Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...

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402 beral, pela preocupação com o direito das comunidades à autoafirmação e com o reconhecimento público de suas identidades por escolha ou por herança. Ele funciona, porém, como força essencialmente conservadora: seu efeito é uma transformação das desigualdades incapazes de obterem aceitação pública em “diferenças culturais” [...]. A fealdade moral da privação é miraculosamente reencarnada na beleza estética da diversidade cultural (BAUMAN, 00 b: 97-98, grifos meus). Por isso, contrapondo-me às correntes da tolerância liberal e das que procuram fazer da diferença/diversidade um enclave paralisante, utilizo os termos diversidade, diferença e identidade à luz (e a partir das tensões) da idéia de multiplicidade (entre os grupos, dentro dos grupos). 07 Esta, conforme observa Silva ( 000: 00- 0 ), é um fluxo produtor de diferenças irredutíveis à identidade e que se recusa a se fundir como o idêntico. Uma recusa que não se atém às paisagens emolduradas pelo fundacionalismo essencialista, 08 pelas coordenadas do multiculturalismo liberal e pelos ditames puritanos e aparentemente inclusivos do “politicamente correto”. Uma educação que não esteja aberta para essa recusa, ainda que se autoproclame inclusiva e de qualidade, pouco distante estará do modelo criticado por Milton Santos: A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do mundo, subordinada à lógica dos negócios, subserviente às noções de sucesso, ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo de doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser um humanismo silente, ultrapassado, incapaz de atingir uma visão sintética das coisas que existem [...] (SANTOS, 987: 4 ). O humanismo a ser ensinado, segundo ele, tem que ser renovado continuamente, para “não ser conformista e poder dar resposta às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho permanente de recomposição do [ser humano] livre” (ibid.). 09 Um humanismo por “uma nova consciência de ser mundo” (id., 107 Para uma reflexão sobre a Diferença e o Diverso (“como pensamento filosófico, ético, estético, multiplicidade e abertura autônoma às diferenças”), vide: LINS, 1997: 69-111. 108 Para uma crítica do fundacionalismo essencialista em matéria de gênero e sexualidade, vide: BUTLER, 2003 e LOURO, 2006. 109 Agnes Heller (1992: 46) observa: “Todo [ser humano] necessita, inevitavelmente, de uma certa dose de

000: 7 ), que não se dobre diante das exigências postas pela competitividade em estado puro, pelos “individualismos arrebatadores e possessivos” e pelo consumismo (ibid.: 47). 0 O consumismo é “o grande produtor ou encorajador de imobilismos” e “veículo de narcisismos”; e a competitividade, um vale-tudo cuja prática “provoca um afrouxamento dos valores morais e um convite ao exercício da violência”. Juntos, “levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo” (ibid.: 49, 7). Por conseguinte, o “outro” emerge aí como “um obstáculo à realização dos fins de cada um e deve ser removido” (ibid.: 49, 7). E isto é tanto mais fácil quanto mais distante de um modelo de cidadania estiver a sociedade – como a nossa, para a qual permanecem válidas as observações de Marilena Chaui ( 987: 4) acerca do autoritarismo da sociedade brasileira [...] as diferenças e as assimetrias sociais são imediatamente transformadas em desigualdades, e estas em relações de hierarquia, mando e obediência (situação que vai da família ao Estado, atravessa as instituições públicas e privadas, permeia a cultura e as relações interpessoais). Os indivíduos se distribuem imediatamente em superiores e inferiores, ainda que alguém superior numa relação possa tornar-se inferior em outra, dependendo dos códigos de hierarquização que regem as relações sociais e pessoais [...], fazendo da violência simbólica a regra da vida social e cultural. É próprio das sociedades com fortes traços autoritários e entregues a competitividade e ao consumismo desenfreados a oposição a processos de promoção e valorização do pluralismo e de amplo reconhecimento da diversidade. Nelas, à primeira vista (e a muito custo), a adoção de modelos educacionais inspirados apenas nas “políticas de identidades” poderia inicialmente parecer representar um avanço. Algo como subir em um elevador no Titanic: um avanço ilusório. conformidade. Essa conformidade converte-se em conformismo quando o indivíduo não aproveita as possibilidades individuais de movimento, objetivamente presentes na vida cotidiana de sua sociedade, caso em que as motivações de conformidade [...] penetram nas formas não cotidianas de atividade, sobretudo nas decisões morais e políticas, fazendo com que estas percam o seu caráter de decisões individuais”. 110 Christopher Lasch (1983: 102) já alertava que o consumidor (mantido insatisfeito) é o principal produto num cenário em que o “consumo como modo de vida” é elevado à condição de resposta a descontentamentos, solidão, fadiga e insatisfação sexual. 111 A relação entre hipertrofia do consumo e o definhamento da subjetividade já vem sendo denunciada desde Marcuse (1981 [1955] e 1982 [1964]) e encontrou em Foucault (1975 [1997] e 1976 [1988]) um de seus mais consistentes críticos. 112 Conforme nota Santos (1996: 109-110), os microdespotismos do cotidiano nos levam à alienação de nós mesmos por meio de uma “estúpida compulsão do trabalho e do consumo” e aos quais se associa uma perda crescente da capacidade de nos pormos à-vontade uns com os outros. 403

