />
Tendo como base dados fornecidos pela – The World’s 50 Most Innovative Companies<br />
(tabela 8 em anexo) elaborado pelo Boston Consulting Group’s e publicado anualmente<br />
na Business Week em RELATÓRIO ESPECIAL (2010) e na Best Global Brands (tabela 9<br />
em anexo) feito pela INTERBRAND (2010) observam-se:<br />
a) Considerando o período entre 2008 e 2009 apenas duas empresas<br />
automobilísticas com forte atuação no mercado de bens de luxo estão no ranking<br />
das empresas mais inovadoras, a B.M.W. (14ª. e 20ª.) e a Mercedes Bens ( 31ª. e 29ª.).<br />
Observa-se que em 2010 apenas a B.M.W. está no ranking na 18ª. colocação.<br />
b) Considerando o período antes da crise econômica mundial, a relação de<br />
variação do valor das 100 melhores marcas das empresas do setor automotivo<br />
que se posicionam no mercado de luxo foi em média de 2,6 vezes maior do que<br />
a variação das empresas do setor automobilístico em geral, isto é, 39,3% contra<br />
15,2%, (tabelas 1, 2 e 7 em anexo).<br />
6<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
the innovation was the main factor to a<br />
major valorization of the brands, and not<br />
the limited distribution and the restrict<br />
access to the goods.<br />
The luxury goods consumers haven’t<br />
changed the way of “see” these<br />
goods in the last five years. However,<br />
strategies to determinate prices in the<br />
several economical sectors helped the<br />
valorization’s process of these brands.<br />
Key words: value- brands- strategy.
Tal relação se amplia depois de detonada a crise onde as marcas das empresas<br />
automotivas do setor de luxo valorizaram-se em média 36,2% contra uma<br />
desvalorização média de 30,6% das restantes do setor automobilístico.<br />
c) Da mesma forma, considerando as empresas dos setores, tais como: moda,<br />
joalheria, perfumes e acessórios, com posicionamento claro no mercado de luxo<br />
a valorização média foi de uma vez e meia (1,5) se comparada com o setor de<br />
informática e de quase duas vezes (1,9) maior que a valorização do setor de consumo<br />
de eletrônicos, (tabelas 3, 4 e 7 em anexo) antes da crise.<br />
Iniciada a recessão mundial, o mercado muda radicalmente e a variação<br />
média de valorização das marcas do setor de informática foi de três vezes e meia<br />
(3,5) frente à variação das marcas do mercado de luxo e de quase duas vezes e<br />
meia (2,3) do mercado de consumo eletrônico frente à valorização média desse<br />
mesmo tipo de bens.<br />
As empresas do setor de informática e consumo de eletrônicos que estão nas<br />
primeiras posições do ranking (Tabela 9 em anaxo) tiveram em média valorização<br />
de suas marcas bem menores que a média de valorização das empresas no setor<br />
de bens de luxo com a economia mundial em crescimento e bem maiores quando<br />
a economia mundial passou a declinar.<br />
Em razão desse contexto emergiu a questão: Qual a relação entre inovação e o<br />
valor das marcas que se posicionam no mercado de luxo e fora dele? Essa questão<br />
gerou a idéia de desenvolvimento do presente estudo com o objetivo de verificar<br />
a relação da inovação com o valor das marcas e as conseqüências advindas desse<br />
processo para os stakeholders.<br />
Para se atingir esse objetivo, o trabalho buscou identificar: os fatores que<br />
agregam valor aos bens; a forma como a distribuição pulverizada de produtos<br />
e serviços afeta a percepção de valor por parte dos clientes; a maneira como as<br />
estratégias de precificação afetam a valorização das marcas de bens no mercado<br />
de luxo e fora dele e como a inovação de produtos está relacionada com a escassez<br />
e distribuição pulverizada.<br />
Parte-se de que a distribuição limitada e o acesso restrito têm contribuído mais<br />
na valorização das marcas de luxo nos últimos anos em relação à contribuição da<br />
inovação em produtos e serviços.<br />
Inicia-se o estudo com um estudo descritivo, onde os produtos e serviços foram<br />
divididos em grupos conforme seu grau de distribuição e as empresas ranqueadas<br />
através seu grau de inovação. Posteriormente, esses dados foram comparados com<br />
a variação do valor das marcas no período estudado.<br />
1 Revisão Bibliográfica<br />
1.1 Inovação<br />
Para Hesselbein et al. (2002/xi apud BARBIERI, 2004), inovação é a mudança que<br />
cria uma nova dimensão do desempenho. A partir da necessidade de geração de<br />
novo desempenho organizacional, Drucker (1998) define inovação como sendo a<br />
criação de novos valores e novas satisfações para o cliente.<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />
7
Para Drucker (2003) “inovação é o esforço para criar mudanças objetivamente<br />
focadas no potencial econômico ou social de um empreendimento”.<br />
Tidd et al. (2008) classificam os tipos de inovação quanto à sua intensidade ou<br />
grau. Podem ser: incrementais, semi-radicais e radicais.<br />
1.2 Valor<br />
O estudo procura mostrar formas de se agregar valor na visão de diversos<br />
autores:<br />
- aos bens de luxo fundamentado em duas linhas teóricas, a da emoção, de<br />
Casteréde (2005) e da identidade com a marca, de Lipovetsky (2005);<br />
- aos bens dos demais mercados tendo como base seis proposições teóricas:<br />
a de valor, de Porter (1995); e do deslocamento da curva de valor, de Steidmann<br />
(1995), a abundância em oposição a escassez, de Anderson (2006), a do poder das<br />
expectativas, de Ariel (2008), a das características do produto, de Beulke (2009) e<br />
da abordagem integrada, de Takahashi (2007).<br />
1.2.1 Valor no Mercado de Luxo<br />
Segundo Casterède (2005) “por definição, o domínio do luxo é o da excelência<br />
e da emoção, não se deve enganar no produto, nem na criação e inovação, nem<br />
na qualidade, nem no preço, nem na acolhida”.<br />
O preço é diretamente proporcional a expectativa que o cliente tem do<br />
produto e não pode ser o fator determinante na decisão de compra. Complementa<br />
com a necessidade de escassez da oferta para manter preços elevados e apresenta<br />
no quadro abaixo três níveis de distribuição e acessibilidade de produtos por<br />
parte dos consumidores. Os bens dentro do círculo interno são mais escassos com<br />
distribuição restrita ao contrário dos bens pertencentes ao círculo maior.<br />
8<br />
Fonte: Casteréde - luxo: os segredos dos produtos mais desejados do mundo.<br />
Ano:2005<br />
Quadro 1 - Distribuição e Acesso a Bens<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Para Lipovetsky (2005, p. 113):<br />
[...] um produto de luxo é um conjunto: um objeto (produto ou serviço), mais<br />
um conjunto de representações: imagens, conceitos, sensações, que são<br />
associados a ele pelo consumidor e, portanto, que o consumidor compra<br />
com o objeto e pelos quais está disposto a pagar um preço superior ao que<br />
aceitaria pagar por um objeto ou um serviço de características funcionais<br />
equivalentes, mas sem essas representações associadas.<br />
Destaca que as marcas de luxo são reconhecidas por altíssima qualidade de<br />
seus produtos pelo fato de ser re (conhecida) internacionalmente, com produtos<br />
muito caros de um estilo inimitável.<br />
Atribui que:<br />
O cliente dos anos 1980 consumia marcas de luxo “custe o que custar”; o dos<br />
anos 1990 já não queria comprá-las “a qualquer preço”; o dos anos 2000, por<br />
sua vez, faz suas afinidades e identificações afetivas depender das marcas<br />
que sabem projetar sua identidade, reinterpretando-a de maneira criativa<br />
e coerente, na época ou em um outro universo. (LIPOVETSKY, 2005, p57):<br />
Antes que aos habituais arbítrios qualidade-preço, ela se entrega a um<br />
raciocínio “value for money” que prevalece atualmente.<br />
1.2.2 Valor para os demais Mercados<br />
Segundo Portes (1992, p.73) a forma como se trabalha na cadeia de valor é<br />
de vital importância no processo de valorização de produtos, apresenta a empresa<br />
como sendo “uma reunião de atividades que são executadas para projetar, produzir,<br />
comercializar, entregar e sustentar seu produto. Todas estas atividades podem ser<br />
representadas, fazendo-se uso de uma cadeia de valor”.<br />
Destaca a harmonia entre os agentes para o sucesso das operações, desde o<br />
planejamento, produção e distribuição de bens. Seu conceito de valor engloba o<br />
sistema distributivo.<br />
Em termos competitivos:<br />
[...] valor é o montante que os compradores estão dispostos a pagar por aquilo<br />
que uma empresa lhes fornece (...) Uma empresa é rentável, se o valor que ela<br />
impõe ultrapassa os custos envolvidos na criação do produto. Criar valor para<br />
os compradores que exceda o custo disto é a meta de qualquer estratégia<br />
genérica (NAGLE, 2007, p. 84).<br />
Explica que a cadeia é representada pela seqüência de atividades executadas<br />
por seus agentes desde a fabricação de componentes, do produto e no final a<br />
distribuição.<br />
O valor é criado quando uma empresa cria vantagem competitiva para seu<br />
comprador – reduz o custo de seu comprador ou eleva-lhe o desempenho.<br />
O valor criado para o comprador deve ser percebido por ele para que seja<br />
recompensado com um preço-prêmio, o que significa que as empresas devem<br />
comunicar seu valor aos compradores por meios como a propaganda e a força<br />
de vendas (NAGLE, 2007, p. 67).<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />
9
Almeida (2000) aponta que a existência de várias formas possíveis de<br />
comercialização, inclusive a internet e, que todos os agentes do canal terão que<br />
se adaptar e agregar mais de uma forma de comercialização em sua estrutura de<br />
distribuição. A adaptação a novas necessidades do mercado também se refere<br />
à variedade requerida pelo cliente e os serviços específicos que deverão ser<br />
oferecidos.<br />
Para Steidmann (1995) existe um novo critério de valor, cita o exemplo do<br />
FAX e das mudanças substanciais que ocorreram com ele e, o mais importante, o<br />
“novo paradoxo de valor”.<br />
Diz que “o efeito fax criou um novo critério de valor. Um deles está baseado<br />
na popularidade e não na escassez. Isso cria crescentes retornos de escala para<br />
varejistas que podem criar um efeito fax e adquirir vantagem competitiva”<br />
(STEIDMANN, 1995, p. 123).<br />
O aparelho de fax ganhou valor no mercado a partir da popularização de seu<br />
uso, para tanto, foi necessário a montagem de uma grande rede de distribuição<br />
em todo o planeta. Foi a pulverização do produto no mercado em contrapartida a<br />
escassez que gerou valor para o mesmo.<br />
Para Anderson (2006), as empresas conseguem faturar com produtos de nicho<br />
tanto quanto com os de hits. Isto é possível com a internet, já que o espaço físico<br />
não faz mais diferença (as prateleiras virtuais são infinitas). No fenômeno “Cauda<br />
Longa”, a regra é a abundância, em oposição à escassez dos mercados tradicionais.<br />
Quando há escassez faz sentido explorar aquilo que vende mais – os hits,<br />
best sellers, etc....No conceito da abundância, o “não hits” faz parte de uma parcela<br />
importante do faturamento e concorre com os sucessos de venda.<br />
Ariely (2008) cita um exemplo através de como a “perspectiva gerada” pode<br />
influenciar na satisfação ao se consumir um bem. Suponha que você soube que<br />
determinado carro esportivo é ótimo de dirigir, fez um test drive e, expressou sua<br />
opinião. Esta seria diferente daqueles que não sabiam nada sobre o carro esportivo,<br />
fizeram o test drive e, depois souberam que o carro era incrível e, então deram sua<br />
opinião.<br />
O conhecimento prévio ou posterior a experiência tem alguma relevância?<br />
E, em caso positivo, que tipo de dados é mais importante se recebidos antes ou<br />
depois de realizada a experiência? É para isso que existe o marketing, isto é, fornecer<br />
informações que aumentem o prazer previsto e real.<br />
Beulke (2009) defende que para proporcionar benefícios, um produto ou<br />
serviço deverá ser capaz de: a) realizar corretamente as tarefas e funções; b)<br />
solucionar problemas identificados e c) proporcionar satisfações específicas.<br />
Divide os fatores determinantes na criação do valor em práticos (qualidade,<br />
segurança, comodidade, conforto, economia, inovação e serviços) e psicológicos<br />
(qualidade, prestígio, imagem, estilo, design, novidade, concepção e adaptação).<br />
Complementa que uma política eficiente de preços nos canais de distribuição<br />
deve conter: a) definição clara do papel de cada agente (distribuidor, atacadista e<br />
10<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
varejista); b) definição das funções de cada canal para garantir preços equivalentes<br />
entre todos e garantir o abastecimento dos produtos; c) entendimento dos<br />
custos específicos de cada agente; d) controles dentro das leis das políticas de<br />
comercialização dos canais.<br />
Pelo menos duas estratégias de precificação são muito claras para os canais<br />
de distribuição: a primeira é colocar preços altos ao longo do ano e em ocasiões<br />
especiais oferecer grandes promoções com descontos agressivos para ganhar<br />
demanda e a segunda, é a de manter supostamente preços ideais e não praticar<br />
nenhuma promoção ao longo do ano.<br />
Beulke (2009) defende para o mercado de produtos de luxo a segunda<br />
estratégia, pois, “a empresa é voltada para um mercado de qualidade”. Por outro<br />
lado, se o foco é atender clientes que se preocupam com preços baixos, uma política<br />
de promoções agressiva será mais indicada.<br />
Em contrapartida aos critérios subjetivos de valorização de bens e marcas, a<br />
abordagem integrada de gestão de desenvolvimento apresentada por (TAKAHASHI,<br />
2007) é objetiva e tangível.<br />
Em seu modelo: Paradigma da Flexibilidade mostra elementos interrelacionados<br />
que permitem alterar o contexto de “inovação” de produtos para o<br />
de “soluções” de problemas e a organização ampliar sua forma de atuação interna<br />
e externamente.<br />
A ligação entre os ambientes internos e externos se dá por meio de alianças<br />
e parcerias que ampliam a gestão de conhecimento e cria mecanismos por parte<br />
da empresa de desenvolvimento de novas competências e transferência desses<br />
conhecimentos aos produtos e serviços prestados. Argumenta que é nesse<br />
ambiente que ocorre o desenvolvimento da visão do conhecimento.<br />
1.3 Formação de preços<br />
A precificação no mercado de luxo é complexa e pode levar à desvalorização<br />
da marca, conseqüente queda de rentabilidade e até inviabilizar economicamente<br />
a médio e longo prazo uma organização. Erros comuns cometidos na estratégia de<br />
precificação em geral não podem se repetir no mercado de luxo. Segundo Nagle<br />
(2007) os principais são os seguintes:<br />
Da Ilusão Custos mais Margem: o departamento financeiro fica sendo<br />
responsável pela precificação e inicialmente, calcula o custo do produto, fixa a<br />
margem de lucro, o preço final e as quantidades a serem vendidas que viabilizem<br />
o retorno econômico financeiro impostos pelos acionistas. Essa quantidade se<br />
transforma na “meta de vendas” e passa a ser o objetivo a ser alcançado por toda<br />
organização.<br />
Podem-se destacar pelo menos três problemas desse procedimento: o<br />
primeiro, diz respeito ao fato de não se consultar a opinião das demais áreas da<br />
organização; o segundo, está relacionado às conseqüências das decisões tomadas<br />
sobre precificação (ações e reações dos players) e como elas impactam os stakeholders;<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />
11
e o terceiro está ligado à dificuldade em se apurar o custo unitário do bem, pois,<br />
se a estratégia de precificação levar a um preço-baixo, as vendas aumentariam, os<br />
custos fixos se diluiriam com mais rapidez.<br />
Caso o rateio dos custos fixos não for feito corretamente e o erro for para cima,<br />
o bem ficará com preço-alto que comprometerá seu volume de vendas.<br />
Da precificação baseada em valor: uma vez percebido o erro de que o volume<br />
de vendas depende do preço fica evidente o círculo vicioso da formação baseada<br />
no custo e a única forma de se garantir uma precificação lucrativa é deixar que o<br />
preço previsto determine os custos incorridos e não ao contrário e desta maneira<br />
a precificação baseada no valor deve prevalecer e começar antes mesmo dos<br />
investimentos serem feitos.<br />
Da precificação baseada no cliente: uma vez que a precificação elaborada pelo<br />
departamento financeiro não gera o resultado esperado é comum se transferir o<br />
“problema” para o departamento de marketing, pois, imagina-se que este por lidar<br />
diretamente com o cliente “conhece bem seus desejos” ou compreende o valor<br />
“sob seu ponto de vista”.<br />
Quando os profissionais de marketing confundem o preço baseado no valor<br />
intrínseco do produto com o que captura mercado pode-se cair numa armadilha<br />
em fixar-se o preço de acordo com o que os clientes querem pagar, em vez do<br />
verdadeiro valor do produto.<br />
Precificação baseada na concorrência: nesse procedimento, ela se transforma<br />
numa ferramenta para se atingir “objetivos de vendas” e alguns gerentes realmente<br />
acreditam que desta forma estão agindo estrategicamente e ganhando mercado.<br />
No entanto, cabe questionar sobre os motivos que levam os gerentes a acreditarem<br />
que a maior participação de mercado resultará em lucros compensadores.<br />
Ao invés de precitadamente reduzir o preço, o gestor deve-se perguntar: o que<br />
mudou no mercado para tornar o preço de hoje inaceitável o como posso reparar<br />
isso? A redução do número de clientes e o aumento da concorrência com base no<br />
preço representam o ponto final de uma estratégia de precificação e não seu início.<br />
O departamento de marketing tem que ser capaz de comunicar valor e<br />
elaborar políticas de preço que incentivem os clientes adotar comportamentos<br />
de alto custo. O cliente deixar de pagar pelo valor percebido não pode justificar a<br />
queda nas vendas.<br />
1.4 Canais de distribuição<br />
Uma política eficiente de preços nos canais de distribuição deve conter: a)<br />
definição clara do papel de cada agente (distribuidor, atacadista e varejista); b)<br />
definição das funções de cada canal para garantir preços equivalentes entre todos e<br />
garantir o abastecimento dos produtos; c) entendimento dos custos específicos de<br />
cada agente; d) controles dentro das leis das políticas de comercialização dos canais.<br />
Pelo menos duas estratégias de precificação são muito claras para os canais<br />
de distribuição: a primeira é colocar preços altos ao longo do ano e em ocasiões<br />
12<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
especiais oferecer grandes promoções com descontos agressivos para ganhar<br />
demanda e a segunda, é a de manter supostamente preços ideais e não praticar<br />
nenhuma promoção ao longo do ano.<br />
Beulke (2009) defende para o mercado de produtos de luxo a segunda<br />
estratégia, pois, “a empresa é voltada para um mercado de qualidade”. Por outro<br />
lado, se o foco é atender clientes que se preocupam com preços baixos, uma política<br />
de promoções agressiva será mais indicada.<br />
2 Metodologia<br />
Para Selltiz (1994), os desenhos de pesquisa são principalmente de orientação<br />
exploratória, descritiva ou experimental. Os estudos exploratórios provêm<br />
informação sobre aspectos específicos dos fenômenos organizacionais, sobre os<br />
quais temos pouco conhecimento. São usados quando pouco se sabe sobre as<br />
organizações a serem estudadas.<br />
Os estudos descritivos orientam-se para a avaliação e categorização de<br />
características organizacionais previamente definidas. São feitos de molde a retratar<br />
detalhadamente vários aspectos da organização.<br />
Os estudos experimentais testam hipóteses causais das relações entre<br />
variáveis. Em geral são estabelecidos para controlar certas condições ambientais, de<br />
modo que, o pesquisador possa observar o efeito de uma variável ou de variáveis<br />
sobre os “sujeitos experimentais”.<br />
Cada um destes esquemas de pesquisa tem pontos fortes. Os exploratórios<br />
são para o investigador ficar conhecendo a situação organizacional no ponto de<br />
partida, e indicar características específicas da situação que merece investigação<br />
e descrição posteriores.<br />
Os estudos descritivos proporcionam fortes fundamentos para projetos<br />
experimentais mais elaborados que seriam, posteriormente, aplicados. Portanto, a<br />
exploração e a descrição são essenciais para o entendimento do comportamento<br />
organizacional.<br />
Os estudos experimentais permitem introduzir controle na situação que<br />
observamos. A observação dos comportamentos organizacionais, sob condições<br />
controladas, ajuda a melhorar o entendimento teórico de variáveis dentro de tais<br />
estruturas.<br />
Pela natureza do assunto na literatura e prática na administração foi adotada<br />
uma pesquisa descritiva através de pesquisa bibliográfica, levantamento e<br />
tratamento de dados.<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />
13
3 Análise dos Dados<br />
14<br />
Tabela 6 - Médias Consolidadas<br />
Variação da valorização das marcas<br />
Período antes da crise mundial Período pós crise mundial<br />
Setores<br />
Var.<br />
2004/2008<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
Var.<br />
2008/2009<br />
Var.<br />
2008/2010<br />
Set. Automotivo LUXO 39,30% -7,30% 36,20%<br />
Set. Automotivo Geral 15,20% -46,90% -30,60%<br />
Produtos de LUXO 59,70% -12,70% 22,80%<br />
Set. Serviços<br />
Informática 40,31% 2,27% 78,73%<br />
Set. Consumo<br />
Eletrônico 31,50% -2,39% 52,76%<br />
Fonte: Interbrand, 2010.<br />
3.1 Antes da Crise Econômica Mundial de 2008<br />
Os níveis de distribuição e acessibilidade de produtos mostrados no Quadro<br />
1, solidificam a relação entre escassez, compra pela emoção e, a identidade<br />
do consumidor com o valor atribuído aos produtos e contribui para justificar a<br />
valorização média maior das marcas de luxo em relação a valorização média das<br />
demais marcas nos mercados estudados conforme dados da Tabela 6 – Médias<br />
Consolidadas.<br />
A tabela 6 mostra que os setores automotivos e o de produtos no mercado de<br />
luxo tiveram suas marcas mais valorizadas que os setores automotivos em geral,<br />
de serviços de informática e de consumo de eletrônicos.<br />
Os produtos das empresas mais inovadoras são do setor de informática e de<br />
consumo de eletrônicos (Tabela 8 em anexo) – enquadram-se no terceiro nível de<br />
distribuição e possuem acessibilidade irrestrita conforme apresentado no Quadro 1.<br />
São úteis não são escassos e, tiveram valorização média menor 40,31% e<br />
31,50% respectivamente, contra 59,70% dos bens de luxo. As marcas de luxo<br />
foram as que tiveram maior valorização média situam-se no nível um e dois de<br />
distribuição e acessibilidade.<br />
A inovação dos bens por si só, sem distribuição restrita, acesso difícil e forte<br />
identidade da marca por parte dos consumidores não se apresentou como fator<br />
determinante na valorização das marcas no período de antes da crise, apesar de<br />
reconhecidamente fazer parte dos itens que agregam valor a produtos e serviços.<br />
Se por um lado pode-se identificar uma forte ligação dos bens de luxo com a<br />
escassez na valorização de suas marcas, por outro, os produtos de alta tecnologia,<br />
do setor de informática e de consumo de eletrônicos são reconhecidamente<br />
inovadores conforme The World’s 50 Most Innovative Companies (Tabela 8) e sua distribuição<br />
é pulverizada implicando numa valorização menor de suas marcas.
3.2 Após o Início da Crise Econômica Mundial<br />
Tabela 7 - Relações Estudadas<br />
Variação da valorização das marcas<br />
Período antes da crise mundial Período pós crise mundial<br />
Var.<br />
Var.<br />
Var.<br />
Empresas<br />
2004/2008 2008/2009 2008/2010<br />
Autom. LUXO/ Geral 2,6 (--//--)<br />
Prod. LUXO/ Sev.<br />
Inform. 1,5 (-3,5)<br />
Prod. LUXO/ Cons.<br />
Eletr. 1,9 (-2,3)<br />
Fonte: Interbrand, 2010.<br />
No período recente, a partir de 2008 até 2010, as empresas inovadoras no<br />
setor de informática e de consumo de eletrônicos tiveram valorização média de<br />
suas marcas bem maior do que as empresas do mercado de luxo sejam no setor<br />
automotivo ou de produtos em geral.<br />
A tabela 7 mostra que foi de três vezes e meia maior (3,5) a valorização do setor<br />
de informática e de duas vezes e meia (2,3) do setor de consumo de eletrônicos<br />
em relação ao setor de produtos no mercado de luxo.<br />
As valorizações das marcas das empresas Google (346%), Apple (506%) e<br />
Nintendo (103%) nos dois últimos anos foram determinantes nesse processo,<br />
colocando a inovação em produtos e serviços em 1º. Plano em detrimentos a<br />
escassez e distribuição restrita dos produtos e serviços.<br />
Considerações finais<br />
Em período de crescimento da economia mundial as marcas de luxo tiveram<br />
valorização media maior que as empresas reconhecidamente inovadoras do setor<br />
de informática e de consumo de eletrônicos. Quando a economia mundial entrou<br />
em crise o quadro se inverteu e as marcas de luxo tiveram valorização média menor<br />
que a das empresas inovadoras.<br />
As marcas mais valiosas do mercado global são reconhecidamente de<br />
empresas inovadoras, mas não foram estas que tiveram maiores taxas médias de<br />
variação de valor antes da crise, foram sim, as marcas de empresas pertencentes<br />
ao mercado de luxo.<br />
A tecnologia viabiliza a distribuição de bens e cria mais valor (vide exemplo<br />
do fax) pela venda maciça dos bens, mas quando aplicada aos produtos de luxo<br />
tem uma importância menor.<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />
15
A precificação alta dos bens de luxo está mais relacionada a escassez e a<br />
imagem da marca do que ao processo de inovação de bens, mesmo sendo este<br />
um componente importante no processo de valorização. Reconhecidamente, no<br />
período estudado foi fator secundário.<br />
A necessidade de agregar valor ao bem de luxo é de vital importância para<br />
sua sobrevivência a longo prazo e as dificuldades encontradas pelas empresas são<br />
imensas e exige um planejamento muito bem feito para que não sobrem estoques<br />
e levem a organização a cair no erro da “espiral das promoções”.<br />
As marcas devem, portanto, permanecer vigilantes no que se refere à<br />
sensibilidade dos consumidores ao preço, à inflação de lançamento de produtos<br />
novos, à duração de vida dos produtos, aos efeitos perversos da promoção, às<br />
novas maneiras de dar as cartas em matéria de distribuição e, enfim, à qualidade<br />
de serviço assim como à formação do pessoal de vendas.<br />
Além do mais, as empresas têm sido pressionadas pelos acionistas por<br />
resultados crescentes e imediatos o que não é compatível com o Mercado de Luxo,<br />
que oferece alta rentabilidade sim, mas a quantidade de produtos vendidos é menor<br />
e o volume de capital de giro maior se comparado aos bens populares.<br />
A estratégia de precificação dos setores de informática e de consumo de<br />
eletrônicos relacionados com a necessidade de pulverização da distribuição de<br />
seus produtos levou a uma valorização menor de suas marcas. O preço baixo tem<br />
relação forte com a pulverização na distribuição e acesso fácil dos mesmos.<br />
Três fatores se apresentaram relevantes no processo de agregar valor e<br />
contribuíram para justificar a valorização maior das marcas de luxo em relação<br />
as demais, foram eles pela ordem: distribuição e escassez restritos; estratégia de<br />
precificação no sentido de manter os preços estáveis (com pequenas reduções) e<br />
a inovação dos produtos.<br />
Pode-se inferir que o processo de inovação esteja migrando de “produtos<br />
e serviços” para “solução” de problemas, justificado pela menor valorização dos<br />
produtos do mercado de luxo frente aos de informática e consumo de eletrônicos<br />
pós crise econômica mundial e esta pode ser uma nova questão a ser investigada<br />
num futuro trabalho.<br />
16<br />
Referências Bibliográficas<br />
ANDERSON, C. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio<br />
de Janeiro: Elsevier, 2006.<br />
ARIELY, D. Previsivelmente irracional: as forças ocultas que formam as nossas decisões.<br />
Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.<br />
CASTERÈDE, J. O luxo: os segredos dos produtos mais desejados do mundo. São<br />
Paulo: Barcarolla, 2005.<br />
LIPOVESKY,G. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo:<br />
Cia da Letras, 2005.<br />
NAGLE, T e HOGAN, J. Estratégia e táticas de preço: um guia para crescer com<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
lucratividade. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2007.<br />
SELLTIZ, C. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Ed. Pedagógica<br />
e Universitária, 1974.<br />
STREHLU,S. Marketing de luxo. São Paulo: Cengage Learning, 2008.<br />
TAKAHASHI, S. e TAKAHASHI, V. Gestão de inovação de produtos: estratégia,<br />
processo, organização e conhecimento. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.<br />
The Best Global Brands. INTERBRAN. Boston, fevereiro 2009.<br />
BEULKE, R. e BERTÓ, J. – Precificação: sinergia do marketing e das finanças. São<br />
Paulo: Saraiva, 2009.<br />
Relatório Especial: The World’s 50 Most Innovative Companies.<br />
Boston Consulting Group’s. Business Week, Boston, fevereiro 2009<br />
ZONING, F. – Acerte o preço: e aumente seus lucros. São Paulo: Editora Nobel, 2007<br />
Anexo 1 – Tabelas<br />
Tabela 1- Setor Automotivo Variação da valorização das<br />
de Luxo<br />
Período antes da crise<br />
marcas<br />
mundial Período pós crise mundial<br />
Var.<br />
Empresas Var. 2004/2008 Var. 2008/2009 2008/2010<br />
Merc. Bens 19,9% -6,7% -46,3%<br />
B.M.W 46,7% -7,0% -6,4%<br />
Audi * 64,4% -7,3%<br />
Porshe 26,2% -8,0% 161,2%<br />
Média 39,3% -7,3% 36,2%<br />
Fonte: Interbrand 2010<br />
* marca fora da lista das 100 mais valorizadas em 2010<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />
17
18<br />
Tabela 2- Setor Automotivo Variação da valorização das<br />
Geral<br />
Período antes da crise<br />
marcas<br />
mundial Período pós crise mundial<br />
Var.<br />
Empresas Var. 2004/2008 Var. 2008/2009 2008/2010<br />
Toyota 50,2% -8,0% -36,1%<br />
Honda 28,3% -6,7% -25,0%<br />
Ford * -45,5% -11,3%<br />
Volks * 9,9% -8,0%<br />
H. Davison * 7,2% -43,0%<br />
Hyundai * 39,3% -5,0%<br />
Lexus * 16,9% -11,9%<br />
Média 15,2% -46,9% -30,6%<br />
Fonte: Interbrand 2010<br />
* marca fora da lista das 100 mais valorizadas em 2010<br />
Tabela 3- Produtos do Merc. de Luxo<br />
Variação da valorização das<br />
marcas<br />
Período antes da crise mundial Período pós crise mundial<br />
Var.<br />
Var.<br />
Empresas Var. 2004/2008 2008/2009 2008/2010<br />
Gucci 75,1% -0,9% -8,1%<br />
Chanel * 43,9% -5,0%<br />
Rolex * 33,2% -7,0%<br />
Hermes 35,5% 0,5% 84,9%<br />
Cartier * 54,1% -6,3%<br />
M. Chandon * 38,1% -4,9%<br />
Prada * 39,6% -1,0%<br />
Tiffany * 15,7% -4,9%<br />
G. Armanni * 34,9% -6,3%<br />
L.V.M.H. 227,2% -2,2% -8,4%<br />
Média 59,7% -12,7% 22,8%<br />
Fonte: Interbrand 2010<br />
* marca fora da lista das 100 mais valorizadas em 2010<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Tabela 4 - Setor de Serviços de Variação da valorização das<br />
Informática<br />
marcas<br />
Período antes da crise mundial Período pós crise mundial<br />
Var.<br />
Var.<br />
Empresas Var. 2004/2008 2008/2009 2008/2010<br />
Google 202,45% 24,97% 346,50%<br />
Microsolft -3,85% -4,00% 29,38%<br />
IBM 9,74% 2,00% 46,33%<br />
HP 12,07% 2,50% 68,94%<br />
Cisco 33,60% 3,40% -21,53%<br />
Oracle 26,48% -0,95% 79,43%<br />
Dell 1,70% -12,01% 2,08%<br />
Média 40,31% 2,27% 78,73%<br />
Fonte: Interbrand 2010<br />
Tabela 5 - Setor de Consumo de Variação da valorização das<br />
Eletrônicos<br />
marcas<br />
Período antes da crise mundial Período pós crise mundial<br />
Empresas Var. Ano a Ano<br />
Var.<br />
2008/2010<br />
Var.<br />
2008/2010<br />
Nokia 49,50% -3,00% -58,64%<br />
Intel -6,68% -2,00% -54,54%<br />
Apple 99,74% 12,45% 505,89%<br />
Samsung 40,91% -0,97% -35,83%<br />
Sony 6,46% -12,00% -40,02%<br />
Nintendo 35,39% 4,99% 103,31%<br />
G.E. 20,35% -10,75% -15,13%<br />
Siemens 6,33% -7,87% 17,00%<br />
Média 31,50% -2,39% 52,76%<br />
Fonte: Interbrand 2010<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />
19
20<br />
Tabela 8 - Ranking de Melhores em Tecnologia<br />
Empresas 2010 2009 2008<br />
Apple 1 1 1<br />
Google 2 2 2<br />
Toyota Motor 5 3 3<br />
Microsoft 3 4 5<br />
Nintendo 20 5 7<br />
IBM 4 6 12<br />
H.P. 16 7 15<br />
Research in Motion 14 8 13<br />
Nokia 23 9 10<br />
Wal-Mart Stores 21 10 23<br />
Amazon.com 6 11 11<br />
Procter & Gamble 25 12 8<br />
Tata Group 17 13 6<br />
Sony 10 14 9<br />
Reliance Industries 33 15 19<br />
Samsung 11 16 26<br />
G.E. 9 17 4<br />
Volkswagen 15 18 NR<br />
McDonalds 29 19 30<br />
B.M.W. 18 20 14<br />
Walt Disney 32 21 17<br />
Honda Motor 26 22 16<br />
AT&T NR 23 27<br />
Coca-Cola 19 24 NR<br />
Vodafone 38 25 47<br />
Infosys NR 26 NR<br />
L.G. Eletronics 7 27 NR<br />
Telefonia NR 28 NR<br />
Daimer NR 29 31<br />
Verizon Com. NR 30 34<br />
Ford Motor 13 31 NR<br />
Cisco Systems 31 32 35<br />
Intel 12 33 48<br />
Virgin Group 24 34 28<br />
Arcelor Mittal NR 35 NR<br />
HSBS 49 36 40<br />
Exxon Mobil NR 37 42<br />
Nestle 36 38 NR<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Vodafone 38 25 47<br />
Infosys NR 26 NR<br />
L.G. Eletronics 7 27 NR<br />
Telefonia NR 28 NR<br />
Daimer NR 29 31<br />
Verizon Com. NR 30 34<br />
Ford Motor 13 31 NR<br />
Cisco Systems 31 32 35<br />
Intel 12 33 48<br />
Virgin Group 24 34 28<br />
Arcelor Mittal NR 35 NR<br />
HSBS 49 36 40<br />
Exxon Mobil NR 37 42<br />
Nestle 36 38 NR<br />
Iberdrola NR 39 NR<br />
Facebook 48 40 25<br />
3M NR 41 22<br />
Banco Santander 42 42 NR<br />
NIKE 46 43 45<br />
Johnson &johnson NR 44 NR<br />
Southwest Arlines NR 45 49<br />
Levoto 39 46 NR<br />
JPMorgan Chase 39 47 NR<br />
Fiat 43 48 NR<br />
Target NR 49 24<br />
Royal Dutch Shell NR 50 NR<br />
B.Y.D. 8 NR NR<br />
Hyundai Motor 22 NR NR<br />
Fast Retailing 27 NR NR<br />
Haier Electronics 28 NR NR<br />
Siemens 34 NR NR<br />
Dell 35 NR NR<br />
Britih Sky Broad. 37 NR NR<br />
Oracle 40 NR NR<br />
Petrobras 41 NR NR<br />
China Mobile 44 NR NR<br />
Goldman Sachs 45 NR NR<br />
H.T.C. 47 NR NR<br />
Verizon Com. 50 NR NR<br />
Fonte: Business Week - Boston Consulting G<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />
21
22<br />
Tabela 9 - Best Global Brands<br />
Empresas<br />
2010<br />
Colocação<br />
Valor da Marca<br />
US$ bilhões<br />
Google 1 114,260<br />
IBM 2 86,383<br />
Apple 3 83,153<br />
Microsoft 4 76,344<br />
Coca-Cola 5 67,983<br />
McDonalds 6 66,005<br />
Marlboro 7 57,047<br />
China Mobile 8 52,616<br />
G.E. 9 45,054<br />
Vodafone 10 44,404<br />
I.C.B.C. 11 43,927<br />
H.P. 12 39,717<br />
Wal-mart 13 39,421<br />
BlackBerry 14 30,708<br />
Amazon.com 15 27,459<br />
U.P.S. 16 26,492<br />
TESCO 17 35,741<br />
VISA 18 24,883<br />
ORACLE 19 24,817<br />
VERIZON 20 24,675<br />
SAP 21 24,291<br />
AT&T 22 23,714<br />
HSBC 23 23,408<br />
Bank China 24 21,960<br />
B.M.W. 25 21,816<br />
Toyota 26 21,769<br />
China Bank 27 20,929<br />
Gilette 28 20,663<br />
L.V.M.H. 29 19,781<br />
Wells Farco 30 18,746<br />
Santander 31 18,012<br />
Nintendo 32 17,834<br />
Pampers 33 17,434<br />
B.P 34 17,283<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
CISCO 35 16,719<br />
R.B.C. 36 16,608<br />
Bank of America 37 16,393<br />
Budweiser 38 15,991<br />
ExxonMobil 39 15,476<br />
Shell 40 15,112<br />
Disney 41 15,000<br />
Carrefour 42 14,980<br />
Nokia 43 14,866<br />
ACCENTURE 44 14,734<br />
ICICI 45 14,454<br />
HONDA 46 14,303<br />
COLGATE 47 14,224<br />
INTEL 48 14,210<br />
L”OREAL 49 14,129<br />
ORANGE 50 14,018<br />
Petro China 51 13,935<br />
American Express 52 13,912<br />
M.BENS 53 13,736<br />
CITI 54 13,403<br />
T MOBILE 55 13,010<br />
BBVA 56 12,977<br />
DOCOMO 57 12,969<br />
PEPSI 58 12,752<br />
NIKE 59 12,597<br />
MOVISTAR 60 12,434<br />
CHASE 61 12,426<br />
TARGET 62 12,148<br />
H.M. 63 12,131<br />
SUNWAY 64 12,032<br />
PORSCHE 65 12,021<br />
DELL 66 11,936<br />
MASTERCAD 67 11,659<br />
SAMSUNG 68 11,351<br />
TEKTEL 69 10,850<br />
02 70 10,593<br />
TD 71 10,274<br />
M.T.S. 72 9,723<br />
PETROBRAS 73 9,675<br />
FEDEX 74 9,418<br />
BAIDU 75 9,356<br />
Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24<br />
23
24<br />
EBAY 76 9,328<br />
SIEMENS 77 9,293<br />
Godman Sachs 78 9,283<br />
WRIGLEY’S 79 9,201<br />
ZARA 80 8,986<br />
Home Depot 81 8,971<br />
REDBULL 82 8,917<br />
Aldi 83 8,747<br />
NISSAN 84 8,607<br />
STARBUCKS 85 8,490<br />
HERMES 86 8,457<br />
BARCLAYS 87 8,383<br />
USBANK 88 8,377<br />
Standar Chartered 89 8,327<br />
China M Bank 90 8,236<br />
State Farm 91 8,214<br />
BUNAIC 92 8,160<br />
J.P.Morgan 93 8,159<br />
SONY 94 8,147<br />
Morgan Stanley 95 8,003<br />
Auchan 96 7,848<br />
GUCCI 97 7,588<br />
BRADESCO 98 7,450<br />
AVON 99 7,293<br />
TIM 100 7,280<br />
Fonte: Interbrand 2010<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Aspectos de uma<br />
reestruturação produtiva<br />
sustentável no Brasil<br />
Resumo:<br />
Este artigo se propõe avaliar numa<br />
conjugação de fatores estruturais e<br />
conjunturais - através da compreensão do<br />
atual processo de mudanças e inovações<br />
- a eficiência do sistema produtivo<br />
brasileiro e, conseqüentemente, das<br />
condições de trabalho humano dele<br />
advindas. Objetiva a obtenção do padrão<br />
exigido para a sua inserção no mercado<br />
mundial, com ênfase no determinante<br />
da competitividade. Presta-se, também,<br />
à discussão de estratégias setoriais que<br />
envolvam movimentos de reestruturação<br />
produtiva e demandas por alterações<br />
em eventuais regimes de proteção.<br />
Palavras chave: demanda, eficiência,<br />
inovação, qualidade, rede de empresas,<br />
reestruturação produtiva, tecnologia,<br />
trabalho humano, sustentabilidade.<br />
Walter Gomes da Cunha Filho ∗<br />
Abstract:<br />
The objective of this article is to<br />
evaluate - through the understanding<br />
of the present processes of changes<br />
and innovations - the efficiency of the<br />
Brazilian productive system and its<br />
consequences on human labor, aiming<br />
at conquering the necessary standards<br />
for its inclusion in the global market,<br />
focusing on competition. In addition,<br />
it aims at discussing setorial strategies<br />
which involve productive restructuring<br />
and demands for changes in protective<br />
policies.<br />
Key words: demands, efficiency,<br />
enterprises network, human labor,<br />
innovation, productive restructuring,<br />
quality, technology, sustainability.<br />
∗ Engenheiro, Mestre em Métodos Quantitativos e Doutor em Ciências Sociais (sub-área de Reestruturação<br />
Produtiva) pela PUC-SP. Além de ser um estudioso do assunto, atuou durante anos como professor, pesquisador,<br />
consultor e gestor de Operações / Produção. Atualmente é professor titular doutor da Faculdade de Administração<br />
e do MBA da FAAP. <br />
Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil, Walter Gomes da Cunha Filho , p. 25-31<br />
25
Introdução<br />
A partir dos anos 60, durante um período que se estendeu até o final da década<br />
de 80, a sustentabilidade do sistema produtivo brasileiro resultou basicamente da<br />
ação regulatória do Estado. O período de crescimento rápido nas décadas de 60 e 70<br />
foi impulsionado, por trás da cortina protetora das barreiras à importação, através de<br />
investimentos provindos do exterior e do setor público. Políticas de investimento e<br />
financiamento públicos, conjugadas com a manutenção de um regime discricionário<br />
de proteção, suportado por mecanismos de controle de preços, constituíram os<br />
principais instrumentos de regulamentação 1 .<br />
Este conjunto de fatores, estritamente funcional à lógica de um modelo,<br />
propiciou que as características estruturais do setor produtivo - produtor de<br />
commodities e de produtos específicos em pequenas escalas - não comprometessem<br />
sua sustentabilidade.<br />
A crise dos anos 80, gerada na década anterior, resultou na restrição de recursos<br />
externos, representando a ruptura do processo de crescimento da economia. Com<br />
tal restrição, a inflação criou incentivos que tornaram virtualmente impossível o<br />
aumento da produtividade 2 . Era mais racional, do ponto de vista econômico, priorizar<br />
a administração do capital e reduzir o grau de dedicação ao atendimento do cliente<br />
e à produtividade.<br />
Num histórico de instabilidade econômica e de regulamentação - fatores que<br />
poderiam explicar a baixa intensidade de capital e da ineficiência organizacional -<br />
fazia-se necessária uma política que priorizasse a remoção de barreiras à competição<br />
e a atuação das forças do mercado. Assim, para alavancar o rumo de uma trajetória<br />
de desenvolvimento, caracterizada pelo crescimento da produtividade e não pelo<br />
aumento dos fatores de produção, se deu a abertura da nossa economia 3 .<br />
Com a irreversibilidade do processo de abertura implicando na impossibilidade<br />
de restabelecimento dos mecanismos de proteção que vigoraram no passado,<br />
conformou-se um ambiente escamoteador da vulnerabilidade do sistema produtivo<br />
à concorrência externa. Assim, descortinou-se um novo cenário: a configuração<br />
produtiva apresentava problemas de sustentabilidade, decorrentes da relação entre<br />
as condições de sua operacionalidade e o padrão de funcionamento do mercado.<br />
Isto, que já era observado na década de 90, punha em discussão questões ligadas<br />
especificamente à eficiência da operação e à manutenção das plantas e dos custos<br />
que estas internalizavam.<br />
Neste início de século ainda ocorrem transformações marcantes no processo<br />
produtivo envolvendo novas tecnologias e formas de gerenciamento, com reflexos<br />
na organização do trabalho. Novas relações produtivas vêm sendo desenvolvidas e<br />
nestas o trabalho assalariado está diminuindo.<br />
26<br />
1 A regulamentação que proíbe ou não estimula a oferta de determinados produtos ou serviços (incluindo a<br />
regulamentação de preços) pode reduzir ou eliminar a alta produtividade.<br />
2 Em 1989 o PIB per capta estava no mesmo nível do de 1980.<br />
3 Os hiatos de competitividade da indústria nacional, se por um lado decorriam da sua baixa resistência frente<br />
à capacidade de produtores externos praticarem preços marginais no Brasil, por outro lado eram explicados<br />
por elementos de ineficiência sistêmica. Estes, em sua maior parte, pareciam derivar dos maiores custos de<br />
investimento e do capital de giro, dos custos advindos de insumos e de transportes - comparativamente mais<br />
altos em relação àqueles pagos internacionalmente - e também de distorções na estrutura tributária.<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Os termos mais utilizados que acompanham essas mudanças são: flexibilidade,<br />
integração, qualidade, produtividade e competitividade, divulgados como condições de sobrevivência<br />
econômica das empresas. O sucesso destas, por sua vez, além de condição para sua<br />
inserção no mercado mundial, tem como base o desenvolvimento do país. Assim,<br />
quando pesquisas do Banco Mundial fornecem indicações que a pobreza diminui<br />
mais ou menos na mesma proporção do aumento do PIB per capta, não resta ao Brasil,<br />
por suas altas taxas de crescimento vegetativo, senão a manutenção de políticas<br />
de crescimento econômico. Para tanto, há que se motivar a utilização de capital e<br />
mão-de-obra em níveis de produtividade comparáveis aos das melhores práticas,<br />
incentivando a diminuição do hiato existente entre os fatores de produção.<br />
Neste momento, observa-se que as perspectivas de consolidação econômica,<br />
combinadas com políticas voltadas para a remoção de barreiras à produtividade e<br />
uma maior integração internacional, podem estabelecer condições para que o país<br />
siga um caminho de desenvolvimento sustentável. Para a ocorrência desta realidade,<br />
sob muitos aspectos favorável, se fez necessária uma reorganização do sistema<br />
produtivo, e também organizacional, das empresas brasileiras.<br />
Esta começou no início dos anos 90, como resposta à implantação de políticas<br />
geradoras de aumento da competitividade industrial. Numa tentativa de adaptação<br />
aos novos paradigmas internacionais, as ações de ajustamento passaram pela ênfase<br />
da qualidade do produto, do processo, e pela redução de custos.<br />
O Programa de Qualidade e Produtividade foi o caminho adotado. Lançado<br />
em novembro de 1990, representou um esforço para envolver empresários,<br />
trabalhadores e movimento sindical num mesmo ideário: o da inserção do país no<br />
contexto das economias desenvolvidas. Este programa logrou destacar-se dentre<br />
os instrumentos de política industrial e de comércio exterior por sua abrangência e<br />
direcionamento, por provocar transformações estruturais nos setores econômicos<br />
(públicos e privados), e por mobilizar a sociedade em torno dos objetivos de uma<br />
reformulação da estrutura produtiva.<br />
A adoção do programa por grande número de empresas teve reflexos positivos<br />
nos indicadores de produtividade industrial. No quadriênio 1990/93, o crescimento<br />
foi, em média, de 20% para todo o setor da indústria. Todavia, este aumento<br />
ocorreu de forma bastante diferenciada: enquanto na década de 70, o acréscimo<br />
da produtividade acompanhou os aumentos da produção e do emprego, tal não<br />
ocorreu na década de 90 (FEIJÓ, 1994): o aumento de produtividade foi acompanhado<br />
por redução nos postos de trabalho; em 1992, o nível de emprego industrial se<br />
aproximou ao de 1976.<br />
Do exposto até aqui duas conclusões se destacam: a primeira é que a<br />
reestruturação, pela ótica da horizontalização da produção e da terceirização de<br />
tarefas não estratégicas, eliminou postos de trabalho; a outra é que, pela ótica do<br />
acirramento competitivo, o aumento da produtividade foi favorecido: houve redução<br />
do emprego industrial para um mesmo nível de produção. Este favorecimento tornouse<br />
uma das âncoras da competição industrial, muito embora os produtores nacionais<br />
ainda privilegiem as vendas no mercado interno (a menor concorrência local permite<br />
a prática de preços mais atrativos). Esta conjuntura torna viável o aumento da base<br />
exportadora, uma vez que a exportação deverá se tornar mais atraente à medida que<br />
Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil, Walter Gomes da Cunha Filho , p. 25-31<br />
27
a concorrência interna aumentar. Assim, o aumento da produtividade pode, após o<br />
ajuste inicial, ser uma fonte de elevação no nível de emprego.<br />
Quanto ao mercado de trabalho, atualmente ele se demonstra bem mais<br />
flexível, até porque os interessados nesse processo – empresários, trabalhadores e<br />
entidades sindicais – amadureceram suas relações, antes mais polarizadas, e também<br />
caminharam nesse sentido.<br />
Porém, mesmo a economia já tendo demonstrado condições de gerar novos<br />
postos e empregar uma força de trabalho crescente, é preciso ressaltar que a redução<br />
de empregos observada na indústria tem repassado para o setor prestador de serviços<br />
um incremento na oferta de empregos, o que tem ocorrido com uma dinâmica que<br />
tende a ser mais instável 4 e informal 5 .<br />
Com uma jornada de trabalho que provê menores índices de competitividade<br />
que aqueles observados nos países desenvolvidos, e ainda tendo na contra-mão<br />
o crescimento acelerado de novas exigências da cadeia produtiva, configura-se<br />
a possibilidade de um comprometimento sistêmico: se não houver continuidade<br />
no aumento da demanda, além dos reflexos na economia, bem possivelmente a<br />
informalidade ainda poderá ser substituída por categorias residuais de subsistência,<br />
como já ocorreu anteriormente.<br />
Sabe-se que as instituições educacionais formais, sobretudo as públicas,<br />
mal dão conta de garantir a qualidade do ensino fundamental. Assim, tanto o<br />
treinamento quanto a qualificação da mão-de-obra empregada poderiam ser de<br />
responsabilidade dos empregadores, prática comum nas empresas japonesas.<br />
Como as melhorias na educação contribuem para o aumento da produção, com<br />
possibilidades de ganhos de produtividade maiores do que os custos envolvidos,<br />
é de valia para o setor empresarial investir mais no treinamento de funcionários,<br />
aumentando assim, seu capital humano. Entretanto, a capacitação de recursos<br />
humanos nas empresas é bastante seletiva - depende de funções e de necessidades<br />
específicas – e, assim, a tendência é a criação de um hiato elevado entre os diversos<br />
níveis de qualificações.<br />
Enfim, tanto a organização mais eficiente de funções e tarefas - na qual a<br />
relação entre mão-de-obra e capital seja amplamente determinada pela natureza<br />
da tecnologia - quanto a melhoria da qualidade dos processos produtivos e dos<br />
produtos finais, indicam fragilidades no sistema produtivo brasileiro. Esta parece ser<br />
uma possibilidade que permitiria ao país sair da situação de vulnerabilidade, mais<br />
uma vez desnudada pela recente crise.<br />
Neste cenário em que o comércio internacional ainda é afetado por vertentes<br />
financeiras fundamentadas na credibilidade, tanto da condução dos mercados, como<br />
de produtos, de processos e até de marcas, pode-se constatar que:<br />
- os preços das commodities mantiveram alta (fato indicativo de possíveis melhorias<br />
nas receitas de exportação e no influxo de capitais. Tanto o é, que previsões negativas<br />
sobre o crescimento de nossa economia foram revisadas para melhor);<br />
28<br />
4 Se por um lado, os impostos dificultam a criação de empregos no setor formal, por outro, o acesso ao fundo<br />
de garantia, em caso de dispensa, pode aumentar a rotatividade dos trabalhadores por incentivar a demissão<br />
voluntária.<br />
5 Grande parte dos trabalhadores sem carteira assinada está alocada no setor de serviços.<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
- a crise global obrigou os países a praticarem políticas de redução de juros,<br />
num processo de alívio monetário 6 ;<br />
- as demissões ainda ocorrem como forma de preservar o caixa necessário para<br />
dar continuidade às operações diante de eventuais mudanças nos mercados;<br />
- clama-se internacionalmente pela oportunidade de discussão de uma nova<br />
ordem mundial e, por isso mesmo, também é um momento de oportunidades;<br />
- mesmo com o sentimento de que “o pior já passou”, os governos ainda sofrem<br />
pressões para que suas políticas monetárias não incorporem o crescente déficit de<br />
endividamento público.<br />
Parece, então, ter-se configurado uma situação que vem exigindo pronta<br />
e ampla discussão sobre ações estratégicas, que também envolvam mudanças<br />
estruturais na dinâmica produtiva do país. Nesse sentido, se faz necessária uma<br />
reestruturação, cuja regulação transcenda a esfera de ação isolada de segmentos,<br />
demandando a definição de instrumentos e diretrizes de novas políticas, tanto na<br />
área industrial, quanto na de comércio exterior.<br />
Assim, apresenta-se como alternativa o estabelecimento de dispositivos que<br />
favoreçam a reconfiguração do setor produtivo em níveis internacionalmente<br />
competitivos. Considerando-se a situação da indústria no presente, a adoção<br />
de novos mecanismos de proteção, em caráter transitório, poderia ser utilizada<br />
para minimizar os efeitos dos impactos gerados por conjunturas internacionais<br />
desfavoráveis. Alterações nas políticas fiscal, industrial e comercial - do ponto de<br />
vista de acesso e utilização da tecnologia, da obtenção de capital em condições mais<br />
favoráveis e também de uma tributação não cumulativa - parecem ser a continuidade<br />
do movimento, em direção a colocar o sistema produtivo brasileiro em condições<br />
de operar dentro dos padrões observados nos países mais competitivos.<br />
Não obstante a concorrência no mercado globalizado tenha sido fator<br />
determinante para a busca constante de incremento seletivo por parte das empresas<br />
brasileiras, estas tem sido alvo de pressões sociais e ambientais crescentes nos últimos<br />
anos. Portanto, para que tal incremento tenha resultados favoráveis, cabe a adoção,<br />
pelas empresas, de práticas gerenciais e produtivas direcionadas não somente ao<br />
aumento da produtividade 7 , mas também ao atendimento daquelas demandas<br />
sócio-ambientais.<br />
Esta conjuntura impôs a necessidade de que produtos e processos sejam<br />
desenvolvidos através de soluções 8 que propiciem economia de escala e<br />
customização, e que sejam menos agressivas ao meio ambiente 9 .<br />
Se por um lado esses desafios implicam numa continuidade de investimentos,<br />
por outro, podem direcionar as empresas brasileiras a desenvolverem parcerias. Este<br />
6 Este movimento, no que se refere ao processo produtivo brasileiro, pode ser mais bem visualizado pela<br />
maneira como os bancos foram afetados. De forma geral, os grandes continuaram a captar dinheiro no mercado,<br />
entretanto, os menores tiveram mais dificuldade em contornar a desconfiança dos investidores. Para as empresas,<br />
basicamente aquelas de pequeno e médio porte, os financiamentos provêm de bancos menores, isto, por si só,<br />
além de entrave à própria política é um fator que restringe o sistema produtivo.<br />
7 Esta é uma categoria ampla que abrange o modo de organização do processo de produção e de outras funções<br />
chaves (finanças, desenvolvimento de produtos, vendas, marketing, etc.).<br />
8 Em qualquer processo produtivo é inerente a geração de dejetos. O que se busca com o desenvolvimento<br />
tecnológico, além da qualidade, é a minimização da geração de sucata / lixo, ou seja, que aumentos decrescentes<br />
de dejetos possam ser obtidos no ciclo produtivo, ao longo do tempo.<br />
9 Cada vez mais são utilizados processos industriais que permitem a reciclagem, ou seja, o reaproveitamento<br />
do dejeto.<br />
Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil, Walter Gomes da Cunha Filho , p. 25-31<br />
29
direcionamento, além de favorecer a minimização de custos operacionais, possibilita<br />
uma mais rápida integração em novos mercados. Deve-se também considerar<br />
que o movimento de melhorias da produtividade média, durante um processo de<br />
mudanças, normalmente tem continuidade através do aumento da produtividade de<br />
alguns dos estabelecimentos existentes, e da difusão deste diferencial para outros,<br />
com processos de produção menos eficientes 10 .<br />
Conclusão<br />
A perspectiva histórica se fez necessária, pois é fato que o sistema produtivo<br />
brasileiro não apresenta indicadores de pró-atividade, ou seja, suas dificuldades e<br />
problemas se acumulam e ele só vivencia saltos qualitativos em decorrência de crises<br />
conjunturais. Por isso, dentro de uma visão de contexto, apresentou-se a possibilidade<br />
da utilização de ferramentas, no sentido de inverter essa tendência.<br />
Pela perspectiva de sustentabilidade, em que o desperdício é o inimigo a ser<br />
evitado, e o aproveitamento pleno de qualquer recurso, um alvo a ser constantemente<br />
buscado, o grande desafio é olhar com olhos realistas e transparentes o que se<br />
tem, o que se desperdiça, o que se pode perder ou ganhar nas ações coletivas. Essa<br />
visão crítica inexoravelmente aponta necessidades de mudanças e de readaptações<br />
que, ao serem realizadas, podem gerar impactos de maior abrangência que os<br />
pressupostos.<br />
Assim, uma reestruturação do sistema produtivo brasileiro, voltada não só à<br />
sobrevivência pura e necessária das organizações, mas também ao desempenho de<br />
um papel significativo na cadeia sócio-ambiental onde se instalam, poderá trazer<br />
em seu bojo saltos qualitativos na existência dessas mesmas organizações, e mesmo<br />
para além delas.<br />
A convivência por parcerias, por exemplo, torna possível o desenvolvimento de<br />
valores e processos consoantes com a ótica da sustentabilidade 11 : solidariedade, troca<br />
de expertise permitindo crescimento recíproco, e o despojo das atitudes predatórias<br />
usuais do ambiente competitivo. Da mesma forma, o movimento conseqüente à<br />
urgência da qualificação profissional em nosso país, precisa fazer frente até aos<br />
déficits atuais da educação básica, medida esta que pode levar a profissionais<br />
cidadãos, melhor informados e apropriados de maior visão crítica, dando assim<br />
forma e vida a uma competitividade sustentável.<br />
30<br />
10 Conceito de absorção e expansão explicitado em publicações da Bain & Company (empresa global de consultoria<br />
empresarial com escritórios em quatro continentes). O “benchmarking” (ferramenta usada na comparação da<br />
empresa com as concorrentes) tem sido considerado, juntamente com cortes de custos, de grande utilidade.<br />
11 A tecnologia por si só não garante sustentabilidade, até porque ela se torna rapidamente acessível deixando<br />
de ser diferencial num segundo momento. Na verdade, a garantia de sustentabilidade também perpassa pela<br />
melhoria da visão sistêmica e crítica de todos os envolvidos no processo.<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
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Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil, Walter Gomes da Cunha Filho , p. 25-31<br />
31
32<br />
James Buchanan e a<br />
“Política” na escolha pública<br />
Resumo:<br />
Conhecida como escola da Public Choice, tem<br />
sua origem no conjunto de reflexões que<br />
alguns autores, entre os quais se destaca a<br />
figura de James Buchanan, desenvolveram<br />
a partir dos anos sessenta, visando à adoção<br />
de uma perspectiva econômica de análise<br />
dos fenômenos políticos, notadamente das<br />
decisões em situações de não mercado ou<br />
de mercado político.<br />
Esta escola se desdobra na investigação de<br />
temas clássicos da ciência política, tais como<br />
as estruturas das decisões nas sociedades<br />
democráticas, o papel do legislativo na<br />
produção das escolhas coletivas através<br />
da ótica da uma teoria econômica, onde<br />
a especificidade da política se submete<br />
integralmente às categorias e à lógica da<br />
análise econômica.<br />
Palavras-chave:<br />
Política; Teoria Econômica, Public Choice;<br />
Sociedade Democrática.<br />
Marco Antonio Dias ∗<br />
∗ Economista pela USJT, Pós-Graduado com MBA em Economia do Setor Financeiro pela FEA/USP, Mestre em<br />
Gestão Ambiental pelo IPT-USP, Doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP. Docente da Faculdade de Economia<br />
da Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP, docente colaborador do Instituto de Economia da UNICAMP no<br />
CEEF-Pós-Graduação. Linhas de pesquisa nas áreas de Meio Ambiente, Sustentabilidade, Governança Corporativa<br />
e Economia do Estado. E-mail:< mdayeas@terra.com.br><br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
Abstract:<br />
Known as the Public Choice School, it has its<br />
origin in the set of ideas that some authors,<br />
among which the figure of James Buchanan<br />
stands out, developed from the sixties,<br />
seeking the adoption of a perspective of<br />
economic analysis of political phenomena,<br />
especially of decisions in situations of nonmarket<br />
or market policy.<br />
This school unfolds in the investigation of<br />
classic themes of science policy, such as<br />
the structures of decisions in democratic<br />
societies, the role of legislative choices in<br />
the production of collective through the<br />
perspective of an economic theory, where<br />
the specificity of the policy is fully submited<br />
to the categories and the logic of economic<br />
analysis.<br />
Keywords: Policy; Economic Theory, Public<br />
Choice; Democratic Society.
