Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...
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Uma das possíveis linhas de fuga traçáveis e percorríveis para a diversidade exercer um papel pedagógico intransigentemente emancipador talvez possa se dar na direção daquilo que Ernesto De Martino ( 9 [ 00 ]) antecipava ao nos falar do encontro etnográfico. Segundo ele, tal encontro, ao nos levar a colocar em dúvida elementos até então inquestionáveis de nossa cultura, favoreceria uma diferente tomada de consciência e escolhas eventualmente mais conscientes dos valores da cultura que reconhecemos como “nossa” e à qual costumamos atribuir significados positivos. No entanto, seria também necessário reter que a desmistificação e a desestabilização a que certo encontro com a diversidade pode conduzir, por não serem automáticas, requerem uma busca rigorosa, insistente e heterodoxa. Afinal, sistemas, crenças e relações de poder fortemente calcados em estereótipos, preconceitos e representações autogenerosas apresentam surpreendentes capacidades de resistência, atualização e auto-engano. Assim, não é suficiente pluralizar os ambientes para que a diversidade exerça seu papel pedagógico nos moldes a que me refiro. Aliás, é razoável considerar que, mesmo já estando a diversidade presente em todas as situações escolares, ela em geral não tende a automaticamente desempenhar esse papel, pois, pode encontrar-se recalcada, desvalorizada, marginalizada ou, em certa medida, invisibilizada. Para que a diversidade conduza a uma ação pedagógica desmistificadora, libertária, emancipatória, vitalizadora, é preciso agir com criatividade, encontrar linhas de fuga, de modo a procurar fazer com que o “diferente” (o “diverso”) possa existir socialmente, sua presença e suas experiências de vida sejam reconhecidas como possibilidades legítimas, seja-lhe garantido o direito à interlocução e – o que parece ser o mais difícil – encontremo-nos dispostos a nos movimentarmos em direção a ele e nos deixar interpelar por ele, e vice-versa. Deste modo, conforme coloca Daniel Soares Lins, o diverso: 408 [constitui-se um] espaço de identificação multipolarizada, abre as portas da percepção e festeja o encontro com o outro, num fluxo e refluxo de criatividade e espanto, em que aquele que fala poderá se encontrar na resposta do outro. O outro do desejo, o outro como exclamação ou campo poético (LINS, 997:99, grifos meus). direção. Sobre o mito do amor romântico, vide, por ex.: COSTA, 1998 e GIDDENS, 1993: 47-58. 126 Constitui, assim, ocasião para o mais radical (re)exame de consciência possível ao ser humano ocidental, cujo resultado medeia uma reforma do saber antropológico e de suas categorias valorativas: uma verificação das dimensões humanas além da consciência de que o Ocidente teve de “ser humano”.
No entanto, o encontro com o indivíduo objetivado como “diferente” pode não desencadear mecanismos de questionamento e desmistificação em relação às idéias preconcebidas. É possível ocorrer o contrário: o “diferente” pode continuar a ser visto e ouvido a partir de sistemas de percepção, classificação e visão de mundo que o marcam como “inferior”, “estranho”, “aberrante”, “pecador” etc. 7 Em tal cenário, a crença na sua suposta “natureza intrínseca” tenderá a permanecer intacta ou a encontrar meios para ser reafirmada enquanto verdade indiscutível, ainda quando a conduta do “diverso” desmentir sua “bem merecida reputação”. Em casos assim, a reação etnocêntrica e heteronormativa pode ser tempestiva: “Não nos deixemos enganar, nós sabemos como essa gente é”. (O que sabemos sobre “essa gente”? E sobre “nós”?). Neste caso, a diversidade não ensinaria; e o nosso olhar permaneceria organizado e amesquinhado pelo senso comum, que, como diz Boaventura de Sousa Santos ( 987: ), informa sem ensinar, apenas persuadindo. 