000: 7 ), que não se dobre diante das exigências postas pela competitividade em<br />

estado puro, pelos “individualismos arrebatadores e possessivos” e pelo consumismo<br />

(ibid.: 47). 0 O consumismo é “o grande produtor ou encorajador de imobilismos”<br />

e “veículo de <strong>na</strong>rcisismos”; e a competitividade, um vale-tudo cuja prática “provoca<br />

um afrouxamento dos valores morais e um convite ao exercício da violência”. Juntos,<br />

“levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da perso<strong>na</strong>lidade<br />

e da visão do mundo” (ibid.: 49, 7). Por conseguinte, o “outro” emerge aí como<br />

“um obstáculo à realização dos fins de cada um e deve ser removido” (ibid.: 49,<br />

7). E isto é tanto mais fácil quanto mais distante de um modelo de cidadania<br />

estiver a sociedade – como a nossa, para a qual permanecem válidas as observações<br />

de Marile<strong>na</strong> Chaui ( 987: 4) acerca do autoritarismo da sociedade brasileira<br />

[...] as diferenças e as assimetrias sociais são imediatamente<br />

transformadas em desigualdades, e estas em relações de hierarquia,<br />

mando e obediência (situação que vai da família ao<br />

Estado, atravessa as instituições públicas e privadas, permeia<br />

a cultura e as relações interpessoais). Os indivíduos se distribuem<br />

imediatamente em superiores e inferiores, ainda que<br />

alguém superior numa relação possa tor<strong>na</strong>r-se inferior em outra,<br />

dependendo dos códigos de hierarquização que regem as<br />

relações sociais e pessoais [...], fazendo da violência simbólica<br />

a regra da vida social e cultural.<br />

É próprio das sociedades com fortes traços autoritários e entregues a competitividade<br />

e ao consumismo desenfreados a oposição a processos de promoção e<br />

valorização do pluralismo e de amplo reconhecimento da diversidade. Nelas, à primeira<br />

vista (e a muito custo), a adoção de modelos educacio<strong>na</strong>is inspirados ape<strong>na</strong>s<br />

<strong>na</strong>s “políticas de identidades” poderia inicialmente parecer representar um avanço.<br />

Algo como subir em um elevador no Titanic: um avanço ilusório.<br />

conformidade. Essa conformidade converte-se em conformismo quando o indivíduo não aproveita as possibilidades<br />

individuais de movimento, objetivamente presentes <strong>na</strong> vida cotidia<strong>na</strong> de sua sociedade, caso em<br />

que as motivações de conformidade [...] penetram <strong>na</strong>s formas não cotidia<strong>na</strong>s de atividade, <strong>sobre</strong>tudo <strong>na</strong>s<br />

decisões morais e políticas, fazendo com que estas percam o seu caráter de decisões individuais”.<br />

110 Christopher Lasch (1983: 102) já alertava que o consumidor (mantido insatisfeito) é o principal produto<br />

num cenário em que o “consumo como modo de vida” é elevado à condição de resposta a descontentamentos,<br />

solidão, fadiga e insatisfação sexual.<br />

111 A relação entre hipertrofia do consumo e o definhamento da subjetividade já vem sendo denunciada<br />

desde Marcuse (1981 [1955] e 1982 [1964]) e encontrou em Foucault (1975 [1997] e 1976 [1988]) um de<br />

seus mais consistentes críticos.<br />

112 Conforme nota Santos (1996: 109-110), os microdespotismos do cotidiano nos levam à alie<strong>na</strong>ção de nós<br />

mesmos por meio de uma “estúpida compulsão do trabalho e do consumo” e aos quais se associa uma<br />

perda crescente da capacidade de nos pormos à-vontade uns com os outros.<br />

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