Introdução<br />
O político é aquele indivíduo que pede dinheiro aos ricos e votos aos pobres,<br />
prometendo, se eleito, defender uns dos outros. (JAMES BUCHANAN)<br />
Este artigo pretende resgatar a escola da Public Choice em todas as suas dimensões,<br />
repercutindo a importância da escolha pública nas decisões de caráter econômico,<br />
amparada no ambiente do regime público ou da figura do Estado. Tais decisões<br />
permeiam grupos de interesse que exercem força econômica e dirigem ou<br />
transferem a escolha pública na busca da otimização da aplicação dos recursos<br />
escassos.<br />
James M. Buchanan Jr. nasceu em Murfreesboro, Tenessee, no dia 3 de outubro<br />
de 1919 e durante a maior parte de sua vida acadêmica esteve ligado a George<br />
Mason University, no estado de Virgínia, onde foi diretor do Center for the Study of<br />
Public Choice, sendo em 1986, laureado com o Prêmio Nobel de Economia.<br />
Dentre suas contribuições liberalistas, deu inicio á vertente que é conhecida<br />
como Teoria da Escolha Pública (Public Choice) e que se caracteriza por introduzir<br />
o individualismo metodológico e o instrumental matemático na ciência política.<br />
Segundo Toneto (1996), Buchanan viveu num ambiente em que dominava o<br />
keynesianismo (pós-Segunda Guerra), com sua defesa da intervenção do Estado<br />
na economia em virtude das falhas de mercado.<br />
Com a desaceleração do crescimento mundial após a década de 60 e o<br />
surgimento das críticas ao keynesianismo, Buchanan começa então a desenvolver<br />
sua teoria na Universidade de Chicago, centro difusor das críticas ao keynesianismo.<br />
Ao perceber a efervescência deste contexto, James Buchanan apresenta as duas<br />
grandes preocupações que podem ser identificadas por trás da elaboração da<br />
teoria da escolha pública.<br />
A primeira dizia respeito à excessiva matematização que, cada vez mais,<br />
assumia papel central na formulação teórica da época, e da qual a teoria das<br />
expectativas racionais é um ótimo exemplo. Para Buchanan, ao se preocuparem em<br />
elaborar modelos de análise com enorme sofisticação matemática, os economistas<br />
estavam se esquecendo daquilo que para ele deveria se constituir no essencial<br />
da análise teórica: compreender as motivações que explicam as decisões dos<br />
agentes econômicos. Com evidente ironia, Buchanan referia-se aos economistas<br />
matemáticos como “eunucos ideológicos”.<br />
A segunda preocupação dizia respeito à acentuada politização das decisões<br />
econômicas, que era decorrência direta da enorme influência das políticas<br />
econômicas de inspiração keynesiana, como já mencionado anteriormente. A<br />
transferência para o âmbito da política muitas vezes fazia com que a racionalidade<br />
econômica fosse suplantada pelos interesses dos políticos envolvidos na tomada<br />
de decisões.<br />
Como bem observou Buchanan, o economista e o político trabalham com<br />
vetores distintos, onde o primeiro tem por parâmetro fundamental em suas<br />
tomadas de decisão a eficiência, procurando sempre a alocação ótima dos recursos<br />
James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />
33
escassos; enquanto o segundo tem por parâmetro a conquista e a manutenção<br />
do poder, o que só pode ser alcançado, no regime democrático, através do voto.<br />
Nesse sentido, o político, principalmente em períodos eleitorais, tem o<br />
costume de prometer mundos e fundos para conquistar os votos dos eleitores,<br />
desconsiderando, muitas vezes, os limites impostos pela escassez dos recursos<br />
produtivos.<br />
Daqui surgem duas letais armadilhas; a primeira é o Estado entrar em todas as<br />
áreas da sociedade, tornando-se um Leviatã 1 e sufocando as liberdades individuais,<br />
conforme pressupõe os ensaios sobre a liberdade de Stuart Mill. A segunda e não<br />
menos letal é os políticos utilizarem os bens públicos para atingir seus fins privados:<br />
a corrupção.<br />
Assim, se a existência do Estado é necessária devido às falhas de mercado,<br />
para corrigir externalidades e conseguir assim melhorias de bem-estar, através da<br />
provisão de bens públicos, a preocupação de Buchanan é a limitação dos poderes<br />
do Estado para evitar as falhas deste.<br />
Escola Public Choice<br />
De acordo com Araújo (2003), o postulado básico da Public Choice a coloca na<br />
corrente da filosofia política que inclui autores do calibre de Thomas Hobbes, Alexis<br />
de Tocqueville, Maquiavel, Stuart Mill e David Hume.<br />
As origens da Public Choice podem ser localizadas no final da década de 1940,<br />
conforme contextualizado na introdução deste artigo, á luz do debate sobre as<br />
funções de bem-estar de Bergson e Samuelson (Mueller, 1989).<br />
Os modelos de socialismo de mercado desenvolvidos nos anos 30 e 40<br />
do século XX visualizaram o Estado como provedor de bens privados2 (Mueller,<br />
1989). A intervenção estatal seria necessária para suplementar a insuficiência<br />
de investimentos privados, causa principal do desemprego, segundo a análise<br />
keynesiana. No período posterior à II Guerra Mundial os problemas referentes à<br />
eficiência alocativa continuaram demandando atenção.<br />
No entanto, passado este período o bom desempenho da economia<br />
mundial reduziu o interesse sobre os problemas relacionados ao desemprego e a<br />
redistribuição de renda.<br />
Nas décadas de 40 e 50 tornou-se dominante uma literatura sobre falhas de<br />
mercado (bens públicos, externalidades e economias de escala) que fornecia uma<br />
explicação natural para a existência do Estado devido ao fato de o mercado, em<br />
determinadas condições, não ser capaz de levar a economia à condição ótima de<br />
Pareto3 .<br />
1 Referência à obra clássica de Thomas Hobbes.<br />
2 Bérgson (1938), Samuelson (1947).<br />
3 Vilfredo Pareto, economista e sociólogo italiano de origem francesa nascido em Paris.Considerado um dos ideólogos<br />
do movimento fascista, elaborou a teoria de interação entre massa e elite e aplicou a matemática à análise<br />
econômica, mais conhecido por sua dedicação à matemática voltada para a economia e a sociologia. Educado na<br />
Itália, estudou matemática e literatura e graduou-se em física e matemática (1867) e em engenharia (1870) no<br />
Instituto Politécnico de Turim.<br />
34<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Segundo Buchanan (1949), a teoria e a prática das finanças públicas deveriam<br />
ser revisadas para relacionar a distribuição individual do custo público à distribuição<br />
individual de benefícios, de modo que as pessoas pudessem visualizar o que eles<br />
recebem em troca dos impostos que pagam.<br />
A pergunta fundamental colocada pela Public Choice era: se o Estado existe como<br />
uma espécie de substituto do mercado para fornecer bens públicos e eliminar<br />
externalidades, como seria possível a revelação das preferências por esses bens<br />
públicos?<br />
Contudo, a Teoria da Public Choice começa a ter notoriedade nos estudos<br />
acadêmicos e passa a ser entendida como uma extensão dos métodos da teoria<br />
econômica convencional para o ambiente conhecido como mercado político.<br />
O principal argumento era que, fosse no mercado, fosse na política, indivíduos<br />
comportavam-se da mesma maneira, ou seja, movidos pelas mesmas motivações<br />
– eram maximizadores do interesse próprio.<br />
Tal abordagem tem como principais propugnadores Tullock (1962), Downs<br />
(1957) e Olson (1965) que acabaram influenciando com seus argumentos liberais<br />
Buchanan (1993), membro da então Escola de Virgínia ou Thomas Jefferson Center<br />
for Studies in Political Economy, responsável pela elaboração da perspectiva<br />
denominada Public Choice.<br />
Surgida nos EUA nos anos 60, incorpora a segunda fase da Public Choice<br />
ostentando um quadro liberal em dois aspectos: quanto às críticas aos efeitos<br />
perversos da intervenção do Estado na economia e na sociedade como um todo 4 ,<br />
com efeitos à própria democracia; e quanto à formulação de um método de<br />
compreensão e análise da sociedade, com enorme influência às próprias Ciências<br />
Sociais (sobretudo em relação à Ciência Política). Trata-se do desenvolvimento da<br />
Teoria do Individualismo Metodológico.<br />
Ainda vale lembrar que, apesar da ausência de citações nos trabalhos que<br />
envolvem a Public Choice, existe a contribuição de Schumpeter (1973) em Capitalismo,<br />
Socialismo e Democracia que apresenta a esfera política organizada como<br />
um mercado, em que os políticos atuam como empresários, intermediando a<br />
negociação em que se trocam votos por políticas, revelando que o que está em<br />
jogo no mercado político e econômico, são interesses privados.<br />
Para compreender melhor a Public Choice, basta observar que o crescimento dos<br />
gastos públicos é devido ao auto-interesse de eleitores, políticos e burocratas,<br />
ou seja, os economistas e cientistas políticos ligados à Public Choice têm procurado<br />
demonstrar que os gastos públicos e a burocracia crescem de forma significativa<br />
e ineficiente tornando a empresa pública menos eficaz que a empresa privada.<br />
4 Lafer (1991) afirma que, o antipaternalismo é outra característica identificadora a doutrina liberal. Traduz-se na<br />
deslegitimação da função de interveniência do Estado na vida das pessoas com fundamento a avaliação de que<br />
todo indivíduo precisa ser protegido até dos seus próprios impulsos e inclinações. Stuart Mill, como aponta Bobbio,<br />
da mesma maneira que Locke e Kant é um antipaternalista e o seu pressuposto ético é o de que “sobre si mesmo,<br />
sobre o seu próprio corpo e espírito, o indivíduo é soberano”.<br />
James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />
35
Esforços no sentido de abordar o processo político por meio de teorias<br />
pluralistas 5 tendem a interpretar o Estado não como uma unidade autônoma e<br />
soberana, mas como resultado de reflexos provenientes de centros de ação sociais<br />
diversos. Conforme apontado por Offe (1996), os principais interesses organizados<br />
nas sociedades capitalistas competem com níveis de poder diferenciado, sem que<br />
seja determinada a priori a hegemonia de um grupo específico.<br />
Mueller (1989, p.1) define Public Choice como:<br />
[...] o estudo econômico da decisão fora da lógica do mercado, ou simplesmente<br />
a aplicação da economia à ciência política. A questão da escolha pública<br />
é a mesma que a da ciência política: a teoria do Estado, votando regras, o<br />
comportamento dos eleitores, partidos políticos, a burocracia, e assim por diante.<br />
A metodologia de escolha pública é o da economia, entretanto, o postulado<br />
básico do comportamento da escolha pública, como para a economia, é que o<br />
homem é um egoísta, racional e maximizador de utilidade.<br />
Notadamente a análise da escola Public Choice situa-se sobre as finanças<br />
públicas, as políticas comerciais e as políticas regulatórias. Dentre as diversas idéias<br />
enfatizadas pela<br />
Escola da Public Choice destacam-se:<br />
(i) logrolling - é o termo usado para denotar a troca de apoio entre políticos;<br />
quando os partidos são baseados em princípios de lealdade e disciplina partidária,<br />
a maior parte da atividade de logrolling é desenvolvida no interior dos partidos (na<br />
formulação dos seus programas); quando, ao contrário, os partidos são fracos e<br />
seus membros indisciplinados, as atividades de logrolling tendem a ser intensas e<br />
muitas vezes sem princípios.<br />
(ii) grupos de interesse - muitos grupos sociais organizados têm intenso<br />
interesse em influenciar o governo pelos grandes ganhos que estão em jogo. Estes<br />
grupos são constituídos por empresas, associações empresariais, grupos específicos<br />
de funcionários do governo, etc.<br />
Tais grupos são organizados, têm recursos, e podem financiar lobistas de<br />
modo a exercer pressão sobre os legisladores e membros dos poderes executivo e<br />
judiciário de modo que seus discursos ideológicos se pareçam com as reivindicações<br />
do interesse público. Os favores que eles almejam são obtidos à custa dos<br />
contribuintes, que por não estarem organizados, não têm condições de resistir – a<br />
pressão concentrada ultrapassa a resistência difusa 6 .<br />
5 Olson (1965) define pluralismo como “...the political philosophy which argues that private associations of all kinds<br />
[labor unions, churches, cooperatives etc] should have a larger constitutional role in society and that the government<br />
should not have unlimited control over the plurality of these private associations. It opposes the Hegelian<br />
veneration of the nation state, on the one hand, but fears the anarchistic and laissez-faire individualistic extremes,<br />
on the other, and ends up seeking safety in a sociey in which a number of important private associations provide a<br />
cushion between the individual and the state.” Há um conjunto expressivo de trabalhos que enfatiza a necessidade<br />
de se resgatar o sentido de “interesse público” na tomada de decisões. Ver MACFARLAND, A.S. - “Interest groups<br />
and the policymaking process: sources of countervailing power in America” in PETRARCCA, M.P. (Ed.) The politics<br />
of interests. Boulder, Westview, 1992. MAJONE, G. - Evidence, argument and persuasion in the policy process.<br />
New Haven, Yale University Press, 1989. SHAPIRO, M. - Who guards the gardians? Athens, University of Georgia<br />
Press, 1988. COLLIARD, C.A. & TIMSIT, G. (Eds.) - Les autorités administratives indépendantes. Paris, PUF, 1988.<br />
6 Olson (1965) se destacou no estudo dos grupos de interesse.<br />
36<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
(iii) burocratas - vários teóricos da Public Choice estudaram a burocracia, tanto<br />
em organizações públicas, como privadas, procurando explicar interesses e<br />
motivações dos burocratas e sua relação entre os interesses individuais e os da<br />
corporação. De acordo com Niskanen (1971) os burocratas tendem a maximizar<br />
os orçamentos dos órgãos governamentais, pois o seu interesse está diretamente<br />
vinculado à amplitude da sua ação administrativa.<br />
(iv) rent-seeking - tarifas sobre produtos e monopólios proporcionam ganhos para<br />
indústrias. Tradicionalmente os economistas têm estudado os custos relacionados<br />
às perdas de consumo associadas à introdução dessas tarifas. Tullock (1967)<br />
identificou outros custos associados à busca pelas empresas (seeking) por tarifas e<br />
monopólios.<br />
Teóricos da Public Choice detectaram custos semelhantes em regulação comercial<br />
ou industrial, licenciamento para profissões qualificadas, políticas de proteção<br />
ambiental, competição por cargos políticos, e projetos de constituições nacionais.<br />
(Orchard e Stretton, 1997) Silveira (1996), que se refere à Public Choice como uma das<br />
extensões do marginalismo faz duas críticas fundamentais:<br />
A primeira questiona a afirmação de que o comportamento individual no<br />
âmbito público e privado se baseia na mesma hipótese - a da maximização do autointeresse.<br />
A polêmica é a mesma que foi iniciada por Downs (1957) sobre a natureza<br />
do comportamento político. A questão é relevante dado o caráter axiomático do<br />
método aplicado pela Public Choice. Caso não seja razoável admitir o comportamento<br />
dos indivíduos no âmbito público (da mesma forma que no âmbito privado) como<br />
maximizador de utilidade e racional, a estrutura teórica da Public Choice sofreria um<br />
abalo significativo. Vale lembrar que o conceito de racionalidade individual da<br />
Public Choice não exige que o comportamento seja egoísta.<br />
Segundo Buchanan e Tullock (1962, p.3),<br />
As análises não dependem de lógica elementar para validar qualquer motivação<br />
estritamente hedonista ou de auto-interesse dos indivíduos no seu comportamento<br />
social envolvendo processos de escolha. O indivíduo representado neste modelo<br />
pode ser egoísta ou altruísta, ou qualquer combinação dos dois. Nossa teoria é<br />
“econômica” enquanto supõe que os indivíduos são separados e distintos, como<br />
tal, podem ter diferentes objetivos e propósitos para os resultados de uma ação<br />
coletiva. Em outros termos, assumimos que os interesses dos homens diferem<br />
por outros motivos que não os da ignorância.<br />
Nas crises sociais agudas, como guerras e revoluções, a hipótese do homem<br />
político (com motivações diferentes da simples maximização do auto-interesse)<br />
apresenta-se mais plausível. Contudo, em situações de normalidade e estabilidade<br />
política, a hipótese do homem econômico na esfera pública e privada parece<br />
de acordo com o senso comum, principalmente num regime de estabilidade<br />
das instituições democráticas, o papel preponderante do auto-interesse no<br />
comportamento dos políticos e dos eleitores apresenta-se evidente e muito claro.<br />
James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />
37
A segunda é semelhante àquela feita à economia neoclássica – o problema<br />
que Schumpeter chamou de vício ricardiano (REDMAN, 1997). Tal crítica aplicase<br />
melhor no caso da Nova Economia Política, dada a sua característica peculiar<br />
de utilizar-se da modelagem matemática, e, por conseguinte, de ancorar-se em<br />
simplificações axiomáticas potencialmente comprometedoras.<br />
Modelo Buchaniano<br />
Conforme Souza (1996), os arranjos que virão ordenar as decisões coletivas<br />
repousa numa concepção de sociedade que não apresenta clivagens sociais<br />
agudas, sendo assim, a formação de coalisões previsíveis e em posição privilegiada<br />
estariam descartadas, conduzindo a uma certa igualdade entre os indivíduos que<br />
participam do processo de definição das regras de convivência , revelando o cerne<br />
do modelo buchaniano.<br />
No ápice, o alvo das formulações buchanianas é a discussão sobre a natureza e<br />
o princípio que devem nortear a escolha das regras de agregação das preferências,<br />
destinadas a cumprirem um curso de ação modificadora ou de conservação do<br />
mundo material, tendo em vista o critério dos custos daí advindos.<br />
A questão central para os contratualistas é aquela que enfatiza o problema<br />
dos limites e das formas de exercício do poder. Araújo (2003) alerta que, o que<br />
está em pauta, é o sistema democrático representativo nas sociedades ocidentais<br />
materializado em suas instituições através de sistemas eleitorais, legislatura mono<br />
ou bicameral, procedimentos decisórios ordinários (operacionais) e procedimentos<br />
para a escolha das regras de escolha (inclusive aqueles que prevêem os mecanismos<br />
de reformas constitucionais) e que dimensiona e controla a produção do poder.<br />
Do lado oposto, sociedades com grandes níveis de desigualdade social, tal<br />
aplicação do princípio poderia a primeira vista, perturbar e levar a uma perpetuação<br />
do status quo. Ainda observa Araújo (2003), no caso brasileiro por exemplo,o Estado<br />
tradicionalmente tem sido utilizado como instrumento de abuso de poder por<br />
parte das minorias privilegiadas, o que poderia indicar que um sistema político<br />
baseado no princípio do benefício levaria fatalmente a uma reversão no quadro<br />
de desigualdade pela ação de dois efeitos:<br />
Pelo fim das transferências de recursos dos pobres para os ricos;<br />
Pelo início da transferência de recursos dos ricos para os pobres, impulsionado<br />
pelo sentimento altruísta reiteradamente manifestado em campanhas de<br />
solidariedade organizadas pela mídia ou espontaneamente como tem<br />
sido observado e que não se traduzem em decisões políticas pelo absoluto<br />
descrédito das populações com as instituições governamentais.<br />
“A primeira questão a respeito de qualquer instituição política é o quanto<br />
ela tende a promover nos membros da comunidade as várias qualidades morais e<br />
intelectuais desejáveis (...)” (MILL, [1861], 1994).<br />
Então pode se dizer que ,a análise sobre o Estado feita por Buchanan aponta<br />
para uma divisão em dois eixos; a fase do contrato constitucional, que seria o<br />
38<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
momento de constituição da sociedade e o contrato pós-constitucional, entendido<br />
como a provisão dos bens públicos, neste momento Buchanan exibe a influência<br />
de Locke e Stuart Mill, pai e seguidor da obra liberal.<br />
Dessa forma, de alguma maneira a escolha pública ou Public Choice, parece romper<br />
com a teoria econômica convencional, que para este autor a mesma estava muito<br />
preocupada com as propriedades puramente formais de seus modelos calcadas<br />
em seus mundos de fantasia, esquecendo-se de entender o próprio objeto da<br />
economia, qual seja: o processo de mercado e a relação deste processo com o<br />
conjunto institucional no qual as pessoas fazem suas escolhas.<br />
Ainda sobre a teoria econômica convencional, Buchanan atribui duas outras<br />
grandes limitações: (i) não levar em consideração o quadro institucional – que é<br />
tomado como dado e (ii) considerar o Estado um agente exógeno, obstruindo assim<br />
a análise do processo político.<br />
Para Buchanan e Tullock (1962), á análise do quadro institucional se baseia<br />
na democracia individualista da ordem política (individualistic – democracy model) ou<br />
individualismo metodológico. Individualismo aqui referido não a um valor humano<br />
(no sentido de egoísmo), mas ao método analítico que parte da premissa de que é<br />
o indivíduo que, em última análise, se defronta com alternativas e realiza escolhas 7 .<br />
Segundo esta perspectiva, não haveria intermediários nos processos de decisão<br />
coletiva, ou seja, não haveria necessidade de delegar a alguma autoridade a<br />
prerrogativa de fazer escolhas fiscais.<br />
Deste modo, com as análises tributárias da teoria da “escolha pública”<br />
pretende-se alcançar as condições em que ocorre a alocação autorizada dos<br />
recursos públicos, definidos previamente, pela escassez. Por fim, esta abordagem<br />
visa elaborar modelos indicativos do processo de tomada de decisão nas instituições<br />
públicas tendo como suposto os cursos alternativos da ação pública.<br />
Cálculo do consenso e a democracia constitucional<br />
Esse modelo assume que cada cidadão possui, pelo menos remotamente,<br />
algum poder de mudar as políticas. A melhor política, segundo esta perspectiva é<br />
aquela escolhida pelo grupo, qualquer que seja, pois não há escolha mais adequada<br />
do que aquela feita individualmente por cada cidadão. Cada indivíduo sabe o<br />
que é melhor para si, onde mais uma vez o autor recorre a filosofia de Mill sobre a<br />
liberdade individual.<br />
Logo o processo político é analisado à maneira tradicional da teoria neoclássica,<br />
como um processo de minimização de custos. Há dois tipos de custos envolvidos:<br />
os custos externos e os custos de transação. O primeiro tipo são maiores quanto<br />
menos os indivíduos puderem participar do processo decisório e mais tiverem que<br />
acatar, portanto, as decisões impostas. O segundo tipo são os custos envolvidos no<br />
próprio processo decisório, que são maiores quanto maior for o número de pessoas<br />
envolvidas no processo de decisão.<br />
7 Aqui, Buchanan exprime novamente sua formação liberal e usa contextualizações sobre o indivíduo de Stuart Mill,<br />
que vê assim na liberdade de pensamento e discussão, a condição para o contínuo estímulo da<br />
atividade intelectual e do progresso humano, chamando a atenção para o questionamento de verdades que<br />
se tornam dogmas mortos, e não verdades vivas, quando não debatidas livremente.<br />
James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />
39
Há, portanto, um trade-off entre os dois custos (Toneto, 1996). Assim, além de<br />
o governo ter de intervir o mínimo nas liberdades individuais já que ele também<br />
tem falhas, ele deve ser mínimo também em outro sentido: é melhor que as<br />
decisões sejam tomadas em grupos menores, pois nestes é mais fácil chegar-se a<br />
um consenso.Daí resulta a defesa do federalismo ou da descentralização máxima<br />
da tomada de decisões, influência de Alexis de Tocqueville 8 sobre Buchanan.<br />
Segundo Tocqueville (1987), as instituições da soberania do povo<br />
acrescentaram outras duas vantagens políticas que contribuíram para salvaguardar<br />
a liberdade: a descentralização administrativa e as associações livres.<br />
A descentralização administrativa na América produziu efeitos políticos<br />
admiráveis como reproduzidas nas palavras de Alexis de Tocqueville (1987, p.29),<br />
Ali a sociedade age sozinha e sobre ela própria. Não existe poder, a não ser<br />
no seio dela; quase nem mesmo se encontram pessoas que ousem conceber<br />
e, sobretudo, exprimir a idéia de ir procurá-la noutra parte. O povo participa<br />
da composição das leis, pela escolha dos legisladores, da sua aplicação<br />
pela eleição dos agentes do poder executivo; pode-se dizer que ele mesmo<br />
governa, tão frágil e restrita é a parte deixada à administração, tanto se<br />
ressente esta da sua origem popular e obedece ao poder de que emana. O<br />
povo reina sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo.<br />
É ele a causa e o fim de todas as coisas;tudo sai do seu seio, e tudo se absorve<br />
nele.<br />
O livro “The calculus of consent. Logical foundations of constitutional democracy” 9 , escrito em<br />
parceria com Gordon Tullock, tratou o fenômeno da burocracia estatal e tornou-se<br />
um marco de referência para os autores que, influenciados que foram, construíram<br />
seus modelos explicativos a partir do constructo de homo economicus.<br />
Se os indivíduos têm idéias diferentes sobre o bem público, argumenta<br />
Buchanan, ou antes, agem segundo suas preferências, o processo político aí<br />
configurado deve ser analisado em termos dos “custos” advindos da obtenção de<br />
acordo entre as partes.<br />
Pode-se afirmar que os mecanismos e os arranjos constitucionais<br />
daí decorrentes, constituem o foco privilegiado das atenções dos autores<br />
mencionados. As abordagens teóricas que buscam enfatizar os mecanismos que<br />
definem e delimitam o exercício do poder, são conhecidas pela denominação de<br />
“contratualistas” 10 . A obra de Buchanan pode ser considerada como representativa<br />
dessa matriz.<br />
Buchanan (1987) indica que todo indivíduo considera como vantajoso explorar<br />
a possibilidade de organização de uma atividade coletiva quando supõe que a sua<br />
8 Alexis Charles-Henri-Maurice Clérel de Tocqueville nasceu em Paris, em 29 de julho de 1805 e morreu em Cannes,<br />
a 16 de abril de 1859. Viveu, portanto, o período mais atribulado da História francesa durante o século XIX. Ele<br />
nasceu pouco tempo após o Terror da Revolução Francesa (sobre a qual escreveria uma obra clássica). A infância<br />
transcorreu sob as vicissitudes de Napoleão. Assistiu à restauração da monarquia sob Luís XVIII e Carlos X (a quem<br />
seu pai serviu) e à sua subseqüente derrubada por Luís-Felipe.<br />
9 Buchanan, J. e Tullock, G. - The calculus of consent. Logical foundations of constitutional democracy. Michigan,<br />
The University of Michigan Press, 1965<br />
10 Contratualismo- família de teorias morais e políticas que fazem uso da idéia de um contrato social. Tradicionalmente<br />
filósofos como Hobbes e Locke usaram a idéia do contrato social para justificar certas concepções do<br />
Estado.<br />
40<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
utilidade possa aumentar. Neste modelo, a utilidade individual pode ser aumentada<br />
pela ação coletiva de duas formas:<br />
(i) a ação coletiva pode eliminar alguns custos externos impostas pelas ações<br />
privadas de outros ao indivíduo em questão,<br />
(ii) a ação coletiva é um meio para assegurar alguns benefícios adicionais ou<br />
externos que não estão previstos pelo comportamento privado puro.<br />
Para Buchanan (1987), a variável chave de sua análise refere-se aos custos<br />
da organização em si mesma, isto é, o custo derivado de decisões tomadas<br />
coletivamente. Para utilizar a sua terminologia, os custos da interdependência<br />
social deveriam estabelecer os parâmetros para escolher entre ação voluntária<br />
(individual ou cooperativa) e ação política (coletiva), pois o custo de organização<br />
das decisões voluntárias é zero.<br />
Recorrendo a Maquiavel 11 , Buchanan compara que raramente podem-se<br />
reduzir os custos da atividade humana, pois uma atitude nesta direção significa<br />
novos custos.<br />
A existência de custos externos explicaria assim, do ponto de vista da<br />
racionalidade, a origem de atividades organizadas voluntariamente e de atividades<br />
cooperativas ou governamentais, estas últimas baseadas em arranjos contratuais.<br />
A filosofia política e moral de Buchanan<br />
Conforme constata Souza (1996), o autor recupera e incorpora as proposições<br />
construídas no âmbito da chamada revolução behaviorista12 no que se refere aos<br />
novos postulados metodológicos da ciência política. Seu interesse é discutir e<br />
fornecer elementos que possibilitem a construção de uma reflexão sobre a ciência<br />
política de tal modo que certos representantes da filosofia política clássica são<br />
enfatizados como elementos-chave nesta construção metodológica.<br />
Segundo Simon e March (1979), na Teoria Comportamental a organização<br />
é concebida como um sistema de decisões, e neste sistema cada pessoa toma<br />
decisões de forma racional e consciente, as quais vão gerar comportamentos ou<br />
ações. Assim sendo, as decisões são tomadas continuamente em todos os níveis<br />
hierárquicos da organização, em todas as áreas, em todas as situações e por todas<br />
as pessoas.<br />
Na ciência política não é diferente, cuja finalidade behaviorista seria não só a<br />
de descrever a realidade, mas também a de fornecer os meios operativos para aí<br />
intervir. Segundo Simon (1979), o sistema que envolve uma organização é composto<br />
por um complexo modelo decisório onde cada pessoa participa de forma racional<br />
e conscientemente, escolhendo e tomando decisões individuais a respeito de<br />
alternativas mais ou menos racionais do comportamento.<br />
11 Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, onde a erradicação de um inconveniente no mundo dos homens<br />
só se realiza com a constituição de um outro.<br />
12 Os enunciados do behaviorismo ou comportamentalismo pretendiam estipular contornos mais “científicos” às<br />
chamadas ciências do homem. As origens deste debate remontam às discussões que objetivavam delimitar um<br />
campo próprio à reflexão filosófica, diferenciando-o daquele constituído pelo conhecimento científico.<br />
James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />
41
Lembra ainda Souza (1996), que Buchanan ao invés de simplesmente rechaçar<br />
a tradição da filosofia política clássica nesta nova reconstrução metodológica<br />
da assim denominada “ciência política”, realiza uma incursão pelo pensamento<br />
filosófico, de modo a enfatizar apenas aqueles autores que definem e alimentam a<br />
matriz racionalista, e se contrapõe a uma concepção normativa do comportamento<br />
individual. Em sua formulação, tanto os economistas, como os cientistas sociais e<br />
teóricos da política, deveriam pensar os homens da forma como são e não como<br />
gostariam que fossem.<br />
Para o autor:<br />
[...] a obrigação ou dever do cidadão individual em obedecer à lei, de sujeitarse<br />
ao desejo da maioria, e de agir antes coletivamente na esfera pública do<br />
que no interesse privado, são questões que ocuparam o centro das atenções<br />
de muitos filósofos políticos. São temas vitais e significantes, mas devem ser<br />
reconhecidos como pertinentes ao âmbito de uma moralidade pessoal, e<br />
como tais não competem à problemática própria da teoria política.<br />
Desta forma, Buchanan enfatiza como fundamental o divórcio entre a política<br />
e a moral, no entanto, não sugere que o teórico da política tenha que restringirse<br />
a uma atuação meramente historicista dos fenômenos da política, e sim, que<br />
suas reflexões apontem para uma dimensão do aperfeiçoamento das instituições<br />
políticas.<br />
Buchanan lembra a linha filosófica do inglês Hume, que segundo ele, foi<br />
bem sucedido ao tentar assentar a idéia da obrigação política sobre o interesse,<br />
descartando aí, o princípio da moral e a teoria do contrato.<br />
A propensão natural dos indivíduos em observar certas regras de convivência<br />
como as de justiça, portanto, sustentar-se-ia, segundo o esquema de Hume 13 , no<br />
interesse egoísta de cada um. As regras e as leis de convivência sintetizadas numa<br />
constituição, não devem, segundo Hume, partir do pressuposto da existência<br />
de virtudes privadas. Uma constituição verdadeiramente eficaz garantirá que os<br />
interesses privados dos homens (incluindo aí os homens “maus”) serão controlados<br />
e orientados no sentido de produzirem o bem público.<br />
Considerações finais<br />
Uma das principais críticas em relação à teoria da Public Choice – é que esta<br />
seria uma visão bastante simplista do mercado político, por considerar apenas<br />
algumas poucas variáveis, sendo que muito outros fatores entrariam em questão<br />
na determinação de visões políticas. Questões relativas à análise do Governo,<br />
eleitores, legisladores e burocratas e a falta da análise sobre o poder executivo,<br />
partidos políticos e outras organizações comprometem o encadeamento da teoria.<br />
13 David Hume foi o mais influente dos filósofos do Iluminismo escocês. Nascido em Edimburgo a 7 de maio de<br />
1711, suas idéias afetaram todos os cientistas e filósofos que o sucederam. Suas principais obras filosóficas foram:<br />
Um Tratado sobre a Natureza Humana (1739), Investigação sobre o Entendimento Humano (1748, desdobramento<br />
do primeiro volume do “Tratado”) e Investigação sobre os Princípios da Moral (1751, desdobramento do segundo<br />
volume do “Tratado”). Essas três obras continuam atuais e, graças a sua elegante e despojada linguagem, ainda<br />
falam diretamente ao leitor do século XXI.<br />
42<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
As decisões relativas aos benefícios e aos custos dos bens e serviços públicos<br />
poderiam resultar de uma votação majoritária (50%+1). E aí que entra no seu<br />
modelo, o sistema do logrolling. Como a política é feita de inúmeras questões<br />
abertas à decisão, e as preferências do corpo social são múltiplas, o comércio dos<br />
votos instalar-se-ia como um recurso natural e não como um comportamento<br />
necessariamente antiético.<br />
O argumento essencial é o de que sendo o orçamento público um processo<br />
político complexo em que os participantes possuem interesses muitas vezes<br />
conflitantes, observa-se que, num ambiente de grande incerteza e pobreza, os<br />
atores têm o incentivo de desenvolver estratégias com o objetivo de aumentar sua<br />
respectiva margem de manobra. Deste processo dinâmico emergem padrões de<br />
comportamento identificados como anômalos, porém racionais.<br />
Ainda dentro desta linha comportamental, deve-se evitar o sentimentalismo<br />
de assumir que todo ser humano (os servidores públicos em particular) tenta a todo<br />
tempo promover altruisticamente o bem social, e paradoxalmente seria necessário<br />
também evitar a demagogia de assumir que todo mundo está inteiramente e<br />
constantemente motivado pelo interesse pessoal.<br />
A condenação da doutrina do igualitarismo é evidente em todas as formulações<br />
do autor, como de resto, em todas correntes do liberalismo. Como defensor de uma<br />
sociedade de homens livres (não necessariamente igualitários), Buchanan propõe<br />
que um “teste indireto sobre o grau de coesão de uma sociedade pode ser oferecido<br />
pela extensão de atividades que são deixadas livres (abertas) ao controle informal<br />
e aquelas reguladas por um controle formal”. É patente nas reflexões do autor uma<br />
concepção de liberdade, própria da doutrina liberal clássica, pensada como uma<br />
esfera de ações em que não há controle por parte dos organismos estatais.<br />
Mais do que prescrever uma redução das atividades estatais, Buchanan se<br />
propõe ao que chama de “revolução constitucional”, isto é, reformas das instituições<br />
e dos órgãos decisores no sentido de estabelecer novos procedimentos segundo<br />
os quais as decisões serão tomadas.<br />
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James Buchanan e a “Política” na escolha pública, Marco Antonio Dias, p. 32-45<br />
45
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de<br />
Desenvolvimento Economico: Uma Análise da<br />
Experiência Internacional & Brasileira<br />
Resumo:<br />
Cada vez mais o crescimento e o<br />
desenvolvimento econômico de regiões e<br />
países é ditado por sua capacidade de gerar<br />
inovações tecnológicas. Processos inovadores<br />
na forma de tecnologia de produto ou<br />
processos hoje, são os grandes indutores de<br />
crescimento econômico. A nanotecnologia,<br />
com o seu potencial inovador, é a nova<br />
fronteira tecnológica. Aquela que tem maior<br />
potencial como geradora de ganhos em<br />
competitividade para nações e empresas.<br />
A nanotecnologia gera pontos de inflexão<br />
tecnológica em várias indústrias, criando<br />
novos paradigmas de desenvolvimento<br />
econômico e empresarial.<br />
O artigo aborda as estratégias tecnológicas<br />
na área de nanotecnologia de países como<br />
a China, países da “tríade econômica”,<br />
países asiáticos, e a do Brasil. Esses países<br />
oferecem ao Brasil “blueprints” diferenciados<br />
de como a nanotecnologia está sendo usada<br />
para aprofundar e criar novas vantagens<br />
competitivas.<br />
Palavras Chave: nanociencias,<br />
nanotecnologia, inovação, competitividade,<br />
Brasil.<br />
46<br />
Raul Gouvea *<br />
* Professor of International Business, Anderson School of Management - University of New Mexico. E-mail:<br />
<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
Abstract: A country’s capacity and<br />
determination to innovate is increasingly<br />
determining its global economic<br />
competitiveness standing. Innovative<br />
processes at the product and at the process<br />
level, are currently considered main drivers<br />
of economic growth and development.<br />
Nanotechnology is one of the current<br />
technologies frontiers which carry a promisse<br />
to create new competitiveness inflection<br />
points in countries that are currently<br />
developing nanotechnology innovations.<br />
In the next years, nanotechnology is bound<br />
to create a new competitive paradigm for<br />
nations and industries accross the globe.<br />
This article assess the nanotechnology<br />
strategies being designed and implemented<br />
by developed and emerging economies;<br />
special heed is payed to the Brazilian case.<br />
Keywords: Nanotechnology, emerging<br />
economies, competitiveness, Brazil.
Introdução<br />
Cada vez mais o crescimento e desenvolvimento econômico de regiões e<br />
países está ligado a sua capacidade de gerar inovações tecnológicas. Processos<br />
inovadores na forma de tecnologia de produto ou de processos são hoje, os<br />
grandes indutores de crescimento econômico (CRUZ, 2005; INVERNIZZI, FOLADORI,<br />
E MCLURCAN, 2008; VELLOSO, 2008; POCHMANN, 2008).<br />
A nível global, a economia do conhecimento tem demandado crescentes gastos<br />
em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Nos anos 1980 os países desenvolvidos<br />
gastaram em média 1.5% de seus PIB’s em P&D; hoje esse número cresceu para<br />
2.2%. O Japão, entre os países desenvolvidos é o que mais investe em P&D, com<br />
cerca de 3.2% do seu PIB. O “Global R&D Report” estima que gastos globais com<br />
P&D irão passar de US$ 1,2 trilhões. Entre as economias emergentes e dos BRIC’s,<br />
a China aparece como um dos expoentes globais em gastos em P&D. Em 2008,<br />
os investimentos chineses em P&D chegaram a 18% dos gastos globais em P&D<br />
(BUTCHER, 2008; BATTELLE, 2008; BOUND, 2008; REDIGUIERI, 2009). A China começa<br />
a desafiar a visão tradicional que tem apontado o país não como inovador, mas sim<br />
como um adaptador de tecnologias e know-how estrangeiros.<br />
Tradicionalmente, os Estados Unidos e o Japão tem sido responsáveis pela<br />
grande maioria dos gastos globais em P&D. Em 2005 o Japão e os Estados Unidos<br />
contribuíram com 60% dos gastos em P&D dos países que compõem a OCDE e<br />
48% dos gastos globais. Esses números refletem a grande participação do Japão e<br />
Estados Unidos nos gastos em P&D globais. No entanto, em 1995, essa participação<br />
era ainda maior, ao redor de 56% dos gastos globais em P&D. Uma das razões<br />
desse declínio é o fato de que economias emergentes, como a Índia, a China e o<br />
Brasil, estão investindo cada vez mais em P&D, e transformando-se em parceiros<br />
importantes no esforço tecnológico global (HASSAN, 2005; NATIONAL SCIENCE<br />
BOARD, 2008).<br />
De acordo com um recente relatório da OECD (2008), em 2005, no nível de<br />
patentes na área de Informação e Comunicação (ICT), os Estados Unidos detinham<br />
35% de todas as patentes, o Japão 18.6%, a Alemanha 7.7%, a China 4.2%, a Coréia<br />
4.6%, enquanto o Brasil detinha 0.1%. (OECD, 2008). De acordo com o mesmo<br />
relatório, o registro de patentes de nanotecnologia tem crescido bem acima da<br />
média, ao redor de 18% ao ano. Em 2005, os Estados Unidos detinham 41.8%<br />
das patentes de nanotecnologia, seguido pela União Européia com 25.4%, Japão<br />
com 16.7%. A China detinha 1.4% e o Brasil não aparece na lista. (Metha, 2007;<br />
OECD, 2008). As grande áreas de patente em nanotecnologia em 2005, foram as<br />
de eletrônicos (23.3%), nano materiais (31.3%), ótico-eletrônicos (8.1%), medicina<br />
e biotecnologia (14.8%), meio ambiente e energia (2.2%), e manufatura (20.4%).<br />
(OECD, 2008).<br />
A nanotecnologia é hoje, a nova fronteira tecnológica para a pesquisa e<br />
desenvolvimento (P&D) a nível global. A nanociência e a nanotecnologia estão<br />
redefinindo o que entendemos por inovação tecnológica. Ela é a nova fronteira<br />
tecnológica com o maior potencial estimado em gerar ganhos de competitividade<br />
para nações e empresas (ATKERNEY, 2009; MURRIELO, CONTIER, E KNOBEL, 2009).<br />
Essa revolução tecnológica não está sendo considerada mais uma “onda”, mas sim<br />
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />
47
um “tsunami” tecnológica. É um “tsunami”, porque se expande por várias indústrias com<br />
alta velocidade, afetando elos para frente e para trás de vários setores produtivos ao<br />
redor do mundo. Quando esse “tsunami” atinge indústrias as mudanças são radicais.<br />
Ao contrário de “ondas” passadas, a nanotecnologia é considerada uma “plataforma<br />
tecnológica” que irá mudar o “status quo”e o “modus vivendi” de várias industrias (KNOL,<br />
2004, SOUTH CENTRE, 2005).<br />
1 Nanociências & Nanotecnologia<br />
A percepção dos ganhos econômicos induzidos pela nanotecnologia gerou<br />
uma corrida tecnológica em nível global. A tríade econômica, composta pelos<br />
Estados Unidos, Japão e Europa, além da China, India, Tigres Asiáticos, México,<br />
Argentina, e Brasil, estão investindo na nova fronteira tecnológica. Até o<br />
momento bilhões de dólares já foram investidos na indústria que promete mudar<br />
os paradigmas de crescimento econômico e de negócios a nível global. É hoje,<br />
uma das tecnologias mais promissoras deste século. Já se fala na criação de um<br />
novo “divide”, o “nano divide.” (KALLENDER, 2004; ROCO, 2003) . Em outras palavras,<br />
países que detenham controle sobre nanociencias e nanotecnologias irão crescer a<br />
taxas mais rápidas do que países que hoje não investem e ignoram as ramificações<br />
econômicas dessa nova fronteira tecnológica. Em outras palavras, a nanotecnologia<br />
é vista com o potencial de gerar pontos de inflexão tecnológica em várias indústrias,<br />
cadeias de produção, e criar novos paradigmas de desenvolvimento econômico e<br />
empresarial (BAYOT, 2002; FREITAS, 2004; TREDER, 2005).<br />
Em 2007, vários países e empresas gastaram 13.8 bilhões de dólares em<br />
P&D em nanotecnologia, mostrando o potencial dessa tecnologia emergente<br />
(NANOCHINA, 2008). Nos próximos dez anos, a indústria global da nanotecnologia<br />
irá gerar receitas estimadas em 2.6 trilhões de dólares (VICTORIAN GOVERNMENT,<br />
2008).<br />
Hoje, o impacto da nanotecnologia já é evidente nas indústrias de cosméticos,<br />
eletrônicos, têxtil, diagnósticos médicos e terapêuticos, materiais, e produtos de<br />
consumo. Empresas como GE, 3M, IBM, L’Oreal, Lucent, HP, BASF, Dupont, e Merck,<br />
entre outras, já identificaram nanotecnologia como um o potencial de gerar<br />
lucros e crescimento tecnológico. Mais de 60 países têm programas nacionais<br />
de nanotecnologia e centenas de nano produtos já estão disponíveis em vários<br />
mercados ao redor do mundo. Entre 1976 e 2006, o “United States Patent and<br />
Trademark Office (USPTO) registrou 7,406 patentes na área de nanotecnologia.<br />
Essas patentes vieram de 46 países. Desse total, os Estados Unidos contribuíram<br />
com 4,772 patentes. As empresas e instituições que mais registraram patentes<br />
foram: IBM, Eastman Kodak, Xerox, 3M, HP, L’Oreal, Samsung, BASF, Nippon<br />
Eletric, Sony, Seiko, entre outras. Entre as instituições acadêmicas, a University<br />
of California, o MIT, a Rice University, e a Japan Science and Technology Agency,<br />
foram os atores mais visíveis no período 1976-2006. (Chen, Roco, Li., e Lin, 2008).<br />
Esses resultado mostram a natureza global da competição na área de nanociências<br />
e nanotecnologia (KALLENDER 2004, ROCO, 2003).<br />
O tamanho do mercado global de produtos de nano eletrônicos é estimado<br />
em US$ 4.3 trilhões em 2010, nano agricultura perto de US$ 20.4 bilhões, produtos<br />
48<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
têxteis ao redor de US$ 115 bilhões em 2010, e o de nano ferramentas ao redor<br />
de US$ 2.7 bilhões em 2013. (BUSINESSWIRE, 2007). Em 2014 espera-se que 15%<br />
da produção global na indústria manufatureira ou cerca de US$ 3 trilhões sejam<br />
constituídos por nano produtos (A. T. KEARNEY, 2009).<br />
A nanotecnologia deve gerar mais inovações que resultarão em níveis mais<br />
altos de competitividade que, por sua vez, irá gerar novos produtos com impactos<br />
positivos no meio de negócios, no meio ambiente e no meio social (VICTORIAN<br />
GOVERNMENT, 2008). Por exemplo: materiais mais leves e mais resistentes,<br />
plataformas mais eficientes para a administração de remédios, reparação de pele,<br />
químicos e produtos com impacto ambiental menores, membranas que são usadas<br />
para filtrar poluentes nas águas, sensores que podem oferecer melhores níveis de<br />
monitoramento na medicina, computadores menores e mais eficientes, e processos<br />
melhores de manufatura. Na área de saúde espera-se que a nanotecnologia tenha<br />
varias aplicações. Na India, ela está sendo usada na construção de nano kits que<br />
possam detectar turberculose; o Departamento de Energia nos Estados unidos<br />
está pesquisando bio- sensores óticos para detectar a tuberculose (MACLURCAN,<br />
2005).<br />
A nanotecnologia nasceu em uma economia globalizada, já nasceu global<br />
(ROCO, 2001; NANOCHINA, 2007). Os elementos principais da cadeia de valor<br />
e de produção da nanotecnologia são de natureza global. Tanto os principais<br />
elementos dessa cadeia de valor: nano materiais (nano tubos, fullerenes, etc), nano<br />
intermediários (chips de memória, componentes óticos, etc), como os produtos<br />
nano (automóveis, tecidos, aviões, computadores, produtos farmacêuticos, etc)<br />
estão interconectados na cadeia de produção e de valor globais. É importante<br />
lembrar que o potencial econômico da nanotecnologia é maior no início da cadeia<br />
de valor (P&D) e no final da cadeia, isto é, inovação ou comercialização (APPELBAUM,<br />
GEREFFI, PARKER, e ONG, 2006).<br />
A possibilidade de fabricar produtos a nível molecular, átomo, por átomo,<br />
de criar estruturas e produtos com novas propriedades e funções está abrindo<br />
a possibilidade de controlar e entender as propriedades e funções de produtos<br />
naturais ou manufaturados. Abre também, a possibilidade de se fazer uso de<br />
materiais microscópicos para alcançar uma série de tarefas. A nanotecnologia<br />
manipula as propriedades da máteria na escala nano para criar produtos com novas<br />
propriedades na macroescala (GOURDON, 2002; MERKLE, 1996; THE INSTITUTE OF<br />
NANOTECHNOLOGY, 2003a). A nanotecnologia permitira a fabricação de uma nova<br />
geração de produtos que são mais resistentes, mais leves, mais precisos, e mais<br />
limpos (PELLS, 2008). As “small wonders” ganham cada vez mais espaço, abrindo<br />
uma nova fronteira de escala na indústria. Desta maneira cria uma nova fronteira<br />
de conhecimento, e gera novos produtos industriais (SHIMBUN, 2003; WHERRETTT<br />
e YELOVICH, 2004).<br />
A nanotecnologia começou a receber mais atenção na década de 1990. Em<br />
1989 Don Eigler escreveu as letras da IBM com 35 átomos de Xenon, mostrando que<br />
estruturas poderiam ser construídas molécula por molécula, ou átomo por átomo.<br />
Em 1991 o professor Sumio Iijima, da NEC, descobriu os nanotubos de carbono.<br />
