Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...
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Neste pequeníssimo trecho já se colocam duas expressões que me parecem especialmente instigantes: o sexo e a verdade. Por um lado, ao encaminhar uma resposta à pergunta que propôs, Foucault indica de forma categórica que o sexo se constituiu em uma questão não só importante, mas perturbadora e decisiva para as sociedades ocidentais. Por outro lado, ele propõe a questão da verdade. Vale dizer que o filósofo teve o cuidado de destacar graficamente neste prefácio o advérbio verdadeiramente e o adjetivo verdadeiro. Ainda que não seja possível afirmar com segurança porque ele fez isso, parece razoável supor que ele quisesse nos lembrar que colocava essas expressões sob suspeita. Seguindo seu pensamento, poderíamos dizer que uma “verdade” só aparece quando pode aparecer. Em um dado momento, um conjunto de circunstâncias se combina e possibilita que algo seja admitido como verdade. Esse conjunto de circunstâncias está atravessado e ordenado por relações de poder. Sendo assim, é possível compreender que determinadas relações de poder permitem que determinadas “verdades” (e não outras) apareçam. Daí que os saberes ou os enunciados “verdadeiros” em torno dos quais vivemos e com os quais lidamos cotidianamente precisam ser analisados em função das estratégias de poder que os sustentam. Isto vale para as teorias, as leis ou as regras do passado, mas deve valer também para aquelas que hoje abraçamos, para aquelas que nos mobilizam e nas quais apostamos. É claro que é mais fácil assumir uma postura crítica em relação ao passado. É provável que possamos entender que determinadas estratégias e tecnologias de poder estão articuladas na constituição dos discursos “científicos” antigos; por exemplo, discursos que “comprovavam” que tais e tais sujeitos ou que tais e tais práticas eram sadios ou doentes, positivos ou negativos. Foi e é assim que se produziram e se produzem discursos jurídicos, religiosos, educativos, psicológicos que mostram ou tornam evidente os sujeitos e as práticas que são bons ou que são maus, integrados ou desintegrados, produtivos ou prejudiciais para o conjunto da sociedade. Determinadas relações e estratégias de poder sustentam-se através desses saberes e “verdades”; elas precisam desses discursos para se tornarem evidentes o que, paradoxalmente, faz com que essas relações de poder se tornem invisíveis. Não há como negar (e todos podemos lembrar situações para comprovar isso!) que quanto menos for notada ou quanto mais for invisível uma relação de poder mais ela será eficiente. Num determinado momento (numa perspectiva foucaultiana, esse momento seria compreendido como o século XIX ou, mais especialmente, na metade final daquele século), passou-se a prestar uma especialíssima atenção à definição da sexualidade. A sexualidade tornou-se uma questão central para os Estados e também 86
para os indivíduos. Na verdade, o processo já vinha se desenrolando há algum tempo, desde o século XVIII, pelo menos: transformações políticas, culturais, sociais e econômicas articuladas ao industrialismo e à revolução burguesa, acompanhadas por uma outra divisão sexual do trabalho e pela circulação de idéias de caráter feminista, foram constituindo todo um conjunto de condições para que os corpos, a sexualidade e a existência de homens e mulheres fossem significados de outro modo. Laqueur ( 990) diz que se construiu por essa época um novo corpo sexuado. Mas alerta: não seria adequado afirmar que qualquer um desses eventos “provocou a construção desse novo corpo sexuado”, em vez disso seria importante lembrar que “a reconstrução do corpo é, ela própria, intrínseca a cada um desses desenvolvimentos” (LAQUEUR, 990: ). Este estudioso conta que até o início do século XIX as sociedades ocidentais tinham um modelo sexual que hierarquizava os sujeitos ao longo de um único eixo, cujo vértice era o masculino. Entendia-se que os corpos de mulheres e de homens diferiam em “graus” de perfeição; a “verdade” era que as mulheres tinham “dentro de seu corpo” os mesmo órgãos genitais que os homens tinham externamente. Em outras palavras, afirmava-se, cientificamente, que “as mulheres eram essencialmente homens nos quais uma falta de calor vital – de perfeição – havia resultado na retenção, interna, de