Cordélia Inês Kiener - Programa de Pós-Graduação em Extensão ...

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Os indivíduos nas sociedades modernas ficam, portanto, sujeitos a dois tipos de regras e relações sociais, uma pessoal e outra impessoal podendo esta última ser compreendida e vivida sob dois aspetos presentes na vida moderna, quais sejam, sob independência ou sob autonomia. Ao estudar os modos de subjetivação no Brasil, FIGUEIREDO (1995) considera que Dumont não esclareceu suficientemente uma diferença importante entre “independência” e “autonomia”, ambas presentes nas sociedades modernas, mas que remetem a diferentes níveis de consciência e subjetividade. A “autonomia” seria um passo à frente da “independência” e representaria muito mais do que a independência ou liberdade física, moral e ética, seria a “capacidade de gerar leis e viver sob o império de leis por si mesmo consagrados” (idem, 1995:30). Tomando como base esta autonomia, ou sua ausência, ele analisa três categorias: “pessoas”, “meros indivíduos” e “sujeitos”. Para FIGUEIREDO (1995), a categoria “pessoa”, do mesmo modo que descreveu DaMatta, está ligado ao mundo de relações pessoais e está ligada a regras do mundo tradicional. A categoria “meros indivíduos” corresponde à categoria “indivíduo” de DaMatta, mas numa condição inferior, “ficam reduzidos à condição de uso alheio e submetidos a formas autoritárias de controle” (idem, 1995:38). A categoria de “sujeito” é aquela que corresponde ao indivíduo já liberto do mundo da tradição, que conhece e participa na elaboração das leis que regem sua vida e a da sociedade, sendo a forma mais representativa da modernidade. Referindo-se especificamente aos modos de subjetivação no Brasil, Figueiredo afirma que a experiência de modernidade do Brasil torna-se diversa daquela vivida na Europa. “A posição econômica , política e cultural do país, que o torna, desde seus inícios no século XVI, ao mesmo tempo uma parte do Ocidente Moderno - individualista, racional, capitalista etc. – e uma excentricidade pré ou antimoderna - patriarcal, personalista, afetivo etc., tem sido interpretada a partir de diferentes versões de duplicidade brasileira” (FIGUEIREDO, 1995:41). Roberto Schwartz, analisado por FIGUEIREDO (1995), verifica que a duplicidade e contradição de valores culturais do Brasil e a convivência do velho e do novo, é uma forma própria de assumir a modernidade. A importação de uma modernidade que pouco tem a ver com os interesses das classes 67

dominantes e valores de uma sociedade de tradição como o Brasil provocou o que Schwartz chama de “idéias fora de lugar”. Apesar das idéias igualitárias importadas de outros países, em nossa sociedade continuava a existir escravos libertos e homens pobres que estavam na dependência de favores, jeitinhos, pistolões e outras formas relacionais para sobreviver. Schwartz considera que o Brasil é constituído, basicamente, por “pessoas” e por “meros indivíduos” e que “as idéias da modernidade entraram no repertório da elite como ornamento” (FIGUEIREDO, 1995:51). Esta elite se identificava com o que havia de mais moderno no Ocidente, em termos de gostos e padrões de consumo sofisticados, mas não renunciavam à influência política e econômica que exerciam como pessoas perante os meros indivíduos. A importação, muitas vezes inadequada, incompleta ou mesmo atrasada das idéias modernas do ocidente provocaram uma sucessão de modismos intelectuais que foram se alternando sem poderem criar raízes e tornam o Brasil um objeto exótico aos olhos dos estrangeiros. “A produção e uso de idéias no Brasil em grande medida era e continua sendo uma imitação servil do que se faz lá fora e algo, malgré nous, extremamente novo, comicamente diferente do que pretendíamos imitar” (FIGUEIREDO, 1995:53). Para este autor, apesar da constituição brasileira, teoricamente, igualar todos os cidadãos perante leis, continua a haver pessoas que estão acima dos meros indivíduos que normalmente estão muito abaixo delas dependendo de suas relações pessoais. Para o autor, a cidadania, versão moderna da subjetividade e que pressupõe a existência de sujeitos, é rara fora dos discursos. Embora haja crescente número de brasileiros que estejam experimentando a posição de cidadãos, sujeitos, estes ainda são “peças fora do lugar”. Este é, talvez, o motivo pelo qual muitas ONGs brasileiras apresentam em suas propostas de trabalho a luta pela cidadania plena de seu público. Muitos dos sujeitos a que Figueiredo chama de “peças fora do lugar” surgiram através da militância, especialmente pelos direitos políticos, durante o regime militar. Estes militantes desligaram-se de suas relações tradicionais e passaram a lutar pela liberdade, pela igualdade e pelo cumprimento da lei. Depois de lutarem por causas trabalhistas, civis e políticas durante o regime militar, parte destes sujeitos foram, posteriormente, grandes incentivadores da 68