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />
49
Os nanotunos de carbono podem ser usados como condutores ou<br />
semicondutores e são muito sólidos. A produção desses nanotubos de carbono<br />
mudou radicalmente a percepção da aplicação mais difundida de produtos nanos.<br />
Com esses desenvolvimentos a nanotecnologia estava criada. Espera-se que ela seja<br />
uma das mais importantes fontes de inovação deste século. A indústria molecular,<br />
por exemplo, poderá ser usada para aumentar a qualidade, baixar custos, e fazer<br />
com que o impacto ambiental do processo industrial seja menor.<br />
Nano tubos de carbono estão no centro das revoluções nano tecnológicas,<br />
porque são dez vezes mais eficientes na condução da eletricidade do que o cobre.<br />
Nano tubos tem várias características como: a) grande condutividade elétrica, b)<br />
flexibilidade, c) elasticidade, d) grande dose de resistência. Essas características<br />
abrem um grande número de aplicações, da indústria eletrônica à medicina<br />
(OLIVEIRA, 2005). O termo nanotecnologia cobre um sem número de tecnologias<br />
em áreas como nano partículas, MEM’s, sensores químicos e bioquímicos,<br />
neurofisiologia, semicondutores e eletrônica molecular, entre outras (SCHUMMER,<br />
2007).<br />
Hoje a nanotecnologia atravessa a sua primeira fase de nanoestruturas<br />
passivas, como nano partículas e polímeros, passando em um futuro próximo à<br />
segunda fase, que envolve nano estruturas ativas; à terceira fase, que envolverá<br />
sistemas de nano sistemas e à quarta, que deve ser alcançada em 2020 e que dará<br />
ênfase a nano sistemas moleculares (NSF, 2008).<br />
É de se esperar também que a nanotecnologia mude o perfil do comércio<br />
global. Países que exportarem produtos intensivos em nanotecnologia ocuparão<br />
fatias maiores do mercado global de produtos manufaturados. Alem disso, o<br />
ciclo de vida de produtos que passem a competir com os nano produtos deve ser<br />
interrompido drasticamente. Países que dependem de produtos baseados em<br />
recursos naturais vão sentir os efeitos da nanotecnologia, na medida em que várias<br />
commodities serão substituídas por produtos nano. Assim, esses países sofrerão<br />
uma mudança na quantidade e perfil de demanda por seus produtos.<br />
Estima-se que o mercado para nanotecnologia na indústria global crescerá<br />
33% ao ano, em média, entre 2007 e 2015. Na área de produtos de consumo, o<br />
emprego de nano deverá registrar um crescimento de 9,4% ao ano entre 2007 e<br />
2015 (MARKET RESEARCH.COM, 2008). Mas a nanotecnologia já é uma realidade<br />
em várias indústrias. Em 2003, o mercado para produtos de nanotecnologia nas<br />
áreas de semicondutores, energia, medicina, instrumentação, e materiais, chegou<br />
a US$ 499 milhões. Em 2009, esse mercado deve crescer para US$ 4,5 bilhões.<br />
O mercado americano para nano materiais deve chegar a US$ 1 bilhão em<br />
2007. Suas principais aplicações deverão ocorrer na área de produtos de consumo,<br />
na indústria de defesa, e no setor automotivo. Em 2005, perto de 700 nano produtos<br />
já estavam sendo comercializados (SOUTH CENTRE, 2005). Em 2008, a Intel lançou<br />
a sua nova geração de processadores “Atom” desenhados para a nova geração de<br />
“mobile internet devices – MIDS” e uma nova geração de “internet centric computers”. A Hewlett-<br />
Packard e a Intel estão fazendo pesquisas com circuitos moleculares com o intento<br />
de usar nano tubos de carbono no lugar de silício. A substituição faz com que a<br />
50<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
capacidade de processamento aumente exponencialmente (SOUTH CENTRE, 2005).<br />
Cientistas da empresa Kraft Foods, estão criando “uma língua eletrônica” que<br />
irá identificar patogênicos em produtos alimentícios, alertando consumidores<br />
do seu estado de conservação antes que sejam comprados. Pesquisadores da<br />
Rice University estão pesquisando nano cristais para remover arsênico de águas<br />
contaminadas.<br />
2. Nanociências & Nanotecnologia: A Experiência Internacional<br />
Os países da tríade econômica (Estados Unidos, Europa, e Japão), a China, a<br />
Índia, os Tigres Asiáticos e o Brasil estão desenvolvendo vários programas nas áreas<br />
de nanociências e nanotecnologia.<br />
2.1 Estados Unidos<br />
Os Estados Unidos são os maiores investidores mundiais na nova tecnologia,<br />
e tem o maior número de empresas ligadas à indústria de nanotecnologia, com<br />
cerca de mil empresas. A expectiva é de que o programa de nanotecnologia seja<br />
tão importante como foi o programa espacial americano (ROCO, 2002, ROCO<br />
2003; FREITAS, 2004; NSF, 2008; A. T. KERNEY, 2009). Em 2009, o governo dos<br />
Estados Unidos tem um orçamento de 1.5 bilhoes de dólares em P&D na área de<br />
nanociências e nanotecnologia, bem acima dos 116 milhões de dólares investidos<br />
em 1997 e dos 500 milhões investidos em 2001 (NATIONAL NANOTECHNOLOGY<br />
INITIATIVE, 2009).<br />
Nos Estados Unidos os esforços coordenados começaram com o<br />
Nanotechnology Group, em 1996. Em 2000 foi criada a “National Nanotechnology Initiative<br />
(NNI)” A nano iniciativa é coordenada pelo “Nanoscale Science, Engineering and Technology<br />
(NSET)”, que é um sub comitê do “National Science and Technology Council (NSTC)”. O NNI tem<br />
como foco principal a ênfase na pesquisa básica em nanotecnologia, bem como<br />
em aplicações industriais. O NNI também compreende, alem da pesquisa básica, a<br />
criação de centros e redes de excelência, e promove a criação de uma infraestrutura<br />
de pesquisa, formação de recursos humanos, e estuda o impacto da nanotecnologia<br />
no meio ambiente alem dos impactos sociais.<br />
O crescente orçamento reflete o apoio do Governo e do Congresso dos Estados<br />
Unidos a essa tecnologia. Esses esforços são parte do “American Competitiveness Initiative”,<br />
que foca em tecnologias chaves para o futuro desenvolvimento econômico do<br />
país. Como no passado, o “Department of Defense – DOD”, o National Science<br />
Foundations –NSF”, e o “Department of Energy-DOE” são as agências com os maiores<br />
orçamentos, ilustrando as várias dimensões da nanotecnologia sob a perspectiva<br />
dos Estados Unidos (FREITAS 2004; NATIONAL NANOTECHNOLOGY INITIATIVE, 2009;<br />
ROCO 2002, ROCO 2003, ROCO 2007). Além dessas agências existem também o<br />
“Homeland Security”, Department of Agriculture (USDA), e o “Department of Justice.”<br />
(ROCO, 2003; 2004). Essas agências participam do processo de regulamentação<br />
da área.<br />
O National Science Foundation, Department of Defense e o Department of<br />
Energy correspondem a mais de 2/3 dos investimentos no setor de nanotecnologia<br />
em nível federal. . Em 2003, os Estados Unidos passaram o ato “21st Century<br />
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />
51
Nanotechnology Research and Development Act” alocando US$ 3.7 bilhões, para<br />
projetos apoiados pela NNI no período 2005-2008, em subsídios federais para a<br />
NNI. A NNI já tem o seu orçamento estimado em US$ 886 milhões para 2005, o<br />
que corresponde a quase 3% dos gastos de P&D do governo americano. Dentro do<br />
âmbito da NNI, US$ 4.6 bilhões foram autorizados para P&D alem de programas<br />
do National Nanotechnology Coordination Office. Mas o setor privado da América<br />
também investe maciçamente na nova tecnologia. Desde 1999, venture capitalists<br />
investiram mais de US$ 1 bilhão em iniciativas na área de nanotecnologia.<br />
Em 2009, os Estados Unidos tinham perto de quatro mil nano projetos,<br />
com cerca de 500 universidades, 50 laboratórios e o setor privado investindo em<br />
nanotecnologia. Dessas universidades, seis foram designadas como “Nanoscale<br />
Science and Engineering Centers”: Rice, Columbia, Cornell, Harvard, Northwestern<br />
e Rensselaer. Essa presença se estende ao número de trabalhos citados, na<br />
percentagem das patentes na USPTO ( perto de 60%,) e detém 70% das novas<br />
empresas em nano (NSF, 2008).<br />
Em 2007, o setor privado americano gastou perto de 3 bilhões de dólares<br />
em P&D (Sargent, 2008). Em 2007, os Estados Unidos investiram 2.6% de seu PIB<br />
em P&D, ou 129.7 bilhões de dólares (Butcher, 2008). A expectativa é de que a<br />
nanotecnologia contribuirá com 1 trilhão de dólares para a economia americana<br />
em 2015 (Atkearney, 2009).<br />
Desde 2000, o Congresso Americano alocou cerca de 8.4 bilhões para P&D<br />
em nanotecnologia (Sargent, 2008). Em 2003, o Congresso passou o 21st Century<br />
Nanotechnology Research and Development Act” criando um fundação legal para<br />
as atividades do NNI.<br />
A NNI também promoveu a criação de redes regionais de pesquisa na área de<br />
nanotecnologia. Redes regionais como a Nanotechnology Alliance na Southern<br />
Califórnia, o Nanotechnology Franklin Institute, e a Texas Nanotechnology Initiative<br />
são alguns exemplos. Agências como NSET/NNCO funcionam como catalizadores<br />
do encontros entre pesquisadores e o mundo empresarial.<br />
O Laboratório Sandia National Laboratories, Los Alamos National Laboratories,<br />
University of New Mexico, New Mexico Tech and New Mexico State estão<br />
cooperando na área de nanotecnologia com ênfase na comercialização dessas<br />
tecnologias. Sandia está investindo perto de 500 milhões de dólares no projeto<br />
Mesa que resultará no mais avançado laboratório de microtecnologia dos Estados<br />
Unidos.<br />
2.2 Ásia: Japão, China, Taiwan, e Coréia do Sul<br />
As economias asiáticas estão também investindo maciçamente em<br />
nanotecnologia. Paises asiáticos tem sido grandes proponentes da nanotecnologia,<br />
que apóiam através de políticas governamentais, pesquisa, e estratégias<br />
tecnológicas. Essas estratégias materializam-se no apoio a programas “triple<br />
helix” sto é., programas que envolvam colaboração entre a universidade, o<br />
governo e o setor privado. Alem desses programas provererem incentivos para<br />
a comercialização e exportação de nano produtos, a Ásia começa a mostrar<br />
um maior interesse em pesquisa aplicada (Small Times, 2005). A ênfase tem sido<br />
52<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
dada a pesquisas com impacto de mercado, contruindo alianças entre pesquisas<br />
desenvolvidas no setor privado e pesquisas realizados em agências de pesquisa<br />
do governo e universidades.<br />
2.3 Japão<br />
Em 2009, a nanotecnologia é uma das quatro grandes prioridades tecnológicas<br />
do Japão a nível de governo e a nível empresarial. Em 2008, o orçamento da<br />
nanotecnologia deve chegar a US$ 5.2 billion, quando em 1998 foi de US$ 135<br />
milhões. O governo Japonês é o grande financiador do P&D através do Ministério<br />
da Educação e do Ministério da Indústria e Comércio (KALLENDER, 2004; NEWSWIRE<br />
TODAY, 2008; SANO; 2003; SOOD, 2003).<br />
Os esforços na área de nanotecnologia datam de 1992, com as primeiras<br />
iniciativas de se desenvolver as fundações de uma estrutura “bottom-up” para<br />
a indústria de nanaotecnologia japonesa. Em 2002 foi criado o Nanoeletronics<br />
Collaborative Research Center (NCRC), com o propósito de gerar sinergias entre<br />
pesquisas realizadas no setor privado japonês e no setor acadêmico. O NCRC está<br />
localizado na Universidade de Tokio.<br />
O Ministério da Indústria e Comércio é o grande responsável pela fase de<br />
promoção da fase de comercialização da tecnologia e de seu desenvolvimento.<br />
Em 2004 o seu orçamento chegou a US$ 101 milhões na área de nanotecnologia.<br />
Hoje, ela é uma das quatro prioridades tecnológicas do Ministério, assim como IT,<br />
meio ambiente, e ciências da vida. A nanotechnologia já é reconhecida como uma<br />
indústria pelo governo japonês, o que a qualifica para apoio governamental nas<br />
áreas tecnológicas de próxima geração.<br />
O Japão esta atrás dos USA em IT e biotechnologia, mas esta investindo<br />
de maneira substancial em nanotecnologia. Espera-se que nos próximos anos o<br />
governo chegue perto de US$ 50 bilhões para pesquisa em nanotecnologia. O<br />
governo tem enfatizado seus investimentos nas áreas de IT/eletrônica e na área<br />
de nanomateriais. Essas são duas áreas de excelência do Japão.<br />
Mas não é só o governo que está investindo na nanotecnologia. O setor privado<br />
japonês investiu em 2004 cerca de US$ 200 milhões. O Japão tem hoje mais de 21<br />
empresas competindo na área de carbon walled nanotubes. A NEC é a empresa<br />
de maior destaque nessa área.<br />
Companhias japonesas como a Hitachi, Sony, Toray, Fujitsu, e Mitsui estão<br />
investindo grandes somas nessa tecnologia. O grupo Mitsui investiu, entre 2004 e<br />
2008, perto de US$ 800 milhões. O setor privado Japonês vê a nanotecnologia como<br />
um componente vital na restauração de seu momento econômico. O triple helix no<br />
Japão é uma parte importante desse desenvolvimento. Um dos consórcios entre o<br />
setor acadêmico privado e governo, é liderado pela Matsushita Electric Industrial,<br />
Tokyo Institute of Technology, Nara Institute of Science and Technology and Osaka<br />
University and Kyoto University. A Universidade de Kyoto tem laços de pesquisa<br />
com as empresas Pioner, Hitachi, and Mitsubishi Chemicals (FDI, 2004).<br />
Venture Capital (VC), até recentemente uma figura pouco ativa no cenário<br />
tecnológico no Japão, também esta mudando. A partir de 2000, uma série de<br />
mudanças, tem permitdo o surgimento de angels e VCs no Japão. No âmbito da<br />
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />
53
nanotecnologia a “Innovation Engine” é uma importante VC dedicada à área de<br />
nanotecnologia.<br />
2.4 Taiwan<br />
Taiwan é outro ativo participante na indústria de nanotecnologia. O<br />
programa Nacional de Nanociência e Nanotecnologia foi criado em 2003, com um<br />
orcamento de 550 milhões de dólares. O programa de Taiwan premia a aplicação<br />
de nanotecnologia na indústria, visando seu uso comercial . Espera-se que até<br />
2008 Taiwan já esteja vendendo perto de US$ 8.8 bilhões de produtos baseados<br />
em nanotecnologia, com estimativas de US$ 30 bilhões até 2012. As hoje 800<br />
empresas, chegariam a 1,500 empresas até 2012 (CHOI, 2004). As empresas de nano<br />
se concentram, na sua maioria, na área engenharia química e o resto nas áreas de<br />
eletrônicos, metais, e equipamento industrial. Taiwan em 2007 registrou perto de<br />
1,000 patentes, mostrando a grande evolução do setor, comparado com 131 US<br />
patentes entre 1990-1999. O governo de Taiwan espera que até 2012 o país tenha<br />
500 empresas com receita de 30 bilhões de dólares. O país lançou o primeiro sistema<br />
de certificação mundial – Nano Mark – onde empresas que queiram vender os seus<br />
produtos tem que se submeter aos testes de qualidade do governo. O governo de<br />
Taiwan espera começar a usar os princípios da nanotecnologia no ensino médio,<br />
visando a criação de uma mão-de-obra especializada em nanotecnologia (SMALL<br />
TIMES, 2005; THE REPUBLIC OF CHINA, 2008).<br />
2.5 China<br />
A China elegeu a nanotecnologia como uma prioridade tecnológica e tem<br />
enfatizado esforços na área de alta tecnologia como uma estratégia de aceleração<br />
de seu crescimento econômico. No caso chinês, esses investimentos são realizados<br />
ao mesmo tempo que o país explora suas vantagens competitivas em indústrias<br />
intensivas em mão-de-obra. (PARKER, 2008).<br />
O país está investindo em nanociencia com o propósito de aumentar a sua<br />
fatia em um mercado de produtos manufaturados nano, estimado em 3 trilhões<br />
de dólares daqui a uma década. A China também acredita que descobertas nessa<br />
tecnologia na área de pesquisa e no desenvolvimento de produtos dará ao país<br />
um status de superpotência econômica. A nanotecnologia é parte fundamental<br />
da estratégia global chinesa na área de exportação, competitivividade econômica<br />
e crescimento sustentável a longo prazo (PHYSORG, 2007).<br />
Até recentemente, o crescimento econômico chinês era o resultado de uma<br />
combinação de salários baixos e manufatura baseada em baixas densidades<br />
tecnológicas. Mas esse padrão de manufatura está mudando. A China entra no<br />
final da primeira década do ano 2000 enfatizando investimentos crescentes em<br />
P&D e está evoluindo do modelo copiador para o modelo inovador. Nos próximos<br />
anos, a China planeja gastar 2.5% do seu PIB em P&D. O governo chinês, através<br />
do Programa 973 ou “Programa Nacional Chinês de Pesquisa Básica”[...] promove<br />
o renovação do país usando a ciência e a tecnologia através de pesquisa básica<br />
e aplicada. A nanotecnologia será usada na China nas áreas de energia, indústria,<br />
54<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
defesa, meio ambiente, e doenças como SARS e Gripe Aviária (Appelbaum, Gereffi,<br />
Parker, e Ong, 2006). Nos últimos 12 anos os gastos com P&D na China cresceu<br />
a uma taxa de 17% ao ano. Esses gastos são compartilhados pelo setor privado,<br />
governo e universidades.<br />
Os esforços chineses na área de nanotecnologia já resultam em mais de 70<br />
institutos acadêmicos, 50 universidades, 20 institutos de pesquisa, e mais de 100<br />
empresas desenvolvendo nano produtos. O montante de investimentos também<br />
tem aumentado consideravelmente. A China tem orçamentos de US$ 240 milhões<br />
de recursos da área Federal e US$ 250 milhões de fundos estaduais. Isso atesta o<br />
rápido crescimento da indústria na China, não só em P&D mas também sua ênfase<br />
na aplicação industrial dessas inovações e descobertas (INVESTORIDEAS, 2003;<br />
PEOPLE’S DAILY, 2001; WAGA, 2002).<br />
A China capitaliza ainda, nos chineses que trabalham no exterior, facilitando o<br />
desenvolvimento de parcerias com empresas, centros de pesquisa, e universidades<br />
estrangeiras (PARKER, 2008).<br />
Antes de 2000, pouco se falava sobre nanotecnologia na China. Hoje, dezenas<br />
de centros de pesquisa e centenas de empresas estão envolvidas em tecnologias<br />
ligadas a nanotecnologia. A maior parte desses centros e empresas se encontram<br />
nos maiores centros urbanos como Beijing, Shenyang, Shanghai, Hangzhou e<br />
Hong Kong.<br />
O centro em Beijing, The National Center for Nanoscience and Technology<br />
(NCNST) está focado na pesquisa básica. Em Shanghai, The National Engineering<br />
Research Center for Nanotechnology (NERCN), centra seus esforços na área de<br />
pesquisa aplicada e na área de transferência de tecnologia entre outros centros<br />
chineses e estrangeiros. O centro em Tianjin, The Nanotechnology Industrialization<br />
Base of China (NIBC), funciona como uma incubadora para micro empresas alem<br />
de ter como função a comercialização de inovações desenvolvidas nos outros<br />
centros. O centro em Suzhou faz pesquisas nas áreas de nano materiais, nano<br />
biotechnologia, medicina, nano bionics, e tecnologia de nano bioseguranca (Asian<br />
Technology Information Program, 2006).<br />
A nanoindustria recebeu grande apoio do governo, hoje listada como uma<br />
das prioridades tecnológicas Chinesas. Esse apoio foi formalizado com o Plano<br />
Nacional de “Alta Tecnologia 863.” (Nemets, 2004).<br />
Investimentos chines em tecnologia tem focado em áreas, como a<br />
nanotecnologia, onde podem explorar sinergias onde essas tecnologias podem,<br />
também, ter usos militares, isto é, onde a integraçãoo e sinergias de esforços<br />
tecnológicos entre o setor privado e o militar são substanciais. Companhias chinesas<br />
como Huawei, Datang, e Zhongxing interagem com o “People’s Liberation Army<br />
– PLA” na forma de pesquisas conjuntas upgrading a qualidade do hardware e<br />
software militar chinês. O Pentágono estima que em 2007, a China gastou perto<br />
de US$ 139 billhões em projetos militares como nanotecnologia, Tecnologia da<br />
Informação, Células de Hidrogênio, entre outros projetos (Pells, 2008; Vance, 2008).<br />
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />
55
As principais agências de financiamento chinesas são a Academia Chinesa<br />
de Ciências, a Fundação Nacional de Ciência Chinesa, Ministério da Educação, e o<br />
Ministério de Ciência e Tecnologia. O Ministério de Ciência e Tecnologia tem dado<br />
ênfase a projetos na área de nano-eltrônicos, nano-biotecnologia, nano-meio<br />
ambiente, nano-energia, e nanomaterials.<br />
O governo chinês está criando o Centro de Pesquisa de Nano Ciências<br />
e Tecnologia, que funcionará como o grande integrador de esforços na área<br />
de nanotecnologia no país. O centro vai também coordernar esforços com as<br />
universidades líderes na pesquisa de nanotecnologia como Fudan, Jiaotong,<br />
Nanjing, Beijing, TsingHua, e a East China.<br />
Os esforços de P&D nessa área já começam a dar frutos. A China já encontrase<br />
em terceiro lugar no mundo, no número de patentes, atrás dos Estados Unidos<br />
e do Japão. Entre o início dos anos 1990 até 2001, a China tinha perto de 1,000<br />
patentes na área. Nos últimos três anos esse número já deu a China 2,400 patentes<br />
na indústria, perto de 12% do montante mundial De acordo com O Ministério<br />
Chinês de Ciência e Tecnologia, a China começou dando ênfase aos materiais<br />
nanométricos nos anos 1990 e hoje, já compete com as nações mais avançadas na<br />
área de materiais nanométricos e suas aplicações. A China já é o segundo país do<br />
mundo em publicações de artigos na área de nanotecnologia. Os Estados Unidos<br />
estão no primeiro lugar e o Japão em terceiro.<br />
A estratégia Chinesa é a de integrar a indústria de nanotecnologia com o seu<br />
parque industrial manufatureiro, gerando e criando novas vantagens competitivas<br />
na forma de produtos intensivos em conhecimento, e com competitividades globais<br />
. Nesse sentido, a China está montando o Centro de Engenharia e de Base Industrial<br />
e o Centro de Nanotecnologia Industrial em TianJin. Esse centro irá enfatizar o lado<br />
aplicado à manufatura da nanotecnologia. Em 2008, o governo chinês desenvolveu<br />
o “International<br />
Nanotech Innovation Park. O parque é composto de uma incubadora (Biobay)<br />
e Suzhou Nanotech e Nanbionics Instituto.<br />
Cientistas da Academia de Ciências Chinesa desenvolveram aplicações de<br />
nanotecnologia a produtos como seda e tecidos de algodão tornando-os á prova de<br />
água.e óleos. Esses resultados já estão sendo aplicados por fabricantes de gravatas.<br />
por exemplo: as “nanogravatas”. A tecnologia fará com que roupas se mantenham<br />
limpas por mais tempo. No futuro os tecidos inteligentes irão se adaptar a variações<br />
de luminosidade, temperatura, umidade e radiação.<br />
Como outros paises, a China tem procurado criar uma indústria de<br />
nanotecnologia com porosidade tecnológica. Por exemplo: empresas americanas<br />
já começam a desenvolver parcerias estratégicas com essas empresas chinesas. A<br />
empresa Americana Veeco abriu um centro de pesquisas na China, em Beijing. O<br />
centro sera dirigido por cientistas e engenheiros chineses . Esse centro será operado<br />
pelo Instituto de Química da Academia Chinesa de Ciências e é o maior centro de<br />
pesquisa científica da China.<br />
Outro fator a ser considerado no caso chinês, é o crescente investimento<br />
por companhias multinacionais na criação de centros de P&D na China. Esses<br />
investimentos reforçam o esforço tecnológico chinês. A China quer ser reconhecida<br />
56<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
como uma economia do conhecimento ate 2020, como um grande reservatório de<br />
conhecimento gerado na própria China e tem tomado medidas para assegurar que<br />
esse cenário se torne uma realidade. Na ultima década, gastos em P&D cresceram à<br />
taxa de 20% ao ano, o dobro do crescimento econômico . De acordo com a OCDE,<br />
a China em 2006 já estava em segundo lugar no mundo em gastos em P&D, atrás<br />
apenas do Japao. Um dos resultados alcançados é o segundo lugar no número de<br />
publicações acadêmicas em nanotecnologia depois dos Estados Unidos. Com cerca<br />
de 40% dos alunos universitários na China estudando engenharia e ciências, o país<br />
consolida seu futuro na nanaotecnologia e em outras novas e pouco desenvolvidas<br />
tecnologias (Hughes, 2008).<br />
2.6 Coreia do Sul<br />
Outro pais asiático que se destaca na nanotecnologia é a Coreia do Sul. O<br />
governo tem atuado direta e indiretamente na área de nanotecnologia. O macro<br />
plano nanotecnológico da Coreia do Sul tem três estágios bem claros: a) criar<br />
infraestrutura, b) formar mão de obra especializada, c) desenvolver estratégias<br />
de comercialização de produtos nanotecnológicos (Nanotechnology Research<br />
Institute, 2004). O governo quer desenvolver pelo menos 10 nanotecnologias até<br />
2010, nas áreas de nano materiais, e nano mechatronics.<br />
O “triple helix” é uma marca do esforço Coreano com os nano projetos no<br />
governo, universidades, e empresas privadas,. criando sinergias e integrados. . A<br />
ênfase tem sido em gerar produtos comercializáveis, baseados na tecnologia.<br />
O país deu ênfase a pesquisas nas áreas nanomateriais, eletrônicos baseados<br />
em tecnologia nano, memórias, e aparelhos lógicos moleculares.<br />
A Coreia do Sul inaugurou em 2005 o “Nano Fab Center (NNFC) “ alojado no<br />
Instituto de Ciência e Tecnologia (KAIST), sob os auspícios do Ministério de Ciência e<br />
Tecnologia. O NanoFab Center é ligado a uma série de laboratórios satélites ao redor<br />
da Coreia. A idéia principal do NNFC é oferecer um nano onde empresas possam<br />
passar do desenvolvimento à manufatura de produtos nanotecnologicos.<br />
O setor privado Coreano teve uma participação expressiva nos esforços na<br />
área de nanotecnologia. Empresas como Daewo, LG, e Samsung tem investido na<br />
área. A empresa Sul Koreana “Hyosung” lançou em 2004 uma fibra sintética com<br />
propriedades antibactericidas para várias pecas de vestuário. Esse é só um exemplo<br />
dos esforços Coreanos nesta área. E a Samsung desde 2002 comercializa “flash<br />
memory chips” baseados em tecnologia de nanotecnologia.<br />
2.7 Europa<br />
Os Europeus também investem na nova fronteira tecnológica e a União<br />
Europeia, através da Comissão Europeia, é o maior investidor público em<br />
nanotecnologia a nível global. Na União Europeia 2/3 dos fundos dirigidos à<br />
nanotecnologia são provenientes do Estado, e um terço e proveniente do setor<br />
privado, mostrando a fragilidade do modelo europeu (NANOCHINA, 2008). Em 2008,<br />
a UE desenvolveu e adotou um código de conduta para nanociência que inclui a<br />
contabilidade e sustentabilidade. A França e a Alemanha são os grandes investidores<br />
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />
57
nessa área. Ainda em 2008, a União Europeia está investindo 5.5 bilhões de euros<br />
em “embedded chips” e nanoctenologia. Esse esforço tecnológico, ARTEMIS, irá<br />
enfatizar a microcomputação. Recursos federais de vários países europeus serão<br />
articulados com universidades e empresas europeias em um típico arranjo de “triple<br />
helix.” (THEREGISTEr, 2008). Os Europeus estabeleceram um código de conduta<br />
para listar princípios que identifiquem as lacunas de conhecimento e os possíveis<br />
impactos em seres humanos e no meio ambiente (EUBUSINESS, 2007). Hoje, a Uniao<br />
Europeia é um dos líderes em nanotecnologia.<br />
A União Europeia apresentou 550 projetos na área entre 2002-2006, investindo<br />
1.4 bilhões de euros na implementacao do “Sixth Framework Programme – FP6.” Os<br />
investimentos deverão aumentar com a implementação do “Seventh Framework<br />
Programme -FP7 (Eubusiness, 2007). Em 2008, um novo programa foi colocado no<br />
lugar do MEDEA, um programa pan europeu na área de microeletrônica - o CATRENE<br />
(Cluster for Aplication and Technology Research in Europe on Nanoeletronics (Solid<br />
State, 2007).<br />
2.8 França<br />
A França tem um bom nível de pesquisa de nanociências, na área de nanoobjetos,<br />
magnetismo, e em electrônica molecular. Entre 1991 e 1999, a França<br />
estava em quarto lugar no mundo em número de aplicações de patentes na área.Os<br />
maiores centros de pesquisa encontram-se m Paris, Lille, Grenoble, e Toulouse. Os<br />
atores principais na área de nanotecnologia são Technology Research Department,<br />
Onera, Sciences pour L´Ingenieur e Sciences et Technologies de Ìnformation. A<br />
França também dispõe de programas como o Programme National Nanosciences,<br />
ACI nanotechnologies, Reseau Dês Grandes Centrales em Nanotechnologies, . O<br />
Reseau Micro et Nanotechnologies provê fundos para pesquisa, tanto públicas<br />
como privadas. (British Embassy, 2004; The Institute of Technology 2003ª).<br />
Em 1999 o governo francês reestruturou a pesquisa em nanotecnologia,<br />
com a criação do Reseau National de MicroNano Technologies (RMNT). Essa rede<br />
permite laços entre o setor publico e o privado na área de pesquisa. Em 2003,<br />
mais redes entre os maiores centros de tecnologia franceses foram promovidas.<br />
O RMNT conseguiu fundos de 100 milhões de euros para o período 2003-2006.<br />
Os maiores centros de pesquisa na França são SCS cluster em Sophia Antipolis,<br />
Systematic cluster em Paris, Minalogic em Grenoble, Institut dÉlectronique<br />
Fondamentale em Orsay, Laboratoire de Physique et Nanostructurte, em Paris,<br />
o Institut d´Electronique de Microelectronique et de Nanotechnologies em Lille<br />
(innovations-report, 2007).<br />
2.9 Alemanha<br />
Na Alemanha, em 1998 o Ministério Federal de Educação e Pesquisa (BMBF)<br />
lançou os Centros de Competência em Nanotecnologia, com o objetivo de<br />
promover uma maior interação entre ciência e indústria. Em 2002 o governo federal<br />
alemão criou a Nanotechnology Initiative. As prioridades são: comercialização da<br />
nanotecnologia, promover a formação de cientistas, promover o estabelecimento<br />
58<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
de novas empresas da área, e estabelecer redes de pesquisa (Loick, 2003; Roos,<br />
2004; The Institute of Technology, 2003b).<br />
Como em outros países a Alemanha promove o uso de nanotecnologias em<br />
indústrias que sejam competitivas e de interesse para a economia Alemã como<br />
a automotiva, informação e comunicação, química, alem de opticoeletrônicos,<br />
biotechnologia, metrologia, e engenharia médica.<br />
Os maiores centros de nanotecnologia do país são German Research<br />
Foundation (DFG), Leibniz Association (WGL), Helmholtz Association (HGF), Max<br />
Planck Society (MPG), Fraunhofer Society (FhG). Outros centros de competência<br />
na área de nano tecnologia na Alemanha : Nanotechnologie CC-NanoChem,<br />
NanoCLubLateral, Nanomat, NanOp, OpTech-Net, UPOB.<br />
3 Nanotecnologia no Brasil<br />
A pesquisa em nanotecnologia e nanociência (Nano S&T) é de natureza<br />
recente no Brasil. As atividades na área sao na maior parte focadas em pesquisa<br />
básica. Investimentos são feitos a nível federal e estadual .<br />
No plano do PACTI de 2007-2010, a nanotecnologia é parte de esforços<br />
tecnológicos em áreas estratégicas do governo federal. Os objetivos são o de<br />
desenvolver estratégias de médio e longo prazo para o setor, fortalecer a dimensão<br />
educacional, consolidar a infraestrutura, e fortalecer as competências na área.<br />
Com essa intençção, no período de 2007-2010, dez laboratórios serão<br />
consolidados. Esses laboratórios irão manipular sistemas de nanoestruturas. Há<br />
intenção de contemplar-se e apoiar projetos de pesquisa que envolvam o setor<br />
privado, educar perto de 100 profissionais na área de nanotecnologia, e estimular<br />
a cooperação internacional.(Nanoforumeula, 2008). Uma dessas cooperações<br />
internacionais seria com a Argentina e um centro de nanotcnologia foi criado<br />
centralizando os esforcos dos dois países. Esforços de cooperação com Canadá, a<br />
India e Africa do Sul também estão sendo organizados .<br />
Várias agências governamentais e empresas estão engajadas no esforço<br />
nanotecnológico como: Petrobras, Embraer, INMETRO, INPA, Embrapa, Centene.<br />
Estima-se que perto de 40 empresas, no país, tenham projetos na área de<br />
nanotecnologia. Entre elas podemos citar: Petrobras, Natura, Boticario, Braskem,<br />
Santista Textil, Ceramica, entre outras. A Brasken criou uma nano resina<br />
termoplástica que tem maior resistência a calor e maior proteção à luz do sol e<br />
umidade, com grandes aplicações na indústria automobilística.<br />
A Embrapa está centralizando seus esforços em várias áreas críticas para a<br />
agência. Está investindo na produção de nanofibras para aumentar a resistência de<br />
fibras naturais de coco e de sisal. A Embrapa também investe em nanoparticulas<br />
para serem usadas em pesticidas (Science and Development Network, 2009). Um<br />
nano laboratório de 1.9 milhões de dólares está sendo construído para fortalecer<br />
e focar os esforços nanotecnológicos da agência e tem desenvolvido projetos com<br />
universidades nacionais e estrangeiras. A agência desenvolveu a “língua eletrônica”<br />
em cooperação com a USP e a University of Pennsylvania. Esse sensor, permite a<br />
identificação de tipos diferentes de água, vinhos, e café. A “língua eletrônica” vai<br />
ser adaptada para atuar na área de sucos, de frutos e leite (Almeida, 2008).<br />
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />
59
Uma nova geração de nano empresas começa a aparecer no Brasil, como<br />
resultado de programas de incubação em universidades, ou como manifestações<br />
empreendedoras, tais como: Nanobionics, Supranano, Perinova, Ponto Quantico,<br />
e Gaviasensor.<br />
As redes de pesquisa na área da nano no país são bem diversificadas. Decidiuse<br />
criar redes nas áreas de: materiais nanoestruturados, nanobiotecnologia,<br />
nanotecnologia molecular e de Interfaces, nanobioestruturas, e nano dispositivos<br />
semicondutores e materiais nano estruturados. Esses redes ficaram sob o controle<br />
das seguintes universidades: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Unicamp,<br />
e a Universidade Federal de Pernambuco. Juntas, essas redes agregam cerca de<br />
300 pesquisadores de 40 instituições de pesquisa e ensino. Hoje o país dispõe de<br />
cursos de mestrado e doutorado na área, garantindo uma oferta interna de técnicos<br />
e cientistas para essa indústria nascente. Até o momento, as rede geraram 17<br />
patentes, e perto de 1,000 artigos acadêmicos. Em Julho de 2004, o Ministério de<br />
Ciência e Tecnologia (MCT) criou a Coordenação Geral de Política e Programas de<br />
Nanotecnologia (Cezar, 2004; Godinho, 2004; Pereira, 2005; Silveira, 2003). Em 2005,<br />
a Universidade Federal de Minas Gerais começou a comercializar nanotubos de<br />
carbono através da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa –Fundep (Oliveira,<br />
2005).<br />
Pode se dizer que a pesquisa em nanociências e nanotecnologia começou<br />
no Brasil em 1999, quando a Universidade Federal de Minas Gerais passou a<br />
pesquisar nanotubos. Em 2001 o CNPq lançou as bases para a criação de redes de<br />
nanotecnologia. Essas redes são formadas por 40 institutos de pesquisa nacionais<br />
e 6 do exterior e estão localizadas em vários estados brasileiros como São Paulo,<br />
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, e Pernambuco<br />
(Foladori, 2006).<br />
Universidades federais e estaduais desenvolvem vários projectos, alguns com<br />
empresas nacionais. A UFRGS atua na área de semicondutores, a UFPE na área<br />
de nanotecnologia molecular, a Unicamp e USP na área de nanobiotechnologia<br />
e nanomateriais, a Coppe atua na área da nanotecnologia molecular, a UFMG<br />
atua na área de nanotubos de carbono, e a Suframa na área de microsistemas.<br />
Nanobiotecnologia e nanoeletronicos, CTA e o INPE tem seu foco na área de nano<br />
para uso espacial, e a Embrapa no uso de nano para a agricultura. A Universidade<br />
Federal do Rio Grande do Sul, desenvolve junto com a Petrobras nanocatalizadores<br />
que podem ajudar a empresa a proteger o meio ambiente por meio da remoção de<br />
compostos poluidores, resultado de processos de refinação.<br />
O Plano Pluri Anual do governo federal alocou R$ 77.7 milhões no período<br />
2004-2007 para o desenvolvimento de nanociência e nanotecnologia. Segundo<br />
indicações do Ministério da Ciência e Tecnologia, existem possibilidades de fundos<br />
para a nanotecnologia e nanociência serem expandidos consideravelmente nos<br />
próximos anos.<br />
Outro investimento federal em Nano S&T, são os 15 “Millennium Institutes”<br />
, resultado de uma parceria entre o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Banco<br />
Mundial, um investimento de R$ 90 milhões (ALMEIDA, 2008). Novos laboratórios<br />
estão sendo construidos com o apoio do MCT, ampliando a infrastructura nacional<br />
de nano (NANOVIP.COM, 2008).<br />
60<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Os esforços nanotecnológicos nacionais, já começam a dar frutos. A Petrobrás<br />
trabalha na elaboração de biosensores em nanoescala; a Embrapa desenvolveu<br />
a “língua eletrônica”, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul trabalha na<br />
produção de sistemas inteligentes para a administração de fármacos. No setor<br />
privado, a empresa Nanacore Biotechnology trabalha na área de vacinas utilizando<br />
sistemas micro e nano particulados.<br />
O futuro desenvolvimento da nanotecnologia no país, no entanto, enfrenta<br />
uma série de desafios. Ao contrário de outros países, as redes de nanotecnologia<br />
nacional não têm a participação expressiva do setor privado nacional, os recursos são<br />
escassos e falta um “master plan” nanotecnológico por parte do governo Aos poucos,<br />
no entanto, empresas como a Petrobras começam a desenvolver centros de pesquisa,<br />
como o centro de nanotecnologia na PUC do Rio de Janeiro (NANOFORUMEULA,<br />
2008). O país ainda precisa construir uma infraestrutura nanotecnológica, incentivos<br />
para a criação de nano empresas e centros que promovam uma maior interação<br />
entre o setor privado, acadêmico e estatal. Alem disso, é importante enfatizar o<br />
pragmatismo de outros países em suas pesquisas nanotecnológicas.<br />
A comercialização é um ponto marcante na experiência nanotecnológica<br />
desses países. O Brasil não conseguiu ainda criar um “triple-helix” efetivo, envolvendo<br />
um número maior de empresas do setor privado nacional, governo, e instituições<br />
acadêmicas. E mais, tem um modelo top-down, ao contrário de outros países onde<br />
se dá ênfase ao modelo “bottom-up” consultivo. A política de se criar nichos de<br />
excelência na nanotecnologia é uma<br />
característica marcante da experiência desses países. A nanotecnologia<br />
está sendo usada para criação de novas vantagens competitivas em setores que<br />
já são competitivos ou venham a ser no futuro. Nesse sentido, o Brasil tem que<br />
prestar atenção ao pragmatismo usado por outros países em suas indústrias<br />
nanotecnológicas.<br />
Nossas redes de nanotecnologia deveriam estar construindo pontes com os<br />
setores mais dinâmicos da economia brasileira. O Brasil não pode se dar ao luxo de<br />
criar mais “torres de marfim” tecnológicas no pais. Nossos esforços têm que resultar<br />
em patentes e em produtos comercializáveis com alcance global.<br />
4 Desafios<br />
Vários países estabeleceram regras e políticas para assegurarem a seguranca<br />
da nanotecnologia nas áreas ambientais, de saúde, e segurança. Os nanotubos de<br />
carbono (CNTs) e outras moléculas de carbono têm sido objeto de intensa pesquisa.<br />
Algumas pesquisas em animais mostram lesões causadas por esses elementos,<br />
outras mostram a não toxicidade de CNTs e moléculas de carbono. Alem disso, a<br />
acumulação dessas nano partículas no cérebro e pulmão podem ser fatais (SARGENT,<br />
2008). Estudos com camundongos, mostram que a exposição ao nanocarbono<br />
danificam o coração e a artéria da aorta.<br />
Hoje, mais de 700 nano produtos já estão no mercado, sem uma legislação<br />
específica. Algumas questões terão que ser respondidas. Por exemplo: a) As<br />
regulações existentes são adequadas?, b) Quais são as circumstâncias que irão fazer<br />
com que a nanotecnologia force a mudança nas legislações existentes?<br />
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />
61
Um dos problemas e desafios presentes é a falta de dados em nível<br />
internacional. É quase imperativo que países que hoje pesquisam nanotecnologia<br />
combinen seus esforços para o design de estratégias regulatórias na área de<br />
nanociência e nanotecnologia.<br />
No entanto, um número crescente de artigos científicos apontam para o fato<br />
de que nano particulas podem criar riscos à saúde humana e ao meio ambiente.<br />
As nanoparticulas podem ser ingeridas, aspiradas, ou passar através da pele (CRN,<br />
2008).<br />
Esses riscos à saúde em potencial, levantam questões sobre a imposição de<br />
regulações comerciais a nível global, como acordos no âmbito da “SPS Agreement<br />
– Sanitary and Phytosanitary Measures.” Essas são medidas que visam proteger<br />
animais, plantas, ou saúde humana contra riscos associados à importacao de<br />
produtos estrangeiros como toxinas, pestes e outras doenças contagiosas (THAYER,<br />
2005). O “Environmental Protection Agency - EPA” dosEstadosUnidos tem dado<br />
apoio financeiro para pequisas em universidades americanas sobre os impactos da<br />
nonotecnologia sobre o meio ambiente e a saúde humana (THAYER, 2005).<br />
A nível internacional , perto de 80% do comércio global é afetado por standards<br />
e por regulações. A nanotecnologia vai demandar a implementação de standards<br />
que favoreçam o desenvolvimento e a comercialização de novas tecnologias e que<br />
protejam consumidores e o meio ambiente (ANSI, 2007).<br />
No Brasil, a rede Renanosoma, enfatiza o impacto da nanotecnologia na<br />
sociedade e no meio ambiente. Desde 2006, a Fundacentro estuda os impactos da<br />
nanotecnologia em trabalhadores e no meio ambiente. Outras agências como o<br />
DIEESE, DIESAT, também estão envolvidos nesses esforços.<br />
5 Redesenhando Vantagens Competitivas a Nível Global<br />
A avaliação dos impactos de curto, médio,e longo prazo das nanotecnologias<br />
e nano inovações são de fundamental importância para a competitividade de<br />
empresas e crescimento econômico de países.<br />
Hoje, a aplicação de inovações nanotecnologicas já são uma realidade nas<br />
indústrias automobilísticas, de telecomunicações, comésticos, químico, e médicos.<br />
Microsistemas são usados extensivamente na telefonia celular, computadores<br />
pessoais e eletrônicos.<br />
A experiência internacional nos mostra que vários paises já entenderam<br />
as ramificações e importância desse novo ponto de inflexão tecnológico e as<br />
implicações que irão ter sobre o seus modelos de negócios e econômicos vigentes.<br />
A participação do setor estatal, privado e acadêmico, ou a existência do<br />
“triple helix” tem sido o modelo prevalente de mais sucesso. Em todos os países, a<br />
ênfase tem sido não só na pesquisa básica mas também na comercialização desssa<br />
inovações. O número de patentes de países como os Estados Unidos, Japão e China,<br />
por exemplo, mostram o pragmatismo desses paises em relação a nanotecnologia.<br />
Existe ainda um planejamento claro e definido que procura encontrar nichos de<br />
excelência tecnológica e manufatureira. O envolvimento do três setores nesse<br />
planejamento nanotecnólogico é também o ponto em comum dessas experiências.<br />
A crescente alocação de recursos para a indústria, a formação crescente<br />
62<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
de profissionais e infra-estrutura é outra característica marcante da experiência<br />
internacional.<br />
O Brasil ainda tem muito a aprender com a experiência internacional. Nossas<br />
universidades não são muito eficientes em transformar pesquisas em produtos<br />
comercializáveis (Albuquerque, 2003; Cruz, 2005). Sem uma participação maior do<br />
setor privado e multinacional no setor de nanotecnologia, o país não vai criar uma<br />
indústria de nanotecnologia.<br />
No México, o Centro de Física Aplicada y Tecnologia Avanzada da Unam criou<br />
a tinta Deletum 3000 que repele água e óleo, fazendo dela uma nanotinta que é<br />
resistente ao graffiti (Azonano, 2004). Esse tipo de nano produto com alto potencial<br />
de comercialização a nível global é de fundamental importância para manter a<br />
expansão desses estudos.<br />
As implicações para o futuro econômico do país podem ser vários. No lado<br />
exportador, fica muito claro que produtos nanotecnológicos irão controlar uma fatia<br />
cada vez maior dos mercados mundiais. Países que não dispuserem de produtos<br />
nanotecnológicos verão o preço de seus produtos caírem e perderem faixas de<br />
mercado.<br />
As experiências Chinesas e Coreanas nos mostram, muito claramente a<br />
estratégia exportadora que já começam a desenvolver. Esses países entenderam<br />
que a sua participação nos mercados mundiais será ditada por seus sucessos na<br />
nanotecnologia.<br />
No lado dos investimentos, empresas começarão a se localizar em países onde<br />
a existência de uma infra estrutura nanotecnológica facilite suas operações. Países<br />
que continuem enfatizando a disponibilidade de mão de obra barata e de recursos<br />
naturais verão o perfil de investimentos mudar radicalmente no futuro, tendo suas<br />
economias afetadas pelo “nano-divide.” As parcerias nanotecnológicas entre países<br />
que investem nessa nova plataforma è uma indicação dessas tendências a nivel<br />
global.<br />
A nanotecnologia também vai afetar países que hoje dependem da exportação<br />
de commodities e produtos intensivos em recursos naturais e vai alterar o perfil de<br />
demanda por esses produtos radicalmente. Hoje, quase cem paises são dependentes<br />
da exportação desses produtos, mostrando a fragilidade dessas economias para<br />
a nanotecnologia. A nanotecnologia vai criar um novo paradigma para o setor<br />
exportador global, mudando os preços relativos de produtos.intensivos em<br />
nanotecnologia e produtos que não tenham essa tecnologia. É muito provável<br />
que países que exportem produtos sem conteúdo nanotecnológico vejam o<br />
preço de seus produtos cairem em relação aos intensivos em nanotecnológicos. É<br />
bem provável também que as taxas de obsolecência e ciclos de vida de produtos<br />
sem nanotecnologia sejam dramaticamente afetados em mercados domésticos e<br />
internacionais.<br />
A nanotecnologia chegou para mudar radicalmente a estrutura de negócios<br />
e economias a nível global. O Brasil já perdeu vários “bondes tecnológicos”. É de<br />
suma importância que nossos dirigentes entendam as implicações tecnológicas,<br />
econômicas e sociais da nanotecnologia.<br />
Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67<br />
63
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67
68<br />
Produção de Conhecimento<br />
em Cursos de MBA: opções<br />
metodológicas para o<br />
desenvolvimento de<br />
monografias<br />
Resumo:<br />
Este trabalho analisa alguns dos processos<br />
que envolvem a elaboração de monografias<br />
em cursos de pós-graduação lato sensu.<br />
Verificou-se que a grande maioria dos livros<br />
sobre Metodologia Científica publicados<br />
nos últimos cinco anos se preocupa mais<br />
com a elaboração das pesquisas e dos<br />
relatórios de conclusão do que com os<br />
itens iniciais como a seleção do tema, a<br />
identificação do problema e os objetivos<br />
que se pretende atingir, ou seja, há poucas<br />
considerações sobre como elaborar o projeto<br />
da monografia. Por isso, são propostos<br />
alguns procedimentos, modelos e exercícios<br />
para facilitar a elaboração das monografias e<br />
para que a produção de conhecimento seja<br />
mais significativa para os alunos de cursos<br />
de MBA.<br />
Palavras chave: MBA, produção científica<br />
do conhecimento, metodologia científica,<br />
monografia.<br />
Celi Langhi*<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
Abstract:<br />
This paper analyzes some of the processes<br />
used in the development of essays in lato sensu<br />
post-graduation courses. It has become<br />
evident that the great majority of books on<br />
Scientific Methodology published over the<br />
last five years is concerned about research<br />
structuring and the construction of the<br />
concluding report, as opposed to the initial<br />
tasks, such as subject selection, problem<br />
identification and the objectives one wishes<br />
to achieve. One realizes that there are few<br />
considerations on how to elaborate the<br />
project for the essay. Therefore this paper<br />
proposes some procedures, models and<br />
exercises in order to facilitate the elaboration<br />
of essays, and so that knowledge production<br />
may become more significant to MBA<br />
courses students.<br />
Keywords: MBA, scientific knowledge<br />
development, scientific methodology,<br />
essay.<br />
*Doutora e mestre em psicologia da aprendizagem (Universidade de São Paulo), mestre em comunicação social<br />
(Universidade Metodista de São Paulo); especialista em didática do ensino superior (Universidade São Judas) e<br />
pedagoga (UNIABC). Professora de metodologia científica há 20 anos em cursos de especialização e MBA. E-mail:<br />
e .