8 O próximo passo dessa pedagogia do horror e do auto-engano seria preparar o terreno para fazer grassar a total indiferença em relação ao sofrimento em razão do processo de marginalização a que submetemos o “outro” e os membros de seu grupo. E não surpreende que isso ocorra nas nossas rotinas escolares e produza seus efeitos, pois, como observa Elliot Aronson ( 979: 87), se pudermos nos convencer de que “um grupo não vale nada, é subumano, estúpido ou imoral, [...] podemos privá-los de uma educação decente, sem que nossos sentimentos sejam afetados”. Todavia, o convívio com a diversidade, nos moldes aqui propostos, busca favorecer o que para algumas pessoas pode comportar um certo desconforto: ela nos coloca diante de questões e situações das quais, com freqüência, preferimos nos desviar e diante das quais procuramos nos calar, ignorar e, conscientemente ou não, adotar estratégias de negação. Na perspectiva aqui adotada, o reconhecimento valorizador da diversidade pode permitir alterar esse quadro aparentemente intransponível, ao favorecer tanto a tematização do que é comumente recusado, recalcado, reprimido, deslocado, abafado e silenciado, quanto o questionamento das razões que costumam levar a isso. Ao promover uma cultura de reconhecimento e de respeito à diversidade, ensejam-se novas formulações acerca do que também pode ser pensado e conhecido (ou ignorado), sobre novas formas de aprender e reconhecer e sobre outras possíveis 127 Vide: MAZZARA, 1997: 100 e segs. 128 Tal como ocorre com aquele turista ocidental que, indisposto ou desprovido de meios para estabelecer com o “outro” relações que não sejam fundadas em estratégias de dominação, continua a enxergá-lo como “exótico” e, ao ver supostamente confirmadas todas as idéias preconcebidas que do “outro” ele fazia, passa a desprezá-lo ulteriormente. 409
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No entanto, o encontro com o indivíduo objetivado como “diferente” pode<br />
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ser visto e ouvido a partir de sistemas de percepção, classificação e visão de mundo<br />
que o marcam como “inferior”, “estranho”, “aberrante”, “pecador” etc. 7 Em tal cenário,<br />
a crença <strong>na</strong> sua suposta “<strong>na</strong>tureza intrínseca” tenderá a permanecer intacta ou<br />
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enga<strong>na</strong>r, nós sabemos como essa gente é”. (O que sabemos <strong>sobre</strong> “essa gente”? E<br />
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organizado e amesquinhado pelo senso comum, que, como diz Boaventura de Sousa<br />
Santos ( 987: ), informa sem ensi<strong>na</strong>r, ape<strong>na</strong>s persuadindo. 8<br />
O próximo passo dessa pedagogia do horror e do auto-engano seria preparar<br />
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do processo de margi<strong>na</strong>lização a que submetemos o “outro” e os membros de seu<br />
grupo. E não surpreende que isso ocorra <strong>na</strong>s nossas roti<strong>na</strong>s escolares e produza seus<br />
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de que “um grupo não vale <strong>na</strong>da, é subumano, estúpido ou imoral, [...] podemos<br />
privá-los de uma educação decente, sem que nossos sentimentos sejam afetados”.<br />
Todavia, o convívio com a diversidade, nos moldes aqui propostos, busca favorecer<br />
o que para algumas pessoas pode comportar um certo desconforto: ela nos<br />
coloca diante de questões e situações das quais, com freqüência, preferimos nos<br />
desviar e diante das quais procuramos nos calar, ignorar e, conscientemente ou não,<br />
adotar estratégias de negação.<br />
Na perspectiva aqui adotada, o reconhecimento valorizador da diversidade<br />
pode permitir alterar esse quadro aparentemente intransponível, ao favorecer tanto<br />
a tematização do que é comumente recusado, recalcado, reprimido, deslocado,<br />
abafado e silenciado, quanto o questio<strong>na</strong>mento das razões que costumam levar a<br />
isso. Ao promover uma cultura de reconhecimento e de respeito à diversidade, ensejam-se<br />
novas formulações acerca do que também pode ser pensado e conhecido<br />
(ou ignorado), <strong>sobre</strong> novas formas de aprender e reconhecer e <strong>sobre</strong> outras possíveis<br />
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com o “outro” relações que não sejam fundadas em estratégias de domi<strong>na</strong>ção, continua a enxergá-lo como<br />
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