estruturas que nos machos eram visíveis” (ibid.: 4). A substituição desse modelo (de um único sexo) pelo modelo de dois sexos opostos (que é o modelo que até hoje prevalece) não foi um processo simples nem linear. Essa transformação de ordem epistemológica – e também política, é claro – se deu junto com todo aquele conjunto de transformações já mencionadas. E, por um largo tempo, houve embate e disputa entre esses modelos sexuais. Nesta nova compreensão da sexualidade passava-se a prestar uma atenção especial aos corpos, às suas estruturas e características materiais e físicas. Antes, a explicação para as formas de relacionamento entre mulheres e homens e para as diferenças percebidas entre eles era buscada na Bíblia, nos textos sagrados; as diferenças eram, enfim, vinculadas a uma dimensão cósmica mais ampla. O corpo tinha menos importância. Mas agora ele passava a ter um papel primordial. Como diz Linda Nicholson ( 000), o corpo se tornou causa e justificativa das diferenças. O corpo passou a ser aquilo que dá origem às diferenças. O que temos aqui, então, é a constituição de uma nova episteme, de um outro conjunto de regras ou de formas de compreender e dar sentido ao mundo. Novos saberes, novas verdades são instituídas. Como parte desse contexto – aliás como parte especialmente importante – foram sendo construídas novas formas de representar e dar significado ao homem e à mulher, às suas relações, à sexualidade. 87
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por uma outra divisão sexual do trabalho e pela circulação de idéias de caráter<br />
feminista, foram constituindo todo um conjunto de condições para que os corpos,<br />
a sexualidade e a existência de homens e mulheres fossem significados de outro<br />
modo. Laqueur ( 990) diz que se construiu por essa época um novo corpo sexuado.<br />
Mas alerta: não seria adequado afirmar que qualquer um desses eventos “provocou a<br />
construção desse novo corpo sexuado”, em vez disso seria importante lembrar que “a<br />
reconstrução do corpo é, ela própria, intrínseca a cada um desses desenvolvimentos”<br />
(LAQUEUR, 990: ).<br />
Este estudioso conta que até o início do século XIX as sociedades ocidentais<br />
tinham um modelo sexual que hierarquizava os sujeitos ao longo de um único eixo,<br />
cujo vértice era o masculino. Entendia-se que os corpos de mulheres e de homens<br />
diferiam em “graus” de perfeição; a “verdade” era que as mulheres tinham “dentro de<br />
seu corpo” os mesmo órgãos genitais que os homens tinham exter<strong>na</strong>mente. Em outras<br />
palavras, afirmava-se, cientificamente, que “as mulheres eram essencialmente homens<br />
nos quais uma falta de calor vital – de perfeição – havia resultado <strong>na</strong> retenção,<br />
inter<strong>na</strong>, de estruturas que nos machos eram visíveis” (ibid.: 4). A substituição desse<br />
modelo (de um único sexo) pelo modelo de dois sexos opostos (que é o modelo que<br />
até hoje prevalece) não foi um processo simples nem linear. Essa transformação de<br />
ordem epistemológica – e também política, é claro – se deu junto com todo aquele<br />
conjunto de transformações já mencio<strong>na</strong>das. E, por um largo tempo, houve embate<br />
e disputa entre esses modelos sexuais.<br />
Nesta nova compreensão da sexualidade passava-se a prestar uma atenção<br />
especial aos corpos, às suas estruturas e características materiais e físicas. Antes,<br />
a explicação para as formas de relacio<strong>na</strong>mento entre mulheres e homens e para<br />
as diferenças percebidas entre eles era buscada <strong>na</strong> Bíblia, nos textos sagrados; as<br />
diferenças eram, enfim, vinculadas a uma dimensão cósmica mais ampla. O corpo<br />
tinha menos importância. Mas agora ele passava a ter um papel primordial. Como<br />
diz Linda Nicholson ( 000), o corpo se tornou causa e justificativa das diferenças.<br />
O corpo passou a ser aquilo que dá origem às diferenças.<br />
O que temos aqui, então, é a constituição de uma nova episteme, de um outro<br />
conjunto de regras ou de formas de compreender e dar sentido ao mundo. Novos<br />
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parte especialmente importante – foram sendo construídas novas formas de representar<br />
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