Introdução<br />
Fazer um curso de MBA (Master Business Administration) é quase obrigatório para<br />
todo profissional que pretende atingir cargos de gerência e direção em empresas<br />
de vários segmentos. Os candidatos podem optar por cursos em instituições<br />
nacionais com ou sem a presença de módulos internacionais, ou então buscar um<br />
curso diretamente no exterior. Dada a grande quantidade de oferta, essa seleção<br />
pode ocorrer tanto pela qualidade do curso quanto pelo valor que o candidato está<br />
disposto a pagar por sua formação em nível de pós-graduação. A qualidade e o<br />
preço de um MBA estão relacionados ao currículo do curso, à formação acadêmica<br />
e profissional de seu corpo docente e à tradição da instituição. Mas, apesar da<br />
diversidade de ofertas entre os cursos, há um item que os aproxima e os torna<br />
vulneráveis, quase que na mesma proporção: a monografia.<br />
É comum os alunos participarem das disciplinas com entusiasmo, buscando<br />
a aplicação das aprendizagens adquiridas em seu dia-a-dia imediato ou almejado.<br />
Contudo, quando chega o momento de iniciar a monografia, surgem reclamações<br />
as mais diversas. Alguns alunos começam a dizer que o curso ficou “chato”. Outros<br />
começam a questionar se realmente esse trabalho é essencial para sua formação.<br />
Outros ainda se consolam com a idéia de que não vão precisar do certificado do<br />
curso e, por isso, não farão a monografia. Esse tipo de argumentação possivelmente<br />
faz parte da realidade da maioria dos professores de Metodologia Científica<br />
que geralmente iniciam suas aulas na segunda parte do curso, quando diversas<br />
disciplinas já foram dadas, e num momento em que os alunos já têm condições<br />
de optar pelo estudo de um único tema.<br />
Para muitos alunos, a produção de conhecimento não é vista como um<br />
importante tipo de aprendizagem que propicia a formação de uma série de<br />
habilidades e competências que são necessárias para a formação de um líder que<br />
pretende atuar em cargos de gerência ou de direção. A partir do momento em<br />
que esse aluno prepara um relatório, contendo informações que fazem parte de<br />
sua experiência com teorias estudadas e/ou pesquisas realizadas, cruzando tais<br />
dados e propiciando uma análise aprofundada baseada em sua percepção e nos<br />
conhecimentos adquiridos, ele se torna mais apto a conduzir equipes e buscar<br />
soluções inovadoras tanto para o desenvolvimento de novos produtos ou serviços,<br />
quanto para a resolução de problemas.<br />
Diante do que foi exposto nota-se que a produção científica do conhecimento<br />
é relevante num curso de MBA, porém, quais são as principais causas que levam<br />
muitos alunos a não apreciarem essa atividade, chegando até mesmo a desistir do<br />
certificado por causa dela?<br />
A essa pergunta pode-se atribuir uma série de respostas, sendo que a mais<br />
comum é a falta de tempo, uma vez que a atividade profissional ocupa todos os<br />
espaços disponíveis e isso sem levar em consideração o tempo destinado ao convívio<br />
familiar. Outros motivos também podem ser apresentados como significativos: a<br />
falta de um tema que seja do interesse do aluno, a falta de bibliografias atualizadas<br />
e interessantes, a dificuldade de expor as idéias por meio da escrita e a falta de<br />
significado que a monografia exerce sobre o aluno.<br />
Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />
69
Este artigo tem por objetivo apresentar soluções que auxiliem alunos e<br />
professores na produção de monografias que sejam significativas para tais alunos,<br />
tanto do ponto de vista pessoal como profissional e que estejam engajadas ao<br />
objeto de estudo do curso. O objetivo geral é contribuir para que hajam mais<br />
literaturas que demonstrem de forma prática, como os conteúdos de cunho teórico<br />
podem ser aplicados.<br />
Na organização geral desse artigo, são apresentados os principais conceitos<br />
relacionados à produção de conhecimento, bem como sobre sua aplicação à<br />
realidade corporativa. Na sequência são expostas as principais formas pelas<br />
quais as monografias são apresentadas aos alunos e como os principais livros<br />
de metodologia científica contribuem para essa finalidade. Finalmente são<br />
propostas algumas sugestões para tornar a experiência de produção científica<br />
mais significativa e mais prazerosa num curso de MBA.<br />
1 O Conhecimento e sua Produção<br />
O conhecimento nasce quando há uma espécie de encantamento ao se<br />
contemplar a Natureza, o Universo e as coisas ou fatos que os cercam. Esse<br />
encantamento leva à curiosidade e assim se estabelece o processo do conhecimento<br />
e do discernimento. Esse processo termina com a produção do saber de forma<br />
metódica e organizada (SANTOS, 2010).<br />
A palavra conhecer tem origem no latim “cognascere”, que significa ter a posse<br />
de informações, ter noção e idéias de algo que se relaciona com o mundo com o<br />
qual convive. O conhecimento significa prática de vida, consciência de si mesmo e<br />
“[...] ato ou efeito de saber e conhecer de forma metódica e organizada” (SANTOS,<br />
2010, p. 46).<br />
O conhecimento pode ser entendido como o processo de transmissão e<br />
acumulação de informações. O ser humano herda boa parte dos conhecimentos<br />
que foram produzidos por seus antepassados, os quais durante séculos fizeram<br />
experiências, observações e pesquisas. A capacidade de conhecer e de pensar sobre<br />
o próprio conhecimento é fundamental para a sobrevivência e para o progresso.<br />
“O homem vê e conhece, conhece o que vê e pensa no que viu e no que não viu,<br />
conhece e pensa, pensa e interpreta” (RUIZ, 2006, p. 41).<br />
Um dos objetivos mais perseguidos pelo ser humano é o de conhecer a<br />
realidade ou a verdade e para isso utiliza uma série de mecanismos (MARTINS,<br />
2007). Para que tenha esse tipo de conhecimento o homem se expressa por meio<br />
de processos cognitivos e de forma lenta e gradativa começa a dominar tanto os<br />
fenômenos naturais, metafísicos quanto os produzidos por meio da interação com<br />
o ambiente e também em contato com instituições públicas e privadas. “Nesse<br />
contato, o homem passa a conhecer e compreender o real. Dada a complexidade da<br />
vida moderna, o ato de conhecer surge de maneira natural e o ser humano nem se<br />
dá conta da sua enorme complexidade ou cogita mesmo de saber a conceituação<br />
ou significado do termo conhecer” (SANTOS, 2010, p. 47).<br />
Uma das formas mais utilizadas para se compreender a realidade e adquirir<br />
conhecimento é a leitura. Ela é o principal pré-requisito para àqueles que se sentem<br />
70<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
estimulados a buscar novas idéias, transformá-las e aplicá-las para, então, observar<br />
o resultado do conhecimento que foi adquirido.<br />
1.1 Tipos de Conhecimento<br />
Ao se materializar, o conhecimento pode tomar a forma de senso comum,<br />
de ciência, de filosofia e de religião. “A esse formato correspondem tipos<br />
de conhecimentos distintos: o senso comum ou conhecimento empírico; o<br />
conhecimento religioso; o conhecimento filosófico; e o conhecimento científico”<br />
(SANTOS, 2010, p. 47).<br />
Os estudo dos tipos de conhecimentos é muito frágil. Os limites entre esses<br />
quatro tipos não são muito claros e pode-se até questionar o porquê da nãoinclusão,<br />
por exemplo, das artes como uma forma de conhecimento (MATTAR,<br />
2008). Mas, mesmo reconhecendo as limitações dessa divisão percebe-se que ela<br />
facilita algumas reflexões relacionadas à produção científica do conhecimento.<br />
O conhecimento empírico também pode ser chamado de vulgar, popular,<br />
cotidiano ou de senso comum (MATTAR, 2008). Indica o conhecimento simples<br />
e prático das coisas. Geralmente é praticado por meio de experiências causais,<br />
que representam erros e acertos. É desenvolvido no contato direto e diário com<br />
a realidade e faz parte das crenças e opiniões, utilizadas em geral para objetivos<br />
práticos, ou seja, por meio dos sentidos (RUIZ, 2006). Não emprega nenhum tipo<br />
de metodologia para a busca de informações. É por meio dele que se constitui a<br />
base do conhecimento. As pessoas mais comuns, que desconhecem métodos e<br />
técnicas científicas para a busca de informações mais acertivas, têm conhecimento<br />
de seu mundo e das pessoas com quem convive por causa do processo de interação<br />
humana e social que estabelecem entre si. Os conhecimentos são transmitidos de<br />
uma pessoa à outra, de uma geração à outra.<br />
O conhecimento científico é produzido quando se vai além do empírico,<br />
procurando conhecer, não apenas o fenômeno, mas também suas causas e leis. A<br />
ciência tem como seu objeto principal de estudo, o universo material, naturalmente<br />
perceptível pelos órgãos dos sentidos ou mediante a ajuda de instrumentos de<br />
investigação. Ele resulta da investigação metódica e sistemática da realidade.<br />
Por meio dele os fenômenos são estudados com efeitos imediatos e, através da<br />
experimentação em laboratório, busca-se a construção das leis gerais, que os regem.<br />
Esse conhecimento está em constante e rápida ampliação. Muitas coisas que eram<br />
do domínio da filosofia ou da religião, hoje podem ser comprovados pela ciência.<br />
Há algumas exceções como a matemática, que não se ocupa do universo físico e<br />
material, mas deve ser igualmente metódica, sistemática e verificável.<br />
O conhecimento filosófico pode ser caracterizado como um diálogo contínuo<br />
com os filósofos precedentes, baseados em raciocínios lógicos e sem a obrigação<br />
de aplicação direta à realidade (MATTAR NETO, 2008). Seu principal instrumento é<br />
o raciocínio, o pensar. A filosofia procura compreender a realidade em seu contexto<br />
mais universal. Não há soluções definitivas para grande número de questões.<br />
Entretanto, habilita o ser humano a fazer uso de suas faculdades para ver melhor o<br />
sentido da vida concreta. Para obter conhecimentos filosóficos deve-se partir dos<br />
dados materiais e sensíveis (ciência) para, posteriormente, refletir sobre dados de<br />
Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />
71
ordem metafísica, não sensíveis. Em outras palavras, parte-se do concreto material<br />
para o concreto supramaterial; do particular ao universal (CERVO e BERVIAN,<br />
2002).<br />
O conhecimento teológico surge com a revelação de algo divino, aceito pela fé.<br />
Ao adotar esse tipo de conhecimento pode-se ou não utilizar a razão. Não é preciso<br />
ver para crer, e deve-se crer mesmo que as evidências apontem para o contrário<br />
do que a religião ensina. Esse conhecimento geralmente acontece quando há um<br />
mistério, ou seja, algo oculto, que provoca a curiosidade e que leva à busca. São<br />
adquiridos nos livros sagrados e aceitos racionalmente pelas pessoas, depois de<br />
terem passado pela crítica histórica mais exigente.<br />
O quadro a seguir sintetiza as principais características dos tipos de<br />
conhecimento.<br />
72<br />
Conhecimento<br />
Popular<br />
Conhecimento<br />
Filosófico<br />
Conhecimento<br />
Teológico<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
Conhecimento<br />
Científico<br />
Valorativo Valorativo Valorativo Real (factual)<br />
Reflexivo Racional Inspiracional Contingente<br />
Assistemático Sistemático Sistemático Sistemático<br />
Verificável Não Verificável Não verificável Verificável<br />
Falível Infalível Infalível Falível<br />
Inexato Exato Exato Aproximadamente<br />
exato<br />
Quadro 1 Tipos de conhecimentos<br />
a) Conhecimento empírico: valorativo - se fundamenta numa seleção operada<br />
com base em estados de ânimo e emoções: os valores do sujeito impregnam<br />
o objeto conhecido; reflexivo – estando limitado pela familiaridade com o<br />
objeto, não pode ser reduzido a uma formulação geral; assistemático - se<br />
baseia na “organização” particular das experiências próprias do sujeito;<br />
verificável - está limitado ao âmbito da vida diária e diz respeito àquilo que se<br />
pode perceber no dia-a-dia; falível e inexato - se conforma com a aparência<br />
e com o que se ouviu dizer a respeito do objeto.<br />
b) Conhecimento filosófico: valorativo - seu ponto de partida consiste em<br />
hipóteses que não poderão ser submetidas à observação, pois baseiam-se<br />
na experiência; verificável - os enunciados das hipóteses filosóficas não<br />
podem ser confirmados nem refutados; racional - consiste num conjunto<br />
de enunciados logicamente correlacionados; sistemático - suas hipóteses<br />
e enunciados visam a uma representação coerente da realidade estudada,
numa tentativa de apreendê-la em sua totalidade; infalível e exato e seus<br />
postulados e hipóteses não são submetidos ao decisivo teste da observação<br />
(experimentação).<br />
c) Conhecimento teológico: valorativo – apóia-se em doutrinas que contêm<br />
proposições sagradas; inspiracional e infalível – foi revelado pelo sobrenatural;<br />
são exatos; indiscutíveis; sistemático – apresenta origem, significado,<br />
finalidade e destino como obra de um criador divino; não verificável – está<br />
sempre implícita uma atitude de fé perante um conhecimento revelado.<br />
d) O conhecimento científico é real (factual) – lida com ocorrências ou fatos,<br />
ou seja, com alguma forma de existência que se manifesta de algum modo;<br />
contingente – suas proposições ou hipóteses têm a sua veracidade ou<br />
falsidade conhecida por meio da experimentação; sistemático – trata de um<br />
saber ordenado logicamente, formando um sistema de idéias; verificável– as<br />
afirmações que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da<br />
ciência; falível – não é definitivo, absoluto ou final; aproximadamente exato<br />
– novas proposições e o desenvolvimento de técnicas podem reformular o<br />
acervo das teorias existentes.<br />
Estudar os tipos de conhecimentos de forma separada é importante para<br />
que se perceba quais são as características que uma monografia deverá ter. Essa<br />
subdivisão, embora tenha apenas cunho didático, poderá ser esclarecedora para a<br />
produção científica uma vez que não deverão ser utilizadas idéias baseadas apenas<br />
nos próprios conhecimentos ou tendo por base apenas as idéias próprias, sem se<br />
levar em consideração o referencial teórico que já foi produzido sobre o assunto.<br />
Em síntese, para que o aluno prepare uma monografia adequada para um curso<br />
de MBA deverá ter por base as características gerais do conhecimento científico,<br />
a concepção de que nesse mundo não há nada pronto ou acabado e reconhecer<br />
que tudo está em constante transformação, inclusive o próprio ser humano.<br />
2 Elaboração de monografias<br />
Na produção de monografias é necessário ter capacidade de observação,<br />
produção de teorias para explicar essa observação, teste dessas teorias e<br />
aperfeiçoamento de idéias e teorias. A produção do conhecimento não deve ser<br />
considerada como algo pronto, acabado ou definitivo, como era na época dos<br />
filósofos gregos, em especial Aristóteles; ou na Renascença. Deve haver a busca<br />
constante de explicações e de soluções, de revisão e de reavaliação de seus<br />
resultados, apesar de sua falibilidade e de seus limites (CERVO e BERVIAN, 2002).<br />
Em uma monografia o conhecimento deve ser renovado e reavaliado<br />
continuamente. É isso que permite com que a elaboração do conhecimento seja<br />
considerada um processo em construção. Para se aproximar cada vez mais da<br />
verdade utiliza-se métodos que proporcionem controle, sistematização, revisão e<br />
segurança maior do que possuem outras formas de saber não – científicas.<br />
É nesse momento que se reconhece o papel da Metodologia Científica. Por<br />
Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />
73
meio dessa disciplina o aluno conhecerá uma série de métodos e técnicas que<br />
poderão auxiliá-lo na produção geral de seu trabalho. Como não existem cursos<br />
próprios para a formação de professores de Metodologia Científica, geralmente<br />
são indicados para essas aulas profissionais que têm experiência com pesquisas<br />
publicadas ou que desenvolveram dissertações de mestrado e teses de doutorado.<br />
Muitas instituições separam os papéis entre os orientadores de metodologia e os<br />
de conteúdo, uma vez que os professores de metodologia científica não dominam<br />
todos os assuntos de um curso e nem sempre encontra-se no mercado nacional<br />
profissionais devidamente titulados, conhecedores do conteúdo que é o objeto da<br />
orientação e ainda com conhecimentos metodológicos suficientes para dominar<br />
toda a cadeia da orientação e do desenvolvimento desses trabalhos. O papel do<br />
professor de metodologia científica pode variar conforme as instituições de ensino,<br />
mas geralmente é quem acompanha o desenvolvimento das monografias.<br />
As aulas de Metodologia Científica, em sua grande maioria, são preparadas<br />
conforme a experiência do professor e por meio de publicações disponíveis no<br />
mercado. A experiência é fundamental para auxiliar os alunos na previsão de<br />
dificuldades. Já as bibliografias especializadas auxiliam o professor a ter o suporte<br />
teórico fundamental, que será o alicerce do trabalho científico. Aqui cabe, contudo,<br />
um breve questionamento: será que as bibliografias disponíveis realmente auxiliam<br />
os professores no preparo da aulas?<br />
Para esse artigo foram estudados vinte e sete livros de metodologia científica,<br />
publicados ou reeditados entre 2005 e 2010. Com base nesse levantamento<br />
verificou-se que os livros de Metodologia Científica podem ser classificados de várias<br />
formas: pelo conteúdo, formato, experiência do autor etc. Ao avaliar essa amostra,<br />
optou-se por utilizar uma classificação própria, também fruto da experiência da<br />
autora desse artigo, na orientação de mais de quinhentas monografias durante<br />
sua carreira profissional.<br />
Essa classificação comporta cinco etapas: conceitos gerais sobre ciência;<br />
sugestões para a elaboração de projetos de pesquisa; classificação dos métodos<br />
e técnicas de pesquisa; produção do relatório final e regras/ normalizações. Cada<br />
uma dessas etapas será analisada a seguir.<br />
74<br />
a) Conceitos sobre ciência - dos vinte e sete livros analisados, seis fazem algum<br />
tipo de referência aos conceitos em que se baseiam o desenvolvimento<br />
científico como: aspectos gerais da filosofia da ciência (APPOLINÁRIO, 2006);<br />
tipos de conhecimento, classificação da ciência, epistemologia, paradigmas e<br />
modelos teóricos dentre outros (MARTINS e THEÓPHILO, 2009; MATTAR, 2008;<br />
LAKATOS e MARCONI, 2007) e técnicas de aprendizagem, conhecimento,<br />
ciência (SANTOS, 2010; BARROS e LEHFELD, 2007).<br />
b) Projeto de pesquisa – sete publicações optaram pelo desenvolvimento do<br />
projeto de pesquisa e suas etapas (LIMA, 2008; BRENNER e JESUS, 2007;<br />
GULLO, 2009; LUNA, 2009; SAMPIERI, COLLADO e LUCIO, 2006; ECO, 2007).<br />
Nota-se que não há um consenso entre quais são os principais elementos<br />
que um projeto de pesquisa deve apresentar. Contudo, a maioria destaca a<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
importância do tema, dos objetivos a serem atingidos e da justificativa. Se<br />
um pesquisador inexperiente se apoiar apenas em publicações para definir<br />
seu projeto de pesquisa, possivelmente terá dificuldade quanto à seleção dos<br />
itens que seu projeto deverá ter. Esse é um dos motivos pelos quais muitas<br />
instituições de ensino (USP, FGV, PUC, Centro Paula Souza), que solicitam<br />
projetos de pesquisa como um dos componentes de classificação para o<br />
ingresso em cursos de mestrado e doutorado, indicam seus próprios modelos<br />
de projeto.<br />
c) Métodos e técnicas de pesquisa – a maioria das publicações analisadas, ou<br />
seja, 18 publicações se preocupam com os métodos e técnicas de pesquisa<br />
(VERGARA, 2008; VERGARA, 2009; ROESCH e FERNANDES, 2007; LIMA, 2008;<br />
BOOTH, COLOMB e WILLIAMS, 2005; MARTINS, 2007; YIN, 2009; CASTRO,<br />
2006; APPOLINÁRIO, 2006; MARTINS e THEÓPHILO, 2009; SANTOS, 2010; GIL,<br />
2009; MATTAR, 2008; SILVERMAN, 2009; BARROS e LEHFELD, 2007; SAMPIERI,<br />
COLLADO e LUCIO, 2006; LAKATOS e MARCONI, 2007). Aqui também não há<br />
consenso sobre quais são os métodos e técnicas de pesquisa mais indicados<br />
para o estudo de determinados assuntos ou áreas do conhecimento. São<br />
apresentados vários tipos de classificações para esses métodos e técnicas,<br />
com foco principalmente em como adotá-los. Contudo, falta uma análise<br />
mais aprofundada de cada um para que auxilie o pesquisador a fazer suas<br />
opções.<br />
d) Relatório final – avaliou-se ainda que treze das publicações analisadas se<br />
preocupam mais com o relatório final que será apresentado no formato de<br />
uma monografia (LIMA, 2008; AQUINO, 2008; ANDRADE, 2007; MARTINS,<br />
2007; MARTINS e THEÓPHILO, 2009; SANTOS, 2010; BERTUCCI, 2009;<br />
MATTAR, 2008; MORAES e AMATO, 2006; BARROS e LEHFELD, 2007; SAMPIERI,<br />
COLLADO E LUCIO, 2006; ECO, 2007; RUIZ, 2006). A preocupação central está<br />
na forma que o documento deverá apresentar. Supõe-se, portanto, que<br />
todas as decisões sobre o tema a ser abordado, o problema da pesquisa, as<br />
hipóteses, os objetivos, a fundamentação teórica e a coleta de dados já estão<br />
resolvidos e aguardam apenas o processo de registro.<br />
e) Regras e normalizações – dos vinte e sete livros analisados, todos indicaram<br />
como aplicar as principais regras para a escrita de citações, referências<br />
bibliográficas, quadros, tabelas, figuras etc. Todas elas se baseiam na<br />
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para propor seus modelos.<br />
É interessante notar que não mencionam que pode haver outros tipos de<br />
normalizações como, por exemplo, a proposta pela American Psychological<br />
Association – APA. Também não explicam que as normalizações internacionais<br />
é que deverão ser adotadas caso se decida fazer algum tipo de publicação<br />
em periódicos estrangeiros.<br />
Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />
75
Após essa análise fica evidente que se o professor de Metodologia Científica<br />
optar pelar adoção um único livro, não oferecerá ao aluno uma visão global do<br />
processo de produção científica do conhecimento. Algumas instituições de ensino<br />
como a FAAP, o Mackenzie, o Instituto de Psicologia da USP e a PUCSP preferem<br />
adotar seus próprios “Manuais de Monografias”. Mas, mesmo esses manuais<br />
contemplam mais as questões de formatação e normalizações do que o processo<br />
criativo, iniciando-se pelo tema do trabalho.<br />
3 Sugestões para tornaras aulas de metodologia científica mais didáticas<br />
Diante da dificuldade dos alunos de cursos de MBA elaborarem suas<br />
monografias, propõe-se que a organização das aulas sejam revistas e que a<br />
monografia seja parte integrante de todo o curso, e não apenas um dos prérequisitos<br />
para aprovação e cuja preocupação advém somente ao término das<br />
disciplinas programáticas. Para isso, se propõe os seguintes passos:<br />
1º Passo: Nas primeiras aulas do curso o aluno deverá ser informado a respeito<br />
da importância da produção de uma monografia para a sua formação no curso.<br />
Isso poderá ocorrer numa aula específica de metodologia científica ou então fazer<br />
parte de aula inaugural quando o coordenador do curso geralmente apresenta a<br />
proposta do programa e as especificações do curso. Nessa aula o aluno poderá ser<br />
instrumentalizado para utilizar algum tipo de ferramenta que o auxilie a detectar um<br />
possível tema de estudo. Sugere-se, por exemplo, o uso da seguinte ferramenta:<br />
EXERCÍCIO: TEMAS PARA MONOGRAFIAS<br />
Siga as instruções indicadas em cada atividade:<br />
Atividade a. Elabore uma relação individual de palavras chave que te<br />
motivou a realizar o curso de MBA.<br />
Atividade b. Selecione cinco dessas palavras chave e numere-as de<br />
acordo com seus interesses particulares (ordem decrescente).<br />
Atividade c. Escreva uma frase contendo mais de três palavras<br />
contidas no quadro elaborado anteriormente.<br />
Atividade d. Transforme essa frase em uma pergunta.<br />
Atividade e. Avalie se você realmente tem interesse em estudar esse<br />
assunto.<br />
76<br />
Quadro 2 Exercício para a seleção de temas de monografias<br />
Por meio dessa ferramenta o aluno será convidado a pensar nos motivos<br />
que o levaram a realizar um curso de MBA e a manter o foco em seus próprios<br />
objetivos.<br />
Sabe-se que a decisão por um tema de monografia não é algo simples. Isso<br />
envolve uma tomada de decisão que, se for errônea, o aluno poderá ter que gastar<br />
muito mais horas de estudos do que realmente esperava consumir para essa<br />
atividade e ainda ficar satisfeito com o trabalho final. A apresentação da ferramenta<br />
no início do curso visa permitir com que o aluno reveja várias vezes suas opções<br />
para, então, tomar a decisão definitiva. Essa decisão geralmente é finalizada no<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
transcorrer de, pelo menos, metade do programa do curso. Dessa forma, o aluno<br />
terá vários meses para optar por um tema e, tendo uma ferramenta de apoio, poderá<br />
se sentir mais confortável em seu delineamento.<br />
2º Passo: Elaboração do Projeto de Pesquisa, caracterizado por um documento<br />
preliminar que deverá indicar como o aluno pretende desenvolver sua monografia.<br />
Ele poderá conter os seguintes elementos:<br />
a) Capa - A capa deverá conter: nome da instituição de ensino e departamento<br />
ao qual o curso pertence, título do documento elaborado, turma e curso,<br />
título do trabalho, nome dos alunos, nome do coordenador do curso e dos<br />
orientadores técnico e de metodologia, local e ano.<br />
b) Título -. Deve ser breve e já dar alguma idéia do tema da pesquisa.<br />
c) Tema/Problema - Indicação do tema geral que será pesquisado. Informar<br />
qual é o caso específico e concreto que se quer pesquisar, ou seja, a questão<br />
principal que a pesquisa procurará descobrir.<br />
d) Introdução e Justificativas – Essa parte é basicamente um balanço<br />
bibliográfico introdutório e justificativo sobre o tema. O aluno deverá elaborar<br />
um texto que introduza o tema e apresente as informações mais importantes<br />
sobre o que já foi escrito sobre o tema escolhido ou, ao menos, sobre os<br />
assunto(s) aos quais o tema se relaciona (pelo menos três obras). Isso permite<br />
organizar melhor as idéias necessárias para começar a pesquisar e mostra<br />
que se está preparado para isso. Devem ser apresentados os argumento<br />
que justificam a relevância do tema e os motivos que levaram a essa escolha<br />
para estudá-lo. Ele vem antes dos itens objetivos e hipóteses uma vez que,<br />
detalhando melhor o tema, permite ao leitor entendê-los melhor.<br />
e) Hipóteses - É a suposição (explicação) inicial que orienta o trabalho de<br />
investigação. Aqui o aluno deve redigir as explicações preliminares e<br />
provisórias que ele quer testar com a pesquisa e a análise. O uso da teoria<br />
é fundamental e deve-se lembrar que, para cada problema é possível mais<br />
de uma hipótese.<br />
f) Objetivos - São as questões / desafios que o trabalho terá que resolver para<br />
responder a questão maior formulada pelo problema. Em outras palavras, é<br />
o problema formulado mais detalhadamente. É ele que irá informar se uma<br />
pesquisa será quantitativa ou qualitativa ou ambos. Assim, os objetivos<br />
devem, em primeiro lugar, estar coerentes com o problema formulado pela<br />
pesquisa, sob o risco do projeto perder o foco. Quanto mais claros e precisos<br />
forem os objetivos maior clareza e foco terá o projeto e mais eficiente será<br />
o trabalho.<br />
g) Metodologia - Deve-se definir em detalhes os procedimentos e os critérios de<br />
cada etapa da pesquisa. Primeiro deve-se indicar quais são os procedimentos<br />
para a busca de fontes secundárias (dados já publicados, teorias, conceitos,<br />
contextualizações realizadas por outros e que necessárias para que se analise<br />
adequadamente os dados primários). A pesquisa dessas fontes é chamada<br />
de pesquisa bibliográfica. Posteriormente deve-se definir como serão<br />
feitas as coletas de dados relacionadas às fontes primárias (que oferecem<br />
Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />
77
78<br />
informações sobre o tema específico com o qual se pretende trabalhar). Essas<br />
fontes podem ser obtidas por meio de: Entrevistas pessoais - é uma boa<br />
opção quando a fonte é muito rica e não muito numerosa e pode oferecer<br />
informações não previstas. São classificadas em 3 tipos: estruturada (usa<br />
questionário); semi-estruturada: (usa roteiro ou pauta) e não-estruturada<br />
(conversa livre); Questionários - é bastante interessante quando as fontes<br />
são numerosas e já se sabe bem as informações que se quer, ou seja, é<br />
o mais adequado à pesquisa quantitativa e podem ter 2 tipos questões:<br />
abertas (respostas livres), fechadas (com alternativas já estabelecidas, como<br />
alternativas fixas (sim/não), múltipla escolha, com escala); Observações -<br />
são os registros de comportamentos e atitudes que são importantes para o<br />
assunto estudado. Estas podem ser: sistemática (sempre que a observação<br />
for regulada por horários, intervalos de tempos, repetições e alternância de<br />
estratégias e locais de observação todos anteriormente definidos em detalhe)<br />
e assistemática (sempre que a observação não seja regulada por intervalos,<br />
horários, repetições já definidos).<br />
h) Sumário Preliminar - aqui deve-se apresentar a relação dos capítulos (quer,<br />
dizer, o que será o títulos destes) e partes do trabalhos na ordem em que irão<br />
se suceder. A sugestão é de que os capítulos sejam organizados passando<br />
dos assuntos mais gerais para chegar à situação concreta analisada.<br />
i) Plano de Trabalho - é a descrição das fases e do cumprimento das metas de<br />
pesquisa durante o período de vigência e desenvolvimento da monografia. É<br />
uma tabela onde se define, mês a mês, as atividades gerais desde a realização<br />
da monografia até sua conclusão.<br />
j) Breve Currículo do autor da pesquisa – esse documento é importante para<br />
que os orientadores saibam qual é a experiência profissional e acadêmica<br />
do aluno. O conhecimento desses dados facilita a orientação dos temas da<br />
monografia bem como o seu desenvolvimento. O orientador poderá citar<br />
exemplos, teorias e bibliografias que já são do conhecimento do aluno para<br />
que, a partir daí, possam sugerir novos materiais. Deve-se escrever itens<br />
como: nome completo, contato, local de trabalho e cargo, cursos que já fez,<br />
perspectivas de futuro.<br />
k) Referências Bibliográficas - indicar as referências bibliográficas que<br />
foram utilizadas para a elaboração desse projeto: livros, sites, periódicos,<br />
monografias, dissertações, teses, documentos técnicos etc., para que desde<br />
a apresentação do projeto o aluno já siga um tipo de normalização, o texto<br />
poderá ser formatado de acordo com os seguintes critérios propostos<br />
pela ABNT: letras Arial ou Times New Roman, letra tamanho 12, com<br />
espacejamento de 1,5 cm entre linhas.<br />
3º Passo: Registro de leituras realizadas durante o curso, ou seja, ao participar<br />
das várias leituras os alunos verificam vários tipos de conteúdos, fazem leituras e<br />
participam de trabalhos individuais ou em grupo. As leituras que fazem para essas<br />
atividades podem ser aproveitadas para a realização do referencial teórico das<br />
monografias. Para isso, basta o aluno elaborar um sistema próprio para o registro<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
dessas informações. Sugere-se que as informações lidas e consideradas relevantes<br />
para a elaboração da monografia sejam classificadas por palavras chave, digitadas<br />
e organizadas em arquivos exclusivos num editor de texto como o Microsoft Word<br />
ou o Open Office. Nesse caso deve-se tomar o devido cuidado para sempre registrar<br />
o sobrenome do autor, o ano da publicação e a página onde se encontra a citação<br />
selecionada. Deve-se também organizar uma pasta exclusiva para a indicação<br />
completa das referências bibliográficas como: sobrenome(s) do(s) autor(es), título<br />
da obra, local da publicação, editora e ano. Ao término do curso o aluno terá uma<br />
série de informações colecionadas às quais poderá unir com as demais informações<br />
coletadas sobre as leituras que fizer sobre assuntos específicos de seu tema de<br />
pesquisa. Dessa forma, terá um grande rol de informações para iniciar o registro<br />
da fundamentação teórica.<br />
4º Passo: Pesquisas e Relatos de casos – nesse momento o aluno deverá voltar<br />
sua atenção para a coleta de dados que deverá fazer para verificar quais são as<br />
possíveis respostas para seu problema de pesquisa. Deverão ser elaborados os<br />
roteiros para as entrevistas, os questionários ou os roteiros para observação. Na<br />
sequência deverá selecionar sua amostra e fazer a coleta de dados. Posteriormente<br />
deverá fazer o relatório sobre essas descobertas, o qual deverá conter itens como:<br />
método empregado para o desenvolvimento da pesquisa, participantes (amostra),<br />
material utilizado para a coleta de dados, procedimentos adotados durante a coleta<br />
(por exemplo, como se chegou até aquele sujeito, como ele foi abordado, qual sua<br />
localidade etc), apresentação dos dados. Os resultados deverão ser apresentados<br />
conforme o tipo de pesquisa que foi realizado.<br />
Cabe lembrar que diante de pesquisas quantitativas pode-se apresentar o<br />
relatório no formato de tabelas e gráficos. No caso de pesquisas qualitativas os<br />
dados são apresentados no formato de dissertação.<br />
5º Passo: Análise dos dados e discussão, considerações finais e introdução – para<br />
finalizar a pesquisa deve-se analisar os dados obtidos e compará-los com o que o<br />
referencial teórico diz a respeito dessas informações. É elaborado um cruzamento<br />
entre o que os dados da pesquisa dizem com o que o referencial teórico apresenta,<br />
de forma a indicar suas semelhanças e suas diferenças. Na sequência se apresenta<br />
a opinião do aluno/ pesquisador a respeito dos dados encontrados. Após finalizar<br />
os capítulos deve-se elaborar a introdução, para a qual deve-se elaborar um<br />
texto dissertativo, explicando os motivos que deram origem à monografia (tema,<br />
problema, hipóteses e demais itens que constam no projeto de pesquisa). O término<br />
do trabalho ocorre com a produção das considerações finais, na qual deve-se<br />
reapresentar o problema, as hipóteses e os objetivos da pesquisa e indicar se há<br />
uma possível resposta para esse problema, se as hipóteses foram ou não verificadas<br />
e se os objetivos forma atingidos. Pode-se também sugerir a realização de futuras<br />
pesquisas nessa área de conhecimento.<br />
Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />
79
6º Passo: Análise final do trabalho – ocorre quando o trabalho está praticamente<br />
pronto. Nesse momento se faz as devidas verificações ortográficas e metodológicas<br />
para a entrega final e avaliação do trabalho.<br />
Com esses seis passos propostos para a realização das monografias e tendose<br />
em vista os conteúdos apresentados nos livros de Metodologia Científica,<br />
verifica-se que tais publicações são pertinentes para auxiliar o aluno em algumas<br />
das etapas da produção das monografias, mas geralmente uma única publicação<br />
não é suficiente para esse tipo de orientação.<br />
Considerações Finais<br />
A produção de conhecimento científico é fundamental para a inovação<br />
tecnológica e para o desenvolvimento das pessoas e das nações. A elaboração de<br />
monografias nos cursos de MBA tem por função auxiliar na busca dessa inovação<br />
e desse desenvolvimento. Contudo, sua imposição, e a falta de livros didáticos que<br />
facilitem o desenvolvimento do trabalho, têm levado muitos alunos a desistirem<br />
de cursos desse porte antes mesmo de iniciá-los.<br />
Nesse trabalho se pretendeu apresentar os elementos que envolvem a<br />
produção de uma monografia e promover uma reflexão a respeito de como os<br />
livros poderão auxiliá-los tanto na orientação quanto na execução de monografias.<br />
Cabe lembrar que não se teve o interesse de defender um modelo único para a<br />
elaboração dessas monografias. Mas foram apresentados os principais itens que as<br />
compõem e dentre esses itens quais são os mais trabalhados nos livros específicos<br />
dessa área.<br />
Espera-se que essa contribuição permita com que os alunos se sintam menos<br />
angustiados no processo de elaboração de seus trabalhos quer pela visualização<br />
global do que deverão elaborar, quer pela análise dos livros específicos que deverão<br />
fazer e optar, com segurança, sobre como tais materiais poderão auxiliá-los.<br />
80<br />
Referências Bibliográficas<br />
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Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81<br />
81
82<br />
Finanças comportamentais:<br />
aspectos teóricos e<br />
conceituais<br />
Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato ∗<br />
Resumo:<br />
As finanças comportamentais constituem<br />
um vasto campo de pesquisa que envolve<br />
o estudo das finanças a partir de uma<br />
ampla perspectiva do ponto de vista das<br />
ciências sociais, incluindo a psicologia<br />
e a sociologia. Neste artigo o objetivo é<br />
apresentar os principais aspectos teóricos<br />
e conceituais que sustentam o campo de<br />
pesquisa das finanças comportamentais<br />
com base na segmentação proposta por<br />
Shefrin (2002) em três temas fundamentais:<br />
viés heurístico, efeitos de estruturação e<br />
mercados ineficientes. Os dois primeiros<br />
temas tratam da influência de aspectos<br />
psicológicos no processo decisório dos<br />
agentes econômicos e o último alega que o<br />
comportamento enviesado dos indivíduos<br />
pode exercer um impacto importante<br />
sobre os preços dos ativos negociados no<br />
mercado.<br />
Palavras chave: Finanças Comportamentais,<br />
Heurísticas, Eficiência de Mercado<br />
∗ Eduardo Pozzi Lucchesi é Doutor em Administração com ênfase em Finanças pela FEA-USP e mestre em Administração<br />
pela PUC-SP. Professor de finanças do Departamento de Administração da PUC-SP e da Fundação Armando<br />
Álvares Penteado nos cursos de graduação e pós-graduação., . José Roberto Securato é Engenheiro, Matemático, Mestrado em Matemática, Doutorado e Livre Docência<br />
em Finanças – FEA/USP. Professor Titular da FEA-USP e Professor Titular na PUC-SP. .<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
Abstract:<br />
Behavioral finance is a wide field of research<br />
that involves the study of finance from a<br />
broader social science perspective including<br />
psychology and sociology. In this paper<br />
the goal is to present the most important<br />
theoretical and conceptual aspects which<br />
support the research field of behavioral<br />
finance based on the division proposed<br />
by Shefrin (2002) on three core themes:<br />
heuristic-driven bias, frame dependence and<br />
inefficient markets. The first two themes deal<br />
with the influence of psychological aspects<br />
in individual decision-making process and<br />
the latter assumes that the individuals<br />
biased behavior can produce an important<br />
impact on prices at which assets are traded<br />
on the market<br />
Keywords: Behavioral Finance, Heuristics,<br />
Market Efficiency
Introdução<br />
A teoria de finanças tradicional, ao longo de seu desenvolvimento, procurou<br />
entender os mercados financeiros assim como as decisões financeiras utilizando<br />
modelos fortemente apoiados na racionalidade dos agentes econômicos. A<br />
racionalidade, segundo Bazerman (2004, p. 6), “refere-se ao processo de tomada de<br />
decisão que esperamos que leve ao resultado ótimo, dada uma avaliação precisa<br />
dos valores e preferências de risco do tomador de decisão”.<br />
O paradigma da racionalidade constituiu o alicerce do arcabouço teórico das<br />
finanças tradicionais cujos principais expoentes são Markowitz (1952) e a teoria do<br />
portfolio; Modigliani e Miller (1958) e suas proposições de irrelevância da estrutura de<br />
capital e da política de dividendos; Sharpe (1964) e Lintner (1965) e o capital asset pricing<br />
model (CAPM); Fama (1970) e a hipótese do mercado eficiente e Black e Scholes (1973)<br />
e o modelo de apreçamento de opções. Tais modelos, segundo Shiller (2003, p. 83),<br />
“procuraram relacionar preços de ativos especulativos a fundamentos econômicos<br />
utilizando expectativas racionais para amarrar as finanças e toda a economia em<br />
uma única elegante teoria”.<br />
Em meados da década de 1950, foi inaugurada uma linha de investigação<br />
que passou a questionar a validade dos modelos baseados no comportamento<br />
plenamente racional e a privilegiar modelos de decisão com base em agentes não<br />
plenamente racionais, incorporando o conceito de racionalidade limitada (SIMON,<br />
1957). O principal argumento dessa abordagem é que a adoção da racionalidade<br />
plena dos agentes econômicos impede o entendimento dos processos de decisão<br />
reais (como uma decisão é tomada), pois privilegia exclusivamente a análise de<br />
processos de decisão normativos (como uma decisão deve ser tomada).<br />
No início da década de 1970, Kahneman e Tversky (1972) deram continuidade<br />
aos estudos de Simon (1957) e passaram a identificar vieses sistemáticos<br />
específicos que afastam o julgamento dos agentes daquilo que seria previsto pelo<br />
comportamento plenamente racional. Essa nova linha de pesquisa em finanças,<br />
cujo foco passou a ser o estudo de como o julgamento dos agentes se desvia<br />
da racionalidade, ficou conhecida como finanças comportamentais. Segundo<br />
Bazerman (2004, p. 129), “as finanças comportamentais focam o modo como os<br />
vieses afetam os indivíduos bem como afetam os mercados”.<br />
Os estudos de como os vieses afetam os indivíduos foram desenvolvidos<br />
ao longo da década de 1970 após a condução de uma série de experimentos<br />
que tinham como objetivo mostrar que erros sistemáticos permeiam o processo<br />
decisório individual. Já a abordagem que foca os mercados foi desenvolvida com<br />
base em resultados de um amplo conjunto de evidências empíricas que mostraram<br />
que o comportamento viesado dos indivíduos pode exercer um impacto substancial<br />
e duradouro sobre os preços dos ativos negociados no mercado. Tais estudos<br />
cujos resultados mostraram-se inconsistentes com aquilo que seria previsto pela<br />
abordagem tradicional ficaram conhecidos como anomalias.<br />
A descoberta de algumas anomalias não constituiria um entrave significativo<br />
para o apelo dos modelos tradicionais pois, segundo Statman (1999, p. 19),<br />
“poucas teorias são consistentes com toda a evidência empírica disponível e as<br />
finanças tradicionais não constituem uma exceção”. Todavia, “a descoberta de<br />
Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />
83
novas anomalias ao longo do tempo fez com que os pesquisadores começassem<br />
a questionar a capacidade dos modelos tradicionais em explicar os fatores<br />
determinantes dos preços dos ativos” (SHEFRIN, 2002, p. 9).<br />
Segundo Thaler (1999b, p. 14), “os fatos empíricos levam a concluir que os<br />
mercados financeiros reais não se parecem com aqueles que imaginaríamos se<br />
apenas lêssemos os manuais de finanças tradicionais”. De acordo com o autor,<br />
[...] a leitura de um manual de finanças tradicional [...] pode criar a impressão<br />
de que os mercados financeiros são desprovidos de atividade humana. Grande<br />
atenção é dada para os métodos de cálculo de importantes números tais<br />
como valores presentes, taxas de retorno e análise de risco, além de muitas<br />
discussões sobre quanto uma empresa deveria tomar emprestado, quanto ela<br />
deveria pagar de dividendos (resposta: é irrelevante) e como apreçar opções.<br />
Mas virtualmente, não existem pessoas. Muito pouco seria modificado nas<br />
páginas dos manuais se todas as pessoas tanto nas corporações quanto nas<br />
instituições financeiras fossem substituídas por máquinas. (THALER, 1993,<br />
p. xv).<br />
A noção de que o comportamento dos indivíduos é afetado por vieses<br />
sistemáticos bem como a crescente descoberta de anomalias solidificou a visão de<br />
que os modelos racionais apresentam problemas para explicar tudo o que vemos<br />
nos mercados financeiros. Tal noção fez as finanças comportamentais emergirem<br />
como uma nova abordagem para entender tais mercados, pelo menos em parte,<br />
como resposta às dificuldades enfrentadas pelo paradigma tradicional. Em termos<br />
gerais, o argumento central é que a utilização de modelos nos quais os agentes<br />
não são plenamente racionais pode melhorar a compreensão de alguns fenômenos<br />
financeiros.<br />
Diante do exposto, o objetivo neste artigo é apresentar os principais<br />
aspectos teóricos e conceituais que norteiam o campo de pesquisa das finanças<br />
comportamentais. Para cumprir tal objetivo, foi adotada a segmentação proposta<br />
por Shefrin (2002) em três temas fundamentais: viés heurístico, efeitos de<br />
estruturação e mercados ineficientes. A justificativa para a segmentação é a ausência<br />
de afinidade entre as finanças comportamentais e as finanças tradicionais em<br />
relação ao tratamento desses temas.<br />
O primeiro tema, o viés heurístico, preconiza que os indivíduos cometem<br />
erros ao tomarem decisões porque confiam em regras práticas conhecidas como<br />
heurísticas para processar as informações. Em contraposição a esse argumento,<br />
as finanças tradicionais assumem que os indivíduos, quando processam os dados<br />
para a tomada de decisão, utilizam as ferramentas estatísticas de forma correta e<br />
adequada.<br />
O segundo tema, efeitos de estruturação, aborda o impacto da estruturação<br />
da informação nas decisões dos indivíduos, ou seja, postula que a forma com que<br />
a informação é apresentada ou a maneira com que um problema é estruturado<br />
exerce uma influência significativa no processo de tomada de decisão dos<br />
indivíduos. Em contraste, as finanças tradicionais assumem que os indivíduos são<br />
imunes à estruturação da informação e vêem todas as decisões através das lentes<br />
transparentes e objetivas do trade-off entre risco e retorno.<br />
84<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
O terceiro tema, mercados ineficientes, procura entender como o viés<br />
heurístico e os efeitos de estruturação afetam os preços estabelecidos no mercado<br />
fazendo com que eles se desviem de seus valores fundamentais. Já as finanças<br />
tradicionais assumem que os mercados são eficientes e que os preços dos títulos<br />
coincidem com seus valores fundamentais, mesmo que alguns indivíduos sejam<br />
influenciados por vieses heurísticos ou por efeitos de estruturação.<br />
1 Finanças Comportamentais<br />
1.1 Viés heurístico<br />
A teoria de finanças tradicional, com base no postulado da racionalidade,<br />
assume que os indivíduos processam corretamente as informações quando tomam<br />
decisões. A abordagem das finanças comportamentais, ao contrário, postula que os<br />
indivíduos, ao tomarem decisões, se fiam em diversas estratégias simplificadoras<br />
ou regras práticas conhecidas como heurísticas. Segundo Tversky e Kahneman<br />
(1974, p. 1124), “embora tais heurísticas sejam úteis pois simplificam as complexas<br />
tarefas de avaliação de probabilidades e previsão de valores, sua utilização pode<br />
conduzir a erros graves e sistemáticos os quais afastariam o processo decisório dos<br />
indivíduos da racionalidade”.<br />
Kahneman e Tversky (1972, p. 430) afirmam que “talvez a conclusão mais<br />
genérica obtida a partir de numerosas investigações é que, ao contrário do que<br />
preconizam as finanças tradicionais, as pessoas não seguem os princípios da teoria<br />
das probabilidades ao avaliarem a probabilidade de eventos incertos”. Segundo<br />
os autores, tal conclusão não é surpreendente porque as leis das probabilidades<br />
não são intuitivas e fáceis de aplicar. O fato surpreendente é que a utilização de<br />
heurísticas na avaliação da probabilidade de eventos incertos produz desvios<br />
confiáveis, sistemáticos e difíceis de eliminar.<br />
Segundo Shefrin (2002, p. 13), “a identificação dos princípios que formam as<br />
bases das heurísticas e os erros sistemáticos a elas associados constitui um dos<br />
grandes avanços da psicologia comportamental”. Tversky e Kahneman (1974)<br />
descrevem três heurísticas que são empregadas para avaliar probabilidades e prever<br />
valores e também enumeram os vieses sistemáticos que emanam de tais heurísticas.<br />
São elas: a heurística da representatividade, a heurística da disponibilidade e a<br />
heurística da ancoragem.<br />
1.1.1 Representatividade<br />
Um dos princípios heurísticos mais importantes que afetam as decisões<br />
financeiras é conhecido como representatividade. A definição formal de<br />
representatividade é fornecida por Kahneman e Tversky (1972, p. 431) que<br />
afirmam que “uma pessoa que segue a heurística da representatividade avalia a<br />
probabilidade de um evento incerto pelo grau com que ele (1) é similar em suas<br />
propriedades essenciais à sua população e (2) reflete as características salientes<br />
do processo pelo qual é gerado”.<br />
Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />
85
A primeira definição considera que a representatividade refere-se a<br />
julgamentos baseados na confiança em estereótipos. Segundo Bazerman (2004,<br />
p. 10), a heurística da representatividade postula que, “ao fazer um julgamento<br />
sobre um evento, as pessoas tendem a procurar peculiaridades que ele possa ter<br />
que correspondam a estereótipos formados anteriormente”. A implicação dessa<br />
primeira definição para a avaliação de probabilidades de eventos incertos é que<br />
“espera-se que uma amostra que preserve a relação com sua população seja mais<br />
provável que uma amostra igualmente provável (objetivamente) onde essa relação<br />
é violada” (KAHNEMAN; TVERSKY, 1972, p. 433).<br />
Já a segunda definição considera que, para ser representativo, “não é suficiente<br />
que um evento incerto seja similar a sua população. O evento deveria refletir<br />
também as propriedades do processo incerto pelo qual é gerado, ou seja, deveria<br />
apresentar aleatoriedade” (KAHNEMAN; TVERSKY, 1972, p. 434). A implicação disso<br />
para a avaliação de probabilidades de eventos incertos é que se espera que uma<br />
amostra na qual os diversos resultados possíveis estão presentes seja, em geral,<br />
mais representativa que uma amostra comparável na qual alguns dos resultados<br />
não estão incluídos.<br />
A confiança em princípios heurísticos para a avaliação de probabilidades e<br />
previsão de valores pode conduzir a erros sistemáticos conhecidos como vieses<br />
cognitivos. Conforme considera Bazerman (2004, p. 10) “o viés cognitivo ocorre<br />
em situações em que um indivíduo aplica a heurística de maneira inadequada ao<br />
tomar uma decisão”.<br />
Tversky e Kahneman (1974) enumeram um conjunto amplo de vieses cognitivos<br />
que emanam da heurística da representatividade. São eles: insensibilidade aos<br />
índices básicos; insensibilidade ao tamanho da amostra; interpretação errada da<br />
chance; insensibilidade à previsibilidade; ilusão da validade e interpretação errada<br />
da reversão à média, como vemos na seqüência.<br />
Insensibilidade aos índices básicos – trata-se de um viés que ocorre quando<br />
as pessoas tratam com negligência a probabilidade a priori ou a taxa de freqüência<br />
básica dos resultados de um evento incerto. Tversky e Kahneman (1974, p. 1124)<br />
destacam que “aparentemente, as pessoas avaliam a probabilidade de uma<br />
descrição particular pertencer a uma determinada categoria ao invés de outra pelo<br />
grau com que essa descrição é representativa dos estereótipos de tais categorias,<br />
sendo que pouca ou nenhuma atenção é dada para as probabilidades a priori das<br />
categorias consideradas”.<br />
Como exemplo ilustrativo, Tversky e Kahneman (1974, p. 1124) mostram que<br />
“caso seja utilizada a heurística da representatividade para estimar a probabilidade<br />
de um indivíduo ser bibliotecário ou agricultor, o fato de existirem mais agricultores<br />
do que bibliotecários na população deveria ser considerado em qualquer estimativa<br />
razoável”. No entanto, essa taxa de freqüência básica não afeta a similaridade do<br />
indivíduo ao estereótipo de bibliotecários e agricultores, razão pela qual a avaliação<br />
de probabilidades baseada somente na representatividade pode conduzir a erros<br />
graves.<br />
A única circunstância em que as pessoas utilizam probabilidades a priori<br />
corretamente é quando nenhuma outra informação está disponível. De posse de<br />
86<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
qualquer outra informação, mesmo informações sem valor, probabilidades a priori<br />
são desconsideradas.<br />
Insensibilidade ao tamanho da amostra – é outro viés que decorre da<br />
utilização da heurística da representatividade. Neste caso, o argumento é que<br />
o tamanho de uma amostra é independente de sua similaridade com alguma<br />
propriedade essencial da população. Em outras palavras, a representatividade<br />
de uma amostra não tem relação alguma com o tamanho da amostra e,<br />
conseqüentemente, se as probabilidades são avaliadas apenas com base na<br />
representatividade, então, a probabilidade avaliada poderia desconsiderar um<br />
princípio fundamental da teoria das probabilidades que é exatamente o tamanho<br />
da amostra. De acordo com Tversky e Kahneman (1974, p. 1125), “a importância do<br />
tamanho da amostra é uma noção fundamental em estatística, mas visivelmente<br />
não faz parte do repertório de intuição das pessoas”.<br />
Interpretação errada da chance – é um viés baseado na expectativa que<br />
as pessoas têm de que uma seqüência de eventos gerados por um processo<br />
aleatório representará as características essenciais desse processo mesmo quando<br />
a seqüência é pequena, ou seja, as pessoas esperam que uma seqüência de eventos<br />
aleatórios pareça aleatória. Dessa forma, uma decorrência importante desse viés<br />
“é que as pessoas esperam que as características essenciais do processo serão<br />
representadas não apenas globalmente na seqüência como um todo, mas também<br />
localmente em cada uma de suas partes” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1125).<br />
Uma conseqüência importante desse viés é a famosa falácia do jogador<br />
(gambler’s fallacy) ilustrada na seguinte situação:<br />
Após observar uma longa seqüência de vermelhas em uma roleta, por<br />
exemplo, muitas pessoas erroneamente acreditam que uma preta é esperada<br />
presumivelmente porque a ocorrência de uma preta resultará em uma<br />
seqüência mais representativa do que a ocorrência de uma vermelha adicional<br />
(TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1125).<br />
Em situações tais como a descrita acima, a chance é comumente vista como<br />
um processo autocorretivo no qual um desvio em uma direção induz a um desvio<br />
na direção oposta para restaurar o equilíbrio. Na verdade, “os desvios não são<br />
corrigidos à medida que um processo de chance se desenrola, eles são meramente<br />
diluídos” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1125).<br />
A interpretação errada da chance não se limita a sujeitos ingênuos. Um estudo<br />
das intuições estatísticas de experientes psicólogos pesquisadores revelaram uma<br />
crença no que se pode chamar de lei dos pequenos números, de acordo com a<br />
qual mesmo pequenas amostras são altamente representativas da população da<br />
qual foram extraídas. As respostas desses pesquisadores refletem a expectativa<br />
de que uma hipótese válida sobre uma população será representada por um<br />
resultado estatisticamente significante em uma amostra sem levar em conta o<br />
seu tamanho. Como conseqüência, “os pesquisadores atribuem muita importância<br />
aos resultados de amostras pequenas e superestimam a replicabilidade de seus<br />
resultados” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1126).<br />
Kahneman e Tversky (1972) caracterizam a expectativa da representatividade<br />
local como uma crença na lei dos pequenos números, segundo a qual a lei dos<br />
Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />
87
grandes números - a idéia de que grandes amostras são mais representativas da<br />
população da qual foram extraídas - também se aplica aos pequenos números.<br />
Insensibilidade à previsibilidade – trata-se de um viés que ocorre quando um<br />
indivíduo faz uma previsão numérica a respeito de um objeto ou evento incerto com<br />
base apenas em uma descrição fornecida, conforme mostra a seguinte situação:<br />
[...] suponha que seja dada uma descrição de uma empresa a uma pessoa<br />
e, com base nessa descrição, ela tenha que prever os lucros futuros da<br />
empresa. Se a descrição da empresa é muito favorável, um lucro muito alto<br />
mostra-se mais representativo dessa descrição; se a descrição é medíocre, um<br />
desempenho medíocre mostra-se mais representativo (TVERSKY; KAHNEMAN,<br />
1974, p. 1126).<br />
A realização de previsões com base exclusivamente em descrições fornecidas<br />
pode conduzir a erros de julgamento por dois motivos. Primeiro, o fato de uma<br />
descrição trazer uma informação favorável ou desfavorável em relação a um objeto<br />
ou evento incerto não implica que tal descrição seja confiável. Segundo, o conteúdo<br />
informacional da descrição fornecida pode ser irrelevante para a realização de<br />
previsões. Por vezes, a descrição de uma empresa não traz informações relevantes<br />
sobre sua lucratividade e, nesse sentido, a utilização da descrição como base para<br />
a realização de previsões não seria adequada.<br />
Segundo Tversky e Kahneman (1974, p. 1126), “o grau com que a descrição<br />
é favorável não é afetado pela confiança naquela descrição ou pelo grau que<br />
permita previsões mais exatas”. Portanto, se as pessoas fazem previsões apenas<br />
considerando quão favorável é a descrição, então, suas previsões serão insensíveis<br />
à confiabilidade das evidências e à exatidão esperada da previsão.<br />
Ilusão da validade – é um viés decorrente da injustificada confiança que é<br />
produzida por um bom ajuste entre o resultado previsto e as informações de entrada<br />
(input information). Um exemplo dado por Tversky e Kahneman (1974) é que as pessoas<br />
expressam grande confiança na previsão de que uma pessoa é bibliotecária quando<br />
é dada uma descrição de sua personalidade que se ajusta com o estereótipo de uma<br />
bibliotecária, mesmo se tal descrição seja limitada, não confiável ou obsoleta, ou<br />
seja, a ilusão da validade persiste mesmo quando o julgador está ciente dos fatores<br />
que limitam a exatidão de suas previsões. A esse respeito Tversky e Kahneman (1974,<br />
p. 1126) afirmam: “É muito comum observar psicólogos que conduzem entrevistas<br />
selecionadas mostrarem uma considerável confiança em suas previsões mesmo<br />
quando eles são conhecedores da vasta literatura que mostra que entrevistas<br />
selecionadas são altamente falíveis.”<br />
Interpretação errada da reversão à média – é um outro viés de julgamento<br />
que ocorre quando os indivíduos falham em refletir adequadamente sobre a<br />
propensão que determinados eventos possuem de tender para a média.<br />
No cotidiano, existe uma vasta gama de exemplos onde é encontrado o<br />
fenômeno da reversão à média. Bazerman (2004, p. 31) cita, por exemplo, que<br />
estudantes brilhantes freqüentemente têm filhos menos bem-sucedidos, pais de<br />