dominantes e valores <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tradição como o Brasil provocou o<br />

que Schwartz chama <strong>de</strong> “idéias fora <strong>de</strong> lugar”. Apesar das idéias igualitárias<br />

importadas <strong>de</strong> outros países, <strong>em</strong> nossa socieda<strong>de</strong> continuava a existir<br />

escravos libertos e homens pobres que estavam na <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> favores,<br />

jeitinhos, pistolões e outras formas relacionais para sobreviver. Schwartz<br />

consi<strong>de</strong>ra que o Brasil é constituído, basicamente, por “pessoas” e por “meros<br />

indivíduos” e que “as idéias da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> entraram no repertório da elite<br />

como ornamento” (FIGUEIREDO, 1995:51). Esta elite se i<strong>de</strong>ntificava com o que<br />

havia <strong>de</strong> mais mo<strong>de</strong>rno no Oci<strong>de</strong>nte, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> gostos e padrões <strong>de</strong><br />

consumo sofisticados, mas não renunciavam à influência política e econômica<br />

que exerciam como pessoas perante os meros indivíduos.<br />

A importação, muitas vezes ina<strong>de</strong>quada, incompleta ou mesmo<br />

atrasada das idéias mo<strong>de</strong>rnas do oci<strong>de</strong>nte provocaram uma sucessão <strong>de</strong><br />

modismos intelectuais que foram se alternando s<strong>em</strong> po<strong>de</strong>r<strong>em</strong> criar raízes e<br />

tornam o Brasil um objeto exótico aos olhos dos estrangeiros.<br />

“A produção e uso <strong>de</strong> idéias no Brasil <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> medida era e continua sendo<br />

uma imitação servil do que se faz lá fora e algo, malgré nous, extr<strong>em</strong>amente<br />

novo, comicamente diferente do que pretendíamos imitar” (FIGUEIREDO,<br />

1995:53).<br />

Para este autor, apesar da constituição brasileira, teoricamente, igualar<br />

todos os cidadãos perante leis, continua a haver pessoas que estão acima dos<br />

meros indivíduos que normalmente estão muito abaixo <strong>de</strong>las <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong><br />

suas relações pessoais. Para o autor, a cidadania, versão mo<strong>de</strong>rna da<br />

subjetivida<strong>de</strong> e que pressupõe a existência <strong>de</strong> sujeitos, é rara fora dos<br />

discursos. Embora haja crescente número <strong>de</strong> brasileiros que estejam<br />

experimentando a posição <strong>de</strong> cidadãos, sujeitos, estes ainda são “peças fora<br />

do lugar”. Este é, talvez, o motivo pelo qual muitas ONGs brasileiras<br />

apresentam <strong>em</strong> suas propostas <strong>de</strong> trabalho a luta pela cidadania plena <strong>de</strong> seu<br />

público.<br />

Muitos dos sujeitos a que Figueiredo chama <strong>de</strong> “peças fora do lugar”<br />

surgiram através da militância, especialmente pelos direitos políticos, durante o<br />

regime militar. Estes militantes <strong>de</strong>sligaram-se <strong>de</strong> suas relações tradicionais e<br />

passaram a lutar pela liberda<strong>de</strong>, pela igualda<strong>de</strong> e pelo cumprimento da lei.<br />

Depois <strong>de</strong> lutar<strong>em</strong> por causas trabalhistas, civis e políticas durante o regime<br />

militar, parte <strong>de</strong>stes sujeitos foram, posteriormente, gran<strong>de</strong>s incentivadores da<br />

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