Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...
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decisões do Superior Tribunal Militar associam à libidinagem homossexual a pecha de conduta infamante, comprometedora do caráter e da moral dos envolvidos, ao passo que atos libidinosos heterossexuais não são assim qualificados e ensejam menores prejuízos (compare-se, por exemplo, a decisão na Apelação 994.0 .047 8 - 0/AM com a proferida no Conselho de Justificação nº 994.0 .000 - /DF; a primeira, cuidando de heterossexual, a segunda, de homossexual). 3.3.2. Discriminação indireta e homofobia Independentemente da intenção, a discriminação é um fenômeno que lesiona direitos humanos de modo objetivo. Seu enfrentamento exige, além da censura às suas manifestações intencionais, o cuidado diante de sua reprodução involuntária. Mesmo onde e quando não há vontade de discriminar, distinções, exclusões, restrições e preferências injustas nascem, crescem e se reproduzem, insuflando força e vigor em estruturas sociais perpetuadoras de realidades discriminatórias. Diante destas realidades, o conceito de discriminação indireta ganha especial relevo e importância. De fato, muitas vezes a discriminação é fruto de medidas, decisões e práticas aparentemente neutras, desprovidas de justificação e de vontade de discriminar, cujos resultados, no entanto, têm impacto diferenciado perante diversos indivíduos e grupos, gerando e fomentando preconceitos e estereótipos inadmissíveis. Quando se examina a homofobia, fica ainda mais clara a pertinência e a relevância desta preocupação. De fato, em uma cultura heterossexista, condutas individuais e dinâmicas institucionais, formais e informais, reproduzem o tempo todo, freqüentemente de modo não-intencional e desapercebido, o parâmetro da heterosssexualidade hegemônica como norma social e cultural. A naturalização da heterossexualidade acaba por distinguir, restringir, excluir ou preferir, com a conseqüente anulação ou lesão, o reconhecimento, o gozo ou o exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais de tantos quantos não se amoldem ao parâmetro heterossexista. Nesta linha, a discriminação indireta relaciona-se com a chamada discriminação institucional. Enfatiza-se a importância do contexto social e organizacional como efetiva raiz dos preconceitos e dos comportamentos discriminatórios. Ao invés de acentuar a dimensão volitiva individual, ela se volta para a dinâmica social e a “normalidade” da discriminação por ela engendrada, buscando compreender a persistência da discriminação mesmo em indivíduos e instituições que rejeitam cons- 31 Tribunal Superior Militar, DJU 17.02.1995. 32 Tribunal Superior Militar, DJU 19.02.1998. 76
cientemente sua prática intencional (KORN, 99 ). Conforme a teoria institucional, as ações individuais e coletivas produzem efeitos discriminatórios precisamente por estarem inseridas numa sociedade cujas instituições (conceito que abarca desde as normas formais e as práticas informais das organizações burocráticas e dos sistemas regulatórios modernos, até as pré-compreensões mais amplas e difusas, presentes na cultura e não sujeitas a uma discussão prévia e sistemática) atuam em prejuízo de certos indivíduos e grupos, contra quem a discriminação é dirigida. O estudo da discriminação indireta demonstra a relação entre homofobia e heterossexismo. Não só porque há instituições e práticas, formais e informais, em nossa cultura que historicamente excluem os homossexuais ou restringem o acesso a certas posições e situações apenas a heterossexuais (realidade cujos casos do casamento e do acesso às Forças Armadas ilustram), como também porque fica patente a supremacia heterossexista no convívio social. Com efeito, a percepção da discriminação indireta põe a nu a posição privilegiada ocupada pela heterossexualidade como fator decisivo na construção das instituições sociais, cuja dinâmica está na base do fenômeno discriminatório, nas suas facetas individual e coletiva. Este privilégio heterossexista faz com que a cosmovisão e as perspectivas próprias de certo grupo sejam concebidas como “neutras do ponto de vista sexual”, constitutivos da “normalidade social”, considerada “natural”: tudo aquilo que é próprio e identificador da heterossexualidade enquanto expressão sexual específica é efetivamente percebido como neutro, genérico e imparcial. Esta pseudoneutralidade heterossexista, que encobre relações de dominação e sujeição, pode ser entendida, segundo Bárbara Flagg ( 998), por meio do “fenômeno da transparência”, vale dizer, a tendência de heterossexuais desconsiderarem sua orientação sexual como fator conformador e normatizador da realidade, conduzindo-os a uma espécie de inconsciência de sua heterossexualidade. Este fenômeno só é possível pelo fato de heterossexuais serem socialmente dominantes, o que faz com que a heterossexualidade seja norma sexual e a homossexualidade transformada em diferença. Registro, para que não paire qualquer dúvida, a compatibilidade da discriminação indireta como forma de violação do princípio da igualdade no direito brasileiro. Não bastasse a previsão explícita da discriminação indireta no próprio conceito jurídico de discriminação presente no ordenamento jurídico nacional (sublinhe-se que a discriminação é distinção, restrição, exclusão ou preferência com o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, o gozo ou o exercício de 33 Sobre as dinâmicas institucionais e seus efeitos concretos independente da vontade dos indivíduos que nelas atuam, ver DOUGLAS (1998). 77
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certos indivíduos e grupos, contra quem a discrimi<strong>na</strong>ção é dirigida.<br />
O estudo da discrimi<strong>na</strong>ção indireta demonstra a relação entre homofobia e<br />
heterossexismo. Não só porque há instituições e práticas, formais e informais, em<br />
nossa cultura que historicamente excluem os homossexuais ou restringem o acesso<br />
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e do acesso às Forças Armadas ilustram), como também porque fica patente<br />
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Com efeito, a percepção da discrimi<strong>na</strong>ção indireta põe a nu a posição privilegiada<br />
ocupada pela heterossexualidade como fator decisivo <strong>na</strong> construção das instituições<br />
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facetas individual e coletiva. Este privilégio heterossexista faz com que a cosmovisão<br />
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aquilo que é próprio e identificador da heterossexualidade enquanto expressão sexual<br />
específica é efetivamente percebido como neutro, genérico e imparcial.<br />
Esta pseudoneutralidade heterossexista, que encobre relações de domi<strong>na</strong>ção e<br />
sujeição, pode ser entendida, segundo Bárbara Flagg ( 998), por meio do “fenômeno<br />
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uma espécie de inconsciência de sua heterossexualidade. Este fenômeno só é possível<br />
pelo fato de heterossexuais serem socialmente domi<strong>na</strong>ntes, o que faz com que a heterossexualidade<br />
seja norma sexual e a homossexualidade transformada em diferença.<br />
Registro, para que não paire qualquer dúvida, a compatibilidade da discrimi<strong>na</strong>ção<br />
indireta como forma de violação do princípio da igualdade no direito brasileiro.<br />
Não bastasse a previsão explícita da discrimi<strong>na</strong>ção indireta no próprio conceito<br />
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nelas atuam, ver DOUGLAS (1998).<br />
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