baixa estatura tendem a ter filhos mais altos, ótimos calouros podem fazer segundos<br />
anos medíocres e empresas que alcançam resultados notáveis em um ano tendem<br />
a ter um desempenho não tão bom no ano seguinte.<br />
88<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
A despeito da ampla diversidade de exemplos disponíveis, Tversky e Kahneman<br />
(1974) destacam que as pessoas não desenvolvem intuições corretas sobre esse<br />
fenômeno por dois motivos: o primeiro é que elas não esperam uma reversão à<br />
média em muitos contextos onde certamente ela ocorre; o segundo é que, quando<br />
elas reconhecem a ocorrência da reversão, as pessoas freqüentemente inventam<br />
explicações causais espúrias.<br />
Segundo Bazerman (2004), as pessoas comumente pressupõem que os<br />
resultados futuros podem ser previstos diretamente dos resultados passados e,<br />
por essa razão, há uma tendência em desenvolver previsões ingênuas com base<br />
na presunção de perfeita correlação com os dados passados. Tversky e Kahneman<br />
(1974, p. 1127) ilustram o efeito da interpretação equivocada do fenômeno da<br />
reversão à média por meio da seguinte situação:<br />
Em uma discussão sobre treinamento de vôo, instrutores experientes notaram<br />
que, após um elogio para aterrissagens extremamente suaves, essas eram<br />
tipicamente seguidas por aterrissagens medíocres, enquanto duras críticas<br />
após uma aterrissagem turbulenta produziam uma melhora substancial<br />
na tentativa seguinte. Os instrutores concluíram que elogios verbais eram<br />
prejudiciais para o aprendizado enquanto punições verbais eram benéficas,<br />
contrariando a doutrina psicológica aceita.<br />
Nesse caso, a conclusão dos instrutores é injustificada em virtude da presença<br />
do fenômeno da reversão à média: “A má interpretação dos efeitos desse fenômeno<br />
leva as pessoas a superestimar a efetividade da punição e a subestimar a efetividade<br />
de um elogio” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1127). Segundo Bazerman (2004,<br />
p. 32) “administradores que geralmente falham em reconhecer a tendência de<br />
reversão à média dos eventos provavelmente desenvolverão falsas premissas sobre<br />
resultados futuros e, portanto, farão planos inadequados”.<br />
1.1.2 Disponibilidade<br />
A heurística da representatividade não é o único caminho para estabelecer<br />
uma avaliação intuitiva de probabilidade, como vimos. Tversky e Kahneman (1973)<br />
investigaram outra heurística - a disponibilidade - segundo a qual uma pessoa<br />
estima freqüências ou probabilidades com base no quão facilmente exemplos ou<br />
associações podem ser recuperados na memória.<br />
Segundo Tversky e Kahneman (1973, p. 208), “a experiência mostra que<br />
exemplos de categorias mais numerosas são recordados mais rapidamente do que<br />
categorias menos numerosas, que ocorrências prováveis são mais fáceis de imaginar<br />
do que ocorrências improváveis e que conexões associativas são fortalecidas<br />
quando dois eventos freqüentemente ocorrem simultaneamente”. Assim, uma<br />
pessoa pode estimar a ordem de grandeza de uma categoria, a probabilidade de<br />
um evento ou a freqüência de ocorrências simultâneas avaliando quão facilmente<br />
a operação mental de recordar, construir e associar pode ser executada.<br />
A despeito da disponibilidade ser uma pista útil para avaliar freqüências ou<br />
probabilidades, a confiança nessa heurística de julgamento pode conduzir a vieses<br />
previsíveis. Tversky e Kahneman (1974) enumeram quatro vieses: recuperabilidade<br />
de exemplos, efetividade do contexto da procura, imaginação e correlação ilusória.<br />
Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />
89
Recuperabilidade de exemplos – segundo Tversky e Kahneman (1974, p.<br />
1127), “quando o tamanho de uma categoria é avaliado pela disponibilidade de<br />
seus exemplos, uma categoria cujos exemplos são mais facilmente recuperados na<br />
memória mostra-se aparentemente mais numerosa do que uma categoria de igual<br />
freqüência cujos exemplos são menos recuperáveis”. Os autores demonstraram os<br />
efeitos desse viés em um experimento no qual foram lidas para os participantes<br />
listas de nomes de personalidades conhecidas de ambos os sexos e, na seqüência,<br />
foi perguntado a eles se as listas continham mais nomes de homens do que<br />
de mulheres. Diferentes listas foram apresentadas para diferentes grupos de<br />
participantes. Em algumas listas, os homens eram relativamente mais famosos<br />
que as mulheres e, em outras, as mulheres eram relativamente mais famosas que<br />
os homens. Em cada uma das listas, os participantes equivocadamente avaliaram<br />
que a categoria que possuía mais personalidades famosas era a mais numerosa.<br />
Além da familiaridade, vista no experimento anterior, existem outros fatores,<br />
tais como a saliência de um determinado exemplo ou o realce de determinada<br />
ocorrência, que afetam a recuperabilidade de exemplos. Tversky e Kahneman<br />
(1974, p. 1127) afirmam, por exemplo, que “ver uma casa incendiada exerce um<br />
impacto muito maior na avaliação de probabilidades subjetivas de acidentes<br />
dessa natureza do que ler sobre um incêndio no jornal local”. Além disso, é mais<br />
provável que ocorrências recentes estejam relativamente mais disponíveis do que<br />
ocorrências antigas.<br />
Efetividade do contexto da procura – trata-se de um viés que ocorre quando<br />
uma pessoa estima freqüências ou probabilidades de um evento incerto com<br />
base no quão facilmente os contextos nos quais tais eventos aparecem podem ser<br />
recuperados na memória. Tversky e Kahneman (1974, p. 1127) ilustram esse viés<br />
de julgamento com a seguinte situação:<br />
[...] suponha que você tenha que estimar a freqüência com que palavras<br />
abstratas (pensamento, amor) e concretas (porta, água) aparecem no inglês<br />
escrito. Uma forma natural de responder a essa questão é procurar os<br />
contextos nos quais a palavra pode aparecer. É mais fácil pensar em contextos<br />
nos quais conceitos abstratos são mencionados (amor em histórias de amor)<br />
do que pensar em contextos nos quais uma palavra concreta (tal como porta)<br />
é mencionada. Se a freqüência de palavras é avaliada pela disponibilidade<br />
dos contextos nos quais ela aparece, palavras abstratas serão avaliadas como<br />
relativamente mais numerosas do que palavras concretas.<br />
Imaginação – Tversky e Kahneman (1974, p. 1127) afirmam que “algumas<br />
vezes, uma pessoa tem que avaliar a freqüência de uma categoria cujos exemplos<br />
não estão registrados na memória mas podem ser gerados de acordo com uma dada<br />
regra”. Em tais situações, uma pessoa tipicamente gera uma série de exemplos e<br />
avalia a freqüência ou a probabilidade pela facilidade com que exemplos relevantes<br />
podem ser construídos. No entanto, a facilidade em construir exemplos nem sempre<br />
reflete sua freqüência real e, portanto, essa forma de avaliar é propensa a vieses.<br />
Correlação ilusória – é um viés que ocorre quando uma pessoa avalia a<br />
probabilidade de dois eventos ocorrerem ao mesmo tempo. Foi relatado inicialmente<br />
por Chapman e Chapman (1967) que notaram que, quando a probabilidade de<br />
dois eventos ocorrerem concomitantemente é julgada pela disponibilidade de<br />
90<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
exemplos concomitantes percebidos em nossas mentes, usualmente, atribuímos<br />
um valor inadequadamente alto à probabilidade de os dois eventos ocorrerem<br />
concomitantemente de novo. Bazerman (2004, p. 10) afirma, por exemplo, que “se<br />
conhecermos muitos usuários de maconha que são delinqüentes, pressupomos<br />
que o uso da maconha está relacionado com a delinqüência, ou se conhecermos<br />
muitos casais que se casaram jovens e têm famílias grandes, pressupomos que essa<br />
tendência é mais preponderante do que pode ser na realidade”.<br />
Representatividade versus disponibilidade – até aqui, foram explorados<br />
os vieses sistemáticos oriundos da utilização dos princípios heurísticos conhecidos<br />
como representatividade e disponibilidade. Neste ponto, é pertinente salientar as<br />
diferenças entre os dois. Segundo Kahneman e Tversky (1972, p. 452), “a grande<br />
diferença entre as duas heurísticas repousa na natureza do julgamento”. De acordo<br />
com a heurística da representatividade, a probabilidade subjetiva é avaliada pelo<br />
grau de correspondência entre a amostra e sua população ou entre uma ocorrência<br />
e um modelo, enfatizando as características genéricas ou as conotações do evento.<br />
Já conforme a heurística da disponibilidade, a probabilidade subjetiva é avaliada<br />
pelo grau de dificuldade de recuperação e construção de exemplos (ocorrências),<br />
enfatizando as características particulares ou as denotações do evento. Nesse<br />
sentido, a heurística da representatividade é mais propensa a ser empregada<br />
quando os eventos são caracterizados em termos de suas propriedades gerais,<br />
enquanto a heurística da disponibilidade é mais propensa a ser empregada<br />
quando os eventos são pensados em termos de ocorrências específicas. Quando<br />
as características genéricas de um evento bem como suas ocorrências específicas<br />
são consideradas, ambas as heurísticas podem estar presentes na avaliação da<br />
probabilidade subjetiva.<br />
1.1.3 Ancoragem<br />
A terceira heurística de julgamento estudada por Tversky e Kahneman (1974) é<br />
conhecida como ancoragem e preconiza que as pessoas fazem estimativas partindo<br />
de um valor inicial que é ajustado até produzir uma resposta final. O valor inicial ou<br />
ponto de partida pode ser sugerido com base na formulação do problema ou pode<br />
ser o resultado de um cálculo parcial. Em ambos os casos, os ajustes tipicamente são<br />
insuficientes, ou seja, diferentes pontos de partida (âncoras) produzem diferentes<br />
estimativas que são enviesadas na direção do valor inicial.<br />
Da heurística da ancoragem emanam três vieses: ajuste insuficiente da âncora,<br />
vieses de eventos conjuntivos e disjuntivos e excesso de confiança.<br />
Ajuste insuficiente da âncora – preconiza que as pessoas desenvolvem<br />
estimativas partindo de uma âncora inicial, com base em qualquer informação que<br />
seja fornecida, a qual é ajustada até produzir uma resposta final. Uma conseqüência<br />
importante da utilização dessa heurística é que o ajuste geralmente é insuficiente,<br />
ou seja, a resposta final freqüentemente fica próxima dessa âncora.<br />
Para demonstrar que o ajuste em relação à âncora geralmente é insuficiente,<br />
Tversky e Kahneman (1974, p. 1128) realizaram um experimento no qual<br />
Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />
91
[...] os participantes deveriam estimar a porcentagem de países africanos nas<br />
Nações Unidas. Para cada participante foi dado um número entre 0 e 100<br />
obtido por uma roleta na presença do participante. Os participantes então<br />
foram instruídos, em primeiro lugar, a indicar se aquele número era maior<br />
ou menor do que a porcentagem real e, depois, foram instruídos a estimar o<br />
valor da porcentagem real ajustando-o para cima ou para baixo a partir do<br />
número dado. Diferentes participantes receberam diferentes números e esses<br />
números arbitrários produziram um efeito substancial nas estimativas. Por<br />
exemplo, a porcentagem mediana estimada de países africanos nas Nações<br />
Unidas era de 25 e 45 para os grupos que receberam 10 e 65, respectivamente,<br />
como pontos de partida.<br />
Vieses de eventos conjuntivos e disjuntivos – segundo Tversky e Kahneman<br />
(1974), estudos indicam que as pessoas tendem a superestimar a probabilidade<br />
de eventos conjuntos (eventos que devem ocorrer em conjunção com um outro)<br />
e subestimar a probabilidade de eventos disjuntivos (eventos que ocorrem<br />
independentemente). Tversky e Kahneman (1974, p. 1129) afirmam que “esse viés<br />
fornece explicações importantes para os problemas de cronograma de projetos<br />
que requerem planejamento multiestágio, pois a tendência geral de superestimar<br />
a probabilidade de eventos conjuntivos leva a um injustificado otimismo na<br />
avaliação da propensão de que planos serão bem sucedidos ou que projetos serão<br />
finalizados no prazo”.<br />
Excesso de confiança – em análise de decisão, especialistas freqüentemente<br />
são requisitados a expressar suas crenças em relação a uma quantidade, tal como<br />
o valor médio do índice da Bolsa de Valores em um determinado dia, na forma<br />
de distribuição de probabilidade. “Tal distribuição é geralmente construída por<br />
meio da solicitação para que as pessoas selecionem valores que correspondam<br />
a percentis específicos na sua distribuição de probabilidade subjetiva” (TVERSKY;<br />
KAHNEMAN, 1974, p. 1129).<br />
Ao coletarmos distribuições de probabilidades subjetivas para diversas<br />
quantidades diferentes, é possível testar o avaliador por meio de uma calibragem<br />
adequada. A calibragem consiste na comparação dos valores reais com aqueles<br />
declarados pelo avaliador em sua distribuição de probabilidade subjetiva. Dessa<br />
forma, para que um avaliador seja considerado adequadamente calibrado em<br />
um conjunto de problemas, a quantidade real deve estar exatamente dentro do<br />
intervalo de confiança por ele selecionado.<br />
Segundo Tversky e Kahneman (1974, p. 1129), muitos pesquisadores têm<br />
obtido distribuições de probabilidade para muitas quantidades de um grande<br />
número de avaliadores. Essas distribuições indicam desvios amplos e sistemáticos<br />
de calibragem adequada, o que sugere que as pessoas declaram intervalos<br />
de confiança bastante estreitos, os quais refletem uma certeza maior do que<br />
aquela justificada pelo seu conhecimento sobre as quantidades avaliadas. Esse<br />
efeito, atribuído em parte à ancoragem, é conhecido como viés de excesso de<br />
confiança.<br />
Para Barberis e Thaler (2003), o excesso de confiança pode, em parte, originarse<br />
de outros dois vieses: auto-atribuição e previsão retrospectiva. O primeiro se<br />
refere à tendência de as pessoas atribuírem aos seus próprios talentos qualquer<br />
92<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
sucesso obtido em uma atividade, enquanto atribuem à má sorte, e não à sua<br />
incompetência, qualquer fracasso obtido. A repetição dessa tendência leva as<br />
pessoas à agradável, porém errônea, conclusão de que são muito talentosas. Por<br />
exemplo, investidores poderiam tornar-se excessivamente confiantes após vários<br />
trimestres de investimentos bem sucedidos. Já o viés de previsão retrospectiva<br />
consiste na tendência de as pessoas acreditarem, após a ocorrência de um evento,<br />
que elas o previram antes de ele ter acontecido. Nesse caso, se as pessoas pensam<br />
que previram o passado melhor do que realmente fizeram, elas também podem<br />
acreditar que são capazes de prever o futuro melhor do que realmente podem.<br />
Um outro viés intimamente relacionado ao excesso de confiança é o otimismo<br />
que, segundo Shefrin (2005b), consiste na superestimação da freqüência de<br />
resultados favoráveis e na subestimação da freqüência de resultados desfavoráveis.<br />
Bazerman (2004) afirma que embora os conceitos de excesso de confiança e<br />
otimismo possuam uma estreita relação, existe uma importante distinção entre<br />
eles: “quando investidores tomam decisões excessivamente confiantes, conservarão<br />
esse otimismo despropositado em relação ao sucesso futuro; retrospectivamente,<br />
eles manterão o otimismo, mesmo quando os resultados desapontadores de seus<br />
investimentos estiverem facilmente disponíveis” (BAZERMAN, 2004, p. 133).<br />
Em termos de modelagem, Baker, Ruback e Wurgler (2004, p. 35) afirmam que<br />
“o otimismo pode ser modelado como uma superestimação da média e o excesso<br />
de confiança como uma subestimação da variância”. Em outras palavras, investidores<br />
otimistas tendem a superestimar o retorno esperado de suas aplicações, enquanto<br />
investidores excessivamente confiantes tendem a subestimar o risco.<br />
1.2 Efeitos de estruturação<br />
Na seção anterior, abordou-se o tema do viés heurístico que prevê que os<br />
indivíduos cometem erros ao tomarem decisões porque confiam em uma série<br />
de regras práticas (heurísticas) para processar as informações. Nesta seção, o foco<br />
central é o impacto da estruturação da informação nas decisões dos indivíduos.<br />
De acordo com essa abordagem, a maneira como um problema é estruturado<br />
ou a forma como a informação é apresentada exerce um impacto importante no<br />
processo decisório.<br />
1.2.1 Teoria perspectiva<br />
A ampla maioria dos modelos que tentam entender os preços dos ativos<br />
assume que os investidores avaliam decisões em condições de risco de acordo com<br />
as suposições da teoria da utilidade esperada, a qual é baseada em um conjunto<br />
de axiomas que fornecem os critérios de uma escolha racional. No contexto dessa<br />
teoria, as escolhas de um indivíduo podem ser descritas em termos das utilidades<br />
de diversos resultados para aquele indivíduo e a utilidade de uma perspectiva<br />
arriscada é igual à utilidade esperada de seus resultados, obtida pela ponderação<br />
da utilidade de cada resultado possível pela sua probabilidade. Diante de uma<br />
Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />
93
escolha, um tomador de decisão racional irá escolher a perspectiva que oferece a<br />
mais alta utilidade esperada.<br />
A teoria da utilidade esperada tem dominado a análise de tomada de decisão<br />
em condições de risco e tem sido amplamente aceita como um modelo descritivo<br />
do comportamento econômico racional (KAHNEMAN; TVERSKY, 1979). Todavia, o<br />
resultado de uma série de experimentos tem mostrado que as pessoas exibem<br />
padrões de preferência incompatíveis com a teoria da utilidade esperada.<br />
Em resposta aos resultados dos experimentos que têm mostrado que as<br />
pessoas sistematicamente violam a teoria da utilidade esperada quando tomam<br />
decisões em condições de risco, surgiu uma série de abordagens alternativas.<br />
Segundo Barberis e Thaler (2003, p. 1067), “de todas as abordagens alternativas à<br />
teoria da utilidade esperada, a mais promissora em termos de aplicação em finanças<br />
é a teoria perspectiva de Kahneman e Tversky (1979)”.<br />
Para aqueles autores, a teoria perspectiva contribui para explicar por que as<br />
pessoas fazem escolhas diferentes em situações nas quais o nível de riqueza final<br />
é o mesmo. Trata-se de uma constatação que ilustra uma característica importante<br />
da teoria: a capacidade de acomodar os efeitos da descrição ou estruturação de<br />
um problema. Existem inúmeras demonstrações de mudanças de preferências com<br />
base na descrição de um problema e nenhuma teoria normativa de escolha pode<br />
acomodar tal comportamento, uma vez que o primeiro princípio da escolha racional<br />
é que as escolhas deveriam ser independentes da descrição do problema.<br />
Os resultados de um experimento realizado por Tversky e Kahneman (1981,<br />
p. 454) ilustram as bases da teoria perspectiva. Os autores apresentaram aos<br />
participantes do experimento um par de decisões concorrentes e, então, solicitaram<br />
a eles a indicação da opção preferida.<br />
Decisão 1 - Escolha entre:<br />
a) um ganho certo de $ 240 (84%);<br />
b) 25% de chance de ganhar $ 1.000 e 75% de chance de não ganhar nada<br />
(16%).<br />
Decisão 2 - Escolha entre:<br />
c) uma perda certa de $ 750 (13%);<br />
d) 75% de chance de perder $ 1.000 e 25% de chance de não perder nada<br />
(87%).<br />
A escolha preferida pela maioria dos respondentes (84%), na decisão 1, é avessa<br />
ao risco, ou seja, uma perspectiva menos arriscada é preferível a uma perspectiva<br />
arriscada de valor esperado igual ou maior. Em contraste, a escolha preferida pela<br />
maioria dos respondentes (87%), na decisão 2, é propensa ao risco, ou seja, uma<br />
perspectiva arriscada é preferível a uma perspectiva menos arriscada de igual valor<br />
esperado. De acordo com a teoria perspectiva, quando se trata de ganhos e de<br />
perguntas estruturadas positivamente, as pessoas tendem a ser avessas ao risco. Ao<br />
contrário, quando se trata de perdas ou de perguntas estruturadas negativamente,<br />
as pessoas tendem a ser propensas ao risco. Isso acontece em virtude da função<br />
de valor na teoria perspectiva possuir a forma de S (côncava acima do ponto de<br />
referência e convexa abaixo dele), conforme apresentado na figura 1.<br />
94<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Fonte: Kahneman e Tversky (1979, p. 279)<br />
Figura 1 – Função de valor hipotética<br />
Os resultados do experimento mostram que o valor associado ao ganho de $<br />
240 é maior do que 24% do valor associado ao ganho de $ 1.000 e o valor (negativo)<br />
associado à perda de $ 750 é menor do que 75% do valor associado à perda de $<br />
1.000. Dessa forma, para os autores, a forma da função de valor contribui para a<br />
aversão ao risco na decisão 1 e para a propensão ao risco na decisão 2. Em outras<br />
palavras, a resposta das pessoas às perdas é mais extrema que a resposta a ganhos,<br />
isto é, o aborrecimento associado à perda de uma soma em dinheiro é geralmente<br />
maior do que o prazer associado ao ganho do mesmo montante, fenômeno que<br />
ficou conhecido como aversão à perda.<br />
1.3 Mercados ineficientes<br />
Nas duas últimas seções, tratou-se da influência de aspectos psicológicos no<br />
processo decisório dos indivíduos com base no argumento de que a confiança em<br />
princípios heurísticos e os efeitos da estruturação da informação conduzem a vieses<br />
sistemáticos que afastariam as decisões dos indivíduos daquilo que seria previstos<br />
pela teoria da utilidade esperada. Essa linha de investigação desempenhou um<br />
papel central na construção do campo de pesquisa das finanças comportamentais.<br />
Shefrin (2002, p. 7), nessa direção, afirmou que “as finanças comportamentais<br />
floresceram quando os avanços feitos pelos psicólogos chamaram a atenção dos<br />
economistas”.<br />
Nesta seção, o objetivo é contrapor os argumentos das finanças<br />
comportamentais, que defendem que o viés heurístico e os efeitos de estruturação<br />
Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />
95
afetam os preços estabelecidos no mercado fazendo-os se desviarem de seus<br />
valores fundamentais, aos argumentos das finanças tradicionais os quais assumem<br />
que os mercados são eficientes e que os preços dos títulos coincidem com seus<br />
valores fundamentais, mesmo que alguns indivíduos sejam influenciados por vieses<br />
heurísticos ou por efeitos de estruturação.<br />
1.3.1 Bases teóricas da hipótese do mercado eficiente<br />
A hipótese do mercado eficiente, segundo a qual “os preços dos ativos, em<br />
qualquer tempo, refletem plenamente toda a informação disponível” (FAMA,<br />
1970, p. 383), tem sido a proposição central em finanças nas últimas décadas. No<br />
contexto dessa teoria, assume-se que os agentes são racionais e que o preço de um<br />
título é igual ao seu valor fundamental, isto é, a soma dos fluxos de caixa futuros<br />
esperados descontados, em que, na formação das expectativas, os investidores<br />
processam corretamente toda informação disponível e a taxa de desconto reflete<br />
adequadamente as características de risco do título, conforme apresentado no<br />
esquema da figura 2. Nesse caso, nenhuma estratégia de investimentos poderia<br />
obter retornos esperados maiores do que aqueles justificados pelo risco.<br />
A premissa assumida pela hipótese do mercado eficiente, de que nenhuma<br />
estratégia de investimentos pode obter retornos maiores do que aqueles<br />
justificados pelo risco, implica a dependência de um modelo de relação justa entre<br />
risco e retorno. Essa constatação - de que a eficiência do mercado não é, por si só,<br />
testável em virtude da dependência de um modelo de apreçamento que forneça<br />
um padrão de referência adequado considerando a relação de risco e retorno dos<br />
ativos analisados - é conhecida como hipótese conjunta, a qual permeou grande<br />
parte do debate das finanças empíricas e constituiu a grande contribuição de Fama<br />
(1970, 1991).<br />
96<br />
Fonte: Daniel (2004, p. 57)<br />
Figura 2 – Processo simples de formação de preço<br />
Na ótica de Shleifer (2000), as previsões empíricas da hipótese do mercado<br />
eficiente podem ser divididas em duas grandes categorias: (1) quando notícias sobre<br />
o valor de um título chegam ao mercado, seu preço deveria reagir e incorporar<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
essas notícias rápida e corretamente e (2) uma vez que o preço de um título deve<br />
igualar-se ao seu valor fundamental, os preços não deveriam se mover sem que<br />
houvesse qualquer notícia a respeito do título, ou seja, os preços não deveriam<br />
reagir a mudanças na oferta ou demanda de um título que não seja acompanhada<br />
por notícias sobre o seu valor fundamental.<br />
O raciocínio por trás da idéia de que os preços devem refletir seu valor<br />
fundamental repousa em duas afirmações: (1) assim que é constatado um desvio<br />
em relação ao valor fundamental, uma oportunidade de investimento atrativa é<br />
criada e (2) investidores racionais imediatamente irão aproveitar a oportunidade e,<br />
portanto, os preços serão corrigidos pois tal movimento por parte dos investidores<br />
os fará voltar a refletir o valor fundamental (BARBERIS; THALER, 2003).<br />
As afirmações que norteiam o raciocínio apresentado remetem ao conceito<br />
de arbitragem cuja definição é a compra e venda simultânea do mesmo título ou<br />
de títulos essencialmente similares, em dois mercados diferentes, com o objetivo<br />
de tirar proveito de diferenciais de preços sem correr riscos. De acordo com Shleifer<br />
e Vishny (1997, p. 35), “a arbitragem desempenha um papel crítico na análise do<br />
mercado de títulos porque seu efeito faz os preços dos títulos refletirem seu valor<br />
fundamental, mantendo, assim, os mercados eficientes”, conforme é mostrado no<br />
esquema da figura 3.<br />
Fonte: Daniel (2004, p. 58)<br />
Figura 3 – Processo de formação de preços com investidores ingênuos e arbitradores<br />
Segundo Shleifer (2000, p. 5), “de fato, o campo das finanças acadêmicas<br />
em geral, e a análise de títulos em particular, foi criado com base na hipótese do<br />
mercado eficiente e suas aplicações”. No entanto, nas últimas décadas, tanto as<br />
bases teóricas da hipótese do mercado eficiente quanto as evidências empíricas<br />
que a suportam têm sido desafiadas.<br />
1.3.2 Desafios da hipótese do mercado eficiente<br />
Conforme apresentado na seção anterior, a hipótese do mercado eficiente é<br />
fortemente calcada em dois postulados. O primeiro assume que os investidores<br />
avaliam decisões em condições de risco de acordo com as suposições da teoria<br />
Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />
97
da utilidade esperada, a que fornece os critérios de uma escolha racional, ou seja,<br />
no contexto da hipótese do mercado eficiente, assume-se que os investidores<br />
são plenamente racionais e, por conseguinte, tal racionalidade é incorporada<br />
nos preços dos títulos no mercado, os quais refletiriam seu valor fundamental. O<br />
segundo assume que, caso seja constatado qualquer desvio em relação ao valor<br />
fundamental, os investidores plenamente racionais, por meio de operações de<br />
arbitragem, atuariam de modo a fazer os preços dos títulos voltarem a refletir seu<br />
valor fundamental.<br />
Em contraposição aos postulados da hipótese do mercado eficiente, os<br />
argumentos favoráveis à abordagem das finanças comportamentais colocam em<br />
xeque tanto o aspecto da racionalidade plena dos investidores quanto a efetividade<br />
da atividade de arbitragem como um instrumento para a manutenção de um<br />
mercado eficiente.<br />
Com relação ao postulado que assume que os investidores são plenamente<br />
racionais, os teóricos das finanças comportamentais argumentam que “alguns<br />
aspectos dos preços dos ativos são mais plausíveis de serem explicados como<br />
desvios em relação ao valor fundamental e que esses desvios são verificados<br />
em razão da presença de investidores não plenamente racionais” (BARBERIS;<br />
THALER, 2003, p. 1054). As bases desse argumento repousam na idéia de que<br />
o comportamento enviesado dos indivíduos, fruto da influência dos princípios<br />
heurísticos e dos efeitos da estruturação da informação, pode exercer um impacto<br />
substancial sobre os preços dos títulos negociados no mercado, afastando-os de<br />
seu valor fundamental. Dessa forma, os teóricos defendem que o processo decisório<br />
dos indivíduos sistematicamente se afasta daquilo que seria previsto pela teoria da<br />
utilidade esperada e, portanto, não é norteado pela racionalidade plena.<br />
De acordo com Daniel (2004), quando os pesquisadores das finanças<br />
comportamentais afirmam que os investidores se comportam de maneira não<br />
plenamente racional, não estão dizendo que eles são desequilibrados, desmedidos<br />
ou que suas atitudes são insensatas. Ao contrário, tais investidores tomam atitudes<br />
que seriam consideradas bastante razoáveis por grande parte das pessoas, uma vez<br />
que utilizam a intuição - definida como um conjunto de regras ad hoc que norteiam a<br />
tomada de decisões - de forma sofisticada para decidir sobre situações complexas.<br />
Um grande número de experimentos, porém, indica que há muitos cenários em que<br />
a intuição conduz a equívocos e os pesquisadores argumentam que os mercados<br />
financeiros apresentam tais cenários para os investidores e que os pequenos erros<br />
cometidos pelos investidores fazem os preços se desviarem daqueles previstos<br />
pelas teorias baseadas na racionalidade plena.<br />
Em relação a esse aspecto, não existe uma discordância absoluta entre os<br />
partidários da hipótese do mercado eficiente e os partidários da abordagem das<br />
finanças comportamentais.<br />
Conforme é destacado por Daniel (2004, p. 58),<br />
[...] mesmo os fortes proponentes da teoria das expectativas racionais concordariam que<br />
alguns indivíduos não processam corretamente as informações e estão sujeitos a vieses.<br />
Todavia, eles argumentariam que, mesmo que muitos investidores tomem atitudes<br />
consideradas irracionais, os preços, ainda assim, seriam estabelecidos como se todos os<br />
98<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
investidores fossem plenamente racionais. O argumento para isso é que, caso os preços<br />
de mercado não estejam corretamente estabelecidos, a atividade de arbitragem forçaria<br />
os preços a retornar para os seus valores fundamentais.<br />
Todavia, se, por um lado, não existe uma discordância absoluta entre as duas<br />
abordagens em relação à constatação de que o comportamento enviesado dos<br />
indivíduos pode exercer um impacto nos preços estabelecidos no mercado, por<br />
outro lado, existe uma visceral discordância acerca da efetividade da atividade de<br />
arbitragem como um instrumento de correção dos preços dos títulos no sentido<br />
de fazê-los refletirem o valor fundamental.<br />
O questionamento acerca do papel desempenhado pela atividade de<br />
arbitragem é encontrado em uma série de estudos conhecidos na literatura como<br />
limites à arbitragem. Esses estudos, segundo Barberis e Thaler (2003, p. 1053),<br />
“constituem uma abordagem que mostra que, em uma economia em que agentes<br />
racionais e irracionais interagem, a irracionalidade pode ter um impacto substancial<br />
e duradouro sobre os preços”.<br />
Para Shleifer e Vishny (1997, p. 36), “os manuais de finanças tradicionais<br />
abordam a questão da arbitragem como uma atividade exercida por um grande<br />
número de pequenos arbitradores, cada um deles assumindo uma pequena posição<br />
e cuja ação coletiva conduz os preços na direção de seus valores fundamentais”. O<br />
problema dessa abordagem é que os milhões de pequenos investidores não são<br />
tipicamente aqueles que possuem o conhecimento e a informação adequada para<br />
se envolver na atividade de arbitragem. O mais comum é a atividade de arbitragem<br />
ser relativamente conduzida por poucos profissionais altamente especializados,<br />
tais como gestores de grandes fundos de investimento que combinam seu<br />
conhecimento com os recursos dos investidores externos.<br />
A constatação de que a atividade de arbitragem no mundo real é conduzida<br />
por profissionais que não estão gerindo os seus próprios recursos mas os de<br />
terceiros traz consigo uma importante implicação na qual cérebros e recursos são<br />
separados por uma relação de agência (SHLEIFER; VISHNY, 1997) que, de acordo<br />
com Barberis e Thaler (2003, p. 1057), tem conseqüências importantes, pois os<br />
investidores, desprovidos de conhecimento especializado para avaliar as estratégias<br />
de arbitragem conduzidas por profissionais, podem simplesmente avaliá-los com<br />
base em retornos. Caso o desvio de preço que o arbitrador (gestor) esteja tentando<br />
explorar aumente no curto prazo, ou seja, não reverta para o seu valor fundamental,<br />
gerando retornos negativos, os investidores podem considerá-lo incompetente e<br />
sacar seus recursos. Se isso acontecer, o gestor será forçado a liquidar sua posição<br />
de forma prematura. O medo de tal liquidação prematura o torna menos agressivo<br />
no combate aos desvios de preços em relação aos valores fundamentais.<br />
Um outro aspecto importante destacado por Shleifer e Vishny (1997, p. 52)<br />
é que “a abordagem dos mercados eficientes é baseada na suposição (altamente<br />
implausível) de que existem muitos arbitradores diversificados”. Na realidade,<br />
todavia, os recursos da atividade de arbitragem são fortemente concentrados nas<br />
mãos de poucos investidores altamente especializados em negociar poucos ativos<br />
e que estão longe de serem diversificados.<br />
Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102<br />
99
Como resultado, esses investidores preocupam-se com o risco total e não<br />
apenas com o risco sistemático. Dessa forma, uma vez que o retorno em excesso<br />
de equilíbrio é determinado por estratégias de negociação desses investidores,<br />
considerar o risco sistemático como único determinante de apreçamento é<br />
inapropriado, pois o risco idiossincrático também intimida os arbitradores.<br />
Um último aspecto levantado por Shleifer (2000) como fator limitador da<br />
atividade de arbitragem seria a ausência de ativos substitutos no mercado. Esse<br />
aspecto possui uma implicação importante, pois uma condição essencial para que<br />
a atividade de arbitragem seja rápida e efetiva é a existência de ativos substitutos<br />
prontamente disponíveis.<br />
Diante do exposto, Shleifer (2000, p. 5) destaca que “as principais forças por<br />
meio das quais o mercado deveria atingir a eficiência, tais como a atividade de<br />
arbitragem, são, provavelmente, mais fracas e mais limitadas do que supõem<br />
os teóricos da eficiência do mercado”. Em suma, com novas teorias e evidências,<br />
as finanças comportamentais emergiram como uma nova visão alternativa dos<br />
mercados financeiros, segundo a qual a teoria econômica não nos leva a esperar<br />
que os mercados financeiros sejam eficientes. Ao contrário, espera-se que desvios<br />
sistemáticos e significantes em relação à eficiência persistam por um longo<br />
período de tempo. Empiricamente, as finanças comportamentais tanto explicam as<br />
evidências que se mostram anômalas sob a ótica dos mercados eficientes quanto<br />
geram novas predições que têm sido confirmadas pelos dados.<br />
Considerações Finais<br />
O objetivo neste artigo consistiu em apresentar os principais aspectos teóricos<br />
e conceituais que sustentam o campo de pesquisa das finanças comportamentais.<br />
Em termos gerais, esse campo de pesquisa é baseado em dois argumentos. O<br />
primeiro é que vieses cognitivos sistemáticos permeiam o processo decisório<br />
e afastam o julgamento dos agentes daquilo que seria previsto pelo postulado<br />
da racionalidade. O segundo é que o comportamento enviesado dos indivíduos<br />
pode exercer um impacto importante sobre os preços dos ativos negociados no<br />
mercado.<br />
Estes dois argumentos em conjunto questionam a validade de um paradigma<br />
dominante no campo das finanças tradicionais que é a hipótese do mercado<br />
eficiente. A esse respeito, Shleifer (2000) coloca um importante questionamento:<br />
por que os pesquisadores falharam em reportar tantas evidências que desafiam<br />
a eficiência de mercado até o início da década de 1980? A resposta inclui duas<br />
possíveis explicações. A primeira, menos plausível, destaca a dominância<br />
profissional dos defensores da hipótese do mercado eficiente e a dificuldade de<br />
publicar rejeições a essa hipótese em periódicos acadêmicos. Esta explicação<br />
não é inteiramente satisfatória uma vez que há muitos periódicos de finanças e<br />
economia competindo por novos achados. A segunda argumenta que muitos<br />
testes de eficiência de mercado apresentam um baixo poder para discriminar<br />
formas plausíveis de ineficiência. Independentemente do motivo, o fato é que, na<br />
prática, o impacto cumulativo tanto das teorias quanto das evidências enfraqueceu<br />
100<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
a hegemonia da hipótese do mercado eficiente e criou uma nova área de pesquisa:<br />
as finanças comportamentais.<br />
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102<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Desenvolvimento financeiro<br />
e crescimento econômico<br />
Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos*<br />
Resumo:<br />
O trabalho apresenta a visão de diferentes<br />
autores sobre as relações causais entre o<br />
desenvolvimento dos mercados financeiro<br />
e de capitais e o crescimento econômico,<br />
mostrando a evolução dessa análise desde a<br />
formulação inicial de Joseph A. Schumpeter<br />
em 1911 até os dias atuais, tanto no exterior<br />
como no Brasil.<br />
Palavras chave: desenvolvimento financeiro,<br />
crescimento econômico, regulação, estrutura<br />
legal, governança.<br />
Introdução<br />
Abstract:<br />
The paper presents the evolution of the<br />
ideas concerning to the relations between<br />
financial development and economic growth<br />
since the inicial proposition of Joseph<br />
A. Schumpeter in 1911 untill nowadays.<br />
The opinions of foreign economists and<br />
financial experts are compared to the essays<br />
presented in Brazil about the subject.<br />
Key-words: financial development, economic<br />
growth, regulation, legal structure, corporate<br />
governance.<br />
A análise dos fenômenos causais que guardam relação com o desenvolvimento<br />
econômico é relativamente recente, tanto na literatura estrangeira, como no Brasil.<br />
Na segunda metade dos anos 80 surgiram estudos sobre o crescimento econômico,<br />
procurando analisar as implicações decorrentes de ações sobre os investimentos<br />
de infra-estrutura nas políticas de distribuição de renda e fiscal.<br />
Com relação à contribuição do sistema financeiro para o crescimento<br />
econômico, os estudos que procuraram abordar esta questão surgiram na<br />
literatura especializada estrangeira desde a formulação inicial de Schumpeter<br />
(2004) em 1911. Nos anos 50, desde a posição exposta por Joan Robinson (1982),<br />
poucos autores trataram do assunto. As principais contribuições foram as de<br />
Solow (1956) e de Modigliani e Miller (1958). O assunto foi tratado ao final dos<br />
anos 60 por Cameron(1967), Goldsmith (1969) e Hicks(1969), sendo retomado<br />
no início da década seguinte por McKinnon(1973) e Shaw(1973) . Estudos mais<br />
detalhados foram apresentados por Romer (1986) e por Lucas (1988). A partir do<br />
trabalho de Lucas, mais autores passaram a preocupar-se com o assunto, sendo<br />
importante destacar as contribuições de Greenwood e Jovanovic (1990), Grossman<br />
e Helpman(1991), King e Levine (1992; 1993a; 1993b), Pagano (1993), Dermirgüç-<br />
1 Doutor em Ciências – História Econômica, Professor Titular Doutor da Faculdade de Administração e da Faculdade<br />
de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado, Vice-Diretor da Faculdade de Administração da FAAP,<br />
Diretor do FAAP-MBA. E-mail: <br />
Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, p. 103-114<br />
103
Kunt e Maksimovic (1996), Jayaratne e Strahan (1996), La Porta, Lopez-De-Silanes,<br />
Schleifer e Vishny (1997), Levine (1997), Arestis e Demetriades (1998), Levine e<br />
Zervos (1997), Raghuram e Zingales (1998), Darrat (1999) e, finalmente, Khan e<br />
Senhadji (2000).<br />
Como se pode notar, as contribuições dos autores estrangeiros ao assunto<br />
se intensificaram a partir da segunda metade dos anos 80. Isso se deve à falta de<br />
adequação dos modelos neoclássicos às questões do desenvolvimento econômico.<br />
Assim, apenas após o surgimento dos modelos de crescimento endógeno,<br />
inspirados nos estudos e formulações de Romer (op.cit.), em 1986, e de Lucas(op.<br />
cit), em 1988, é que a relação entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento<br />
econômico pode ser estudada com mais detalhe.<br />
No Brasil pouco se tem discutido sobre esta questão. No plano teórico deve-se<br />
destacar as contribuições de Gonçalves (1980) e de Studart (1993), enquanto que<br />
no aspecto empírico existem trabalhos de Triner (1996), Monte e Távora Jr.(2000),<br />
Arraes e Teles(2000), Carvalho (2001) e Matos(2002).<br />
O debate acadêmico no exterior<br />
O estudo sobre as relações existentes entre o desenvolvimento dos mercados<br />
financeiro e de capitais, que doravante se designará simplesmente como<br />
desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico, têm ocupado diversos<br />
autores ao longo do tempo. Trata-se de saber se o desenvolvimento financeiro<br />
contribui para que se tenha crescimento econômico ou se, por outro lado, é o<br />
crescimento econômico que provoca o desenvolvimento financeiro, na medida<br />
em que a expansão das atividades produtivas passa a exigir o crescimento e o<br />
aperfeiçoamento dos instrumentos financeiros, o que provoca um salto qualitativo,<br />
além do quantitativo, no nível de intermediação financeira.<br />
Um grande número de autores, desde Schumpeter (2004), enfatiza a influência<br />
positiva do desenvolvimento do setor financeiro de um país sobre o nível e a taxa<br />
de crescimento de sua renda per capita. O argumento essencial é que os serviços<br />
fornecidos pelo setor se caracterizam como um elemento essencial na promoção<br />
do crescimento econômico.<br />
Estes serviços residem na realocação dos recursos de capital, buscando<br />
maximizar seu retorno, evitar os riscos de seleção adversa e reduzir os custos de<br />
transação envolvidos. Para Schumpeter (2004), o papel desempenhado pelo sistema<br />
financeiro para a introdução das inovações tecnológicas é essencial para que se<br />
chegue ao desenvolvimento econômico.<br />
Este assunto também foi objeto de considerações relativamente detalhadas por<br />
Hicks (1969) que, ao analisar a Revolução Industrial, procura estabelecer as relações<br />
entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico, baseando-se no<br />
fato que as inovações tecnológicas, que caracterizaram o grande salto alcançado<br />
por ocasião da primeira etapa da Revolução Industrial, haviam sido criadas muito<br />
antes, sem que conseguissem precipitar a grande mudança.<br />
Hicks (1969) argumenta ainda que foi o surgimento do mercado de capitais<br />
que viabilizou a mobilização de grandes somas de recursos, por períodos longos o<br />
suficiente, para permitir que as inovações tecnológicas pudessem ser introduzidas<br />
104<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
na produção. Foi o mercado de capitais que criou as necessárias condições de<br />
liquidez para que os detentores de poupança pudessem se dispor a aplicar recursos<br />
de vulto em investimentos de longo prazo de maturação.<br />
Bencivenga, Smith e Starr (1993), em trabalho publicado pelo Journal of<br />
Economic Theory, concluem que a revolução industrial só ocorreu realmente após<br />
a revolução financeira.<br />
Outros autores, como Joan Robinson (1982), preferem adotar a posição<br />
oposta, segundo a qual o desenvolvimento financeiro nada mais é do que uma<br />
conseqüência do crescimento. Para a autora, a ampliação do alcance e do volume<br />
da atividade bancária é irrelevante, na medida em que decorre do aumento das<br />
transações que caracterizam um processo de desenvolvimento econômico ou de<br />
crescimento industrial.<br />
Para Solow (1956) as inovações financeiras não se traduzem em fatores de<br />
indução do crescimento econômico no longo-prazo, se ocorrer uma modificação<br />
endógena na tecnologia. Por outro lado, Grossman e Helpman (1991), Lucas<br />
(1988) e Romer (1986), afirmam, em modelos de crescimento endógeno, que<br />
níveis mais elevados de poupança e de investimento, ou ainda investimentos de<br />
melhor qualidade 1 podem elevar, no longo prazo, a taxa de crescimento. Para Lucas<br />
(1988), especialmente, está havendo uma tendência exagerada dos economistas<br />
de considerarem os fatores financeiros como essenciais ao desenvolvimento<br />
econômico.<br />
Os autores mais céticos, entre os quais se incluem Arestis e Demetriades (1998),<br />
apresentam um conjunto de argumentos contra essa pretensa relação causal. Em<br />
primeiro lugar, o de que o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico<br />
decorrem de variável não explícita, que é a propensão a poupar da sociedade. Na<br />
medida em que a poupança endógena afeta a taxa de crescimento de longo prazo<br />
de uma dada economia, não é surpreendente que crescimento econômico e o<br />
desenvolvimento financeiro inicial estejam correlacionados.<br />
Por outro lado, o desenvolvimento financeiro, se medido através do nível<br />
de crédito e da dimensão do mercado de ações, pode antecipar o crescimento<br />
econômico simplesmente porque os mercados financeiros antecipam o crescimento<br />
futuro: o mercado de ações capitaliza o valor presente das oportunidades de<br />
crescimento, enquanto as instituições financeiras elevam seus empréstimos para<br />
setores que apresentam boas perspectivas de crescimento.<br />
Assim, a configuração do sistema financeiro e do mercado de capitais é<br />
afetada naturalmente pelo crescimento econômico, que implica – de forma<br />
progressiva – em uma elevação da demanda por serviços dessa natureza. Neste<br />
caso, o desenvolvimento financeiro é apenas um indicador importante, ao invés<br />
de um fator de causação.<br />
Modigliani e Miller (1958,) se situam em uma quarta posição distinta em<br />
relação ao debate, expressa em seu trabalho The cost of capital, corporation finance and the theory<br />
of investment, publicado pela American Economic Review em 1958, uma contribuição essencial<br />
ao estudo dos investimentos nas finanças corporativas. Para esses autores,<br />
1 O investimento de melhor qualidade deve ser entendido na acepção de inversões que geram um retorno mais<br />
elevado para o investidor.<br />
Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, p. 103-114<br />
105
não existe relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico,<br />
posição que fica muito clara na medida em que afirmam que a forma pela qual as<br />
empresas obtêm financiamentos não apresenta maior relevância e caracterizam<br />
os mercados financeiros como independentes do restante da economia.<br />
O mesmo tipo de visão é explicitado por Stern (1989) que, ao estudar o<br />
desenvolvimento econômico, não faz nenhuma referência à contribuição dos<br />
mercados financeiro e de capitais para a aceleração do ritmo de crescimento<br />
econômico.<br />
Por outro lado, na visão de Rondo Cameron (1967), o desenvolvimento<br />
financeiro age como um lubrificante, o que constitui um aspecto essencial, mas<br />
que não atua como substituto do mecanismo, que é o crescimento econômico. Em<br />
outras palavras, a despeito do valor que cerca a existência de um setor financeiro,<br />
aí incluído o mercado de capitais, como elemento provocador do crescimento<br />
econômico, o autor não atribui às instituições financeiras a capacidade de induzir<br />
esse crescimento.<br />
Raymond W. Goldsmith (1969), em pesquisa baseada em dados de 35<br />
países, no período compreendido entre 1860 e 1963, conclui que existe um forte<br />
paralelismo entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico,<br />
quando observada a evolução em várias décadas. Para o autor, não há possibilidade,<br />
no entanto, de estabelecer com precisão em que direção ocorre a relação causal,<br />
ou seja, de determinar se os fatores financeiros foram responsáveis pela aceleração<br />
do crescimento econômico ou, ao contrário, o crescimento econômico criou as<br />
condições para que se desse o desenvolvimento financeiro.<br />
Na mesma linha de raciocínio, McKinnon (1973) e Shaw (1973) mostram<br />
que economias com elevado grau de crescimento tendem a dispor de mercados<br />
financeiros altamente sofisticados, mas, como Goldsmith (1969), preferem registrar<br />
a relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, sem<br />
determinar a natureza da relação entre ambos.<br />
Greenwood e Jovanovic (1990) desenvolvem um modelo no qual a extensão<br />
da intermediação financeira e o crescimento econômico se acham determinados<br />
de forma endógena. Em seu trabalho, os intermediários financeiros podem investir<br />
com maior produtividade que os demais agentes econômicos em virtude de sua<br />
habilidade para identificar oportunidades de investimento. Assim, a intermediação<br />
financeira promove o crescimento econômico porque permite obter maiores taxas<br />
de retorno sobre o capital aplicado e o crescimento, por sua vez, fornece os recursos<br />
para implementar estruturas financeiras mais caras.<br />
O modelo desenvolvido por Greenwood e Jovanovic (1990) serve para<br />
demonstrar que o desenvolvimento financeiro reduz o custo de captação de<br />
recursos externamente à empresa, em oposição aos recursos gerados internamente<br />
pelo fluxo de caixa. Normalmente se considera que os custos de captação externa<br />
de recursos são mais elevados em virtude do reduzido controle que os fornecedores<br />
de fundos, localizados externamente à empresa, detém sobre a atuação da mesma.<br />
O desenvolvimento financeiro, contando com melhores normas contábeis e de<br />
transparência dos dados das empresas, bem como um melhor grau de governança<br />
corporativa, contribui para reduzir a diferença entre os custos de recursos externos<br />
106<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
e internos, permitindo que se acelere o crescimento, especialmente das empresas<br />
que necessitam mobilizar volumes maiores de recursos no mercado financeiro ou<br />
de capitais.<br />
Robert G. King e Ross Levine (1993) investigam a relação causal com base em<br />
dados empíricos, mostrando que o comportamento do desenvolvimento financeiro<br />
em um dado momento se constitui em bom instrumento pré-determinador do<br />
crescimento econômico que deverá ocorrer num período mais à frente, com uma<br />
defasagem temporal de dez a trinta anos.<br />
Levine e Zervos (1997) referem-se à relação entre mercado de capitais e<br />
sistema bancário e a promoção do crescimento econômico, concluindo que o<br />
grau de liquidez do mercado se acha fortemente relacionado ao crescimento,<br />
acumulação de capital e produtividade, enquanto que formas mais tradicionais<br />
de se mensurar o desenvolvimento financeiro, como o volume das transações no<br />
mercado de capitais, não apresentam uma relação muito forte. Outra conclusão dos<br />
autores diz respeito ao volume de empréstimos do setor bancário ao setor privado,<br />
indicando a existência de uma relação direta muito forte entre esse volume e o<br />
crescimento econômico.<br />
Darrat (1999), analisa dados de países do Oriente Médio, mostrando que o grau<br />
de desenvolvimento financeiro tem uma relação causal com o crescimento, apesar<br />
de ter constatado que essa relação é maior em alguns países que em outros.<br />
Em estudo mais recente, Khan e Senhadji (2000) concluem pela existência<br />
de sinais de uma relação direta entre desenvolvimento financeiro e crescimento<br />
econômico. Utilizando o modelo de Mankiw et alli. (1992) aplicado a 159 países no<br />
período 1960/99, estes autores concluem que o crescimento do PIB real per capita<br />
depende da taxa de investimento e do crescimento demográfico. Para representar<br />
o crescimento econômico, foram utilizadas, tentativamente, algumas variáveis,<br />
como: a relação investimento/PIB; as taxas de crescimento demográfico; os termos<br />
de troca; e o PIB per capita de 1987, para indicar a renda inicial e testar a hipótese de<br />
convergência (uma vez que países com renda mais baixa no passado tendem a<br />
apresentar taxas de crescimento mais elevadas no futuro). Os resultados indicam<br />
uma forte correlação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico,<br />
além de mostrarem que existe um desenvolvimento financeiro ótimo, ou seja,<br />
o desenvolvimento financeiro tem um impacto direto sobre o crescimento até<br />
determinado ponto, declinando a seguir.<br />
As relações do desenvolvimento financeiro com a estrutura legal<br />
Alguns autores, durante a década de 90, procuraram estudar a natureza<br />
das relações entre o desenvolvimento financeiro e o arcabouço legal existente<br />
numa dada economia. Dentre esses trabalhos, merecem especial destaque as<br />
contribuições de Dermirgüç-Kunt e Maksimovic (1996) , Jayaratne e Strahan(1996),<br />
La Porta et alli.(1997) e Levine (1998) .<br />
Dermirgüç-Kunt e Maksimovic (1996) utilizam-se de dados provenientes do<br />
comportamento de empresas em diferentes países para desenvolver um teste<br />
sobre a influência do desenvolvimento financeiro no crescimento econômico. Os<br />
autores demonstram a existência de uma correlação positiva entre as empresas<br />
Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, p. 103-114<br />
107
que apresentam crescimento acima da média de seus mercados e o volume de<br />
recursos aplicados nos respectivos mercados de capitais nacionais. Essa correlação<br />
positiva também se verifica quando é analisado o grau de segurança oferecido<br />
pelo sistema legal dos países, em termos de respeito e manutenção dos termos<br />
acordados em contratos legais. Assim, o respeito pelos contratos celebrados, ao<br />
lado do volume de operações registrado no mercado de capitais, que nada mais<br />
significam que o desenvolvimento financeiro, se acham na base do crescimento<br />
econômico, de forma mais acentuada neste ou naquele país.<br />
A mesma linha de abordagem é seguida por Jayaratne e Strahan (1996), que<br />
ao examinar o processo de desregulamentação bancária em vários estados dos<br />
Estados Unidos, concluem que o processo levou a uma ampliação das condições<br />
financeiras à disposição das empresas, o que provocou um impacto positivo sobre<br />
o crescimento econômico do Estado.<br />
Uma forma de progredir na análise da causalidade seria abordar os mecanismos<br />
teóricos, por meio dos quais o desenvolvimento financeiro vem afetar o crescimento<br />
econômico e analisar esta relação. Os diferentes autores afirmam que as instituições<br />
e o mercado financeiro contribuem para que a empresa supere as questões de<br />
risco moral e de seleção adversa, reduzindo dessa forma os custos de captação<br />
de recursos envolvidos. Assim, o desenvolvimento financeiro contribui para que<br />
setores ou empresas que tem grande dependência da captação de recursos para<br />
assegurar seu crescimento pudessem fazê-la de forma mais ágil e eficiente.<br />
La Porta, Lopez-De-Silanes et alli (1997) em trabalho sobre investimentos<br />
estrangeiros apresentado ao 57˚ Congresso Anual da American Finance Association,<br />
demonstram que o ambiente legal, representado pela estrutura da legislação e pela<br />
eficiência de funcionamento do poder judiciário influenciam o tamanho e o grau<br />
de sofisticação que o mercado de capitais pode assumir em um dado país.<br />
Na medida em que existam dispositivos legais que possam proteger<br />
investidores externos contra expropriações, tais dispositivos funcionam como<br />
pólos de atração de recursos e sua troca por valores mobiliários, expandindo as<br />
condições de funcionamento do mercado de capitais.<br />
Os autores mostram que os países que mantém uma tradição legal de direito<br />
codificado (próprio de legislações baseadas no direito romano) apresentam não<br />
apenas um grau inferior de proteção aos direitos dos investidores e acionistas, mas<br />
também um menor grau de desenvolvimento no mercado de capitais, que aqueles<br />
baseados na common law, como os países anglo-saxões.<br />
A questão que se coloca é se os países com direito codificado mantém normas<br />
legais pouco atraentes aos investidores por coincidência, ou se – pelo contrário –<br />
esta é uma medida intencional no sentido de assegurar às empresas familiares e<br />
ao governo um papel mais destacado no cenário dos negócios.<br />
Levine (1998) concentra-se no objetivo de verificar se as características legais<br />
vigentes em um dado país guardam relação com o produto per capita, crescimento<br />
do estoque de capital e crescimento da produtividade, utilizando os direitos do<br />
credor, enforcement 2 e, como La Porta et alli.(1997), a origem histórica do sistema legal<br />
2 Expressão inglesa usada para designar mecanismos através dos quais a lei obriga que um dado agente obedeça<br />
determinado(s) preceito(s).<br />
108<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
vigente no país, como variáveis. Os resultados obtidos confirmam o trabalho de<br />
La Porta et alli, indicando que os países em que o sistema legal protege os direitos<br />
do credor e mantém enforcement apresentam setor bancário mais desenvolvido do<br />
que aqueles em que a lei não prioriza credores e mantém um regime frouxo ou<br />
ambíguo. O ambiente legal, concluiu o autor, é fortemente relacionado com as<br />
possibilidades de desenvolvimento a longo prazo, com a acumulação de capital<br />
e com a expansão da produtividade. Levine, em outro estudo desenvolvido em<br />
parceria com Loyasa e Beck (1999) publicado pelo Banco Mundial, confirma as<br />
suas conclusões anteriores.<br />
Diferenças entre grau de capitalização e nível de desenvolvimento financeiro<br />
requerido<br />
Outra questão interessante abordada pelos autores que se dedicaram ao<br />
estudo das relações entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico<br />
diz respeito à ligação entre o grau de capitalização requerido para o crescimento<br />
de um dado setor econômico e a estrutura financeira disponível em um país.<br />
Raghuram e Zingales (1998) verificam que, em países com maior<br />
desenvolvimento financeiro, empresas fortemente dependentes da mobilização<br />
de recursos vultosos, como as que se situam no setor farmacêutico, devem se<br />
desenvolver de forma mais rápida que as que independem desses recursos.<br />
Entre os setores menos dependentes de um volume considerável de recursos<br />
externos, situa-se a industria do fumo, por exemplo. Estudo focalizando as taxas de<br />
crescimento setorial das indústrias farmacêutica e do fumo, em países emergentes<br />
como Malásia, Coréia e Chile, mostram que nos dois países asiáticos, em que há um<br />
razoável grau de desenvolvimento financeiro, o setor farmacêutico cresceu a taxas<br />
maiores que a indústria de fumo, enquanto que no Chile, que apresenta um menor<br />
nível de desenvolvimento em seu setor financeiro, as taxas de crescimento do setor<br />
farmacêutico foram bastante menores que as registradas pela indústria do fumo. A<br />
conclusão dos autores é que o desenvolvimento financeiro influencia de maneira<br />
positiva as taxas de crescimento relativo de diferentes setores da economia.<br />
Para Raghuram e Zingales (1998), o crescimento industrial pode ser<br />
decomposto em dois diferentes aspectos: o crescimento do número de empresas<br />
do setor e o crescimento da escala média de produção, por estabelecimento. O<br />
efeito provocado pelo desenvolvimento financeiro é duas vezes mais pronunciado<br />
quando se aborda a questão da expansão do número de empresas, do que quando<br />
se trata de elevar o número de plantas de empresas existentes ou de se expandir<br />
a escala produtiva das empresas já estabelecidas.<br />
O desenvolvimento financeiro, dessa maneira, está afetando mais o<br />
estabelecimento de novas empresas, que auxiliando a expansão das já existentes. Se<br />
as novas empresas forem ligadas a novas tecnologias, trata-se de viabilizar as ondas<br />
de ”destruição criativa” a que se refere Schumpeter (2004), que evidentemente<br />
não poderiam ocorrer em países que apresentem baixo grau de desenvolvimento<br />
financeiro.<br />
Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, p. 103-114<br />
109
Raghuram e Zingales (1998) mostram que o desenvolvimento financeiro<br />
desempenha uma influência importante sobre a taxa de crescimento econômico<br />
e que esta influência se dá pela redução dos custos de captação de recursos para<br />
as empresas que deles dependem.<br />
Aduzem que não existe contradição mesmo quando ocorre uma taxa<br />
relativamente baixa de crescimento econômico em períodos em que, pelo contrário,<br />
está ocorrendo desenvolvimento financeiro de forma persistente. Essa falta de<br />
sincronia pode decorrer da ação de outros fatores, que provocam alterações na<br />
atratividade de investimentos em um dado país. O desenvolvimento dos mercados<br />
financeiro e de capitais pode, ao contrário, estimular a superação desse ambiente<br />
adverso, permitindo que o crescimento de longo-prazo possa ser retomado.<br />
Por outro lado, considerando os fatores restritivos que são impostos ao<br />
crescimento econômico por variáveis dependentes do grau de desenvolvimento<br />
financeiro alcançado, Raghuram e Zingales (1998) consideram, no artigo<br />
citado, que existem evidências no sentido de relacionar os impactos criados<br />
pelas imperfeições do mercado financeiro sobre os investimentos e o ritmo de<br />
crescimento econômico.<br />
Finalmente, os mesmos autores concluem que existe uma correlação positiva<br />
entre o grau de desenvolvimento financeiro e os padrões de especialização<br />
industrial de cada país. Ainda que o grau de desenvolvimento dos mercados<br />
financeiro e de capitais tenha sido determinado por um acidente histórico, ou<br />
por regulamentação governamental, a existência de uma estrutura robusta para<br />
essas atividades se constitui em uma vantagem competitiva para um dado país,<br />
quando se trata de atrair indústrias que são mais dependentes da captação externa<br />
de recursos. Simultaneamente, a falta dessa estrutura financeira atua como uma<br />
forte barreira para o ingresso de novas empresas nesses setores dependentes de<br />
recursos. Assim, pode-se concluir que o desenvolvimento financeiro se constitui<br />
também em um fator determinante da dimensão e do grau de concentração de<br />
um determinado setor industrial.<br />
A contribuição acadêmica no Brasil<br />
De acordo com Carvalho (2001), os benefícios gerados pelo sistema financeiro<br />
devem depender de alguns aspectos. O primeiro é a competência com que o<br />
mesmo deve mobilizar recursos, promovendo a redução de vazamentos dentro da<br />
economia. O segundo aspecto a abordar é a forma com que o sistema pode tornar<br />
compatível a oferta de recursos com a correspondente demanda. Em ambos os<br />
casos existem diferentes padrões de risco, retorno e prazos de maturação.<br />
O trabalho de Triner (1996) aborda a evolução do sistema bancário brasileiro<br />
entre 1906 e 1930, procurando as relações entre desenvolvimento financeiro,<br />
industrialização e crescimento econômico. Suas conclusões são no sentido de<br />
confirmar a relação entre o funcionamento do sistema de intermediação financeira<br />
e o crescimento econômico, mostrando que existe uma relação mais forte com o<br />
crescimento industrial que com o do setor agrícola.<br />
O estudo de Arraes e Telles (2000), que analisa as condições de crescimento<br />
econômico no país, se utiliza de dois modelos diversos. No primeiro modelo, a meta<br />
110<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
é comparar modelos de crescimento endógeno e exógeno, testando a hipótese<br />
de retroalimentação contínua nas variáveis que geram impacto no crescimento a<br />
longo prazo. O segundo modelo procura relacionar as variáveis produto per capita,<br />
tecnologia, capital físico e humano. No caso da tecnologia, o desenvolvimento<br />
financeiro foi considerado como variável exógena. Os autores concluem, após a<br />
análise de dados para estados do Nordeste e demais estados do Brasil, no período<br />
1980/93, que em modelos com variáveis defasadas, existe uma relação positiva entre<br />
desenvolvimento financeiro e produto per capita, mas que esta relação é inversa no<br />
caso dos estados nordestinos, especialmente quando analisa uma defasagem de 20<br />
anos entre as variáveis. Como o progresso tecnológico é sempre uma determinante<br />
do crescimento do produto per capita, há evidências que – mesmo no caso estudado<br />
– o desenvolvimento financeiro se integra ao crescimento econômico através do<br />
progresso tecnológico.<br />
Por outro lado, Monte e Távora (2000) estudam o impacto dos financiamentos<br />
regionais do Banco do Nordeste, Sudene e BNDES sobre o crescimento do produto<br />
regional nos estados da região Nordeste. Os resultados comprovam a existência de<br />
uma forte relação entre os financiamentos das três fontes mencionadas e o ritmo<br />
de crescimento econômico experimentado pela região a partir de 1981 até 1998.<br />
Por fim, Matos (2002) estuda a existência de uma relação entre o<br />
desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico no Brasil no período<br />
1947/2000, concluindo pela existência de uma relação significativa entre<br />
desenvolvimento financeiro e crescimento econômico.”<br />
O autor afirma que os estímulos financeiros ao crescimento econômico<br />
ganham uma dimensão adicional quando se aborda a questão da confiabilidade<br />
institucional. Reformas que venham promover uma expansão no grau de confiança<br />
dos investidores internos e externos, que depositem sobre a estabilidade econômica<br />
e sobre a proteção oferecida a seus direitos, pela estrutura legal vigente no país,<br />
deverão sempre resultar em fatores de atração de um maior volume de recursos<br />
para a economia e, conseqüentemente, maior crescimento econômico.<br />
Aspectos a destacar<br />
A revisão da literatura destaca alguns dos aspectos mais importantes que se<br />
acham presentes neste estudo.<br />
Em primeiro lugar, considerando as contribuições de autores estrangeiros<br />
e as evidências empíricas colhidas por pesquisadores brasileiros, fica claro que<br />
existe uma relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico. A<br />
maioria dos trabalhos empíricos demonstra que esta relação é direta, ou seja, que<br />
o desenvolvimento financeiro se constitui em uma alavanca para o crescimento<br />
econômico.<br />
Por outro lado, existem também contribuições que procuram relacionar o<br />
ambiente legal e institucional com o desenvolvimento financeiro e este com o<br />
crescimento econômico. Fica claro que os diferentes autores que se ocuparam desse<br />
tema mostram uma íntima relação entre respeito ao direito de investidores, internos<br />
Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, p. 103-114<br />
111
e externos, o arcabouço legal existente num dado país e o grau de desenvolvimento<br />
financeiro que pode ser alcançado.<br />
Outro ponto coberto pelos estudos já realizados sobre o assunto se refere<br />
à relação entre o nível de capitalização requerido por empresas situadas em<br />
setores de uso mais intenso de tecnologia e o grau de desenvolvimento financeiro<br />
atingido por um determinado país. Quando se trata de atrair setores de densidade<br />
tecnológica maior, que – por sua própria característica – exigem um maior volume<br />
de investimentos, o patamar atingido pelos mercados financeiro e de capitais de<br />
uma dada economia se constitui num elemento relevante. Apenas países dotados<br />
de um apreciável nível de desenvolvimento financeiro poderão contar com setores<br />
de elevado grau de capitalização com desempenho superior ao revelado por setores<br />
que requerem menor grau de capitalização.<br />
No entanto, o que não se acha coberto pelas contribuições analisadas<br />
diz respeito ao formato do desenvolvimento financeiro em si mesmo. Não se<br />
localizou, na literatura estudada, dados que permitam realizar a comparação<br />
entre os mercados financeiro e de capitais quanto à sua contribuição para o<br />
desenvolvimento financeiro.<br />
Economias mais desenvolvidas, como as dos Estados Unidos e Inglaterra<br />
apresentam mercados de capitais muito ativos, o que permite oferecer às empresas<br />
formas distintas de acesso aos recursos requeridos para o crescimento econômico.<br />
Por outro lado, em alguns países europeus e no Japão, ainda predomina a presença<br />
de um mercado financeiro forte, como elemento essencial do desenvolvimento<br />
financeiro.<br />
Em suma, não existe nenhuma indicação no sentido de que exista uma<br />
tendência de aumento da desintermediação financeira na medida em que o<br />
desenvolvimento financeiro avança e parcelas maiores dos requisitos de capital<br />
das empresas passam a ser supridos pelo mercado de capitais.<br />
Outro ponto importante reside na composição do sistema financeiro.<br />
Nos países mais desenvolvidos do hemisfério norte (Estados Unidos, países da<br />
Comunidade Econômica Européia e Japão), o mercado financeiro e o mercado de<br />
capitais são essencialmente privados, enquanto que no caso de países emergentes,<br />
como a Coréia e mesmo a China, a presença do Estado no mercado financeiro é<br />
um ponto essencial.<br />
Em ambos os sentidos, faz-se necessário analisar a evolução histórica recente<br />
dos dois mercados no Brasil, para procurar determinar em que medida a economia<br />
brasileira está caminhando para um modelo de desenvolvimento mais aberto, com<br />
maior ou menor grau de intermediação financeira e com maior ou menor presença<br />
do Estado como financiador das atividades econômicas.<br />
112<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
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114<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Aspectos Negociais do Plano<br />
de Contas<br />
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e Márcio Lopes Pimenta*<br />
Resumo:<br />
Atualmente o plano de contas é um<br />
aparato fundamental para diversas<br />
atividades contábeis e gerenciais dentro das<br />
organizações, incluindo: analisar projetos,<br />
granjear investidores, obter empréstimos,<br />
gerenciar andamento de operações.<br />
Garantir a solvência da operação é uma<br />
situação desejada atualmente nas empresas,<br />
entretanto, nem todos os formatos de planos<br />
de contas permitem flexibilizar controles<br />
com base nas operações específicas do<br />
negócio em questão. Este artigo visa<br />
fomentar a discussão para aproximar a<br />
contabilidade do negocial, adaptando o<br />
plano de contas a alguns exemplos de<br />
operação em que o ciclo de produto varia.<br />
São apresentados exemplos ilustrativos<br />
de operações com ciclos produtivos curto<br />
e longo, que denotam a percepção de<br />
que o plano de contas pode, se orientado<br />
por atividades, demonstrar ‘o que’ de fato<br />
ocorreu, norteando mais claramente o<br />
processo de tomada de decisão.<br />
Introdução<br />
Palavras chave: plano de contas, ciclo de<br />
produto, contabilidade, aspectos negociais<br />
Abstract:<br />
Presently, account chart is an essential<br />
apparatus to many accounting and<br />
managerial matters. This includes project<br />
analysis, getting capital investment, applying<br />
for lances, operations managing. To guaranty<br />
operation balance is a current goal in any<br />
enterprise. Account charts, however, not<br />
always offer enough flexibility to control<br />
specific operations. This article tries to<br />
improve the discussion towards to align<br />
accounting and business point of view.<br />
For doing so, account charts were adapted<br />
to some short or long production cycles<br />
operations in order to show that the account<br />
chart, based on activities, can present<br />
what has actually occurred, which helps in<br />
decision making process.<br />
Keywords: chart of account, product cycle,<br />
accounting, business pont of vew<br />
Existe uma dicotomia entre o que a contabilidade oferece e o que o<br />
administrador precisa saber, seja ele da área de marketing, produção ou finanças<br />
(CUPERTINO, 2004). Pricing depende da contabilidade de custos, seja via markup,<br />
seja via observação de mercado (KOTLER e KELLER, 2006), enquanto a contabilidade<br />
de custos depende intimamente do plano de contas (MARTINS, 2003). Nesta mesma<br />
ótica, administração da produção depende da contablidade de custos para tomar<br />
* Luiz Alberto M. de Carvalho é mestre em Teoria Econômica pela PUC-SP. Pós-graduado em Economia Internacional<br />
pela Columbia University (NY). Professor do MBA Executivo da FAAP. Empresário de consultoria em<br />
Agronegócios. lasilva@faap.br. Marcio Lopes Pimenta é mestre em Administração de Empresas. Doutorando em<br />
Engenharia da Produção. Professor da Universidade Federal de Itajubá. Consultor em Agronegócios.<br />
Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124<br />
115
decisões sobre processos e produtos, assim como na assunção da inovação como<br />
meta. O administrador financeiro, por sua vez, precisa dos índices que também são<br />
fornecidos pelo plano de contas, pois é a posição em que as contas se encontram<br />
que os determina, portanto, disso depende a acurácia das decisões, seja de<br />
orçamento, seja de investimento.<br />
A dicotomia reside em que, sejam as demonstrações orientada por solidez,<br />
como na primeira metade do século XX (RICHARD, 1995); por liquidez, mais<br />
frequente de lá para cá, de acordo com a lei 6404/76 (TEIXEIRA, 2001); por atividade<br />
ou processo, que parece ser a tendência (GOMES, 2004; AZEVEDO, CARVALHO<br />
e GOMES, 2008), dificilmente compreendem os aspectos negociais da entidade<br />
analisada.<br />
O mundo vive a ditadura da liquidez, pois, seja para analisar projetos, seja<br />
para granjear investidores, seja para obter empréstimos, o que vale a capacidade<br />
de a empresa pagar suas contas em um dado prazo, ao contrário dos tempos em<br />
que o que valia era a solidez, ou seja, a possibilidade de o patrimônio garantir a<br />
solvência da operação (TEIXEIRA, 2001).<br />
Exemplo da dissociação entre os anseios dos investidores e a apresentação<br />
das contas é que, quanto mais específicas forem as matérias-primas, menor será<br />
sua liquidez, mesmo assim, os itens especiais não são discriminados entre as contas<br />
de almoxarifado, tendo o mesmo peso no ativo circulante. Indo mais adiante,<br />
meio avião não vale a metade de um avião, ou seja, a simples transferência de<br />
recursos (mão-de-obra, uso de máquinas, matéria-prima e serviços de terceiros)<br />
de uma conta para outra não faz com que o dispêndio de recursos representem<br />
maior liquidez. Um rolo de chapa de alumínio tende a ser comercialmente muito<br />
mais líquido que uma asa pela metade. Neste exemplo, a adição de mão-de-obra<br />
e uso de máquinas, ao contrário, torna o bem menos vendável. Mais notório é o<br />
problema na agricultura, pois, além de não estar certo do preço por que venderá<br />
a mercadoria, o produtor não sabe sequer qual será a quantidade produzida.<br />
Nem mesmo a conta de mercadorias pode sempre ser considerada como<br />
de maior liquidez, haja vista que há empresas que trabalham sob encomenda,<br />
partindo de matérias-primas consideradas como commodityes, e, mesmo que<br />
o produto esteja acabado, pode transformar-se emsucata, caso não se cumpra o<br />
contrato que o gerou, mesmo que haja indeninzações previstas. Tudo isso se reflete<br />
no restante da administração da empresa, mais obviamente no que é financeiro,<br />
porém, extendendo-se a todos os seus demais aspectos.<br />
Este artigo visa fomentar a discussão para aproximar a contabilidade do<br />
negocial, adaptando o plano de contas a alguns exemplos de operação em que<br />
o ciclo de produto varia. Na segunda seção, apresenta-se um exemplo fictício de<br />
operação com ciclo curto de produto, enquanto que, no terceiro, apresentam-se<br />
algumas alternativas para apresentação das contas em empresas cujo ciclo de<br />
produto seja longo.<br />
Quando o ciclo de produto é curto<br />
Empresas como tecelagens têm ciclo de produto muito curto, ou seja, entre a<br />
matéria-prima entrar em processo e transformar-se em produto acabado o tempo<br />
é tão curto que a conta de produto em elaboração tem valor ínfimo, se comparado<br />
116<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
à de almoxarifado e à de mercadorias e, principalmente, em função da conta de<br />
custos das mercadorias vendidas (CMV). Mesmo assim, alguns itens resultantes<br />
de suas etapas de produção simplesmente não têm valor, como pode se ver no<br />
quadro 1, onde, no campo ‘valor’, N representa itens não vendáveis e S vendáveis.<br />
Etapa Input Processo Output Valor<br />
1<br />
algodão em pluma e fibras<br />
sintéticas<br />
Linha de<br />
Abertura Manta N<br />
2 Manta Cardagem Véu N<br />
3 Véu Passador Mecha N<br />
4 Mecha Filatório Fio S<br />
5 Fio Tear Tecido Cru S<br />
6 Tecido Cru Tingimento<br />
Tecido<br />
Tingido S<br />
Fonte: Elaborado pelos autores<br />
Quadro 1 Bens relacionados por etapa produtiva.<br />
Há outros casos em que, apesar de o ciclo de produto ser curto, formou-se<br />
um mercado secundário, como no automobilístico, pois as peças, a partir de uma<br />
determinada condição, realmente podem ser encaradas como produtos acabados de<br />
reposição. Exemplos disso são capôs, portas, para-lamas e outros não adquiridos de<br />
terceiros. Mesmo assim, há pontos em que esse exemplo enquadra-se perfeitamente<br />
no anterior. Um capô, por exemplo, leva quatro operações (corte, estampa, dobra,<br />
solda e tratamento de superfície). Ele só adquire valor comercial a partir do quarto<br />
passo, sendo valorizado como sucata na prática, nos três primeiros, por menor que<br />
seja a probabilidade de o processo interromper-se ali de fato.<br />
Fazer os itens intermediários transitarem pelo estoque só é possível desde que<br />
haja interrupção no processo sem prejuízo do produto em si. No caso da tecelagem<br />
(exceto confecção), são os itens que contém S na quarta coluna da tabela acima; fios,<br />
tecidos crus e tecidos acabados, sendo o último obviamente item de mercadoria.<br />
Mesmo assim, se o fio destinar-se a um tecido exclusivo, não poderá enquadrar-se<br />
nesse rol, posto que não possui mercado próprio.<br />
Uma maneira interessante parece ser adaptar o plano de contas por atividade,<br />
ou seja, distinguindo-se a etapa e o modelo dela resultante, caso haja um (BACKEs et<br />
al, 2009). No exemplo em questão, o dispêndio com a linha de abertura, cardagem,<br />
formação de mechas e fiação acabarão por compor uma só atividade, que é a<br />
fiação, tendo como último nível o item a ser produzido. O controler poderá, então,<br />
provisionar valor correspondente ao risco de perfórmance dos contratos que,<br />
porventura, os tenham gerado. Essa provisão reduzirá o saldo no ativo, adequando<br />
os cálculos dos índices mais usados pelos administradores financeiros, permitindolhes<br />
estimar melhor os riscos de seu negócio. O quadro 2 mostra um exemplo de<br />
plano de contas para processos simples de tecelagem. Como tratamos não apenas de<br />
Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124<br />
117
contas tradicionais do plano de contas utilizamos a nomenclatura de grau ao inves de<br />
nível, de modo a evidenciar aspectos multi-dimensionais envolvidos nas operações.<br />
Note-se que a inversão das contas que, geralmente, iniciam-se pelos clientes no<br />
realizável, ao contrário de prejudicar o cômputo dos principais índices financeiros,<br />
por exemplo, dá uma idéia muito mais precisa do que a empresa faz, sendo mesmo<br />
um passo para o plano de contas baseado em atividades.<br />
118<br />
grau 1 grau 2 grau 3 grau 4 grau 5 descrição<br />
1 Ativo<br />
1 1 Ativo Circulante<br />
1 1 1 Disponibilidade<br />
1 1 1 1 Caixa<br />
1 1 1 1 1 Caixa Central<br />
1 1 1 2 Bancos<br />
1 1 1 1 Aplicações de Curto Prazo<br />
1 1 2 Realizável a Curto Prazo<br />
1 1 2 1 Almoxarifado<br />
1 1 2 1 1 Algodão<br />
1 1 2 1 2 Poliester em microfibras<br />
1 1 2 2 Produtos em Elaboração<br />
1 1 2 2 1 Fiação em Anel<br />
1 1 2 2 2 Fiação Open End<br />
1 1 2 2 3 Tecelagem de Brim<br />
1 1 2 2 3 Tingimento<br />
1 1 2 3 Mercadorias<br />
1 1 2 3 1 Fios Comuns<br />
1 1 2 3 2 Fios Especiais<br />
1 1 2 3 3 Brim Cru<br />
1 1 2 3 4 Brim Tingido<br />
1 1 2 4 Clientes<br />
Fonte: Elaborado pelos autores<br />
Quadro 2 exemplo fictício de plano de contas para a tecelagem<br />
Produtos de Ciclo Longo<br />
Dizer que um produto tem ciclo longo simplesmente não dá a real idéia do<br />
que aqui se vai tratar. A construção de um prédio, por exemplo é de ciclo longo para<br />
qualquer efeito, pois costuma ultrapassar um exercício. O mesmo acontece com a<br />
de um navio ou a de um avião, porém, há produtos de ciclo anual que se podem<br />
considerar como longo, como é o caso da agricultura, especialmente porque são<br />
regidos pela Natureza, cujo ciclo não coincide com o ano fiscal, especialmente no<br />
Brasil, haja vista que, em outros países, pode findar em qualquer mês do ano. Nos<br />
Estados Unidos, por exemplo, o exercício varia conforme os interesses da empresa<br />
(SOUZA; MELHADO, 2008). Em complemento, Jaruga e Szychta (1997, p.509)<br />
destacam que na legislação polonesa a partir de 1990 “business entities (apart from those in<br />
the budgetary sector and banks) develop individually their own plans of accounts which are best suited to financial<br />
reporting and management accounting purposes”.<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
O café brasileiro, por exemplo, é colhido de maio a setembro, enquanto o<br />
preparo da safra seguinte se dá a partir do fim da colheita, quando recomeçam as<br />
chuvas. O milho safrinha, ao contrário, tem seu ciclo dentro do mesmo exercício, pois<br />
começa no fim da colheta da soja (fim de janeiro a início de abril), sendo colhido no<br />
início do período de seca (de maio a junho). Seu ciclo tem entre noventa e cento e<br />
dez dias, dependendo da precocidade da variedade empregada. Já a soja, mesmo<br />
pertencendo à classe da lavoura branca como o milho, visto que tem de ser replantada<br />
anualmente, tem seu ciclo limitado pelo vazio sanitário, ou seja, muito embora seu<br />
ciclo seja de noventa a cento e vinte dias, não se pode plantar duas vezes ao ano<br />
para que as enfermmidades não se propaguem irremediavelmente. Assim, a soja<br />
fatalmente passa de um exercício para o outro, acumulando saldo visível na conta de<br />
produtos em elaboração no balanço anual, ao contrário do milho safrinha ou algodão,<br />
cujo custo só se apresenta nas contas de resultado como CMV (custo das mercadorias<br />
vendidas). Cabe lembrar que a conta de estoque pode sim carregar valores de um<br />
ano para o outro, dependendo da disponibilidade do produtor e dos contratos de<br />
entrega futura ou de “warranty” sobre eles firmados, o que não é alvo deste artigo.<br />
Para efeito deste estudo, considerar-se-á o ciclo ser curto ou longo<br />
consoante o peso que o saldo de produtos em elaboração possa ter<br />
sobre a conta de CMV para o mesmo item, o que, por si só já requer a<br />
sua separação nas contas de resultado, como no exemplo a seguir.<br />
Grau<br />
1<br />
Grau<br />
2<br />
Grau<br />
3<br />
Grau<br />
4<br />
Grau<br />
5<br />
Descrição<br />
Débito/<br />
Crédito<br />
3 Resultado do Exercício Saldo<br />
3 1 Resultado Operacional Saldo<br />
3 1 1 Resultado com Soja Saldo<br />
3 1 1 1 Receitas com Soja Saldo<br />
3 1 1 1 1 Vendas de Soja<br />
Redutores de Receita com<br />
Crédito<br />
3 1 1 1 2<br />
Soja Débito<br />
3 1 1 2 Despesas com Soja Saldo<br />
3 1 1 2 1 Mão-de-Obra para Soja Débito<br />
3 1 1 2 2 Mecanização para Soja Débito<br />
3 1 1 2 3 Insumos para Soja<br />
Serviços contratados para<br />
Débito<br />
3 1 1 2 4<br />
Soja Débito<br />
3 1 2 Resultado com Milho Saldo<br />
3 1 2 1 Receitas com Milho Saldo<br />
3 1 2 1 1 Vendas de Milho<br />
Redutores de Receita com<br />
Crédito<br />
3 1 2 1 2<br />
Milho Débito<br />
3 1 2 2 Despesas com Milho Saldo<br />
3 1 2 2 1 Mão-de-Obra para Milho Débito<br />
3 1 2 2 2 Mecanização para Milho Débito<br />
3 1 2 2 3 Insumos para Milho Débito<br />
3 1 2 2 4 Serviços contratados para Milho Débito<br />
Fonte: elaborado pelos autores<br />
Quadro 3 Contabilização em ciclos longo e curto<br />
Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124<br />
119
No exemplo acima, vê-se uma particularidade, o abandono das fórmulas que<br />
se ensinam como aplicáveis às demonstrações de resultado, fazendo com que o<br />
próprio mecanismo de débito e crédito redunde na apuração de forma explícita.<br />
O maisusual, é que o produto em elaboração fique no ativo como nos exemplos a<br />
seguir, igualmente elaborados pelos autores. Note-se que, em ambos, já houve a<br />
preocupação em separar os itens de almoxarifado, tal que alguns deles possam ser<br />
excoimados em possíveis análises, consoante serem específicos para a planta em<br />
questão. Aqui representaram-se pelos fertilizantes formulados, já que a fórmula em<br />
si depende da decisão de plantio, bem como da análise de solo, o que dificilmente<br />
será aplicável a outro produtor.<br />
Grau<br />
1<br />
Grau<br />
2<br />
Grau<br />
3<br />
Grau<br />
4<br />
Grau<br />
5<br />
Descrição<br />
Débito/<br />
Crédito<br />
1 Ativo Saldo<br />
1 1 Ativo Circulante Saldo<br />
1 1 1 Disponibilidade Saldo<br />
1 1 1 1 Caixa Saldo<br />
1 1 1 1 1 Caixa Central Saldo<br />
1 1 1 2 Bancos Saldo<br />
1 1 1 2 1 Banco Bradesco Saldo<br />
1 a a 3 Aplicações a Curto Prazo Saldo<br />
1 1 1 3 1 Títulos Públicos Saldo<br />
1 1 2 Realizável Saldo<br />
1 1 2 1 Almoxarifado Saldo<br />
1 1 2 1 1 Fertilizantes Formulados Saldo<br />
1 1 2 1 2 Insumos Saldo<br />
1 1 2 1 3 Combustíveis Saldo<br />
1 1 2 1 4 Material de Consumo Saldo<br />
1 1 2 1 5 Peças Saldo<br />
1 1 3 Atividade em Andamento Saldo<br />
1 1 3 1 Soja Saldo<br />
1 1 3 1 1 Mão-de-Obra para Soja Saldo<br />
1 1 3 1 2 Mecanização para Soja Saldo<br />
1 1 3 1 3 Insumos para Soja<br />
Serviços Contratados para<br />
Saldo<br />
1 1 3 1 4<br />
Soja Saldo<br />
1 1 3 2 Milho Saldo<br />
1 1 3 2 1 Mão-de-Obra para Milho Saldo<br />
1 1 3 2 2 Mecanização para Milho Saldo<br />
3 Insumos para Milho<br />
Serviços Contratados para<br />
Saldo<br />
1 1 3 2 4<br />
Milho Saldo<br />
1 1 4 Estoque Saldo<br />
Fonte: elaborado pelos autores<br />
Quadro 4 Plano de Contas não Acumulativo para produtos em Elaboração<br />
120<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Note-se que, no exemplo acima, durante a colheita, creditam-se os valores<br />
contidos nos fatores de produção (Mão-de-obra, mecanização, insumos e serviços<br />
contratados), debitando-se o estoque de mercadorias, o que reduz o saldo conta<br />
a conta, de sorte que os custos relativos a uma safra não contaminem os registros<br />
vindouros. Seu defeito, porém, é perder o histórico, haja vista que, assim que os<br />
fatores de produção são creditados e o estoque é debitado, o saldo torna-se zero<br />
em todos eles.<br />
Grau<br />
1<br />
Grau<br />
2<br />
Grau<br />
3<br />
Grau<br />
4<br />
Grau<br />
5<br />
Descrição<br />
Débito/<br />
Crédito<br />
1 Ativo Saldo<br />
1 1 Ativo Circulante Saldo<br />
1 1 1 Disponibilidade Saldo<br />
1 1 1 1 Caixa Saldo<br />
1 1 1 1 1 Caixa Central Saldo<br />
1 1 1 2 Bancos Saldo<br />
1 1 1 2 1 Banco Bradesco Saldo<br />
A a a 3 Aplicações a Curto Prazo Saldo<br />
1 1 1 3 1 Títulos Públicos Saldo<br />
1 1 2 Realizável Saldo<br />
1 1 2 1 Almoxarifado Saldo<br />
1 1 2 1 1 Fertilizantes Formulados Saldo<br />
1 1 2 1 2 Insumos Saldo<br />
1 1 2 1 3 Combustíveis Saldo<br />
1 1 2 1 4 Material de Consumo Saldo<br />
1 1 2 1 5 Peças Saldo<br />
1 1 3 Atividade em Andamento Saldo<br />
1 1 3 1 Soja Saldo<br />
1 1 3 1 1 Mão-de-Obra para Soja Débito<br />
1 1 3 1 2 Mecanização para Soja Débito<br />
1 1 3 1 3 Insumos para Soja<br />
Serviços Contratados para<br />
Débito<br />
1 1 3 1 4<br />
Soja Débito<br />
1 1 3 1 5 Produção de Soja Crédito<br />
1 1 3 2 Milho Saldo<br />
1 1 3 2 1 Mão-de-Obra para Milho Débito<br />
1 1 3 2 2 Mecanização para Milho Débito<br />
3 Insumos para Milho<br />
Serviços Contratados para<br />
Débito<br />
1 1 3 2 4<br />
Milho Débito<br />
1 1 3 2 5 Produção de Milho Crédito<br />
1 1 4 Estoque Saldo<br />
1 1 4 1 Lavoura Branca Saldo<br />
1 1 4 1 1 Soja Saldo<br />
1 1 4 1 2 Milho Saldo<br />
Fonte: elaborado pelos autores<br />
Quadro 5 Plano de Contas com Valores Acumulativos para Produto em elaboração<br />
Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124<br />
121
No exemplo acima, os valores vão-se acumulando, safra a safra, desde o<br />
início da atividade, de sorte que a transferência para estoque dar-seá pelo saldo<br />
da atividade no momento da colheita num só lançamento, prejudicando a análise<br />
horizontal do balanço no que tange à evolução dos custos de produção.<br />
No exemplo a seguir, denota-se a preocupação com o fato de o investimento<br />
estar em alto risco enquanto não se transformar em produto final, além de, para<br />
efeito de custo, por não se poder antever a produtividade, considerar o quanto da<br />
safra atual poderá ser financiada pela safra anterior. Isso decorre de que as contas<br />
3.1.1.2.6 (CMV com Soja) e 3.1.2.2.6 (CMV com Milho) apresentarem-se valores<br />
obtidos na safra anterior.<br />
Grau<br />
1<br />
Grau<br />
2<br />
Grau<br />
3<br />
Grau<br />
4<br />
Grau<br />
5<br />
Descrição<br />
Débito/<br />
Crédito<br />
3 Resultado do Exercício Saldo<br />
3 1 Resultado Operacional Saldo<br />
3 1 1 Resultado com Soja Saldo<br />
3 1 1 1 Receitas com Soja Saldo<br />
3 1 1 1 1 Vendas de Soja<br />
Redutores de Receita com<br />
Crédito<br />
3 1 1 1 2<br />
Soja Débito<br />
3 1 1 2 Despesas com Soja Saldo<br />
3 1 1 2 1 Mão-de-Obra para Soja Débito<br />
3 1 1 2 2 Mecanização para Soja Débito<br />
3 1 1 2 3 Insumos para Soja Débito<br />
3 1 1 2 4 Serviços contratados para Soja Débito<br />
3 1 1 2 5 Produção de Soja Crédito<br />
3 1 1 2 6 CMV com Soja Débito<br />
3 1 2 Resultado com Milho Saldo<br />
3 1 2 1 Receitas com Milho Saldo<br />
3 1 2 1 1 Vendas de Milho<br />
Redutores de Receita com<br />
Crédito<br />
3 1 2 1 2<br />
Milho Débito<br />
3 1 2 2 Despesas com Milho Saldo<br />
3 1 2 2 1 Mão-de-Obra para Milho Débito<br />
3 1 2 2 2 Mecanização para Milho Débito<br />
3 1 2 2 3 Insumos para Milho<br />
Serviços contratados para<br />
Débito<br />
3 1 2 2 4<br />
Milho Débito<br />
3 1 2 2 5 Produção de Milho Crédito<br />
3 1 2 2 6 CMV com Milho Débito<br />
122<br />
Fonte: elaborado pelos autores<br />
Quadro 6 Demonstração de Resultados com Foco em atividades<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
No exemplo acima, a contaminação dos custos pelas safras anteriores não<br />
ocorre porque, no fim do exercício, as contas de resultado têm seu saldo extinto<br />
pela própria transferência do resultado aos produtos elaborados.<br />
Conclusão<br />
A padronização do plano de contas preconizado pela lei 11638/06 não<br />
pode esterilizar os registros contáveis a ponto de os controladores perderem a<br />
flexibilidade fornecida pela criatividade na ordenação das contas no que tange<br />
as análises financeiras, e de riscos de negócio. Pelo contrário, cabe ao controlador<br />
ordenar as contas para que as análises tornem-se mais transparentes e contínuas,<br />
haja vista que o risco não é constante ao longo do ano e que, talvez, não se possa<br />
esperar o fim do exercício para tomar uma decisão mais abrangente.<br />
Na agricultura, que aqui foi mais explorada por estar mais próxima dos<br />
autores, o risco é agregado pela operação e pelo mercado. No momento da decisão<br />
por plantar, é a soma dos dois. Enquanto a lavoura está exposta às intempéries<br />
aguardando a colheita, o risco de operação parece ser decrescente, chegando ao<br />
de mercado a partir do momento em que os grãos entram no silo. Por causa disso –<br />
sendo que há atividades de ciclo muito maior que o dos grãos na agropecuária– o<br />
emprego de um plano de contas baseado em atividades parece ser de importância<br />
significativa, especialmente, se o ciclo de produto justificar, como parece ser o caso<br />
da pecuária de corte em que, entre a inseminação da vaca e o abate, podem-se<br />
passar três anos.<br />
A construção civil, por si só é tema para um novo artigo, tantos e tão variados<br />
são os tipos de contratação. Mesmo assim, algo parece claro, pelo menos, quando<br />
se trata de contratos em que o pagamento deve ser feito por medição. Em outras<br />
palavras, a empresa recebe conforme as etapas ficam prontas. O plano de contas<br />
poderá, se orientado por atividades, demonstrar o que de fato ocorreu, norteando<br />
mais claramente as decisões a tomarem-se.<br />
Resumindo, quanto mais descritivo da operação for o plano de contas, mais<br />
apuradas serão as decisões dos administradores, seja de que áreas forem. Quanto<br />
menor for a necessidade de controles paralelos, menor será a falta de comunicação<br />
entre os diversos setores da empresa.<br />
Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124<br />
123
124<br />
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<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Ética e as linhas mestras do<br />
Código das Melhores Práticas<br />
de Governança Corporativa<br />
do IBGC – Instituto Brasileiro<br />
de Governança Corporativa<br />
Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos ∗<br />
Resumo:<br />
O presente trabalho pretende mostrar que<br />
a Ética está acima e é mais abrangente<br />
que os valores adotados pelas melhores<br />
práticas de Governança Corporativa. A<br />
empresa que deseja se envolver com<br />
a Governança Corporativa para atrair<br />
maiores investimentos e ser bem sucedida<br />
em seu desempenho financeiro deve,<br />
também, estar preocupada com a adoção<br />
dos critérios éticos para atingir o seu fim.<br />
Não basta que sejam adotadas práticas de<br />
alto nível no âmbito contábil e financeiro das<br />
organizações, se a empresa como um todo,<br />
não estiver sintonizada com a preocupação<br />
de permear todas as suas áreas de critérios e<br />
práticas éticas. São analisados os princípios<br />
e valores éticos, bem como as linhas mestras<br />
das melhores práticas da Governança<br />
Corporativa adotadas pelo Instituto<br />
Brasileiro de Governança Corporativa.<br />
Conclui-se que é imprescindível colocar<br />
acima das melhores práticas os princípios e<br />
valores éticos que atingem todas as pessoas<br />
com as quais a empresa se relaciona. É a Ética<br />
e não somente a Governança Corporativa<br />
que permitirá à empresa atingir seu fim<br />
e deixar um rastro de imagem sólida no<br />
mercado.<br />
Palavras chaves: Ética, Governança<br />
Corporativa, Melhores Práticas, Gestão<br />
Financeira e Contábil<br />
Abstract:<br />
The present paper intends to show that<br />
Ethics are above and more inclusive than the<br />
values utilized by even the best practices in<br />
Corporative Governance. The company that<br />
desires to involve itself with Corporative<br />
Governance in order to attract greater<br />
investments and be successful in its financial<br />
performance must also be concerned with<br />
the adoption of the ethical criteria necessary<br />
to reach its goal. It is not enough to apply<br />
high level practices and criteria in the<br />
financial areas if the company, as a whole, is<br />
not concerned with using ethical practices<br />
and criteria in all of its areas. The ethical<br />
principles and values will be analyzed, as<br />
well as the guide lines to the most successful<br />
Corporative Governance practices used<br />
by the Brazilian Institute of Corporative<br />
Governance. This analysis will make it<br />
possible to conclude that it is essential to<br />
place ethical principles and values that reach<br />
all the people the company has contact with,<br />
above Corporative Governance practices.<br />
∗ Maria do Carmo Whitaker é consultora em ética nas organizações, organizadora do site www.eticaempresarial.<br />
com.br e Professora do Curso de Ciências Econômicas da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. E-mail:<br />
José Maria Rodriguez Ramos é Prof.essor dos Cursos de Ciências Econômicas e de<br />
Relações Internacionais da Faculdade de Economia da FAAP. E-mail:< josemariarr@hotmail.com><br />
Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133<br />
125
It is Ethics, and not only Corporative<br />
Governance, that will allow the company<br />
to reach its objective while also establishing<br />
a solid image in the marketplace.<br />
Introdução<br />
126<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
Key words: Ethics, Corporative<br />
Governance, Best Practices, Financial<br />
Management<br />
O presente trabalho tem por objetivo mostrar que assim como o ser humano<br />
sempre almeja metas mais elevadas para se realizar, a empresa também procura<br />
se superar para sobreviver e enfrentar a concorrência.<br />
A empresa que adota as melhores práticas de Governança Corporativa e<br />
por isso está propensa a atrair maiores investimentos e ser bem sucedida em<br />
seu desempenho financeiro deve, também, estar preocupada com a adoção dos<br />
critérios éticos para atingir o seu fim.<br />
Com razão observa Lynn Paine: “But no longer are companies judged by<br />
financial results alone. To be considered truly outstanding, companies today must<br />
than achieve superior financial results or meet impressive production targets. They<br />
must receive high marks not only from shareholders concerned with financial<br />
returns but also from other parties with whom they interact. And to do so, as we<br />
have seen, they must satisfy a mix of economical and ethical criteria” (2003, p. 116).<br />
Nessa era de globalização, em que a vida das pessoas está mudando dentro<br />
e fora das empresas, tem sido crescente a competição instalada em todos os<br />
segmentos da sociedade e a pressão sobre os indivíduos tem aumentado de<br />
modo significativo. Assim, não basta que sejam adotadas práticas de alto nível no<br />
âmbito contábil e financeiro das organizações, se a empresa como um todo, não<br />
estiver sintonizada com a preocupação de permear todas as suas áreas de critérios<br />
e práticas éticas.<br />
Em outras palavras, a conduta ética deve ser a preocupação maior da empresa<br />
porque ela tem a ver diretamente com a realização do ser humano. Quando se<br />
faz referência à empresa fala-se de um ente abstrato, mas tem-se consciência de<br />
que ela é formada por indivíduos e são esses mesmos indivíduos que fomentarão<br />
na organização, as práticas dos melhores padrões de informações financeiras e<br />
contábeis e imprimirão ou não, um caráter ético à organização.<br />
A criação de uma cultura ética em uma empresa não é algo com que a maioria<br />
dos administradores tenha experiência. É fácil cometer erros. Infelizmente, erros<br />
éticos não podem ser desfeitos com a mesma facilidade que erros econômicos.<br />
Aguilar oferece um bom exemplo ao comentar que, enquanto “uma perda<br />
operacional de dez milhões de dólares é compensada por um ganho de dez milhões<br />
[...] o registro das falhas éticas tende a ser escrito com tinta indelével” (1996, p. 37).<br />
Neste trabalho serão analisadas as linhas mestras das melhores práticas<br />
da Governança Corporativa, adotadas pelo Instituto Brasileiro de Governança<br />
Corporativa, para concluir que aliadas a outros princípios e valores éticos permitirão<br />
à empresa atingir o seu fim e deixar um rastro de imagem sólida no mercado.
Ética e governança corporativa<br />
A ética nas organizações e o compromisso com os valores éticos dentro das<br />
empresas é um tema que vem adquirindo particular relevância e destaque nos<br />
últimos anos, tanto academicamente quanto no mundo empresarial e na sociedade<br />
como um todo. Em função do crescente espaço e importância que têm sido<br />
atribuídos aos valores éticos torna-se necessário estabelecer alguns parâmetros<br />
iniciais para analisar o tema.<br />
A questão ética na empresa não passará de um modismo caso a adoção<br />
de valores éticos não esteja fundamentada em uma perspectiva filosófica que<br />
justifique o porquê e a importância de introduzir valores éticos nas empresas e na<br />
Governança Corporativa.<br />
Os valores éticos nas organizações não deveriam ser vistos como um conjunto<br />
de regras que podem contribuir para o resultado econômico da empresa, mas como<br />
algo que representa um valor em si, independentemente do resultado econômico<br />
da empresa.<br />
A questão ética surge na Grécia clássica como uma explicação filosófica da vida<br />
feliz, da vida boa, que vale a pena ser vivida, como ilustra, por exemplo, Platão nos<br />
seus diálogos Alcibíades, Fédon e Ménon. O elemento econômico é um fator fundamental<br />
para a vida, porém pode não contribuir para uma vida boa e feliz caso os resultados<br />
econômicos sejam obtidos à margem dos valores éticos.<br />
No momento em que a ética se torna um modismo nas organizações há<br />
o perigo de que seja instrumentalizada para fins econômicos. Nesse sentido<br />
torna-se necessário adotar, como ponto de partida, que os valores éticos são<br />
fundamentais para a plena realização das pessoas como seres humanos no interior<br />
das organizações. A inversão de valores, ou a subordinação dos valores éticos aos<br />
interesses econômicos pode produzir melhores resultados econômicos para as<br />
empresas, porém nunca será capaz de contribuir para a realização das pessoas<br />
como seres humanos.<br />
O desempenho econômico de uma empresa, medido em termos de lucro,<br />
participação do mercado, volume de negócios ou através de qualquer outro<br />
indicador econômico diz respeito a um resultado fundamental e necessário para<br />
a sobrevivência e continuidade da empresa. Entretanto, em caso de conflito, os<br />
valores éticos devem prevalecer, uma vez que a perspectiva ética é mais importante,<br />
na ordem dos fins da vida humana, do que o resultado econômico.<br />
Há muitas maneiras de traduzir os valores e princípios éticos para a vida das<br />
empresas. A discussão das diversas perspectivas éticas para as organizações é uma<br />
questão que foge ao objetivo deste trabalho sem, no entanto, poder ser deixada<br />
de lado. Uma perspectiva ética que se tem revelado particularmente frutífera<br />
para as organizações é a ética aristotélica. As obras de Tom Morris (1998) e Robert<br />
Solomon (2000) dão referências de como a ética aristotélica pode ser introduzida<br />
na vida das empresas.<br />
De acordo com Aristóteles a vida feliz consiste em viver conforme a virtude.<br />
Partindo da premissa de que toda atividade humana tem um fim, Aristóteles<br />
examina no Livro I da Ética a Nicómaco qual é o fim da vida humana, concluindo que<br />
Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133<br />
127
a virtude é um modo de ser pelo qual a pessoa se torna boa, realiza a sua função<br />
e é feliz.<br />
A virtude concretiza ainda mais Aristóteles no Livro II, é um modo de ser da<br />
reta razão que se adquire pela repetição de atos de virtude, isto é as virtudes são<br />
adquiridas como resultado de ações exteriores. Ou seja, e resumindo o pensamento<br />
aristotélico, a vida feliz é a vida virtuosa e a vida virtuosa é alcançada pela prática<br />
constante de atos de virtude. As virtudes, portanto, são os princípios e valores<br />
que devem presidir o relacionamento e a vida humana em todos os seus âmbitos:<br />
econômico, social, político. Retorna-se, assim, a ponto de partida de que a ética<br />
é um valor em si e de que os valores éticos devem ser preservados em todos os<br />
aspectos da vida humana, também no campo econômico.<br />
Embora estes comentários sobre a perspectiva aristotélica possam parecer<br />
distantes do tema “Ética e Governança Corporativa”, estão muito próximos ao se<br />
considerar que a Governança Corporativa está fundamentada em relacionamentos,<br />
entre pessoas e grupos de pessoas, que representam os interesses das organizações.<br />
As virtudes devem presidir esses relacionamentos. No caso do Código das Melhores<br />
Práticas da Governança Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança<br />
Corporativa, as virtudes que merecem especial destaque são: a equidade, a<br />
transparência e a prestação de contas. Esta última pode ser analisada como uma<br />
consequência da responsabilidade.<br />
Para se entender como a ética, através das virtudes, está presente na<br />
Governança Corporativa, é preciso em primeiro lugar definir bem os termos e<br />
conceitos envolvidos.<br />
Governança Corporativa consiste nas práticas e nos relacionamentos<br />
entre os Acionistas ou Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria<br />
Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da<br />
empresa e facilitar o acesso ao capital. Para João Bosco Lodi “é um novo nome que<br />
identifica o sistema de relacionamento entre esse público” (2000, p. 9).<br />
A expressão Governança Corporativa é designada para abranger os assuntos<br />
relativos ao poder de controle e direção de uma empresa, bem como as diferentes<br />
formas e esferas de seu exercício e os diversos interesses que, de alguma maneira,<br />
estão ligados à vida das sociedades comerciais.<br />
Governança Corporativa é valor, apesar de, por si só, não criá-lo. Isto somente<br />
ocorre quando ao lado de uma boa governança tem-se também um negócio de<br />
qualidade, lucrativo, bem administrado e permeado de princípios éticos. Neste caso,<br />
a boa governança permitirá uma administração ainda melhor, em benefício de todos<br />
os acionistas e daqueles que lidam com a empresa. O movimento de governança<br />
corporativa ganhou força nos últimos dez anos, tendo nascido e crescido,<br />
originalmente, nos Estados Unidos e na Inglaterra e, a seguir, se espalhando por<br />
muitos outros países (www.ibgc.org.br , acessado em maio/2003).<br />
No Brasil, os conselheiros profissionais e independentes começaram a<br />
surgir basicamente em resposta à necessidade de atraírem capitais e fontes de<br />
financiamento para a atividade empresarial, o que foi acelerado pelo processo de<br />
globalização e pelas privatizações de empresas estatais no país.<br />
128<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Hoje, o mercado de capitais, as empresas, os investidores e a mídia especializada<br />
já se utilizam habitualmente da expressão governança corporativa, mencionam e<br />
consideram as boas práticas de governança em sua estratégia de negócios. Um<br />
dos principais responsáveis por essa nova realidade é o IBGC - Instituto Brasileiro<br />
de Governança Corporativa.<br />
Atualmente, diversos organismos e instituições internacionais priorizam<br />
a Governança Corporativa, relacionando-a com um ambiente institucional<br />
equilibrado, com a política macroeconômica de boa qualidade e, assim, estimulando<br />
sua adoção em nível internacional.<br />
“Deve haver uma divisão de esforços entre diretores executivos e outros<br />
líderes, no processo de liderar e dirigir o trabalho e desempenho efetivo de uma<br />
corporação ou organização”. (BRANDÃO FILHO et al., 2001, p. 57).<br />
A boa governança<br />
A boa governança sugere que na gestão da empresa haja separação entre<br />
participação acionária e controle.<br />
Na teoria econômica tradicional, a Governança Corporativa surge para<br />
procurar superar o chamado “conflito de agência”, presente a partir do fenômeno<br />
da separação entre a propriedade e a gestão empresarial. O “principal”, titular da<br />
propriedade, delega ao “agente” o poder de decisão sobre essa propriedade. A<br />
partir daí surgem os chamados conflitos de agência, pois os interesses daquele que<br />
administram a propriedade nem sempre estão alinhados com os de seu titular. Sob a<br />
perspectiva da teoria da agência, a preocupação maior é criar mecanismos eficientes<br />
(sistemas de monitoramento e incentivos) para garantir que o comportamento<br />
dos executivos esteja alinhado com o interesse dos acionistas. (www.ibgc.org.br,<br />
acessado em maio/2003)<br />
A boa governança corporativa proporciona aos proprietários (acionistas ou<br />
cotistas) a gestão estratégica de sua empresa e a efetiva monitoração da direção<br />
executiva. As principais ferramentas que asseguram o controle da propriedade<br />
sobre a gestão são os Conselhos de Administração, a Auditoria Independente e o<br />
Conselho Fiscal. (www.ibgc.org.br acessado em maio/2003).<br />
Outra contribuição à aplicabilidade das práticas de Governança partiu da Bolsa<br />
de Valores de São Paulo, ao criar segmentos especiais de listagem destinados a<br />
empresas com padrões superiores de Governança Corporativa. Além do mercado<br />
tradicional, passaram a existir três segmentos diferenciados de Governança: Nível<br />
1, Nível 2 e Novo Mercado. O objetivo foi o de estimular o interesse dos investidores<br />
e a valorização das empresas listadas.<br />
Basicamente, o segmento de Nível 1 caracteriza-se por exigir práticas<br />
adicionais de liquidez das ações e disclosure. Enquanto o Nível 2 tem por obrigação<br />
práticas adicionais relativas aos direitos dos acionistas e conselho de administração.<br />
O Novo Mercado, por fim, diferencia-se do Nível 2 pela exigência para emissão<br />
exclusiva de ações com direito a voto. Estes dois últimos apresentam como resultado<br />
esperado a redução das incertezas no processo de avaliação, investimento e de risco,<br />
o aumento de investidores interessados e, consequentemente, o fortalecimento do<br />
Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133<br />
129
mercado acionário. Resultados que trazem benefícios para investidores, empresa,<br />
mercado e Brasil. (www.ibgc.org.br, acessado em 19/05/2010)<br />
O IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa é um órgão criado com<br />
a meta principal de contribuir para otimizar o conceito de Governança Corporativa<br />
nas empresas do país. Ao assumir esta missão, o Instituto visa cooperar com o<br />
aprimoramento do padrão de governo das empresas nacionais, para seu sucesso<br />
e perpetuação. A boa Governança Corporativa assegura aos sócios: equidade,<br />
transparência, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa<br />
Equidade<br />
Aristóteles (1973, p. 324-325), afirma que em toda espécie de ação em que<br />
há o mais e o menos também há o igual. Enquanto o injusto é iníquo, o justo é<br />
equitativo; e como o igual é um ponto intermediário, o justo será um meio termo. E<br />
de acordo com Tomás de Aquino (1946, p. 233): “A equidade está ordenada para fazer<br />
triunfar a razão de ser da justiça e o bem comum, objeto próprio da justiça legal”.<br />
Em termos de Governança Corporativa, pode-se dizer que o envolvimento<br />
entre os líderes da empresa, os integrantes do Conselho, os diretores, os auditores,<br />
membros do Conselho Fiscal e as diferentes classes de proprietários deve ser<br />
caracterizado pelo tratamento justo e equânime. Não se aceitam atitudes ou<br />
políticas discriminatórias.<br />
Transparência<br />
Transparente é aquilo que se deixa atravessar pela luz, é diáfano, translúcido,<br />
evidente, claro, dizem os dicionários1 .O Código das Melhores Práticas do IBGC<br />
exige que o executivo principal (CEO) e a diretoria satisfaçam às diferentes<br />
necessidades de informação dos proprietários, do conselho de administração, da<br />
auditoria independente, do conselho fiscal, das partes interessadas (stakeholders) e<br />
do público em geral de modo transparente, sem ocultar nada que seja relevante<br />
para o bom andamento dos negócios. A 4ª edição do referido Código, editado em<br />
2009, pretende basear este princípio em um clima de confiança, não somente entre<br />
o público interno das empresas , como também, em suas relações com terceiros.<br />
Prestação de contas (accountability)<br />
O relatório anual é a mais importante e mais abrangente informação da<br />
companhia, e por isso mesmo não deve se limitar às informações exigidas por lei.<br />
Envolve todos os aspectos da atividade empresarial em um exercício completo,<br />
comparativamente a exercícios anteriores, ressalvados os assuntos de justificada<br />
confidencialidade, e destina-se a um público diversificado.<br />
Os agentes de governança (sócios, administradores, conselheiros de<br />
administração e executivos/ gestores), conselheiros fiscais e auditores) devem<br />
prestar contas de sua administração. E mais, esse dever se complementa com a<br />
1 Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa do Jornal da Tarde. Ed. Globo S.A., São Paulo, S.P. 30ª ed.1993. Novo<br />
Dicionário da Língua Portuguesa, Cândido de Figueiredo, 13ª ed., 1947, W.M. Jackson, Inc. Rio de Janeiro,Brasil.<br />
130<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
demonstração de sua responsabilidade ao assumir as consequências de seus atos<br />
e omissões.<br />
Responsabilidade Corporativa<br />
A responsabilidade é uma virtude que faz com que a pessoa assuma as<br />
consequências pelos seus atos, sejam eles intencionais, resultantes, portanto, das<br />
decisões tomadas ou aceitas; ou não intencionais (ISAACS, 2000, p. 133). Assumir<br />
as consequências significa preocupar-se com a projeção desses atos em relação<br />
aos demais, isto é, se podem beneficiar ou prejudicar as pessoas.<br />
Em se tratando de empresas ou outras instituições, a responsabilidade pelos<br />
resultados, deve ser mais abrangente do que, simplesmente gerar lucros. Significa<br />
preocupar-se com a repercussão dos atos de cada um, em relação à própria empresa<br />
e aos stakeholders.<br />
A 4ª edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa<br />
incluiu como responsabilidade das empresas, a sustentabilidade, de modo que as<br />
estimula a incorporarem considerações de ordem social e ambiental na definição<br />
dos negócios e operações.<br />
Conclusão<br />
As empresas devem ter a preocupação de que todas as suas atividades<br />
estejam permeadas por critérios e práticas éticas. A boa Governança Corporativa<br />
assegura aos sócios: equidade, transparência, prestação de contas (accountability) e<br />
responsabilidade corporativa. Esses valores devem ser assegurados não somente<br />
aos sócios, mas também a todos os stakeholders.<br />
A equidade, por exemplo, deve fazer prevalecer à justiça não apenas no âmbito<br />
dos acionistas e no relacionamento entre eles e a diretoria, auditoria e conselheiros.<br />
A Justiça deve vigorar em todos os setores da empresa. Nenhum privilégio deve<br />
ser concedido, nenhuma informação privilegiada deve ser usada, nenhum abuso<br />
de poder deve ser praticado, nenhum ato desonesto enfim pode ser aceito, nas<br />
empresas que pretendem se pautar pela Ética.<br />
A transparência e a clareza devem ser praticadas entre todos os colaboradores,<br />
clientes, fornecedores, concorrentes e não somente entre os acionistas, diretores e<br />
conselheiros. Nada que seja relevante para o bom andamento dos negócios deve<br />
ser ocultado. Ao mesmo tempo o sigilo e a discrição deverão ser preservados em<br />
todos os âmbitos da organização.<br />
O quadro em que se desenvolve a empresa (sua situação econômica,<br />
financeira, comercial e políticas administrativas) deve ser divulgado entre todos os<br />
interessados na sua atuação. Assim como a responsabilidade deve ser uma virtude<br />
assumida por cada integrante da empresa, cada pessoa tem um papel a cumprir e<br />
o seu desempenho terá influência sobre o desempenho do demais. Todos e cada<br />
um são responsáveis por seus atos.<br />
Com efeito, muitas pessoas passam grande parte do seu tempo nas empresas.<br />
É no convívio com os seus colegas de trabalho e com o público com o qual se<br />
relacionam em função deste trabalho, que se processa o desenvolvimento pessoal<br />
Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133<br />
131
e a realização profissional de cada um. A realidade do dia-a-dia é de uma riqueza<br />
incomensurável, por meio da qual a pessoa cresce, corrige os erros tirando deles<br />
experiência, amadurece, descobre valores, exercita-se na prática desses valores.<br />
Uma virtude, em essência, é um valor incorporado e moldado como ação<br />
(SOLOMON, 2000, p.103). As virtudes resultam de hábitos, e estes da prática<br />
contínua dos mesmos atos. Quem adquire bons hábitos pelo exercício constante<br />
de boas práticas, torna-se uma pessoa íntegra, virtuosa, e a prática das virtudes é<br />
fundamental e se encontra na base da boa Governança Corporativa.<br />
132<br />
Referências Bibliográficas<br />
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Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133<br />
133
134<br />
Resumos de Monografia<br />
Valores e Proteção Social do<br />
Idoso: Proposta de Índice<br />
Experimental de Bem-Estar<br />
Social *<br />
Resumo:<br />
Este artigo aborda ações direcionadas para<br />
a população idosa brasileira, desenvolvidas<br />
por órgãos públicos, empresas privadas e<br />
Organizações da Sociedade Civil de Interesse<br />
Público (OSCIP); sugere indicadores sociais<br />
que identificam os principais valores e<br />
circunstâncias que influem na qualidade<br />
de vida dos idosos. São examinadas<br />
questões consideradas pertinentes e atuais<br />
para a discussão, tais como: a tendência<br />
demográfica, os valores, o bem-estar social<br />
e a gestão intersetorial de políticas públicas.<br />
O estudo buscou identificar quais os valores<br />
implícitos nos programas e projetos sociais<br />
desenvolvidos intersetorialmente que<br />
influenciam as escolhas dos idosos, e como<br />
essas escolhas determinam as condições de<br />
qualidade de vida dessa população.<br />
Palavras-chave: Idoso. Bem-estar social.<br />
Intersetorialidade<br />
Vanessa Martines Cepellos *<br />
* Este artigo foi extraído da monografia de Iniciação Científica,”Valores e proteção social do idoso: proposta de<br />
índice experimental de bem-estar social”, apresentada, em 2009 na Faculdade de Administração da Fundação<br />
Armando Álvares Penteado sob a orientação da Profª Drª Eloísa Helena de Souza Cabral, tendo sido apresentada<br />
também como trabalho em andamento no 9º Congresso de Iniciação Científica SEMESP em novembro de 2009.<br />
* Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado-FAAP<br />
no ano de 2009 e atualmente atua como Professora Auxiliar de Ensino em Tempo Integral na mesma<br />
Instituição.<br />
Email: vmcepellos@faap.br<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
Abstract:<br />
This article deals with activities aimed<br />
at the brazilian elderly population,<br />
developed by public agencies, private<br />
companies and Civil Society Organizations<br />
of Public Interest (OSCIP) suggests social<br />
indicators that identify the core values and<br />
circumstances that influence the quality of<br />
life for seniors. Relevant and current issues<br />
are considered for discussion, such as the<br />
demographic trend, values, social welfare<br />
and management of intersectoral public<br />
policies. The study sought to identify which<br />
e values are implicit in social programs<br />
and projects developed intersectorally<br />
influencing the choices of the elderly, and<br />
how those choices determine the conditions<br />
of quality of life for this population.<br />
Keywords: Elderly. Welfare. Intersectoral
Introdução<br />
Atualmente, muito se discute acerca do aumento de expectativa de vida no<br />
Brasil e do impacto que esse aumento pode causar na sociedade brasileira. Nos<br />
últimos 46 anos a expectativa de vida saltou de 54,6 anos para 72,3 anos, sendo<br />
registrado, em 2006, um aumento de 32,4%. Estudos populacionais indicam que a<br />
projeção da população aponta para um efetivo de 34,3 milhões de idosos em 2050.<br />
Este fato denota o processo de envelhecimento da população brasileira e se deve<br />
a diversos fatores, dentre ao adiamento da mortalidade por conta dos avanços da<br />
medicina e dos meios de comunicação (IBGE, 2008).<br />
Diante dessa conjuntura, é fundamental que toda a sociedade se atente<br />
e acompanhe esse processo de transição demográfica. Esse quadro requer a<br />
busca de alternativas que proporcionem qualidade de vida e bem-estar aos anos<br />
conquistados e sugere uma maior atenção com esse contingente de idosos por<br />
parte dos órgãos governamentais, dos movimentos e associações da sociedade civil.<br />
A partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e posteriormente<br />
com a Política Nacional dos Idosos e o Estatuto do Idoso, essa população vem sendo<br />
alvo de maiores cuidados. A responsabilidade do Estado em assegurar condições<br />
dignas de sobrevivência se estende à iniciativa privada, a qual atua na proposta de<br />
ações sociais, por meio da responsabilidade social, e às Organizações da Sociedade<br />
Civil de Interesse Público (OSCIP), cabendo a esses setores iniciativas na lógica da<br />
solidariedade.<br />
Desta maneira, as ações acontecem por meio de uma nova forma de gerir<br />
serviços com a atuação dos mais diversos atores da sociedade. A intersetorialidade<br />
se faz necessária nessa sociedade em constante transformação e na qual diversos<br />
setores buscam respostas aos problemas da vida moderna. Ações articuladas têm<br />
como objetivo agrupar energias e recursos visando ao bem comum, norteadas<br />
pelas necessidades do público-alvo e transpondo fronteiras setoriais. As propostas<br />
dessas ações e seus valores são revelados na missão das Instituições públicas,<br />
privadas e do Terceiro Setor que, para Cabral (2007), representa a razão de ser da<br />
organização e aponta para onde os esforços devem ser direcionados. A missão<br />
reflete a maneira como uma questão social se apresenta à sociedade e revela os<br />
valores que deverão ser alcançados mediante o processo de gestão. Nessa linha,<br />
a análise da missão dos programas e projetos sociais englobados na pesquisa de<br />
campo realizada subsidiou o estudo em questão.<br />
1 Idosos e as ações intersetoriais<br />
Segundo a definição legal da Política Nacional do Idoso (Lei 8.842, de 4<br />
de janeiro de 1994) e pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de<br />
2003), é considerado idoso o indivíduo com 60 anos ou mais. No Brasil, em 2007,<br />
havia aproximadamente 20 milhões de idosos, representando 10,5% do total da<br />
população (IBGE, 2007). Nos próximos anos a população de idosos será ainda maior,<br />
a projeção da população sinaliza um efetivo de 34,3 milhões de idosos em 2050<br />
no país (IBGE, 2008). Esse aumento gradativo da população de 60 anos ou mais<br />
indica o processo de envelhecimento populacional que se deve, principalmente,<br />
Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de Bem-Estar Social, Vanessa Martines Cepellos, p. 134-140<br />
135
ao adiamento da mortalidade por conta dos avanços da medicina e dos meios de<br />
comunicação.<br />
Como analisa Maltempi (1999), este é um quadro novo que apresenta o Brasil,<br />
não mais como um país de jovens, mas sim, com grande número de idosos. A autora<br />
chama a atenção para a criação de alternativas de qualidade de vida e bem-estar<br />
à essa população de idosos e sugere maior atenção tanto do governo, como da<br />
sociedade, das empresas e das famílias. Deve-se cogitar, portanto, uma trajetória<br />
de envelhecimento bem-sucedida que, de acordo com Guerreiro e Rodrigues<br />
(1999, p.53), faz com que se pense sobre o ideal de manutenção da autonomia<br />
do idoso, permitindo que o indivíduo siga o curso de sua vida, mantenha a sua<br />
identidade e capacidade de interação e contribua para oferecer maior sentido à<br />
sua sobrevivência. Um envelhecimento bem-sucedido está associado à ideia de<br />
socialização dos idosos por meio de redes sociais.<br />
Dessa forma, é relevante que maiores cuidados e atenção sejam direcionados<br />
aos idosos, de maneira que estes se sintam realmente integrantes da sociedade.<br />
Ações sociais que congregam esforços do Governo, das empresas privadas, das<br />
associações e fundações têm a meta de oferecer serviços para a população idosa.<br />
Essas ações congregadas representam uma mistura de integração e proteção social,<br />
que podem ser analisada pela perspectiva da intersetorialidade e que acontecem,<br />
portanto, no espaço público. Junqueira (2004, p.27) faz menção à visão integrada<br />
de diferentes atores acerca dos problemas sociais e declara que a intersetorialidade<br />
está intimamente ligada à qualidade de vida de uma população e chama a atenção<br />
para a necessária visão integrada das questões sociais. Para o autor, esta é uma<br />
nova possibilidade de solucionar os problemas que incidem sobre a população<br />
de um determinado território.<br />
2 Qualidade de Vida e Bem-estar como Valores Sociais<br />
São muitos os conceitos de qualidade de vida e bem-estar. O tema envolve<br />
diversos campos, desde a área da saúde até a economia e por isso as definições são<br />
complexas e diversas. Sen (1993, p.31) estudou o assunto através da Abordagem<br />
das Capabilities, conceito utilizado para a avaliação do bem-estar individual e do<br />
regime social, da concepção de políticas e de propostas de mudanças sociais<br />
associadas a uma ampla gama de áreas. A Abordagem das capabilities abrange todas<br />
as dimensões do bem-estar humano, dando bastante atenção às ligações entre os<br />
aspectos material, mental, social e os interesses econômicos, políticos e culturais<br />
da vida. Para o autor, o alcance do bem-estar de uma pessoa pode ser visto como<br />
uma avaliação da capacidade ou do acesso que a pessoa tem para realizar o estado<br />
de bem-estar. O exercício, então, é avaliar os elementos constituintes do indivíduo,<br />
vistos da perspectiva de acesso ao próprio bem-estar pessoal.<br />
Dessa forma, o bem-estar é avaliado segundo o estado do indivíduo, de acordo<br />
com seus elementos constituintes e suas realizações, compondo o conjunto de<br />
escolhas sociais que constitui o pacote (bundle) de elementos considerados, pelo<br />
próprio indivíduo, valiosos para sua vida. Pode-se dizer que a liberdade da escolha<br />
está intimamente ligada à capability e, portanto, qualidade de vida dos indivíduos.<br />
136<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
3 Metodologia da Pesquisa<br />
A coleta de informações a respeito do que o idoso realiza em sua vida foi<br />
efetuada com base em uma pesquisa de campo, com uma amostra de 110 idosos:<br />
25 idosos asilados, 60 idosos participantes de programas e projetos sociais e 25<br />
idosos não participantes de programas e projetos sociais.<br />
Por grupo de não participantes de programas e projetos sociais, entende-se os<br />
idosos que não participam de ações sociais, pois não se interessam e não procuram<br />
por este serviço. Por grupo de asilados, entende-se idosos que vivem nas entidades<br />
ou instituições beneficentes. Por grupo de participantes de programas e projetos<br />
sociais entende-se os idosos que estão envolvidos em programas e projetos sociais,<br />
sejam eles desenvolvidos pelas prefeituras, empresas ou organizações do Terceiro<br />
Setor.<br />
Assim, foi possível identificar os valores prezados pelos grupos, as escolhas<br />
sociais que estes idosos realizam na sociedade e sua percepção da qualidade de<br />
vida. Para a obtenção de dados primários foi elaborado um questionário composto<br />
por quatro partes.<br />
A primeira parte do questionário, denominada “Caracterização”, identifica o<br />
perfil do idoso através das variáveis de caracterização do indivíduo.<br />
Na segunda parte, denominada “Valores/Atitudes”, o indivíduo deveria ordenar<br />
os valores pessoais de acordo com a importância de cada um deles em sua vida,<br />
atribuindo ao valor mais importante a nota dez, ao menos importante a nota<br />
um e aos demais, atribuir em ordem decrescente do mais importante ao menos<br />
importante as notas de nove a dois, sem repetição da mesma nota para valores<br />
diferentes. Os valores apresentados foram: reconhecimento social, experiência<br />
de vida, auto-estima, participação na comunidade, condição econômica, ser útil<br />
socialmente, laços familiares, amizades, independência e autonomia e proteção.<br />
A terceira parte do questionário, denominada “Temas Sociais”, é composta por<br />
dez questões com cinco ou seis alternativas de resposta, em que o indivíduo deveria<br />
assinalar a alternativa que melhor se encaixa na compreensão do que significa<br />
para ele a oferta de bem-estar. A intenção era identificar o conjunto de escolhas<br />
sociais que o idoso realiza. Os temas sociais que compuseram o questionário foram:<br />
acessibilidade e segurança, assistência social, consumo, relações humanas, cultura,<br />
igualdade social, saúde, trabalho, lazer e uso do tempo.<br />
Na última parte do questionário, denominada “Qualidade de Vida”, foi definido<br />
um formato para medir a intensidade das respostas, em que foram fornecidas dez<br />
afirmações relacionadas aos temas sociais. O entrevistado deveria atribuir uma nota<br />
de 1 a 6 para as frases apresentadas; a nota 1 significava que a pessoa discordava<br />
totalmente da afirmação e a nota 6 que a pessoa concordava totalmente com a<br />
afirmação. Nesta situação, as frases permitiram estimar as alternativas para uma<br />
qualidade de vida satisfatória.<br />
4 Análise dos Resultados<br />
Para o grupo de asilados, os resultados obtidos foram diferentes dos demais,<br />
constituindo-se esse grupo em um caso único. Assim, o valor pessoal “amizades”<br />
Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de Bem-Estar Social, Vanessa Martines Cepellos, p. 134-140<br />
137
é o mais prezado entre os idosos e a condição econômica é o menos prezado. As<br />
escolhas que se referem ao estado de bem-estar relativas a cada tema social foram:<br />
segurança no lar em que reside; abrigo para a Terceira Idade; moradia; convivência<br />
com os amigos da comunidade ou do local em que reside; rádio e TV; aceitação<br />
do idoso; cuidados com a alimentação; satisfação pessoal e auto-estima; religião:<br />
cultos e reuniões; atividades laborais. No que tange à percepção da qualidade de<br />
vida, a afirmação referente ao tema social consumo obteve maior média de notas<br />
e a afirmação relativa ao tema saúde foi o que obteve a menor média.<br />
Para o grupo de não participantes de programas e projetos sociais, o valor<br />
“laços familiares” é o mais prezado dentre os idosos e o valor “reconhecimento<br />
social” é o menos prezado. As escolhas que se referem ao estado de bem-estar,<br />
respectivas a cada tema social, para este grupo foram: equipamentos públicos e<br />
privados adaptados para a Terceira Idade; serviço médico/odontológico; aquisição<br />
de medicamentos e serviços médicos/odontológicos; convivência com os filhos;<br />
rádio e TV; aceitação do idoso; atendimento médico/odontológico, medicamentos<br />
e vacinação; satisfação pessoal e auto-estima; religião: cultos e reuniões; e a<br />
realização de atividades domésticas. No que tange à percepção da qualidade de<br />
vida, a afirmação relativa ao tema social relações humanas obteve maior média<br />
de notas e a afirmação relativa ao tema social assistência social foi o que obteve<br />
a menor média.<br />
Para o grupo de participantes de programas e projetos sociais, o valor “laços<br />
familiares” é o mais prezado dentre os idosos e o valor “proteção” é o menos<br />
prezado. As escolhas que se referem ao estado de bem-estar respectivamente a<br />
cada tema social foram: segurança e defesa pública; serviço médico/odontológico<br />
para a população da Terceira Idade; lazer: teatros, cinemas, viagens, entre outros;<br />
convivência com os filhos; cursos específicos para a Terceira Idade; aceitação do<br />
idoso; cuidados com a alimentação; aplicação da experiência que adquiriu durante<br />
a vida; viagens; realização de atividades domésticas. Concernente à percepção<br />
da qualidade de vida, a afirmação relativa ao tema social uso do tempo foi o que<br />
obteve maior média de notas e a afirmação relativa ao tema assistência social<br />
obteve a menor média.<br />
Os dados possibilitaram a criação de um Índice capaz de medir o Bem-estar<br />
social do idoso, permitindo maior conhecimento acerca dos grupos selecionados<br />
para análise. Para sua criação foi utilizada a metodologia sugerida por Jannuzzi<br />
(2008) de Indicador Sintético. O Índice, denominado Índice Experimental de Bemestar<br />
Social (IEBS) foi configurado com base no conjunto de indicadores de bemestar<br />
social: Indicador Família, Indicador Convivência Familiar, Indicador Nível de<br />
Escolaridade, Indicador Renda e Indicador Escolhas. Os valores do IEBS referente a<br />
cada indivíduo estão situados entre 0 e 1, sendo que “0” representa o mínimo de<br />
bem-estar e “1” representa o máximo de bem-estar na vida do indivíduo.<br />
Os índices IEBS obtidos na pesquisa com os 110 idosos foram submetidos à<br />
análise estatística descritiva com ferramentas do aplicativo Microsoft Excel e os<br />
indivíduos tratados em 3 grupos distintos: participantes de programas e projetos<br />
sociais, não participantes de programas e projetos sociais e asilados. Os resultados<br />
138<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
foram analisados a partir do intervalo de confiança em que se concentram 95%<br />
dos IEBS.<br />
Para o grupo de não participantes de programas e projetos sociais, o intervalo<br />
é de 0,7154 até 0,7979. Isto significa que 95% dos indivíduos do grupo de idosos<br />
que não participam de programas e projetos sociais possuem alto IEBS, pois se<br />
aproximam do valor ideal 1. A média do IEBS deste grupo é 0,7566.<br />
Quanto ao grupo dos participantes de programas e projetos sociais, visto que<br />
95% dos IEBS se concentram no intervalo de 0,6858 e 0,7673, estes atingem parte<br />
do intervalo do grupo de não participantes de programas e projetos sociais, o IEBS<br />
para o tipo ideal de um grupo pode pertencer ao outro grupo na medida em que<br />
as médias são estatisticamente indistintas. A média do IEBS deste grupo é 0,7255.<br />
O intervalo de confiança relativo ao grupo dos asilados ficou entre 0,3844 e<br />
0,5852. Isto significa que 95% dos indivíduos do grupo dos asilados possuem IEBS<br />
dentro deste intervalo e exprimem valores distantes do ideal 1. A média do IEBS<br />
deste grupo é 0,4848.<br />
A criação do IEBS permitiu levantar duas hipóteses: (a) asilados constituem<br />
um grupo de idosos isolados da sociedade; confirmada quando se verifica que a<br />
média do IEBS para o grupo de asilados em relação aos demais grupos de análise<br />
não são estatisticamente iguais, demonstrando que os grupos agregam indivíduos<br />
diferentes para a métrica do IEBS, e a hipótese (b) Os programas e projetos sociais<br />
apresentam uma amplitude quanto ao acolhimento dos indivíduos com os mais<br />
variados perfis mensurados pelo índice; confirmada quando se verifica a igualdade<br />
das médias do IEBS dos grupos de não participantes de programas e projetos sociais<br />
e do grupo de participantes de programas e projetos sociais, demonstrando que os<br />
grupos agregam indivíduos semelhantes para a métrica do IEBS, fato que decorre<br />
da universalidade dos programas sociais que acontecem na intersetorialidade.<br />
Considerações Finais<br />
Este artigo delineou questões concernentes ao idoso, tais como suas<br />
características e sua inserção na sociedade, como também os fatores referentes à<br />
sua qualidade de vida e bem-estar, condições estas propostas pelos diversos atores<br />
sociais e como estes diversos atores podem atuar por meio da intersetorialidade.<br />
Em linhas gerais, este estudo teve como objetivo sugerir indicadores sociais<br />
que permitissem avaliar os principais valores e resultados que interferem na<br />
qualidade de vida dos idosos. A pesquisa de campo teve como finalidade conhecer<br />
quais os valores que o idoso preza, suas escolhas sociais e a percepção que possui<br />
acerca de sua qualidade de vida. Os dados obtidos permitiram ainda a criação<br />
de um Índice, o Índice Experimental de Bem-estar Social do Idoso (IEBS), que<br />
possibilitou separar os grupos de análise e identificar as diferenças entre os grupos<br />
e as possíveis convergências em termos de valores do espaço público nos quais as<br />
iniciativas acontecem.<br />
O resultado obtido permite indicar que asilados compõem um grupo à parte<br />
dos demais analisados, visto que o índice foi capaz de configurá-los como um<br />
caso extremo. Assim, uma Instituição sem um plano pode levar à marginalização<br />
de indivíduos.<br />
Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de Bem-Estar Social, Vanessa Martines Cepellos, p. 134-140<br />
139
Conclui-se, também, que a importância das relações sociais como atributo do<br />
espaço público manifesta-se nas sociabilidades induzidas pelos programas sociais<br />
e são reconhecidas pelos idosos como uma importante contribuição das atividades<br />
intersetoriais para o florescimento do espaço público.<br />
Os entrevistados, ao escolherem a qualidade de vida e bem-estar, definem<br />
os seus olhares para o futuro. Alguns com mais capacidade para determinar suas<br />
condições de qualidade de vida, outros em busca de algumas saídas para que essa<br />
qualidade se materialize. Ambos com crença nos laços e vínculos sociais, crença<br />
essa que qualifica cada ser como essencialmente humano.<br />
140<br />
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<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
A Evolução do Uso de<br />
IPO como Alternativa de<br />
Financiamento por Parte das<br />
Empresas Brasileiras<br />
Andréia Ghion e Horciliano Marques ∗<br />
Resumo:<br />
A oferta pública inicial (IPO), do inglês<br />
“initial public offering”, é considerada<br />
como alternativa para o financiamento e<br />
desenvolvimento das empresas brasileiras.<br />
Apresenta-se, neste artigo, o processo<br />
evolutivo do mercado de capitais, com o<br />
aprimoramento da auto-regulação e a busca<br />
pela eficiência compatível com os maiores<br />
mercados de capitais mundiais. Nossa<br />
abordagem refere-se aos fundamentos<br />
teóricos que proporcionaram sustentação<br />
aos argumentos apontados.<br />
Palavras chave: Abertura. Capital.<br />
Regulamentação. Financiamento.<br />
Desenvolvimento. Mercado de capitais<br />
Abstract:<br />
Initial public offering is evaluated as an<br />
alternative for the funding and growth of<br />
Brazilian companies. The capital market<br />
evolutionary process is discussed, considering<br />
the self-regulation improvements and the<br />
search for effectiveness, which must achieve<br />
the same level as the major worldwide<br />
capital markets. The approach refers to the<br />
theoretical principles that provided grounds<br />
for the opinions expressed here.<br />
Keywords: Public offering. Capital.<br />
Regulation. Funding. Development.<br />
Capital market.<br />
* Andréa Ghion é administradora de empresas, com MBA Executivo pela FAAP, é diretora do Grupo Parra<br />
Comunicação. Horciliano Marques é administrador de empresas, com MBA Executivo pela FAAP, é Gerente de<br />
Prevenção a Atos Ilícitos no Banco Itaú S/A.<br />
A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento..., Andréia Ghion e Horciliano Marques, p. 141-146<br />
141
Introdução<br />
A maioria dos negócios inicia-se com uma empresa individual ou sociedade, e<br />
as mais bem-sucedidas na medida em que crescem consideram desejável converterse<br />
em empresas de capital aberto. Inicialmente, as ações dessas novas empresas<br />
são captadas pelos executivos e funcionários-chave das empresas, além de uns<br />
poucos investidores, que não estão ativamente envolvidos com a administração.<br />
Entretanto, se o crescimento continuar, essas empresas poderão decidir abrir seu<br />
capital 1 .<br />
A Oferta pública inicial (IPO) é o evento que marca a primeira venda de ações<br />
ordinárias de uma empresa no mercado de ações. A abertura de capital pode<br />
ser entendida como a democratização do capital social de uma companhia, pois<br />
permite a distribuição de suas ações a um grande número de investidores. As<br />
limitações de uso do capital de terceiros e o esgotamento da capacidade do Estado<br />
de financiar os crescentes investimentos da indústria nacional em transformação<br />
fizeram com que o mercado de capitais se tornasse estrategicamente importante.<br />
Logo, a decisão de abertura de capital ganhou o merecido destaque.<br />
A estabilização da economia e a liquidez internacional contribuíram para esse<br />
aumento do número de ofertas. Além do mais, não se pode deixar de destacar a<br />
importância da criação de diferentes níveis de governança corporativa por parte<br />
da Bolsa de Valores de São Paulo 2 .<br />
A partir de meados da década de 1990, com a aceleração da abertura da<br />
economia brasileira, houve não somente um aumento do volume de investidores<br />
estrangeiros atuando no mercado de capitais brasileiro, como algumas empresas<br />
brasileiras começam a alcançar o mercado externo pela da listagem de suas ações<br />
em bolsas de valores estrangeiras, com o intuito de se capitalizar por meio do<br />
lançamento de valores mobiliários no exterior, principalmente nos EUA. Com isso,<br />
as companhias abertas nacionais foram obrigadas a seguir as regras contábeis,<br />
de transparência e divulgação de informações impostas pelo órgão regulador<br />
do mercado de capitais norte-americano, “Securities and Exchange Commission”<br />
(SEC). Além do mais, com a listagem internacional essas empresas começaram a<br />
atrair acionistas mais exigentes, habituados a investir em mercados com práticas<br />
de governança corporativa, mais avançadas das aplicadas no mercado brasileiro.<br />
Tais práticas garantiam tanto proteção ao acionista minoritário, como redução das<br />
incertezas em relação às aplicações financeiras, uma vez que possuíam regras de<br />
maior transparência e supervisão de tais companhias.<br />
Neste cenário ocorre a necessidade de alterações da Lei Societária em vigor<br />
desde 1976 (Lei nº 6.404/76) 3 , surgindo a Nova Lei das S/As - Nº 10.303 de 2001 4 a<br />
142<br />
1 WESTON, J. Fred; BRIGHAM, Eugene F. Fundamentos da administração financeira. 10ª Ed.. São Paulo: Pearson<br />
Education do Brasil, 2000. p. 756.<br />
2 BOVESPA. Disponível em: . Acesso em 25 mai 2008.<br />
3 Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações.<br />
4 Lei no 10.3033/01, de 31 de outubro de 2001 - Altera e acrescenta dispositivos na Lei nº 6.404, de 15 de<br />
dezembro de 1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações, e na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976,<br />
que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários.<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
fim de aperfeiçoar e incrementar os direitos e proteção dos acionistas minoritários,<br />
fortalecer o mercado de capitais e estimular a maior participação dos investidores.<br />
Nessa alteração foram introduzidas diversas regras com princípios de “disclousure”<br />
(transparência), tratamento eqüitativo, “compliance” e “accountability” (prestação<br />
de contas), além da volta do “tag along” que estabelece garantia de preço aos<br />
acionistas minoritários na venda das suas ações, impedindo que sejam ignorados,<br />
na venda do controle da empresa pelo acionista majoritário.<br />
Essas alterações contribuíram para a confiabilidade dos investidores e, a<br />
partir de 2003, haveria um reaquecimento do mercado acionário, com aumentos<br />
significativos nos volumes médios diários de negócios registrados pela Bovespa 5 .<br />
Com a modernização do Mercado de Capitais, a auto-regulação foi um tema<br />
que ganhou maior importância, aparecendo a necessidade de uma regulamentação<br />
específica das ofertas públicas. Essa regulamentação foi consolidada na Instrução<br />
CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003 6 . Um ponto interessante desta<br />
regulamentação, deixa claro que a CVM apenas regula o processo, eximindo-se de<br />
qualquer avaliação relativa às expectativas de retorno do papel objeto da oferta.<br />
Neste sentido, destaca-se o importante papel desempenhado pela Associação<br />
Nacional dos Bancos de Investimento (ANBID) 7 , que é a principal representante das<br />
instituições que atuam no mercado de capitais brasileiro, e tem por objetivo buscar<br />
seu fortalecimento como instrumento fomentador do desenvolvimento do país.<br />
Dentre as recentes iniciativas voltadas para o aperfeiçoamento do Mercado<br />
de Capitais no Brasil, destaca-se o Plano Diretor do Mercado de Capitais 8 , liderado<br />
pela Bovespa e com a participação de 45 outras entidades. Os principais objetivos<br />
desse Plano Diretor foram identificar as ações do governo e do setor privado<br />
promovidas para superar obstáculos ao desenvolvimento e à funcionalidade do<br />
mercado de capitais brasileiro, criando condições compatíveis com sua eficiência;<br />
promovendo adequado grau de coordenação entre ações públicas e privadas e<br />
mobilizar todos os segmentos da sociedade em favor da prioridade e urgência do<br />
desenvolvimento desse mercado.<br />
Entre os principais resultados alcançados, destacam-se a alteração na<br />
tributação sobre o mercado de capitais, com destaque para o fim da contribuição<br />
provisória sobre a movimentação financeira (CPMF); o aperfeiçoamento dos<br />
processos de auto-regulação; e o aperfeiçoamento das boas práticas de governança<br />
corporativa.<br />
É importante mencionar entre estes resultados a criação do Bovespa Mais,<br />
novo segmento destinado às empresas com estratégias graduais e diferenciadas<br />
de acesso ao mercado de capitais e que se comprometem com boas práticas de<br />
5 BOVESPA. Disponível em: . Acesso em 25 mai 2008.<br />
6 COMISSÃO DE VALORES MOBIL. Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003. Dispõe sobre as ofertas<br />
públicas de distribuição de valores mobiliários, nos mercados primário ou secundário. Disponível em:<br />
. Acesso em 27 mai 2008.<br />
7 ANBID, op. cit.<br />
8 PLANO DIRETOR DO MERCADO DE CAPITAIS. Disponível em:<br />
. Acesso em 15 set 2008.<br />
A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento..., Andréia Ghion e Horciliano Marques, p. 141-146<br />
143
governança corporativa. A criação deste novo segmento permitiu a redução dos<br />
custos de IPO e facilitou o acesso ao mercado de capitais.<br />
Na Ata da 24ª Reunião do Comitê Executivo do Plano Diretor do Mercado de<br />
Capitais realizada em 23/04/2007 9 , além de ter sido feito um balanço dos resultados<br />
obtidos, também foram definidas as principais diretrizes que têm norteado e que<br />
nortearão a atuação do citado fórum, entre as quais se ressaltam:<br />
144<br />
a) Atuação junto ao Ministério da Educação visando à inclusão nos cursos<br />
básicos de disciplinas voltadas para educação financeira e de formação de<br />
poupança de longo prazo.<br />
b) A continuidade ao Programa de Popularização do Mercado, que vem<br />
sendo conduzido pela Bovespa, buscando inclusive maior participação dos<br />
trabalhadores no capital das empresas.<br />
c) A criação de um novo modelo previdenciário, buscando benefícios fiscais<br />
de longo prazo e permitindo que este seja mais um veículo de participação<br />
dos trabalhadores no capital das empresas.<br />
d) A possibilidade dos trabalhadores utilizarem, voluntariamente, parte dos<br />
recursos do FGTS para a aquisição de ações.<br />
e) A utilização da Participação nos lucros e resultados (PLR) do trabalhador no<br />
capital das empresas, cujo estudo já foi desenvolvido, dependendo de uma<br />
ação que envolva várias entidades para sua efetiva implementação.<br />
f) Os fundos de investimentos, os certificados de recebíveis imobiliários, a<br />
securitização de hipotecas e seus derivativos, a abertura do capital das<br />
empresas do setor são alguns dos veículos do mercado de capitais que<br />
podem ser utilizados para o desenvolvimento do mercado imobiliário.<br />
g) A possibilidade de criação de novos títulos agrícolas e a abertura de capital<br />
na bolsa de empresas do setor são fortes indicativos que caberá ao mercado<br />
de capitais financiar o crescimento do setor agrícola.<br />
Pode-se afirmar que nas últimas décadas foram inúmeras as transformações<br />
pelas quais passou o mercado de capitais brasileiro, saindo de um período de<br />
baixa regulamentação e pouco apelo junto à sociedade, e que chega aos dias<br />
atuais permeado por uma legislação mais eficiente e possuindo um maior nível<br />
de penetração junto à sociedade em geral.<br />
Em que pese às críticas existentes em relação à lisura e forma de condução dos<br />
processos de privatização no Brasil, é inegável que os recursos obtidos por meio da<br />
venda das empresas estatais foram fundamentais para a melhoria dos fundamentos<br />
econômicos do país, principalmente no que se refere à redução da dívida pública.<br />
Além do mais, os investimentos realizados pelas empresas que assumiram o<br />
controle das estatais deram inicio a uma fase de transformação na infra-estrutura<br />
de serviços do no país. Apesar dos inúmeros problemas ainda existentes, quem<br />
não se recorda do período em que os usuários enfrentavam uma longa espera para<br />
terem acesso a uma linha telefônica?<br />
Outro exemplo de sucesso é o caso da Vale do Rio Doce que, na época de sua<br />
9 Ata da 24ª Reunião do Comitê Executivo do Plano Diretor do Mercado de Capitais – 23/04/07 - Sede da Bovespa.<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
privatização estava praticamente falida e hoje se tornou uma companhia global.<br />
No setor privado, o IPO também se mostrou uma alternativa interessante para<br />
obtenção de investimentos onde inúmeras empresas abriram seu capital, visando<br />
atrair recursos para dar continuidade ao seu processo de crescimento. Até mesmo<br />
grandes Grupos Empresariais, cuja administração tinha caráter basicamente familiar,<br />
foram atraídos por este mecanismo, como por exemplo, os Grupos Gerdau e Pão<br />
de Açúcar.<br />
É importante destacar que como qualquer outra estratégia empresarial, o uso<br />
do IPO como fonte de captação de recursos apresenta vantagens e desvantagens.<br />
Entre as vantagens, podemos mencionar o aumento da base de captação de<br />
recursos, o que permite atrair investimentos que serão destinados ao financiamento<br />
de projetos, expansão, mudança de escala ou diversificação de seus negócios, ou<br />
mesmo à reestruturação de seus passivos financeiros.<br />
A abertura de capital também apresenta algumas desvantagens, como a que<br />
se refere aos custos financeiros deste processo, uma vez a empresa será obrigada<br />
a manter um departamento de acionistas e um departamento de relações com os<br />
investidores, com a missão de centralizar todas as informações internas a serem<br />
fornecidas ao mercado. Adicionalmente, a companhia deverá contratar uma<br />
empresa especializada em emissão de ações escriturais, custódia, serviços de<br />
planejamento, de corretagem e “underwriting”. Além disso, também deverá arcar<br />
com os custos referentes às taxas da CVM e das Bolsas de Valores; à contratação de<br />
serviços de auditores independentes mais abrangentes que aqueles exigidos para<br />
as demais companhias; e as despesas de divulgação de informação sistemática ao<br />
mercado sobre as atividades da empresa.<br />
Do ponto de vista do cenário atual e das perspectivas futuras, devemos frisar<br />
a importância da criação da nova bolsa, que tende não só a consolidar-se, mas<br />
melhorar, na medida do crescimento do País e do reconhecimento da economia<br />
brasileira entre as mais atrativas do mundo. Outro acontecimento recente refere-se<br />
à classificação do Brasil como “investment grade”. Normalmente, quando se recebe<br />
a nova classificação, o prêmio de risco cai, atraindo investidores para o Mercado<br />
de Capitais interno. A percepção que prevalece é que, com a eventual retomada<br />
do crescimento econômico, virá para o Brasil um número elevado de investidores<br />
estrangeiros, o que fará com que a demanda cresça, incentivando as empresas ao<br />
lançamento de suas ações.<br />
Dessa forma, parece claro que a captação de recursos por meio da abertura<br />
de capital é uma alternativa interessante. Contudo, a decisão final deverá levar em<br />
conta vários fatores, como a situação macroeconômica, setorial e do mercado de<br />
capitais. O cenário atual exemplifica de forma bastante clara que o mercado de<br />
valores imobiliários é cíclico e, nem sempre, é possível realizar a abertura de capital<br />
a um preço considerado justo pelos atuais acionistas. Desta forma, é necessário que<br />
a operação seja concretizada no momento certo, que nem sempre coincide com a<br />
necessidade de recursos da empresa, exigindo, portanto, que haja um planejamento<br />
de médio prazo. Outro ponto importante a ser considerado, é o fato de o mercado<br />
de capitais ainda ser relativamente elitizado, ou seja, é necessário que a companhia<br />
já tenha certo porte, tradição, administração de caráter profissional e que atue num<br />
A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento..., Andréia Ghion e Horciliano Marques, p. 141-146<br />
145
mercado interessante e com perspectivas positivas. Desta forma, para empresas de<br />
pequeno porte, ou que atuem em segmentos fortemente afetados por questões<br />
como a informalidade, a abertura de capital ainda não se apresenta como uma<br />
alternativa atraente de financiamento.<br />
É possível afirmar que o aumento no uso de IPO, é um fator benéfico para<br />
todo o mercado de capitais, pois além de acelerar o crescimento da produção<br />
e do emprego, permitirá atingir outros objetivos de significado social, como<br />
a geração de recursos para grandes projetos de infra-estrutura, impactando a<br />
melhora da qualidade de vida da população; o aceso à casa própria, com a oferta<br />
de financiamento habitacional de longo prazo e, finalmente, a democratização do<br />
capital, ao facilitar o acesso de pequenos poupadores a projetos de grande escala<br />
e rentabilidade.<br />
146<br />
Referências Bibliográficas<br />
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Disponível em: .<br />
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SOUZA SANTOS, Tharcisio Bierrenbach. Desenvolvimento financeiro e crescimento<br />
econômico: a modernização do sistema financeiro brasileiro [tese]. Departamento<br />
de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na Universidade de<br />
São Paulo: São Paulo, 2005.<br />
WESTON, J. Fred; BRIGHAM, Eugene F. Fundamentos da administração financeira.<br />
10ª Ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2000.<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Responsabilidade social empresarial a<br />
contribuição dos relatórios sociais para<br />
a sua gestão estratégica *<br />
Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares **<br />
Resumo:<br />
O presente artigo tem como foco a<br />
Responsabilidade Social Empresarial,<br />
buscando avaliar sua importância no meio<br />
empresarial e destacar a importância<br />
dos relatórios sociais como ferramentas<br />
utilizadas pelas empresas para difundir a<br />
ideia, publicar e mensurar os resultados<br />
das suas ações de responsabilidade social.<br />
São discutidos ainda dois modelos de<br />
mensuração de resultados, o Balanço Social<br />
do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e<br />
Econômicas (IBASE) e o Global Reporting Initiative<br />
(GRI) da Coalition for Environmentally Responsible<br />
Economies (CERES) e do Programa das Nações<br />
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Por<br />
fim, o artigo aborda a forma como esses<br />
relatórios são utilizados pela empresa<br />
Vale para avaliar a importância desses dois<br />
modelos na apresentação dos resultados das<br />
ações de responsabilidade social.<br />
Palavras Chave: Responsabilidade social,<br />
Estratégia, Relatórios de Responsabilidade<br />
Social, Vantagem Competitiva.<br />
Abstract:<br />
The present article focuses on Corporate<br />
Social Responsiblity, in order to evaluate its<br />
importance in the corporative environment.<br />
It also aims to emphasize the role of social<br />
reports as tools used by the corporations to<br />
disseminate the idea of Social Responsibility<br />
and publish and measure the results of<br />
their actions in this area. Two models of<br />
result measurement are discussed: the<br />
Balanço Social do Instituto Brasileiro de Análises Sociais<br />
e Econômicas - IBASE (Social Balance of the<br />
Brazilian Institute of Social and Economic<br />
Analysis) and the Global Reporting Initiative<br />
(GRI) of the Coalition for Environmentally<br />
Responsible Economies (CERES) and of the<br />
United Nations Environment Programme<br />
(UNEP). Finally the article analyzes how<br />
these reports are used by Vale Corporation<br />
to evaluate the importance of these<br />
two models in the presentation of social<br />
responsibility actions results.<br />
Keywords: Social Responsability, Strategy,<br />
Social Responsabiblity Report, Conpetitive<br />
Advantage.<br />
*<br />
Este artigo foi extraído da monografia de Iniciação Científica, “Responsabilidade social empresarial e a contribuição<br />
dos relatórios sociais para a sua gestão”, apresentada, em 2009, na Faculdade de Administração da Fundação<br />
Armando Alvares Penteado, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Dirce Harue Ueno Koga , tendo sido apresentada<br />
também como trabalho em andamento no 9º Congresso de Iniciação Científica SEMESP em novembro de 2009.<br />
**<br />
Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares são graduadas em Administração de Empresas pela<br />
Faculdade de Administração da FAAP.<br />
Responsabilidade social empresarial a contribuição..., Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares, p. 147-153<br />
147
Introdução<br />
O conceito de Responsabilidade Social é tão antigo quanto podemos imaginar,<br />
ele existe desde o inicio de nossa sociedade, porém não da perspectiva que<br />
conhecemos atualmente. Na sociedade colonial brasileira a Responsabilidade Social<br />
já estava, porém como forma de filantropia realizada principalmente pelas Igrejas.<br />
O século XX e o início do século XXI representam um marco para a<br />
Responsabilidade Social, pois nesse período a temática começou a envolver<br />
também o âmbito empresarial, uma vez que, até então, ela estava mais presente na<br />
sociedade por meio das instituições governamentais e religiosas. Nesse momento,<br />
o desemprego, a exclusão social, fez com que a idéia de Responsabilidade Social<br />
passasse a ser aplicada também nas empresas, nascendo assim, a Responsabilidade<br />
Social Empresarial (RSE).<br />
Apesar do desenvolvimento da idéia de RSE “a premissa fundamental da<br />
legislação sobre as corporações era de que tinha como propósito, a realização do<br />
lucro para seus acionistas” (ASHLEY, et al, 2004, p. 18), entretanto surgiram diversas<br />
manifestações no mundo em favor da Responsabilidade Social e a “noção de<br />
que a corporação deve responder apenas aos acionistas, sofreu muitos ataques”<br />
(ASHLEY, et al, 2004, p. 19). Embora o conceito mais amplo de Responsabilidade<br />
Social Empresarial já houvesse sido desenvolvido, ele ainda era muito limitado à<br />
idéia de garantir a segurança no ambiente de trabalho com preocupações com a<br />
ética empresarial e princípios como: honestidade, integridade, justiça e confiança.<br />
O conceito de RSE se ampliou quando incorporou o conceito e os interesses<br />
de stakeholders 1 : “a idéia de responsabilidade dissocia-se progressivamente na noção<br />
discricionária de filantropia, e passa a referir-se às consequências das próprias<br />
atividades usuais da empresa” (KREITLON, 2004, p. 5).<br />
Na década de 90 o tema da Responsabilidade Social assumiu um aspecto<br />
empresarial tão forte, ao ponto de se transformar em uma doutrina empresarial,<br />
sem a qual não há sucesso. Nesse sentido, os empresários foram incentivados a<br />
investir cada vez mais em causas sociais o que contribuiu de forma significativa<br />
para gerar mudanças de grau estratégico nas empresas. A RSE passa a ser encarada<br />
como uma atividade associada ao negócio da empresa, envolvendo inclusive uma<br />
atitude estratégica, no sentido de fortalecer sua imagem.<br />
Embora muito difundido entre as empresas, o tema da Responsabilidade<br />
Social ainda não tem seu conceito totalmente consolidado, ou seja, cada autor<br />
ou fundação cria seu próprio conceito, o que consequentemente faz com que as<br />
empresas tenham posturas tão diferenciadas, dependendo do conceito de RSE<br />
adotado por ela. Um dos conceitos mais utilizados e conhecidos atualmente é o<br />
do Instituto ETHOS,<br />
1 Os stakeholders são os grupos de interesse para a empresa, “partes [...] interessadas no funcionamento da<br />
empresa, seja porque impactam ou são impactados pela empresa [...] Entre eles podemos incluir comunidades<br />
[...], empregados, consumidores, fornecedores, associações comerciais, governos, mídia, ONGs, (OLIVEIRA, J.,<br />
2008, p. 94-95), também a sociedade, bancos, meio ambiente, entre outros. Cada empresa tem seus stakeholders<br />
dependendo de seu segmento.<br />
148<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Responsabilidade Social Empresarial é a forma de gestão que se define pela<br />
relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais<br />
se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem<br />
o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos<br />
ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e<br />
promovendo a redução das desigualdades sociais. (INSTITUTO ETHOS, 2009).<br />
Apesar da constante evolução e aperfeiçoamento das diversas definições de<br />
Responsabilidade Social Empresarial nota-se que a RSE tem uma relação íntima<br />
com a ciência da Administração.<br />
Sua aplicabilidade de forma estratégica mostra-se muito vantajosa para as<br />
empresas, pois pode reforçar a imagem e se converte em vantagem competitiva<br />
para as organizações. A sociedade, o governo e todos os demais stakeholders têm<br />
cobrado das empresas uma postura socialmente responsável e estas sabem dessa<br />
tendência e, portanto, buscam “na responsabilidade social, uma nova estratégia para<br />
aumentar seu lucro e potencializar seu desenvolvimento.” (ASHLEY, et al, 2004, p. 3),<br />
por isso é crescente o número de empresas que vem se interessando pela temática.<br />
No estudo em questão percebeu-se que a empresa ao adotar a responsabilidade<br />
em sua estratégia de negócio deve produzir ou utilizar ferramentas e/ou relatórios<br />
de gestão que sejam capazes de criar vantagem competitiva. Por essa razão<br />
muitas empresas têm divulgado relatórios, demonstrando sua performance,<br />
desempenho e iniciativas nas questões sociais e ambientais, a fim de obter um<br />
ganho econômico-financeiro: “independentemente do porte da empresa, nota-se<br />
que a Responsabilidade Social é considerada cada vez mais como uma das principais<br />
estratégias para alavancar seu crescimento” (ASHLEY, et al, 2004, p. 11).<br />
Desta forma, identificamos diversas ferramentas que podem ser utilizadas<br />
pelas empresas de acordo com seu perfil e objetivo de negócio. Dessas ferramentas<br />
analisadas duas foram selecionadas como as mais importantes e mais abrangentes,<br />
para o foco desse trabalho: o Balanço Social do IBASE e as Diretrizes da GR.<br />
Diversas instituições desenvolveram instrumentos para mensuração de ações<br />
sociais e ambientais das empresas, a maioria destes instrumentos são indicadores de<br />
desempenho que integram as dimensões econômica, social e ambiental. Porém, não<br />
existe um padrão de relatório consolidado, ou exigido por lei, cada empresa pode<br />
desenvolver seu próprio modelo. Estas publicações são estratégias de comunicação<br />
já adotadas por várias empresas com o objetivo de divulgação de suas ações, porém,<br />
para os relatórios passarem a exercer sua função social, é preciso ultrapassar o<br />
caráter divulgador, e que permitam às próprias empresas e à sociedade avaliarem<br />
os resultados concretos de sua atuação na área de Responsabilidade Social.<br />
O Balanço Social modelo IBASE, é um dos modelos mais divulgados e uma<br />
referencia de Balanço Social no Brasil. O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e<br />
Econômicas (IBASE) fundado, em 1981, por Herbert de Souza, desenvolveu em<br />
parceria com empresas públicas e privadas um modelo de Balanço Social que<br />
estimula as empresas a divulgarem informações referentes às suas atividades<br />
sociais. O Instituto elaborou um padrão para o relatório que facilita a análise da<br />
função social de uma empresa ao longo dos anos e auxilia os gestores na analise<br />
comparativa com outras empresas. É um modelo simples e direto, mas engloba<br />
Responsabilidade social empresarial a contribuição..., Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares, p. 147-153<br />
149
questões importantes em relação à Responsabilidade Social das empresas. O<br />
modelo do Balanço Social do IBASE apresenta seis divisões, descritas abaixo:<br />
1) Base de Cálculo: informações financeiras;<br />
2) Indicadores Sociais Internos: investimentos em programas sociais que<br />
atendam empregados e dependentes, também chamados de benefícios;<br />
3) Indicadores Sociais Externos: investimentos em programas sociais que<br />
atendam a comunidade externa da empresa, chamados de patrocínios;<br />
4) Indicadores Ambientais: investimentos em programas sociais relacionados<br />
com o meio ambiente e recursos naturais;<br />
5) Indicadores do Corpo Funcional : mostra o perfil de recursos humanos da<br />
empresa, sendo considerados os empregados, estagiários e terceiros;<br />
6) Informações Relevantes quanto ao Exercício da Cidadania Empresarial: a<br />
postura da empresa perante a sociedade. Trás métricas que refletem a política de<br />
recursos humanos, a relação com seus consumidores e a riqueza produzida pela<br />
empresa.<br />
O modelo de relatório social do IBASE demonstra todos os investimentos<br />
realizados pela empresa nos aspectos mencionados acima, sempre em forma<br />
numérica, sendo um relatório 100% quantitativo.<br />
O Global Reporting Initiative (GRI) foi lançado oficialmente em 2002, uma iniciativa<br />
conjunta da organização não-governamental Coalition for Environmentally Responsible Economies<br />
(CERES) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). A GRI<br />
apresenta uma estrutura mundialmente aceita para relatórios de sustentabilidade,<br />
seu objetivo é permitir às empresas e outras organizações preparar relatórios<br />
padronizados e comparáveis entre si, com a possibilidade de medir, divulgar e<br />
prestar contas para os stakeholders. Um relatório baseado na GRI divulga os resultados<br />
obtidos dentro de um período relatado, no contexto dos compromissos, da<br />
estratégia e da forma de gestão da organização. O relatório apresenta inúmeros<br />
indicadores que compõem diretrizes e são distribuídos em seis categorias<br />
apresentadas abaixo:<br />
1) Indicadores de desempenho econômico: financeiros da organização,<br />
demonstram os principais impactos econômicos e o fluxo de capital da empresa,<br />
distribuídos entre diferentes stakeholders;<br />
2) Indicadores de desempenho do meio ambiente: demonstrados os<br />
impactos da organização sobre sistemas naturais vivos e não-vivos abrangem o<br />
desempenho relacionado a insumos (como material, energia, água) e a produção<br />
(emissões, efluentes, resíduos). Apontam o desempenho relativo à biodiversidade,<br />
à conformidade ambiental entre outros dados relevantes;<br />
3) Indicadores de desempenho referentes a práticas trabalhistas e trabalho<br />
decente: considerados aspectos de desempenho fundamentais referentes a práticas<br />
trabalhistas, direitos humanos, sociedade e responsabilidade pelo produto;<br />
4) Indicadores de desempenho referentes a direitos humanos: importância<br />
dada aos direitos humanos nas práticas de investimento e seleção de fornecedores<br />
e empresas contratadas, o treinamento dos empregados em direitos humanos e<br />
em não discriminação, liberdade de associação, trabalho infantil, direitos dos índios<br />
e trabalho forçado e escravo;<br />
150<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
5) Indicadores de desempenho social referente à sociedade: abordam os<br />
impactos que as empresas geram nas comunidades em que operam e enfocam a<br />
divulgação de como os riscos resultantes de suas interações com outras instituições<br />
sociais;<br />
6) Indicadores de desempenho referentes à responsabilidade pelo produto:<br />
abrange os aspectos dos produtos e serviços da organização relatora que afetam<br />
diretamente os clientes, saúde e segurança, informações e rotulagem, marketing<br />
e privacidade.<br />
O modelo da GRI demonstra as atividades da empresa em todos os aspectos<br />
mencionados acima, porém dentro de cada categoria existem itens a serem<br />
preenchidos, podendo ser quantitativos em números ou descrevendo as atividades<br />
realizadas, desta forma, mesclando o quantitativo e o qualitativo.<br />
Os dois modelos de Relatórios de Responsabilidade Social apresentados<br />
são muito diferentes entre si, em relação à amplitude de informações abordadas,<br />
sendo a GRI, uma ferramenta muito mais completa do que o Balanço Social. Porém<br />
os objetivos são bastante similares, pois as duas ferramentas são utilizadas por<br />
empresas para divulgar suas ações de Responsabilidade Social para seus stakeholders<br />
e quanto aos temas abordados são todos convergentes.<br />
Partindo desses dois modelos foi selecionada uma empresa para que a<br />
aplicabilidade dessas ferramentas fosse avaliada na prática. Desta forma, a<br />
escolha recaiu sobre a Vale, maior empresa da América Latina e referência em<br />
Responsabilidade Social Empresarial. Foram realizadas entrevistas e coletados<br />
depoimentos de profissionais que atuaram de forma direta no processo de<br />
construção de uma nova perspectiva de Responsabilidade Social da empresa Vale,<br />
sendo Liesel Mack Filgueiras, (Gerente Geral de Responsabilidade Social Corporativa<br />
da Vale e Fundação Vale), em 06 de novembro de 2009 e Olinta Cardoso Costa que,<br />
em 2007, ocupava o cargo de Diretora de comunicação da Vale e de presidente da<br />
Fundação Vale.<br />
O ano de 2007 foi escolhido para realização da análise, pois neste ano foram<br />
implementadas na Vale novas ferramentas no campo da Responsabilidade Social<br />
Empresarial com a utilização das diretrizes da GRI em seu relatório social, além<br />
da continuidade do relatório Balanço Social IBASE anteriormente utilizado pela<br />
empresa. Assim, 2007, foi o primeiro e último ano em que a Vale utilizou os dois<br />
modelos de relatórios sociais, o Balanço Social e a GRI.<br />
A análise do relatório, Balanço Social IBASE 2007 da Vale, percebe-se que<br />
ele está parcialmente preenchido, nota-se que os dados obtidos através do<br />
departamento financeiro estão completos, enquanto outros dados mais detalhados<br />
ficaram em branco, o que demonstra que a empresa não tinha informação suficiente<br />
para preencher o relatório. Em entrevista com Liesel Mack Filgueiras, ficou evidente<br />
que na empresa Vale a área de controladoria era uma das principais fontes de<br />
informação para elaboração do Balanço Social. De forma geral, verificou-se que a<br />
ferramenta não era vista como uma peça estratégica pela empresa.<br />
Ao ser analisado, o Relatório GRI 2007 da Vale, verifica-se que se trata de um<br />
relatório muito complexo e amplo, que engloba detalhadamente os aspectos<br />
Responsabilidade social empresarial a contribuição..., Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares, p. 147-153<br />
151
e descrições de cada indicador, possuindo no total 226 páginas, o tamanho e a<br />
abrangência do relatório é superior ao do Balanço Social IBASE. Para aplicação<br />
das diretrizes contidas no relatório GRI foi necessária uma adequação na empresa;<br />
uma área especifica foi criada para desenvolver esta atividade e não mais pelo<br />
departamento financeiro, “mais de 600 pessoas envolvidas na implantação do<br />
processo” (informação verbal) 2 . Pode-se perceber que a empresa ao adotar este<br />
modelo de ferramenta, passou a encarar a temática da Responsabilidade Social<br />
Empresarial de forma estratégica, ou seja, como um padrão de gestão envolvendo<br />
diversas áreas da empresa.<br />
Assim, apesar do conceito de RSE ainda não estar perfeitamente consolidado,<br />
as empresas estão adotando, cada vez mais, as práticas de Responsabilidade<br />
Social visando vantagens financeiras e competitivas. Uma empresa ao adotar<br />
uma postura socialmente responsável não pode somente realizar ações pontuais<br />
e isoladas de modo a simplesmente mostrar para a sociedade que está realizando<br />
ações de Responsabilidade Social. Os compromissos da empresa a pressionam a<br />
ir além disso. O estudo permite afirmar que para uma empresa obter as devidas<br />
vantagens com a Responsabilidade Social Empresarial, deve encará-la como uma<br />
estratégia corporativa.<br />
Pesquisando as possíveis utilizações dos relatórios, pode-se constatar que,<br />
quando se deseja adotar a Responsabilidade Social de forma estratégica, elas são<br />
grandes facilitadores para as empresa. Porém, como a própria identidade desses<br />
relatórios revela, tratam-se de ferramentas, de instrumentos que por si mesmos,<br />
não são capazes de alterar a cultura organizacional da empresa. Dessa forma,<br />
os relatórios deixam de ser meros prestadores de contas, relatos de números e<br />
atividades, que não agregam seu potencial valor ao negócio.<br />
Verificou-se também que a maioria das empresas que utilizam estes relatórios<br />
são de grande porte, pela própria pressão internacional, já que são obrigadas a<br />
estarem alinhadas com políticas globais.<br />
As vantagens para as empresas ao adotar um relatório de Responsabilidade<br />
Social de forma estratégica são diversas, porém, ficou constatado que o ponto mais<br />
importante e relevante é a imagem da empresa, o que consequentemente gera<br />
impacto e benefícios para a empresa como um todo.<br />
Concluí-se, portanto, que uma estratégia corporativa de responsabilidade<br />
social, gera um diferencial competitivo entre as empresas, melhorando seu<br />
desempenho em todos os aspectos. E para que isto se efetive é necessário que os<br />
relatórios de Responsabilidade Social funcionem como peças chaves neste processo,<br />
possibilitando a geração de diversas vantagens, tais como, impacto positivo na<br />
imagem corporativa, potencialização da marca, obtenção de reconhecimento de<br />
toda cadeia de stakeholders, etc. Além disso, os relatórios de RSE, como indicadores de<br />
resultados, possibilitam a conquista de novo mercados, o incremento nas vendas<br />
e lucros, a solicitação de benefícios fiscais, o reconhecimento e maior lealdade de<br />
seus empregados, o aumento da confiança, possibilitando assim um aumento de<br />
sua participação no mercado. A conjunção de todos esses elementos em um plano<br />
2 Entrevista realizada com Liesel Mack Filgueiras (gerente geral da Fundação Vale), em 06 de novembro de 2009.<br />
A transcrição foi feita pelos autores.<br />
152<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
de RSE e sua expressão por meio dos relatórios de responsabilidade social indicam<br />
a ampliação do conceito de RSE na direção dos interesses de todos os envolvidos<br />
com a organização, o transformando de fato em instrumento de gestão estratégica.<br />
Referências Bibliográficas<br />
ASHLEY, Patrícia Almeida et al. Ética e responsabilidade social nos negócios. São<br />
Paulo: Saraiva, 2004.<br />
HAAGSMA, Cristiane Fernandes e TAVARES, Marcella Balthar. Responsabilidade Social<br />
Empresarial e a Contribuição dos Relatórios Sociais para sua gestão <strong>Estratégica</strong>.<br />
Monografia (Trabalho de Iniciação Científica) – Fundação Armando Álvares Penteado.<br />
Faculdade de Administração. São Paulo, 2009.<br />
INSTITUTO ETHOS. O que é RSE. Disponível em: Acesso em: 18 de ago. 2009.<br />
KREITLON, Maria Priscilla. A Ética nas Relações entre Empresas e Sociedade:<br />
Fundamentos Teóricos da Responsabilidade Social Empresarial. (Artigo) Associação<br />
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ENANPAD). Curitiba, 2004.<br />
VALE. 2009. Disponível em: . Acesso em: 28 de out. 2009.<br />
Responsabilidade social empresarial a contribuição..., Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares, p. 147-153<br />
153
154<br />
O uso de redes sociais como<br />
ferramenta de CRM em São<br />
Paulo e Barcelona *<br />
Resumo:<br />
O presente artigo aborda as práticas<br />
de relacionamento entre a empresa e o<br />
consumidor nos mercados de São Paulo e<br />
Barcelona comparados por meio de análise<br />
de informações coletadas em entrevistas<br />
realizadas com profissionais da área de<br />
comunicação empresarial destas cidades<br />
e de estudos de casos publicados em sites e<br />
revistas especializadas. A avaliação permite<br />
apontar algumas tendências, os receios das<br />
organizações e o momento que as mesmas<br />
se encontram diante das novas ferramentas<br />
de comunicação representadas pelas redes<br />
sociais.<br />
Palavras-chave: redes sociais, CRM, blog,<br />
microblogging, marketing de relacionamento.<br />
Laura Melaragno **<br />
* Este artigo é um resumo do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado ”Redes sociais como ferramentas de<br />
Customer Relationship Management: estudo comparativo entre São Paulo e Barcelona” apresentado em 2009<br />
na Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado sob a orientação da Prof Dr. Armando<br />
Terribili Filho.<br />
** Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da FAAP e pela Escuela de<br />
Administración de Empresas da Universidad Politécnica de Catalunya. Analista de ativação de marcas e trade na<br />
Kinberly Clark Brasil. Email: .<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
Abstract:<br />
The current article regards the relationship<br />
practices between companies and<br />
consumers from São Paulo and Barcelona<br />
compared using information collected<br />
by interviews with professionals in the<br />
corporative communication area in these<br />
cities as well as case studies published<br />
in web sites and specialized magazines.<br />
The evaluation allows pointing out some<br />
tendencies, organizational reluctances and<br />
the moment they are facing with the new<br />
communication tools represented by the<br />
social network.<br />
Key Words: social networks, CRM, Blog,<br />
microblogging, relationship marketing.
Introdução<br />
Com a evolução nos meios de comunicação, saindo da era do ouro do<br />
rádio, passando pela primeira televisão a cores, os celulares portáteis chegando<br />
à Internet, verifica-se uma mudança no ritmo de vida das pessoas, que passou<br />
a ser cada vez mais acelerado e com informações transmitidas em tempo<br />
real (UOL, 2009). De acordo com Celaya (2008, p. 23), a utilização da Internet<br />
em âmbito mundial atinge aproximadamente 1,5 bilhão de usuários, ou seja,<br />
aproximadamente 22% da população mundial. O Brasil conta com 39 milhões de<br />
internautas (BERGAMASCO, 2008, p. F1), o que acompanha a tendência mundial<br />
em termos de penetração, representando 21% dos 184 milhões de habitantes<br />
(IBGE, contagem 2007). Os usuários cadastrados no Orkut, site de relacionamento<br />
mais acessado no país, despendem em média 763,2 minutos ao mês navegando<br />
no mesmo (BERGAMASCO, 2008, p. F1), o que representa cerca de meia hora diária<br />
de utilização. Já a Espanha possui 23 milhões de internautas e está classificada<br />
como terceiro país no ranking de crescimento do número de internautas dentro da<br />
Europa, crescendo a uma taxa de 15% ao ano, 7% acima da média do continente<br />
(CELAYA, 2008, p. 23), contando com uma penetração de aproximadamente 57%<br />
dos 40 milhões de habitantes (CIA, 2008).<br />
Em paralelo ao crescimento de usuários na rede, houve um aumento nas<br />
ferramentas à sua disposição; com isso, os internautas tiveram acesso a novas<br />
formas de se expressar, de manifestar seus interesses e opiniões, seja por meio<br />
de redes sociais como Orkut, Facebook, MySpace ou por “diários virtuais”, blogs e<br />
fotologs, ou ferramentas de microblogging, como o Twitter, além de fóruns, chats e portais.<br />
Ou seja, surgiu uma nova forma de relacionamento que utiliza tecnologias ligadas<br />
à Internet para administrar as interações com amigos, familiares e colegas de<br />
trabalho, além de possibilitarem uma nova maneira de interação com as marcas:<br />
o consumidor tem a opção de deixar de aceitá-las de forma passiva, pois agora<br />
avalia, aceita ou rejeita os “claims” de marketing baseando-se no seu conhecimento<br />
prévio (IND; RIONDINO apud MAKLAN; KNOX; RYALS, 2008).<br />
Tendo em vista essa crescente influência e abrangência das comunidades<br />
virtuais, as empresas passam a considerá-las em suas estratégias de relacionamento<br />
com os clientes; por isso, essa nova forma de interação requer das empresas<br />
adaptações e inovações nestas estratégias.<br />
1 Metodologia<br />
Para analisar as diferentes práticas de relacionamento das empresas, foram<br />
selecionadas organizações tanto em Barcelona (Blanz Marketing e a Barcelona<br />
Virtual), como no Brasil (E-life, O Boticário, Tecnisa, Kimberly-Clark, Caixa Econômica<br />
Federal e Citröen) que utilizam as redes sociais como uma forma de marketing de<br />
relacionamento com os seus clientes, obtenção de dados, ou que simplesmente<br />
realizam o monitoramento do ambiente virtual para uma análise mais aprofundada<br />
O uso de redes sociais como ferramenta de CRM em São Paulo..., Laura Melaragno, p. 154-159<br />
155
do conteúdo publicado para uso interno na organização. A autora entrevistou<br />
quatro executivos, dois em cada cidade, responsáveis pelo gerenciamento da<br />
área de relacionamento entre a organização e o consumidor no âmbito virtual.<br />
O roteiro de entrevistas foi segmentado entre a identificação do profissional,<br />
a forma de monitoramento das redes sociais, a utilização na organização dos<br />
dados coletados, a importância e a relevância dada a essa prática. As entrevistas<br />
com os executivos foram transcritas e com base nas proposições teóricas, que<br />
refletem um conjunto de questões da pesquisa, foi estruturada um guia de<br />
análise do estudo de caso, o que contribuiu para pôr em foco certos dados e<br />
ignorar outros. O conteúdo gerado pelas entrevistas foi compilado por temas em<br />
comum, trechos que abordavam assuntos similares baseado no guia de análise,<br />
o que permitiu a elaboração de conclusões que evidenciaram algumas práticas<br />
em comum realizadas no mercado paulistano e barcelonês e apontar eventuais<br />
diferenças entre eles.<br />
Para um melhor entendimento do trabalho, cinco definições são apresentadas:<br />
blogs, CRM, marketing de relacionamento, microblogging e redes sociais.<br />
1.1 Blogs<br />
O termo blog descreve genericamente um diário pessoal mantido na Internet<br />
que pode ser editado pelo usuário. A diversidade de uso dessa ferramenta<br />
gerou as diferentes classificações: Blogs pessoais onde pessoas físicas publicam<br />
fotos e vídeos relacionados ao seu cotidiano, ou seja, fazem uso da ferramenta<br />
como se fosse um diário virtual. Os blogs profissionais que são sendo escritos<br />
por pessoas físicas, porém, o foco da ferramenta é outro, os autores desses blogs<br />
costumam ser formadores de opinião em determinado assunto. Ao longo dos<br />
últimos anos, muitas empresas passaram a adotar blogs como um complemento<br />
da sua estratégia corporativa por representar um canal dinâmico e diferente dos<br />
meios tradicionais de comunicação. Para atender aos seus diversos públicos, as<br />
empresas dividiram seus blogs entre internos e externos, assim criam novos canais<br />
de comunicação com clientes atuais ou potenciais, com fornecedores, com os<br />
meios de comunicação, com a sociedade de modo geral, bem como geram maior<br />
proximidade com os seus colaboradores.<br />
1.2 CRM<br />
A ferramenta de Customer Relationship Management (CRM) é definida por Jenkins<br />
(1999, p. 88-92) como sendo o processo de prever como se comporta o cliente<br />
e determinar as ações da empresa, buscando influenciar comportamentos que<br />
beneficiem a organização. Complementando essa definição, O’Brien (2004, p.<br />
210) alega que o CRM é a principal estratégia da empresa que busca se centrar<br />
no cliente, e que essa ferramenta utiliza a tecnologia da informação para criar<br />
156<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
um sistema interfuncional que integra e automatiza diversos processos ligados<br />
ao atendimento ao cliente, como vendas, marketing, além dos serviços de produtos.<br />
1.3 Marketing de relacionamento<br />
O marketing tem como um dos seus objetivos principais desenvolver o<br />
relacionamento com todas as pessoas ou organizações que podem afetar o<br />
sucesso da empresa, direta ou indiretamente. Uma de suas dimensões é o marketing<br />
de relacionamento, sendo que a meta dessa faceta é cultivar o tipo certo de<br />
relacionamento com o grupo certo. Para que isso seja possível, a organização deve<br />
executar a questão do relacionamento com os seus clientes por meio do CRM, bem<br />
como com os seus parceiros (KOTLER; KELLER, 2006, p. 16).<br />
1.4 Redes sociais e microblogging<br />
As redes sociais são plataformas no ambiente virtual que permitem aos<br />
seus usuários se relacionar entre si. Por meio da ferramenta eles podem enviar<br />
mensagens instantâneas, publicar fotos e vídeos e se comunicarem em chats da<br />
própria rede.<br />
No ano de 2007, surgiu uma nova forma de comunicação virtual, o fenômeno<br />
conhecido como microblogging. Essa ferramenta permite aos usuários enviarem<br />
pequenas mensagens de texto com até 140 caracteres por meio da Internet ou<br />
por meio de plataformas móveis (celulares) de forma instantânea e gratuita para<br />
todos os leitores de suas páginas, podendo ser amigos ou até mesmo pessoas<br />
desconhecidas. A mais conhecida ferramenta de microblogging é o Twitter.<br />
2 Resultados Obtidos<br />
Com base nas informações obtidas por meio das entrevistas realizadas e coleta<br />
de informações em sites e revistas especializadas, a autora desse trabalho consolidou<br />
uma base de informações sobre as práticas realizadas nos mercados estudados.<br />
2.1 Comunicação<br />
As empresas passaram a assumir as redes sociais como uma forma de interação<br />
com o consumidor em uma via de mão dupla, deixando de lado a publicidade<br />
unilateral. Isto representa uma quebra de paradigma, pois a publicidade tradicional<br />
deixou de ser o único veículo de comunicação e posicionamento da marca para<br />
o mercado consumidor.<br />
Através das redes sociais, dos blogs, e microblogs, e das demais ferramentas<br />
interativas como alguns sites, e o YouTube, vias rápidas de comunicação de mão<br />
dupla, o consumidor consegue comunicar-se com a empresa e expor aos demais<br />
O uso de redes sociais como ferramenta de CRM em São Paulo..., Laura Melaragno, p. 154-159<br />
157
consumidores suas necessidades, vontades e frustrações. Assim, a informação<br />
que antes chegava ao público alvo somente via empresa, passa a ser disseminada<br />
entre os grupos, entre os formadores de opinião, e entre os próprios consumidores,<br />
sejam comentários positivos ou negativos a respeito da organização ou de seus<br />
produtos. As redes sociais também permitem que o retorno da empresa para o<br />
consumidor seja mais ágil e personalizado, possibilitando a correção de erros, ou<br />
responder a alguma insatisfação do consumidor em relação ao que ela produz.<br />
Nas entrevistas realizadas, pode-se observar que as empresas estão buscando<br />
“ouvir os consumidores” e se organizando de maneira que possam atender suas<br />
expectativas, além de identificar seus pontos fracos internos e tentar saná-los.<br />
2.2 Controle<br />
Com esse diálogo e essa interação entre as partes, abre-se um espaço<br />
para que os consumidores construam a marca juntamente com a empresa. O<br />
relacionamento mais estreito entre ambos possibilita que o consumidor deixe<br />
de ser apenas um crítico da empresa, e passe a ser um aliado na construção do<br />
produto ou do serviço oferecido.<br />
Algumas empresas de ponta estão começando a encarar essa interação como<br />
uma oportunidade ímpar de comunicação e relacionamento com o cliente. Estão<br />
mudando sua forma de contato nas redes, passando da simples publicidade de<br />
produtos para a criação e manutenção de uma relação com seus clientes. A partir do<br />
momento que essa relação é criada, a empresa lança a informação e o consumidor<br />
a devolve para a empresa, criando um relacionamento com base no diálogo, o que<br />
representa algo totalmente diferente da forma unilateral de comunicação que se<br />
tinha anteriormente.<br />
Com o poder dos consumidores de trocarem de informações entre si, e<br />
criarem coisas novas a partir do conteúdo disponível na Internet, as empresas<br />
perdem o controle sobre o que se fala delas na rede mundial. Para tentar minimizar<br />
isso, as empresas podem construir uma imagem através dessa relação com seus<br />
consumidores, podem fazer com que eles conversem a respeito do que está<br />
incomodando, das formas de uso e de pontos de melhora que eles tenham<br />
detectado. Nesse meio, o consumidor pode disseminar informações negativas<br />
sobre as empresas de uma forma muito fácil, mas também pode se sentir muito<br />
valorizado quando é ouvido. Nesse relacionamento, o consumidor ganha uma<br />
importância que até então não havia sido dada a ele. Dessa forma, ao invés de ir<br />
contra a organização disseminando informações negativas, ele pode agir a favor<br />
da empresa por se sentir ouvido, acatado, respeitado, e, sobretudo, atendido.<br />
2.3 Perfis Falsos<br />
A publicação em perfis falsos é um fator que ainda preocupa as organizações,<br />
pois usuários podem falar em nome da empresa, apesar de não pertencerem a<br />
158<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
organização. Com isso, difamam a imagem da marca no ambiente virtual. Por<br />
outro lado, as organizações podem fazer uso dessa prática ao criar perfis falsos<br />
que elogiem o seu produto ou serviço para enaltecer sua imagem de uma forma<br />
antiética. Assim, seja identificado pelos consumidores uso indevido das redes<br />
sociais, certamente, acarretaria a perda de confiabilidade e uma péssima reputação<br />
para a organização. Vale ressaltar que devido ao fato do uso das redes ser algo<br />
recente, ainda não há um conjunto de leis específicas que tratem do tema, por<br />
isso, jurisprudência vem sendo criada com as primeiras ocorrências.<br />
Conclusão<br />
As organizações ainda estão em processo de aprendizado, em fase de<br />
“tentativa e erro” com relação a melhor forma de interação com o consumidor no<br />
ambiente virtual. Por não haver uma prática consolidada no mercado com relação<br />
às formas de interação, as empresas identificam o que deu certo e procuram<br />
manter, ao mesmo tempo que buscam melhorar as práticas que não foram bem<br />
aceitas. Nesse novo cenário, as empresas estão aprendendo, rompendo antigos<br />
paradigmas de comunicação com o consumidor, ajustando suas formas de<br />
comunicação nesses canais, e buscando a melhor forma de interagir, e de lidar<br />
com essa realidade das redes sociais e dos consumidores interagindo entre si.<br />
As redes sociais deixaram de ser uma possibilidade e passaram a ser uma<br />
obrigação para as empresas que desejam se destacar no mercado e se relacionar<br />
de forma rápida, real e mais profunda com seus consumidores.<br />
Seja o consumidor nascido na cidade que tem a Ponte Estaiada ou na que tem<br />
a inacabada Igreja da Sagrada Família, ele já está utilizando as redes sociais como<br />
uma forma de interagir com as empresas. Este consumidor já está consciente do<br />
seu poder de influência sobre outros consumidores, e por consequência, sobre<br />
as organizações.<br />
Referências Bibliográficas<br />
BERGAMASCO, Daniel. A força da turma: saiba como os milhões de usuários das redes<br />
sociais estão mudando a Internet. Folha de S. Paulo. São Paulo 5 mar. 2008. Caderno<br />
Informática, p. F1.<br />
CELAYA, Javier. La empresa en la web 2.0: el impacto de las nuevas redes sociales<br />
en la estrategia empresarial. Barcelona: Planeta, 2008.<br />
CIA. Disponível em: . 28/10/2009. Acesso em: 02 nov. 2009.<br />
IBGE. Disponível em: . Acessado em: 25 set. 2009.<br />
JENKINS, Drury. Customer relationship management and the data warehouse. Call<br />
Center Solutions, Norwalk, v. 18, n. 2, p. 88-92, Aug. 1999.<br />
O uso de redes sociais como ferramenta de CRM em São Paulo..., Laura Melaragno, p. 154-159<br />
159
KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de marketing. São Paulo:<br />
Pearson Prentice Hall, 2006.<br />
MAKLAN, Stan; KNOX, Simon; RYALS, Lynette. New trends in innovation and<br />
customer relationship management: a challenge for market research. International<br />
Journal of Market Research. V. 50, n. 2, 2008.<br />
O’BREIN, James A. Sistemas de informação e decisões gerenciais na era da Internet.<br />
São Paulo: Saraiva, 2004.<br />
UOL. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2009.<br />
160<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
A influência dos fatores<br />
socioambientais no processo<br />
de decisão de compra do<br />
consumidor *<br />
Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere<br />
França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica **<br />
Resumo:<br />
O artigo aborda o comportamento do consumidor<br />
perante a influência dos fatores socioambientais.<br />
O objetivo é verificar se os consumidores<br />
estão dando importância para os fatores<br />
socioambientais antes de realizar uma compra,<br />
qual é o nível de conhecimento e consciência<br />
sobre o tema e, por fim, investigar a adoção<br />
de hábitos e atitudes no dia-a-dia em favor do<br />
meio ambiente na comunidade. Por meio de<br />
uma pesquisa de campo realizada pela internet,<br />
foi possível apontar que o conhecimento sobre<br />
o tema sustentabilidade ainda é pouco claro,<br />
enquanto que o tema de responsabilidade<br />
ambiental mostra-se mais maduro para os<br />
entrevistados. Com relação a influencia dos<br />
fatores socioambientais (embalagem reciclável,<br />
alimento orgânico, produto biodegradável entre<br />
outros) no processo de decisão de compra,<br />
notou-se que estes são considerados importantes<br />
para os entrevistados, porém não há o costume<br />
de procurar informações socioambientais nas<br />
embalagens dos produtos. A respeito dos<br />
hábitos e atitudes do dia-a-dia em prol do meio<br />
ambiente e da comunidade, observa-se que os<br />
consumidores estão adotando hábitos, porém<br />
ainda com alguma resistência.<br />
Palavras chave: comportamento do consumidor,<br />
fatores socioambientais, sustentabilidade.<br />
Abstract:<br />
The paper studies consumer behavior before<br />
the influence of social environmental factors.<br />
The goal is to ensure that consumers are giving<br />
importance to the social and environmental<br />
factors before making a purchase, which is the<br />
level of knowledge and awareness on the issue<br />
and finally, to investigate the habits and attitudes<br />
in day-to-day in favor environmental community.<br />
Through field research conducted over the<br />
Internet, you can point that knowledge about the<br />
sustainability issue is still unclear, while the theme<br />
of environmental responsibility shows itself most<br />
mature respondents. Regarding the influence<br />
of social environmental factors (recyclable<br />
packaging, organic food, biodegradable products<br />
among others) in the process of purchase decision,<br />
it is noted that they, in short, are considered<br />
important to respondents, but the same does not<br />
tend to seek information or socio-environmental<br />
factors on product packaging. Regarding<br />
the habits and attitudes of the day-to-day in<br />
favor of the environment and community, it is<br />
observed that consumers are adopting habits,<br />
but still had some reservations.<br />
Keywords: consumer behavior, social and<br />
environmental factors, sustainability.<br />
* Este artigo é um resumo do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado ”A influência dos fatores socioambientais<br />
no processo de compra do consumidor” apresentado em 2009 na Faculdade de Administração da Fundação<br />
Armando Álvares Penteado sob a orientação da Prof. Dr. Agustín Perez Rodrigues.<br />
** Os autores são graduados em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da FAAP.<br />
A influência..., Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica, p. 160-167<br />
161
Introdução<br />
Sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, responsabilidade ambiental<br />
e social são conceitos muito comuns atualmente. Todos já ouviram, leram ou viram<br />
alguma coisa relacionada a esses temas. Mas afinal, o que é isso tudo?<br />
É notável o cenário conflitante entre o crescimento econômico e a degradação<br />
do meio ambiente. Torna-se cada vez mais preocupante a maneira acelerada com a<br />
qual o meio ambiente está “desaparecendo”, o que poderá acarretar nos próximos<br />
anos, a perda da biodiversidade e dos recursos naturais, bem como o desequilíbrio<br />
das condições climáticas do planeta.<br />
Por mais que muitos ainda acreditem que a preocupação socioambiental<br />
seja moda ou apenas uma maneira de criar um diferencial competitivo nas<br />
empresas, nota-se que essa questão não pode ser tratada como algo passageiro.<br />
Hoje a preocupação com o meio ambiente e com a comunidade tornou-se uma<br />
necessidade mundial, não pode estar apenas em prateleiras, como forma de<br />
consumo consciente, mas também inserida no cotidiano social, sendo ensinado<br />
nas escolas, nas empresas, por meio de campanhas explicativas organizadas<br />
pelo governo. Enfim isso deve ser vivido por todos, afinal vale lembrar que<br />
os ecossistemas são condições mínimas necessárias para a sobrevivência da<br />
humanidade e conseqüentemente da economia.<br />
Diante desta situação, surgem novos conceitos e novas maneiras de trabalho,<br />
de vida e de abordagem do problema, como por exemplo, o marketing social,<br />
entendido segundo Dias (2007, p.53), como: "[...] a aplicação de tecnologias<br />
próprias do marketing comercial na análise, planejamento, execução e avaliação<br />
de programas criados para influenciar o comportamento de determinados grupos<br />
sociais ou da população de um modo geral, com o objetivo de melhorar suas<br />
condições de vida."<br />
O marketing verde, como sendo uma maneira de intensificar a relação entre<br />
o meio ambiente, a empresa e o consumidor, ou seja, mostrar que um produto<br />
ou serviço ecologicamente correto é também mais saudável, pois reduzem os<br />
danos ambientais, fazendo com que a qualidade de vida das pessoas, direta ou<br />
indiretamente, apresente melhorias.<br />
Começa-se a pensar também no produto em si, surgindo assim, os produtos<br />
ecologicamente corretos, ou seja, produtos que causem prejuízos menores ao meio<br />
ambiente, tanto em relação à sua composição e origem, quanto ao seu processo<br />
produtivo e até mesmo ao seu consumo. (DIAS, 2006). Com isso, torna-se necessária<br />
a criação de certificações que garantam o cumprimento das normas, como por<br />
exemplo, a ISO (Internacional Organization for Standardization, em português, Organização Internacional de<br />
Padronizações), a FSC (Forest Stewardship Council, em português, Conselho de Manejo Florestal) entre outros.<br />
O próprio conceito de sustentabilidade, demonstrado graficamente através<br />
do tripé econômico, social e ambiental, representa o equilíbrio entre os aspectos<br />
sociais – o capital humano, os aspectos ambientais – o capital natural e por fim, o<br />
econômico – o capital financeiro.<br />
162<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Fonte: Elkinggton (2001)<br />
Figura 1 Equilíbrio dos Pilares da Sustentabilidade<br />
Denominadas de consumidor “verde” ou “ecológico”, algumas pessoas<br />
passam a ter maior consciência ambiental e social e adotam um novo estilo de<br />
vida, conhecendo e obtendo mais informações sobre as empresas e os produtos,<br />
planejando melhor as suas compras, preocupando-se mais com a adequação<br />
dos produtos e empresas aos seus valores e, com isso, passando a exigir mais do<br />
mercado.<br />
Portanto, diante dessa nova atitude e comportamento, pode-se notar que<br />
há uma tendência da questão socioambiental se tornar cada vez mais presente no<br />
cotidiano das pessoas e das empresas, por isso torna-se necessário a compreensão<br />
de todos os aspectos relacionados a ela, principalmente no que tange às exigências<br />
dos stakeholders, sobretudo dos consumidores e do mercado em geral.”<br />
1 Metodologia<br />
No estudo foi utilizado o método de estudo descritivo ad hoc, caracterizado pela<br />
identificação de situações de mercado através de dados primários.<br />
A pesquisa foi realizada por meio da internet e o questionário foi desenhado<br />
para obter indicadores numéricos, a fim de identificar o grau de importância que<br />
os consumidores estão atribuindo para as questões socioambientais tanto nos<br />
hábitos e costumes, como na intenção de compra, caracterizando assim, uma<br />
pesquisa quantitativa. Alem do caráter quantitativo a pesquisa contou também<br />
com perguntas abertas, que possibilitaram a identificação de percepções, opiniões<br />
dos consumidores sobre o tema, caracterizando, portanto, também uma pesquisa<br />
qualitativa.<br />
A pesquisa de campo tinha como objetivo atingir os consumidores internautas<br />
em nível nacional, de uma maneira geral e aleatória, a fim de explorar e conhecer<br />
melhor a opinião dos mesmos sobre os aspectos e os fatores socioambientais. A<br />
pesquisa é subjetiva e abrangente, pois não foi escolhido nenhum produto ou<br />
empresa específica. A idéia era conhecer a opinião dos consumidores e identificar<br />
tendências.<br />
A influência..., Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica, p. 160-167<br />
163
• População segundo CETIC (in http://www.cetic.br/usuarios/ibope/wtab02-01-2009.htm,<br />
acesso em 05/11/2009): 35,5 milhões de internautas<br />
ativos em residências e no trabalho e horas navegadas – base 2009.<br />
• Amostra obtida: 365 entrevistados<br />
Levando em consideração o objetivo do trabalho e o tamanho da população,<br />
os elementos da amostra foram selecionados de acordo com critérios subjetivos,<br />
porém de maneira aleatória, caracterizando-se por uma amostra não probabilística<br />
e autogerada, ou seja, o grupo enviou o questionário para a sua rede contatos,<br />
com pessoas de diversos lugares e diversos perfis, atingindo aproximadamente<br />
300 pessoas com acesso à internet no trabalho e/ou no domicílio e depois<br />
cada entrevistado enviou o questionário para o seu grupo de contato e assim<br />
sucessivamente. Dessa maneira o alcance do questionário através de referências<br />
obtidas foi grande o que não permitiu o controle do número de pessoas que<br />
efetivamente receberam o questionário.<br />
A amostra é relativamente jovem, sendo a maioria dos respondentes na faixa<br />
entre 20 e 40 anos (66%), predominantemente do sexo feminino (53%), solteiras<br />
(52,9%), com nível de escolaridade Superior Completo (37,3%) e Incompleto (20,8%),<br />
com renda familiar média mensal acima de R$ 3.001,00 (76%).<br />
1.1 Análise dos resultados<br />
Com relação aos conceitos testados, sustentabilidade, responsabilidade<br />
ambiental e responsabilidade social, o conceito de sustentabilidade ainda não está<br />
muito claro para a maioria dos entrevistados, uma vez, que na maior parte dos casos<br />
(54%), ele ainda é relacionado apenas ao uso consciente dos recursos e a reutilização<br />
dos materiais. Porém, como foi observado anteriormente, sustentabilidade é um<br />
conceito mais amplo que isso, envolvendo o pilar econômico, social e ambiental.<br />
Já com relação aos hábitos e costumes, observa-se que, de uma maneira geral,<br />
o grau de concordância com as frases encontra-se entre “concordo parcialmente”<br />
e “concordo totalmente”, indicando que os entrevistados possuem hábitos como<br />
separação de lixo, interesse pelo tema, preocupação em ensinar e divulgar o tema<br />
para as outras pessoas, escovar os dentes sem deixar a torneira aberta e tomar<br />
banho o mais rápido que pode. Vale ressaltar neste aspecto, que a alternativa que<br />
obteve o menor grau de concordância entre todas, foi àquela relacionada ao banho<br />
rápido. Isso demonstra que alguns hábitos estão sendo incorporados, mas que a<br />
adoção de outros ainda apresenta certa resistência.<br />
164<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Gráfico 1 Resumo médias ponderadas Hábitos e Costumes<br />
Sobre o grau de informação testado, através das perguntas: “Quanto ao<br />
conhecimento sobre a separação do lixo”, “Quanto aos impactos causados pela<br />
sociedade ao meio ambiente e suas conseqüências” e “Quanto às medidas que o<br />
mundo está tomando sobre sustentabilidade”, nota-se que as pessoas consideramse<br />
entre mais ou menos informadas e muito informadas.<br />
Vale ressaltar neste ponto a diferença observada entre gerações, demonstrada<br />
através da pergunta “Onde você teve contato com os conceitos de sustentabilidade,<br />
meio ambiente, ecologia, socioambiental pela primeira vez?”: a escola aparece em<br />
primeiro lugar com 19,7% dos entrevistados, seguido de faculdade/ universidade<br />
com 16,7% e logo depois na empresa onde trabalha ou trabalhou com 12,1%.<br />
Lembrando que se trata de uma amostra jovem, predominantemente entre 20<br />
e 40 anos. Ao analisarmos os entrevistados com mais de 41 anos, as revistas ou<br />
jornais aparecem em primeiro lugar (23,6%), seguidos, com o mesmo percentual<br />
(18,1%), na empresa onde trabalha ou trabalhou e na TV. Sendo assim, pode-se<br />
dizer que os conceitos foram e provavelmente continuam sendo trabalhados e<br />
incorporados nas instituições de ensino como escolas, faculdades e universidades.<br />
Isso representa algo positivo, pois, quanto antes essas questões forem aprendidas,<br />
mais fácil será incorporar mudanças nos hábitos e até mesmo nas empresas em<br />
prol do meio ambiente e da comunidade.<br />
Por fim, com relação às influencias dos fatores socioambientais no processo<br />
de decisão de compra, nota-se que a qualidade, preço são sempre as mais<br />
importantes, porém já é possível perceber uma preocupação com o atributo de<br />
biodegradabilidade nas categorias de higiene e limpeza doméstica e de cuidados<br />
pessoais. Já na categoria de alimentos, os produtos orgânicos ou não transgênicos<br />
foram os menos importantes, porém vale salientar a importância dada aos produtos<br />
que não contem gordura trans.<br />
A influência..., Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica, p. 160-167<br />
165
Foi interessante observar que os entrevistados não costumam buscar<br />
informações nas embalagens dos produtos, sendo assim, torna-se difícil a<br />
identificação de elementos ou atributos socioambientais do produto. Um outro<br />
aspecto importante foi que os entrevistados, em sua maioria, disseram estar<br />
dispostos a pagar mais por produtos de marcas ou empresas preocupadas com<br />
aspectos socioambientais.<br />
Considerações finais<br />
Por meio dos resultados obtidos pela pesquisa, é possível indicar que as<br />
pessoas estão mais preocupadas e conscientes com o tema e sabem da sua<br />
importância, porém percebe-se que ainda falta clareza e informação adequada para<br />
o consumidor, já que o mesmo muitas vezes não conhece alternativas para melhorar<br />
seus hábitos de consumo. Sendo assim, apesar da pouca informação essa mudança<br />
de comportamento dos consumidores pode demonstrar uma tendência de maior<br />
exigência com as empresas e com as demais instituições, pois se os indivíduos já<br />
estão preocupados com isso e conscientes de alguns aspectos, é provável que esses<br />
fatores se tornem cada vez mais importantes e essenciais.<br />
Neste ponto, as empresas podem desempenhar um papel informativo<br />
importante para a sociedade. Ao contrário de apresentarem-se apenas como<br />
sustentáveis, demonstrar as medidas adotadas, ou seja, o que é feito, devem<br />
procurar fazer ações de marketing com o objetivo de informar quais os atributos<br />
socioambientais dos seus produtos, demonstrando como buscar elementos<br />
socioambientais nas embalagens, explicando os selos, enfim, estimulando busca<br />
por informação por mais conhecimento.<br />
A fim de resumir e traduzir a idéia desse estudo para uma forma gráfica foi<br />
criado a figura conceito abaixo, que possui elementos como cérebro no formato<br />
de uma árvore, no sentido de estimular a informação e o conhecimento sobre o<br />
tema, bem como o pensamento sobre o assunto de maneira mais criteriosa e de<br />
forma consciente.<br />
Figura 1 Conceito trabalho<br />
166<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Embora durante muito tempo os problemas sócio-ambientais tenham sido<br />
preocupação apenas do Estado e ambientalistas, hoje, vem sendo debatidas<br />
intensamente por toda a sociedade, não apenas a divulgação, como também a<br />
maior conscientização e proximidade com esses problemas, levam empresas e<br />
consumidores a se preocupar cada vez mais com o assunto e rever suas praticas<br />
, dando espaço a novos conceitos, como consumo consciente, consumo verde,<br />
consumo sustentável.<br />
Referências Bibliográficas<br />
CETIC – Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação.<br />
Disponível em: . Acessado em 08 de novembro de 2009.<br />
DIAS, Reinaldo. Marketing Ambiental: Ética, responsabilidade social e competitividade<br />
nos negócios. São Paulo: Atlas, 2007.<br />
DIAS, Reinaldo. Gestão Ambiental: Responsabilidade Social e Sustentabilidade. São<br />
Paulo: Atlas, 2006.<br />
ELKINGTON, John. Canibais com garfo e faca. São Paulo: Makron Books, 2001.<br />
SUKHDEV, Pavan. TEEB Interim Report. Disponível em .<br />
Acessado em 7 de nov. de 2009.<br />
A influência..., Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica, p. 160-167<br />
167
168<br />
SISTEMA JURÍDICO E<br />
DESENVOLVIMENTO<br />
ECONÔMICO:<br />
A BUSCA PELA EFICIÊNCIA E<br />
O CASO BRASILEIRO<br />
Resumo:<br />
O texto analisa o desempenho da instituição<br />
máxima do sistema jurídico brasileiro,<br />
o Poder Judiciário, no desenvolvimento<br />
econômico de nosso país e busca discutir o<br />
papel e a capacidade desse poder perante as<br />
demandas que lhe serão apresentadas nesta<br />
época de crise e recuperação econômica em<br />
que se adentra.<br />
Palavras chave: Sistema jurídico.<br />
Desenvolvimento. Economia. Eficiência.<br />
Introdução<br />
José Rubens Vivian Scharlack *<br />
* Advogado em São Paulo. Sócio-fundador de Rodante & Scharlack Advogados. Professor-Colaborador da FAAP.<br />
Trabalho adaptado da monografia apresentada ao Curso de MBA da FAAP. Contatos pelo endereço eletrônico<br />
.<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010<br />
Abstract:<br />
The text analyzes the performance of the<br />
Brazilian legal system’s main institution,<br />
the Judiciary Power, in the economic<br />
development of our Country and intends<br />
to discuss the role and the capacity of such<br />
power toward the demands that will be<br />
presented to it in this newly-entered time<br />
of economic crisis and recuperation.<br />
Key words: Legal system. Development.<br />
Economy. Efficiency.<br />
Sistemas jurídicos, enquanto conjuntos de normas, processos e instituições,<br />
destinam-se a pacificar e regrar as relações sociais e, porque a qualidade destas influi<br />
na qualidade do sistema de trocas entre os agentes econômicos, é correto afirmar<br />
que alguma relação existe entre o nível de desenvolvimento de uma economia e<br />
o sistema jurídico ali vigente.<br />
Dentre os sistemas jurídicos existentes no mundo, sobressaem-se, por sua<br />
relevância numérica, aqueles filiados ao civil law (ou direito romano-germânico) e<br />
aqueles adeptos do common law. O civil law é uma “família” de sistemas jurídicos em<br />
que predomina fortemente a lei geral e abstrata cuja hierarquização gera um<br />
ordenamento jurídico lógico, cuja flexibilização tem a rigidez da modificação
legislativa e cuja aplicação ao caso individual e concreto depende de interpretação 1 .<br />
De sua vez, o common law pode ser definido como uma “família” em que os costumes,<br />
em maior grau, e as leis, em menor grau, servem de fontes e cuja elaboração,<br />
secular, foi feita nas cortes judiciais, e não nas universidades. Sua flexibilização<br />
é menos rígida porque prescinde de alterações legislativas e sua utilização nos<br />
casos concretos demanda menos a concretização de preceitos abstratos do que a<br />
identificação do remédio legal necessário.<br />
Logo, a filiação de um sistema jurídico a determinada “família” influencia<br />
a maneira como as regras jurídicas serão criadas (seja pelo processo legislativo,<br />
mais geral e abstrato, seja pelo processo judicial ou costumeiro, mais individual e<br />
concreto, cada qual com particularidades e dinâmicas próprias) e como os conflitos<br />
serão solucionados, ou seja, a filiação determina a forma como se darão as normas<br />
e os processos. Não define como serão as instituições.<br />
É por isso que a mera filiação de um sistema ao civil law ou ao common law – ou mesmo<br />
a aglutinação de influências dessas duas “famílias” em um mesmo sistema jurídico – não se revela fator<br />
determinante à catapultagem (ou não) de um país ao desenvolvimento econômico.<br />
Prova disso é o fato de existirem países ricos e pobres adeptos do civil law. Outros<br />
tantos, filiados ao common law, também os há economicamente desenvolvidos e<br />
subdesenvolvidos. Além do mais, a qualidade com que as normas são aplicadas<br />
pode variar significativamente de sistema para sistema dentro de uma mesma<br />
“família”, com relevantes conseqüências ao funcionamento das respectivas<br />
economias.<br />
Por outro lado, outro fator revela-se crucial à criação de um ambiente<br />
propício ao desenvolvimento econômico: o grau de eficiência do sistema jurídico, sua<br />
capacidade de regrar a vida social, atender à população e solucionar-lhe os conflitos.<br />
Acredita-se que a busca pela eficiência dos sistemas jurídicos possa tanto resultar<br />
em modificações decorrentes da importação de figuras de sistemas alienígenas<br />
quanto no aperfeiçoamento de figuras do direito interno. De uma forma ou de<br />
outra, e sem se desprezar a importância de se ter regras e processos de qualidade,<br />
o que dará o tom para a classificação de um sistema jurídico como eficiente (ou<br />
não) será o grau de desenvolvimento de suas instituições.<br />
Dentre as instituições encarregadas de aplicar as regras jurídicas, sobressaise,<br />
por sua importância, o Judiciário. A migração do sistema econômico global<br />
do Estado intervencionista para a economia de mercado trouxe para o enfoque<br />
mundial a necessidade de avaliação e qualificação do Judiciário.<br />
Na esteira desse raciocínio, deve-se ter em mente que um Judiciário lento,<br />
imprevisível ou arbitrário acarreta ao país custos econômicos, dentre os quais<br />
se destacam (i) o estreitamento da abrangência da atividade econômica, com<br />
desestímulo à especialização e à exploração de economias de escala (devido ao<br />
risco); (ii) o desencorajamento a investimentos e à ótima utilização do capital<br />
disponível, que, mercê da insegurança jurídica, tem de ser alocado de forma<br />
menos eficiente; (iii) a distorção do sistema de preços (decorrente da introdução<br />
do fator de risco jurídico nos preços); (iv) a diminuição da qualidade da política<br />
econômica, que volta a ser mais intervencionista; e (v) a pior avaliação, pelas<br />
1 Em português jurídico, subsunção (adequação do fato à norma).<br />
Sistema Jurídico E Desenvolvimento Econômico: A Busca Pela..., José Rubens Vivian Scharlack, p. 168-175<br />
169
agências de rating, das medidas de risco-país. O impacto da eficiência do sistema<br />
judicial no desenvolvimento econômico é, portanto, altamente relevante.<br />
Com relação ao Brasil, nosso sistema jurídico oriunda do civil law e, assim, tem<br />
na lei o seu principal norte e na Constituição Federal de 1988 sua principal lei.<br />
Na eventualidade de uma lacuna legal, os operadores do direito utilizam-se de<br />
equidade, analogia e demais ferramentas postas pelo próprio Direito, notadamente<br />
pela Lei de Introdução ao Código Civil e demais codificações. Exercem grande<br />
influência sobre a forma de resolução de conflitos os Códigos de Processo Civil<br />
e Penal. Na área tributária, apesar da profusão normativa existente, prevalece o<br />
Código Tributário Nacional.<br />
Por outro lado, não se pode negar a já importante mas ainda crescente influência<br />
que exerce em nosso sistema jurídico a jurisprudência. Cada vez mais se volta a atenção<br />
aos precedentes jurisprudenciais para se tomar decisões negociais e para se realizar<br />
planejamentos. Em contraste, cada vez menos atenção se dá às lições doutrinárias,<br />
outrora tão relevantes no civil law, ultimamente referenciadas apenas como fonte de<br />
aprofundamento do conhecimento da lei. O próprio Código de Processo Civil vem<br />
sendo reformado para dar mais valor aos precedentes jurisprudenciais e, assim,<br />
aproximar um pouco nosso sistema do common law. Prova disso são seus artigos 557<br />
e 558, que permitem ao juiz relator (i) negar seguimento a recurso que esteja em<br />
manifesto confronto com súmula ou jurisprudência pacificada no Supremo Tribunal<br />
Federal (STF) ou em Tribunal Superior, (ii) dar pronto provimento a recurso contra<br />
decisão que esteja em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência pacificada<br />
no STF ou em Tribunal Superior, ou ainda, ao juiz de primeira instância, (iii) dispensar<br />
de revisão pela segunda instância sentenças proferidas de acordo com súmula ou<br />
jurisprudência do STF ou Tribunal Superior.<br />
No tocante ao quesito eficiência, entretanto, acredita-se que ainda hoje sejam<br />
fortes os problemas enfrentados por nosso sistema jurídico e, particularmente,<br />
por nosso Judiciário. Neste sentido, é necessário destacar o parcial descolamento<br />
fático das regras e estruturas formalmente idealizadas e postas na constituição<br />
e na lei. Fazendo uso dos conceitos criados por Gray (1989) para ilustrar o caso<br />
indonésio, conclui-se que o sistema jurídico brasileiro é um misto entre o modelo<br />
formal (sistema independente e funcional que reflete em grande parte as ideias<br />
de Max Weber sobre o tipo ideal de organização burocrática) e o modelo informal<br />
(sistema jurídico com distribuição assimétrica de informação e aversão a risco, com<br />
consequentes problemas de representação autoridade-agente).<br />
Eis porque criam-se no Brasil estruturas paralelas às instituições formalmente<br />
existentes, como clubes ou empresas familiares. Ademais, proliferam, no Brasil,<br />
sistemas de informação contendo “listas negras”, como a Centralização de Serviços<br />
dos Bancos (SERASA), o Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) e o governamental<br />
Cadastro Informativo de Devedores da Fazenda Nacional (CADIN), além, é claro, da<br />
preferência empresarial pela negociação direta e pela cuidadosa e prévia seleção<br />
de parceiros de negócios. O recurso ao Judiciário é visto como última alternativa.<br />
Por ser oriundo de um sistema misto, em que diversas funções são original<br />
e constitucionalmente reservadas a instituições que terminam por delegá-las ao<br />
Executivo, o Poder Judiciário não deixa de apresentar deficiências. Pinheiro (2003a)<br />
170<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
demonstra que os problemas do Judiciário brasileiro implicam às empresas custos<br />
econômicos estimados – grosseiramente – em 20% do PIB, o que evidencia a gigantesca<br />
importância do assunto. Tais problemas, apesar de agravados pela instabilidade<br />
de nosso arcabouço jurídico, decorrem de causas profundamente arraigadas e<br />
sedimentadas em nossa sociedade e são ainda hoje uma parcial incógnita em<br />
razão da quase ausência de estudos e análise a respeito desse Poder. Eis porque<br />
elaborou extensa pesquisa sobre a impressão dos próprios membros do Judiciário<br />
sobre a situação do Poder. Serviram de fonte 741 magistrados brasileiros, das<br />
Justiças Federal, Estadual e do Trabalho, em todas as suas instâncias. Seus principais<br />
resultados vão resumidos abaixo:<br />
Os principais problemas do Judiciário, de acordo com os magistrados, são, em<br />
primeiro lugar, a morosidade, em segundo, o alto custo de acesso (custas judiciais e<br />
outros custos) e, em terceiro lugar, a falta de previsibilidade das decisões judiciais.<br />
O aspecto mais positivo ressaltado pelos magistrados é a imparcialidade de suas<br />
decisões;<br />
De acordo com a visão dos magistrados, contribuem para a morosidade do<br />
Judiciário (i) a ação de indivíduos, firmas e grupos – sobretudo o próprio Estado, na<br />
seara tributária – que a ele recorrem não para pleitear direitos mas para postergar<br />
o cumprimento de suas obrigações; e (ii) problemas internos ao funcionamento<br />
do sistema legal e judicial (antigos e conhecidos, mas alheios à própria atuação<br />
dos magistrados, tais como número insuficiente de juízes, profusão de recursos<br />
e possibilidades de se protelar uma decisão – o que, além da morosidade, gera desmotivação e<br />
menos comprometimento do magistrado com a qualidade de suas próprias decisões, que sempre acabam sendo<br />
revistas por uma instância superior –, falta de equipamentos de informática, preferência dos<br />
advogados por estender a duração de litígios – e assim preservar seu mercado de trabalho –,<br />
ênfase no formalismo processual e precária situação das instalações judiciárias);<br />
Ainda segundo os magistrados, contribuem para a falta de previsibilidade<br />
de suas decisões (i) as falhas no ordenamento jurídico, (ii) o uso freqüente de<br />
liminares e (iii) a tendência a que as decisões sejam tomadas com base em detalhes<br />
processuais (não se alcançando, portanto, em muitas decisões, o mérito das causas);<br />
Por outro lado, não são percebidos pelos magistrados dois problemas que<br />
inquinam de imprevisibilidade as decisões judiciais – e consequentemente, afetam de forma<br />
séria a segurança jurídica de nosso sistema –, a saber, (i) a ‘judicialização’ da política, que é<br />
a tendência de os poderes políticos transferirem para o Judiciário a solução de<br />
conflitos políticos, a qual só é admitida pelos magistrados no círculo restrito dos<br />
Tribunais Superiores, e (ii) a ‘politização’ das decisões judiciais, fenômeno ainda<br />
mais perigoso, segundo o qual as decisões judiciais são baseadas mais na visão<br />
política do juiz do que na interpretação rigorosa da lei. De acordo com os achados de<br />
Pinheiro (2003b, p. 47), a politização das decisões judiciais, fenômeno tão mais grave<br />
em razão do pouco conhecimento que dele se tem, “[...] freqüentemente resulta<br />
da tentativa dos magistrados de proteger a parte mais fraca na disputa que lhe é<br />
apresentada. Os magistrados se referem a essa atitude como um papel social que o<br />
juiz tem de desempenhar. Em relação a essa questão, perguntou-se aos magistrados<br />
sobre com qual de duas proposições eles concordavam mais: (A) que os contratos<br />
devem ser sempre respeitados, independentemente de suas repercussões sociais;<br />
Sistema Jurídico E Desenvolvimento Econômico: A Busca Pela..., José Rubens Vivian Scharlack, p. 168-175<br />
171
ou (B) que a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos. A<br />
grande maioria dos entrevistados (73,1%) respondeu que eles concordavam mais<br />
com a segunda alternativa (B)”. Enfim, os magistrados claramente privilegiam, por<br />
esse viés de politização de suas decisões, a “justiça” em detrimento da segurança<br />
jurídica. Quer o juiz brasileiro, dentro de nosso sistema de civil law, agir, em larga<br />
medida, como um juiz do common law, sem, entretanto, limitar-se pelas regras de<br />
precedente ou pelas decisões de tribunais superiores, que são os instrumentos<br />
que dão previsibilidade ao sistema de common law. Sua neutralidade, enfim, fica<br />
gravemente comprometida, sobretudo em questões envolvendo direito ambiental,<br />
direito do trabalho, direto previdenciário, direito do consumidor e direito tributário.<br />
Percebe-se, pelos achados acima, que, infelizmente, no caso brasileiro, por<br />
compor um sistema jurídico onde ainda se vê divorciarem-se previsão constitucional<br />
e realidade fática, o Judiciário, na busca pela eficiência, tropeça em dois problemas<br />
particularmente graves: a demora para a entrega de uma prestação jurisdicional<br />
final e a falta de neutralidade política dos juízes. Ambos os problemas impactam<br />
negativa e significativamente o desenvolvimento econômico nacional, já que<br />
a demora do Judiciário e a incerteza do resultado de seus processos tornam-se<br />
componentes de risco que instruem as matrizes de preços em todas as transações<br />
(sobretudo as financeiras e de crédito nacional e externo, sendo a medida de<br />
risco-país a mais visível delas), bem como inibem o desenvolvimento da atividade<br />
empreendedora no país e o afluxo de investimentos externos na atividade produtiva<br />
nacional.<br />
Todavia, conforme apontado na pesquisa, o problema da morosidade<br />
pode ser mitigado com o implemento de medidas simples e que não implicam<br />
necessariamente a realocação de mais recursos governamentais ao Judiciário,<br />
tais como (i) a instituição de indicadores de performance como condicionadores<br />
da promoção de magistrados (foram particularmente sugeridos dois critérios<br />
interessantes, a saber, [a] indicadores quantitativos sobre celeridade processual<br />
– intervalo de tempo entre a entrada e o julgamento dos processos – e [b]<br />
indicadores quantitativos sobre previsibilidade das decisões – proporção de<br />
decisões confirmadas em instâncias superiores), (ii) o aumento do treinamento de<br />
juízes em fase pré-judicatura (a exemplo do que ocorre com os diplomatas) e (iii)<br />
a nomeação de administradores forenses, ferramenta fundamental para otimizar<br />
o tempo dos juízes e concentrá-lo no que eles realmente são talentosos: proferir<br />
decisões judiciais.<br />
Para remediar o problema da não-neutralidade, é necessária educação<br />
econômica, a qual pode ser, ao menos inicialmente, passada aos magistrados<br />
durante os treinamentos pré-judicantes, ou mesmo mediante leve aprimoramento<br />
das grades curriculares nos cursos de direito. A educação econômica mostra-se<br />
particularmente importante como mecanismo destinado a reduzir ou mesmo<br />
evitar a chamada “politização da justiça”, de modo a que os juízes centrem suas<br />
decisões na análise do Direito e não subvertam seu papel decisor eminentemente<br />
técnico no afã distributivista de realizarem, individualmente e em substituição<br />
ao governo, política social, mesmo porque a forma mais eficiente de se atingir os<br />
objetivos distributivistas que pesam na consciência dos juízes é garantir segurança<br />
172<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
jurídica ao nosso sistema, do qual o Poder Judiciário é a instituição máxima.<br />
Ademais, é necessário que se entenda que a não-neutralidade do magistrado tem<br />
conseqüências negativas, das quais se pinça, com Pinheiro (2003b), a incerteza dos<br />
contratos e o aumento de prêmios de risco (isto é, preços) com prejuízo direto, a<br />
posteriori, às próprias partes (trabalhadores, consumidores, clientes bancários etc.)<br />
a que o magistrado buscara inicialmente proteger.<br />
Ainda, lembra-se que há recentes reformas implementadas, cujos resultados,<br />
pendentes de avaliação em razão de sua pouca expressividade até o momento,<br />
podem alterar o quadro acima descrito. É que, a partir de 2005, com o advento<br />
da Emenda Constitucional nº 45, foram sendo paulatinamente introduzidas<br />
modificações no sistema brasileiro visando a aplacar as principais mazelas do<br />
Judiciário e, assim, dar-lhe maior eficiência. São oriundas dessa reforma, por<br />
exemplo, as súmulas vinculantes, as quais não só condensam o entendimento<br />
do STF a respeito de determinado assunto, mas também se impõem às<br />
instâncias inferiores, de modo a uniformizar a jurisprudência sobre aquele tema,<br />
trazendo mais segurança jurídica e previsibilidade ao nosso sistema. Também<br />
são resultados dessa reforma a ferramenta de repercussão, a qual, quando<br />
utilizada, “congela” o trâmite de todos os processos existentes no país sobre<br />
determinado assunto até que o STF exare sua decisão a respeito. Por fim, é<br />
igualmente produto da reforma a criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão<br />
composto por membros do Judiciário, do Ministério Público e da Advocacia,<br />
bem como por cidadãos de destaque, ao qual é atribuído o papel de controle<br />
externo do Poder Judiciário. Na esteira da Emenda 45, reformas outras foram<br />
trazidas pela legislação ordinária, donde se pinça, dentre outras, (i) a nova Lei<br />
de Execução Civil (Lei 11.232/2005), que abreviou a duração do processo de<br />
execução; (ii) a Súmula Impeditiva de Recursos (Lei 11.276/2006), que permite<br />
ao juiz não receber recurso de apelação se sua sentença estiver de acordo com<br />
matéria sumulada pelo STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); (iii) a Lei<br />
11.277/2006, que estabelece a possibilidade de pronta extinção da ação pelo juiz<br />
em casos repetitivos sobre cujo assunto ele já possua entendimento firmado pela<br />
improcedência da causa; e (iv) a Lei 11.280/2006, que permite ao juiz reconhecer<br />
a prescrição 2 do direito discutido no processo sem prévia provocação das partes.<br />
Outra iniciativa de caráter administrativo que se vem notando é a progressiva<br />
informatização dos fóruns e tribunais, permitindo a verificação dos andamentos<br />
e decisões processuais pela internet e, nalgumas esferas mais restritas, mesmo a<br />
apresentação de ações, defesas e recursos por meio eletrônico.<br />
Por fim, cabe ressaltar que parte do discurso liberalizante que ensejou toda<br />
a discussão a respeito da reforma do Judiciário – de acordo com o qual o Estado<br />
deveria reduzir sua atuação para atuar como mero facilitador dos negócios a serem<br />
empreendidos, com a maior liberdade possível, pela iniciativa privada – caiu por<br />
terra, em razão dos abusos cometidos no mercado financeiro norte-americano e<br />
europeu que acabaram por gerar uma onda de clamor por uma maior regulação<br />
do mercado financeiro e, por via de conseqüência, um maior controle estatal<br />
sobre suas transações. A tendência mesmo parece ser uma mudança significativa<br />
2 Extinção do direito pelo decurso do tempo, sem que tenha havido o seu exercício pelo titular.<br />
Sistema Jurídico E Desenvolvimento Econômico: A Busca Pela..., José Rubens Vivian Scharlack, p. 168-175<br />
173
do papel do Estado na economia. No momento inicial, em que a crise bateu às<br />
portas dos países, o Estado foi chamado a contribuir para reverter a iliquidez<br />
geral dos mercados e não raro assumir dívidas do setor privado. Em um segundo<br />
momento, estima-se a ampliação das funções regulatórias estatais, com esperadas<br />
repercussões políticas e sociais.<br />
Com isso de maneira nenhuma se altera a necessidade de reforma judicial,<br />
mas reforça-se a necessidade da presença estatal, não como empreendedor,<br />
mas como forte regulador e facilitador (na medida em que não lhe cria<br />
entraves despropositados e ainda proporciona a infra-estrutura necessária ao<br />
desenvolvimento) da economia, cujos principais agentes, concorda-se, devem<br />
ser os entes privados. A desestatização da economia significa, em última análise, a<br />
retirada do Estado do papel de ator econômico principal, nunca se lhe subtraindo,<br />
entretanto, a tutela do interesse público e a necessária regulação e controle das<br />
atividades dos particulares, na medida em que a falta dessa regulação e controle<br />
prejudiquem os direitos e garantias individuais e sociais e, assim, a sociedade como<br />
um todo.<br />
Neste novo cenário, em que a demanda pela atuação estatal (não<br />
empreendedora, mas reguladora) é reforçada, o papel do Judiciário torna-se<br />
ainda mais relevante – posto que ele se constitui na esfera última de proteção<br />
ao indivíduo, à sociedade e ao próprio Estado, bem como a instituição máxima<br />
garantidora da segurança necessária à conformação da infra-estrutura legal para<br />
o desenvolvimento nacional – e sua reforma, nos termos aqui analisados, torna-se<br />
mesmo crucial.<br />
174<br />
Referências Bibliográficas<br />
GRAY, C. W. Legal process and economic development, a case study of Indonesia,<br />
Washington: World Bank Technical Paper, 1989.<br />
PINHEIRO, A. C. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou<br />
confronto? Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2003a.<br />
_______. Judiciário, reforma e economia: a visão dos magistrados. Rio de Janeiro:<br />
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA, 2003b.<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Resenha<br />
A Arte da Guerra<br />
TZU, S. A arte da guerra. Adaptação e prefácio: James Clavell.<br />
Tradução: José Sanz. 29ª ed.. Rio de Janeiro: Record, 2002, 111 p.<br />
Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira **<br />
Escrita há aproximadamente 2.500 anos na China antiga pelo general Sun<br />
Tzu, “A Arte da Guerra” é uma obra clássica não sujeita ao tempo. Redescoberta<br />
pelo mundo ocidental e utilizada como um “manual de estratégias” devido ao seu<br />
denso conteúdo filosófico, a obra reúne uma série de premissas de cunho militar,<br />
que podem ser facilmente aplicadas atualmente por administradores, políticos,<br />
empresários, entre outros, para formulação de suas estratégias.<br />
A obra de Sun Tzu é considerada por muitos a precursora da literatura acerca<br />
da estratégia em combate. Posteriormente, essa temática também foi abordada<br />
em “Da Guerra” (1832), pelo general Clausewitz, e se tornou principal referência<br />
clássica em estratégia de guerra no Ocidente.<br />
Grande parte da utilização do pensamento estratégico na área de negócios é<br />
proveniente da referida esfera de combate, na qual a estratégia é definida como uma<br />
arte militar que envolve o planejamento e a execução necessários para se chegar<br />
aos objetivos principais da guerra. Diferente de uma simples questão lógica, através<br />
da qual é possível alcançar um mesmo resultado final, a necessidade estratégica<br />
nasce da impossibilidade de satisfação simultânea de interesses divergentes e da<br />
imprevisibilidade da reação de qualquer oponente, que possui valores e percepções<br />
geralmente constituídos de forma totalmente diversa (COSTA; ALMEIDA, 2005, p.<br />
205).<br />
Segundo o professor Pankaj Ghemawat, os termos estratégicos existentes, a<br />
partir de sua origem militar, foram incorporados aos negócios efetivamente a partir<br />
do século XX, porém anteriormente, no período da Segunda Revolução Industrial,<br />
surgia a “emergência da estratégia como forma de moldar as forças do mercado<br />
e afetar o ambiente competitivo”, principalmente pelo surgimento dos mercados<br />
em massa (2000, p.16).<br />
De acordo com o mesmo autor, a Segunda Guerra Mundial viabilizou o<br />
* Silvye Ane Massaini, formada em Administração de Empresas pela FAAP em 2008, pós-graduanda em Gestão<br />
<strong>Estratégica</strong> de Projetos e Professora Auxiliar de Ensino em tempo integral na mesma instituição. . Viviane Renata Franco de Oliveira é bacharel e licenciada em História pela USP e bacharel em<br />
Administração de Empresas pela FAAP, onde também exerce função. <br />
A Arte da Guerra, Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira, p. 176-180<br />
175
pensamento estratégico nas empresas para solucionar o problema de alocação de<br />
recursos na economia e para guiar decisões gerenciais, com o objetivo de exercer<br />
influência sobre as forças do mercado (2000, p.17). As escolas de administração<br />
foram as principais responsáveis por promover o pensamento estratégico nos<br />
meios acadêmicos e, a partir da década de 1960, essa influência se fazia fortemente<br />
presente em diversos tipos de negócios, principalmente através da atuação de<br />
firmas de consultoria em estratégia que se formaram em meados da década de 1970.<br />
A obra “O processo da estratégia” salienta que a influência militar foi ainda<br />
mais relevante nas concepções estratégicas que se disseminaram na década de<br />
1980, sendo Michael Porter um dos representantes dessa influência, conhecida<br />
como Escola de Posicionamento. Na vertente do posicionamento, que tem a obra<br />
de Sun Tzu como base, a estratégia “reduz-se a posições genéricas selecionadas<br />
por meio de análises formalizadas das situações de segmento”, fazendo com que<br />
os estrategistas sejam caracterizados fundamentalmente pela sua capacidade<br />
analítica (MINTZBERG et al, 2003, p.10).<br />
Percebe-se, pela apreciação de “A Arte da Guerra”, que tal aspecto fora<br />
explorado por Sun Tzu, ao afirmar que o general que tiver capacidade de analisar<br />
seu ambiente cuidadosamente, planejar estrategicamente e liderar, conhecendo a<br />
si e aos seus inimigos, obterá êxito. Sua obra apresenta como ponto central a busca<br />
da vitória frente a um ambiente de competição e conflito, na qual se evidencia a<br />
necessidade de antecipação diante do inimigo, de adaptação frente às diferentes<br />
variáveis e de ação rápida e eficaz.<br />
O livro é dividido em 13 capítulos, nos quais o autor expõe a importância da<br />
disciplina e do planejamento nas ações militares.<br />
Inicialmente, o autor trata da preparação dos planos, evidenciando a<br />
necessidade de planejamento para alcance dos objetivos. Nesse sentido, a figura do<br />
chefe militar torna-se fundamental devido a sua responsabilidade pela condução<br />
de seu exército de forma segura. Para tanto, o militar deve considerar as condições<br />
de sua equipe e de seu inimigo, tendo em mente cinco princípios básicos para se<br />
tornar um vencedor:<br />
176<br />
1. Lei Moral: significa a submissão do exército diante de seu governante.<br />
2. Céu: refere-se ao clima, representando tudo o que se encontra além do<br />
controle do militar.<br />
3. Terra: refere-se ao caminho, à segurança, aos perigos e à distância,<br />
questões através das quais é possível traçar algum tipo de avaliação prévia.<br />
4. Chefe: significa a sabedoria, a coragem, a integridade e a liderança para<br />
o alcance de determinado objetivo.<br />
5. Método e disciplina: refere-se principalmente às divisões militares, aos<br />
regimentos e ao método a ser aplicado para conduzir o exército.<br />
Feitas tais considerações, Sun Tzu enfatiza a necessidade de estar um passo à<br />
frente do adversário e de ser eficiente nas ações militares, como forma de preservar<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
os recursos militares e minimizar o desgaste do grupo. As operações militares<br />
não devem ser conduzidas em campanhas demasiadamente prolongadas, pois<br />
isso acarretaria na exaustão do grupo e na extinção de seus recursos, deixando-o<br />
vulnerável frente ao inimigo. Segundo Carlos Lima Silva, em seu livro “Harmonia<br />
no Conflito: A arte da estratégia de Sun Tzu”, o general deve encontrar o equilíbrio<br />
entre a velocidade e o tempo, estando ciente da situação em que os soldados se<br />
encontram (1999, p.306).<br />
Nesta mesma linha argumentativa, o autor defende que a melhor estratégia de<br />
ataque será aquela que mantiver o Estado inimigo intacto, utilizando-se do domínio<br />
e da rendição ao invés do extermínio. “A glória suprema consiste em quebrar a<br />
resistência do inimigo sem lutar” (TZU, 2002, p.25). Dessa forma, a melhor política<br />
militar é aquela que obtém a vitória através do impedimento dos planos inimigos,<br />
explorando ao máximo as possibilidades diplomáticas.<br />
A partir dessa ótica, Sun Tzu ressalta a necessidade do conhecimento do<br />
inimigo e de si mesmo, como forma de destacar-se frente ao oponente. Para tanto,<br />
torna-se fundamental a análise dos pontos fortes e fracos e a possibilidade de<br />
utilização de diversos métodos de ataque e defesa para surpreender o exército<br />
inimigo. Em outras palavras, o chefe militar deve preparar seus arranjos técnicos<br />
de modo a evitar os pontos fortes do inimigo, atacando seus pontos fracos. No<br />
âmbito organizacional, tal afirmação pode ser entendida como a necessidade<br />
de conhecimento da própria organização, dos clientes e da concorrência, para<br />
possibilitar o alcance dos objetivos (KRAUSE apud ZACCARELLI, 2000, p.43)<br />
Outro ponto destacável da obra refere-se à questão da liderança, da utilização<br />
da lei moral, dos métodos e da disciplina. Conforme o autor, um comando rígido<br />
e imparcial possibilitará o alcance de uma vantagem competitiva, evidenciando<br />
assim a importância da coordenação, da força, da organização e da dinâmica do<br />
grupo. Para Sun Tzu, “o guerreiro inteligente procura o efeito da energia combinada<br />
e não exige muito dos indivíduos. Leva em conta o talento de cada um e utiliza<br />
cada homem de acordo com sua capacidade” (TZU, 2002, p.36), o que pode ser<br />
considerado inclusive no âmbito da liderança organizacional.<br />
Isto posto, Sun Tzu trata das diferentes manobras de combate no campo de<br />
batalha. Segundo o autor, para posicionar-se à frente do inimigo, é necessário<br />
conhecer muito bem o terreno e mover-se rapidamente por ele. O planejamento<br />
das manobras facilita o sucesso do exército, assim como o conhecimento do<br />
território de batalha possibilita o ataque direto e indireto, facilitando a atração<br />
dos adversários à emboscadas. Aprofundando-se no tema, o autor apresenta<br />
nove fatores que devem considerados, como forma de evitar surpresas no campo<br />
de batalha: não acampe em terrenos baixos; busque “parcerias” com os príncipes<br />
dos terrenos considerados estratégicos; esteja preparado em terrenos sujeitos a<br />
armadilhas; lute agressivamente em um terreno no qual não se possa avançar ou se<br />
retirar; há momentos em que os inimigos não devem ser atacados, dentre outros.<br />
No ambiente de negócios, tais fatores podem ser representados pela a formação<br />
A Arte da Guerra, Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira, p. 176-180<br />
177
de alianças estratégicas, por exemplo, ou até mesmo pela utilização de estratégias<br />
para evitar “guerra de preço”.<br />
Dando continuidade ao assunto, o autor trata das movimentações estratégicas<br />
que o exército deve tomar. Para se posicionar, o general deve procurar um território<br />
seguro e selecionar um lugar alto e ensolarado para montar seus acampamentos<br />
militares, aproveitando-se das vantagens propiciadas pelo terreno. Do ponto de<br />
vista mercadológico, tal fato pode ser entendido como a identificação de uma<br />
oportunidade de mercado, presente na análise SWOT. Esta ferramenta estratégica,<br />
amplamente difundida por autores contemporâneos, tem como base os mesmos<br />
princípios enunciados por Sun Tzu, e se baseia no levantamento das forças,<br />
fraquezas, oportunidades e ameaças presentes no ambiente interno e externo de<br />
uma empresa, de forma a possibilitar a tomada de decisão e, conseqüentemente, o<br />
cumprimento de seus objetivos. Ainda a esse respeito, Sun Tzu afirma: “para que o<br />
impacto do seu exército possa ser semelhante a uma pedra de moinho chocando-se<br />
com um ovo, utilize a ciência dos pontos fracos e fortes” (TZU, 2002, p.37).<br />
Além disso, são apresentados diversos tipos de terrenos (acessível, complicado,<br />
duvidoso, estreito, acidentado e distante) e a forma mais adequada de lidar com<br />
cada um deles, enfatizando a questão da adaptação. Em um terreno acessível, por<br />
exemplo, as tropas devem ocupar posições altas e ensolaradas, mantendo as linhas<br />
de provisão desimpedidas, facilitando a luta com o inimigo. Já em um terreno<br />
duvidoso, é aconselhável recuar e atrair o oponente a uma situação através da<br />
qual se possa obter algum tipo de vantagem. Analogamente, essa questão pode<br />
ser compreendida nas organizações como a necessidade de um posicionamento<br />
estratégico, utilizando-se das variáveis do mercado, para obtenção de uma<br />
vantagem competitiva sustentável.<br />
Outro ponto abordado na obra diz respeito aos cinco erros que podem<br />
afetar o líder militar: a negligência, que leva à derrota; a covardia, que leva à<br />
captura; a debilidade da honra, que leva à humilhação; a impetuosidade, que leva<br />
à precipitação; e o excesso de solicitude com os soldados, que leva à hesitação<br />
e passividade. Tais erros implicam em perda e para evitá-los nas organizações é<br />
necessária uma adaptação constante. Isso só será possível a partir de uma análise<br />
situacional, do cálculo dos recursos e da força necessária, da comparação dessa<br />
força com a força dos adversários e da previsão da vitória ou da derrota (SILVA,<br />
1999, p.203).<br />
O autor ainda destaca a necessidade dos soldados serem tratados de forma<br />
humana, mantidos, no entanto, sob controle de uma rígida disciplina. Assim, “quanto<br />
maior for o entendimento mútuo, o senso de justiça e a disciplina imparcial, maior<br />
será a confiança mútua entre superiores e subordinados” (SILVA, 1999, p.369).<br />
Sun Tzu também discute algumas questões pelas quais o general é o grande<br />
responsável, evidenciando a importância do superior no alcance dos objetivos:<br />
178<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Quando os soldados rasos são muito mais fortes e seus oficiais muito fracos,<br />
o resultado é a insubordinação [...]; quando os oficiais são muito fortes e os<br />
soldados rasos muito fracos, o resultado é o colapso [...]; quando o general é<br />
fraco e sem autoridade, quando suas ordens não são claras e compreensíveis<br />
[...] o resultado é a desorganização absoluta [...]; quando um general, incapaz<br />
de calcular as forças inimigas, permite que uma força inferior ataque uma<br />
superior [...] o resultado pode ser a derrota total (TZU, 2002, p.71-72).<br />
Sua abordagem tem continuidade na descrição dos cinco tipos de ataques<br />
incendiários. O fogo, neste contexto, representa a rápida destruição através da<br />
utilização da tecnologia, tendo como objetivo confundir o adversário, deixando-o<br />
hesitante (SILVA, 1999, p.494). Para atear fogo, no entanto, é importante aguardar o<br />
momento propício (dias secos e ventos fortes), ter os materiais necessários sempre<br />
à mão e conduzir o combate de forma apropriada.<br />
Ao final de sua obra, Sun Tzu refere-se à utilização de espiões, como forma de<br />
reduzir os custos de guerra e obter informações essenciais a respeito do inimigo.<br />
Diante desta abordagem, o espião assume um papel de suma importância, já que<br />
toda a capacidade de movimentação do exército repousa sobre o conhecimento<br />
do inimigo (TZU, 2002, p.110-111). Para o autor Carlos Lima Silva, o papel do espião<br />
pode ser representado, no contexto organizacional, pelos funcionários e suas<br />
contribuições com relação ao conhecimento que possuem, tornando-se peças<br />
fundamentais no intercâmbio de informações (1999, p.509).<br />
No contato com a obra comprova-se a relevância das idéias de Sun Tzu pela<br />
capacidade de síntese da filosofia e da realidade, permitindo a abstração de seus<br />
conceitos para realização das mais diversas analogias.<br />
A comparação entre o cenário militar com o cenário organizacional é possível,<br />
uma vez que ambos dependem da formulação de estratégias adequadas para o<br />
alcance de seus objetivos. Assim sendo, para o administrador, a grande valia da obra<br />
está em sua possibilidade de aplicação genérica às questões de cunho estratégico.<br />
A convergência dos conceitos anunciados por Sun Tzu ocorre também pela<br />
acentuada preocupação com o futuro na condução das organizações, influenciando<br />
diretamente as decisões e ações das organizações. As dificuldades eminentes nas<br />
projeções futuras são resultantes da complexidade do ambiente formado pelas<br />
“rápidas e radicais transformações que atingem a sociedade contemporânea”<br />
(COSTA; ALMEIDA, 2005, p. 23), sendo a estratégia uma das principais ferramentas<br />
utilizadas para amenizar os efeitos do atual cenário pautado pela incerteza.<br />
A Arte da Guerra, Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira, p. 176-180<br />
179
180<br />
Referências Bibliográficas<br />
COSTA, Benny Kramer; ALMEIDA, Martinho Isnard Ribeiro de (Org.). Estratégia:<br />
direcionando negócios e organizações. São Paulo: Atlas, 2005.<br />
GHEMAWAT, Pankaj. A estratégia e o cenário dos negócios: textos e casos. Tradução:<br />
Nivaldo Montigelli Jr. Porto Alegre: Bookman, 2000.<br />
MINTZBERG, H.; QUINN, J. O processo da estratégia: conceitos, contextos e casos.<br />
Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 4ªed.. Porto Alegre: Bookman, 2006.<br />
SILVA, Carlos Lima. Harmonia no conflito: a estratégia de Sun Tzu. Rio de Janeiro:<br />
Qualitymark Ed., 1999.<br />
ZACCARELLI, Sérgio B. Estratégia e sucesso nas empresas. São Paulo: Saraiva, 2000.<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
Orientação para Colaboradores<br />
1 Foco da <strong>Revista</strong><br />
A <strong>Revista</strong> <strong>Estratégica</strong> publica artigos inéditos nas áreas de Estratégia,<br />
Administração, Gestão e temas afins, em português, espanhol e inglês, de autores<br />
brasileiros e do exterior e que foram devidamente aprovados pelo Conselho Editorial<br />
da <strong>Revista</strong>. Excepcionalmente, publica também artigos não inéditos, mas ainda não<br />
divulgados em português ou espanhol, e que a <strong>Revista</strong> considere importantes para<br />
publicação nessas línguas, modificados ou não, conforme avaliação dos editores<br />
ou de membros do Conselho Editorial. Os artigos devem conter: resumo, abstract<br />
(e respectivas palavras chave), introdução, desenvolvimento, considerações finais<br />
e referências bibliográficas. A escrita deve ser acessível ao público em geral.<br />
2 Formato dos Originais<br />
Os textos devem ser submetidos na forma de arquivo eletrônico, em CD-Rom<br />
ou por e-mail, no programa Word, em fonte Times New Roman, 12 pontos, e com<br />
tabelas e gráficos no mesmo formato ou em Excell. Incluindo tabelas, gráficos e<br />
referências, cada artigo deve ter de 8 a 25 páginas tamanho A4, com espaço 1,5 entre<br />
linhas, entre 5 mil e 7 mil palavras ou 30 mil a 40 mil caracteres, inclusive espaços.<br />
Tabelas e gráficos não preparados originalmente pelo autor e retirados de<br />
outras fontes não poderão ser colocados no artigo na forma de figuras. Precisarão<br />
ser refeitos no formato citado, e sempre escritos no mesmo idioma do texto em<br />
que estarão inseridos.<br />
As notas, na mesma fonte, em 10 pontos, devem ser colocadas nos rodapés,<br />
numeradas sequencialmente, exceto a primeira, que referenciada por um * deve<br />
corresponder ao(s) autor (es) indicando a titulação acadêmica, a ocupação atual e<br />
outras já exercidas, bem como um endereço eletrônico para contato. O texto dessa<br />
nota inicial deverá tomar de três a cinco linhas.<br />
As referências bibliográficas deverão ser listadas alfabeticamente no final do<br />
texto, seguinto a norma NBR – 6023 da Associação Brasileira de Normas Técnicas<br />
– ABNT, tal como mostram os exemplos a seguir:<br />
• Livro<br />
BAZERMAN, Max H. Processo decisório. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2004.<br />
• Livro em Meio Eletrônico<br />
ALVES, Castro. Navio negreiro. [S.I.]: Virtual Books, 2000. Disponível em: http://<br />
www.terra.com.br/virtualbooks/freebook/port/Lport2/navionegreiro.htm.<br />
Acesso em: 10 jan. 2002, 16:30:30.<br />
• Parte de Coletânea<br />
ROMANO, Giovanni. Imagens da juventude na era moderna. In: LEVI, G; SCHIMIDT, J.<br />
(Org.). História dos jovens 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 7-16.<br />
SANTOS, F. R. dos. A colonização da terra do Tucujús. In: __________. História do<br />
Amapá, 1º grau. 2. ed. Macapá: Valcan, 1994. cap. 3.<br />
181
• Artigo de <strong>Revista</strong><br />
STUDART, R. O sistema financeiro e o financiamento do crescimento: uma alternativa<br />
pós-keynesiana à visão convencional. <strong>Revista</strong> de Economia Política, 13(1). Rio de<br />
Janeiro: 1993, p. 101-138 .<br />
REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA. Rio de Janeiro: IBGE, 1939-. Trimestral. Absorveu<br />
Boletim Geográfico, do IBGE. Ìndice acumulado, 1939-1983. ISSN 0034-723X.<br />
• Artigo de Jornal<br />
COSTURA x P.U.R. Aldus, São Paulo, ano 1, n. 1, nov. 1997. Encarte técnico, p. 8.<br />
NAVES, P. Lagos andinos dão banho de beleza. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 jun.<br />
1999. Folha Turismo, Caderno 8, p. 13.<br />
LEAL, L. N. MP fiscaliza com autonomia total. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 3,<br />
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SILVA, Ives Gandra da. Pena de morte para o nascituro. O Estado de S. Paulo, São<br />
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RIBEIRO, P. S. G. Adoção à brasileira: uma análise sociojurídica. Dataveni@, São Paulo,<br />
ano 3, n. 18, ago. 1998. disponível em: http://www.datavenia.inf.br/frame.artig.html.<br />
Acesso em: 10 set. 1998.<br />
Cada artigo deverá estar acompanhado de um resumo de 100 a 150 palavras, não<br />
incluídas na contagem do tamanho do artigo, bem como a menção de três a cinco<br />
palavras-chave, no mesmo idioma do texto. A correspondência de remessa deve<br />
incluir o nome do autor e a instituição ou instituições a que está ligado. Pede-se<br />
também um endereço para contato, com menção do eletrônico e de um telefone.<br />
3 Avaliação dos Originais<br />
Os artigos serão submetidos a pareceristas, cujos nomes não serão informados<br />
aos autores.<br />
4 Resenhas<br />
A revista publica resenhas de livros, que deverão ser submetidos no mesmo<br />
formato dos artigos, mas com tamanho limitado a ¼ dos parâmetros mencionados<br />
no item 2.<br />
182<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010
5 Remessa de Originais<br />
Os originais devem ser remetidos para:<br />
<strong>Estratégica</strong><br />
<strong>Revista</strong> da Faculdade de Administração<br />
Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP<br />
Faculdade de Administração<br />
Rua Alagoas, 903,<br />
01242-902 São Paulo – SP<br />
e-mail: estratégica@faap.br<br />
6 Assinaturas<br />
Informações poderão ser obtidas por meio do e-mail acima.<br />
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184<br />
<strong>Estratégica</strong>, <strong>vol.9</strong>(08), junho.2010