Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...

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sua institucionalização entre diferentes setores sociais e de suas conexões com outros fenômenos discriminatórios (e sem perder de vista as especificidades de discursos, práticas e economias de in-visibilização de cada um deles). É necessário também se atentar para as condições e as tensões sociais que produzem e alimentam a homofobia e para as circunstâncias nas quais o ódio homofóbico pode ser instrumentalizado. Isto sem descurar de adotar agendas políticas que, ao levarem em conta os cuidados acima mencionados, promovam a cultura dos direitos humanos a partir de uma lógica criativa e insurgente, efetivamente emancipatória, ou seja, voltada para afinar olhares e escutas, estimular inquietações, promover sensibilidades, ensejar atitudes anticonformistas, desestabilizar doutrinas vigentes, enfim, mantendo-se sempre atenta a possíveis mecanismos de opressão que o próprio enfrentamento possa vir a produzir. Fogo amigo: os “não-homofóbicos” e suas estratégias de denegação Em cenários caracterizados por fortes embates em torno dos direitos humanos, não surpreende que a adesão à “cultura dos direitos” não se faça acompanhar necessariamente de um diálogo mais aprofundado ou de medidas que favoreçam o avanço dos direitos sexuais. Trata-se, digamos, de uma indisposição que parece ser mais alta quanto mais a sexualidade é pensada a partir de pressupostos plurais e se ensejam a construção e a promoção da cultura de reconhecimento da diversidade sexual e o enfrentamento de preconceitos e de discriminações por orientação sexual e identidade de gênero, bem como a desestabilização de sistemas de representações hierarquizantes e estigmatizadoras. Essa indisposição assume corpo de diversos modos, intencionalmente ou não. Em não poucas situações, em virtude de um possível cálculo de que uma ma- diferentes dimensões de mesmos fenômenos ou de processos conexos. Abandonar o conceito de homofobia pode comportar o risco de jogarmos fora a criança junto com a água do banho, mas empregá-lo de modo acrítico, impreciso, desatento e desarticulado pode certamente comprometer a produção dos efeitos que dele se espera. 61 Freud utiliza dois termos diferentes para “negação”: Verleugnen (geralmente reservado para designar a recusa da percepção de um fato que se impõe no mundo exterior) e Verneinung (também traduzido como “denegação” ou “negativa”, refere-se ao processo pelo qual o sujeito, embora formulando um dos seus desejos, pensamentos ou sentimentos até então recalcados, continua a defender-se dele negando que lhe pertença). “A negativa (Verneinung) constitui um modo de tomar conhecimento do que está sendo reprimido; com efeito, é uma suspensão da repressão, embora não, naturalmente, uma aceitação do que está reprimido. [...] Negar (Verneinen) algo em um julgamento é no fundo dizer: ‘Isso é algo que eu preferiria reprimir’” (FREUD, 1925 [1987a: 296]). Vide ainda: HANNS, 1996: 303-323; LAPLANCHE, 2000: 293-294, 436-438. Para uma leitura sobre “estados de negação” (a partir do conceito de Verleugnen), vide: COHEN, 2002. 62 Não é o caso de me deter aqui em considerações acerca do que ocorre na mente de quem denega. Lembro apenas que a psicologia cognitiva tem falado de “elaboração”, “controle”, “percepção seletiva”, “filtragem”, “arco de atenção” ou, em termos mais neurológicos, “agnosia visual”. 384

nifestação explicitamente contrária ao reconhecimento da diversidade sexual possa conduzir a uma perda política ou produzir algum embaraço entre bem-pensantes, a estratégia 4 comumente adotada é a da concordância infrutífera: expressa-se um aparente consenso em relação à necessidade de se enfrentar a homofobia que, no entanto, além de geralmente ter como principal efeito a interrupção do fluxo da conversação, não se traduz em nenhuma medida efetiva. De algum modo, deve também servir para amainar a mauvaise conscience. Também não é muito difícil encontrar expoentes defensores dos direitos humanos reticentes (ou até hostis) à idéia de incorporar em suas agendas o reconhecimento da diversidade sexual como expressão legítima, por meio do qual se problematizariam homofobia, sexismo, misoginia e repressão sexual. Respaldadas por um arsenal socialmente difuso de preconceitos, algumas dessas pessoas sentemse confortáveis ao manter suas posições em nome dos “valores tradicionais” ou dos “princípios defendidos pela maioria”. Ora expostas nitidamente, ora camufladas pela ambigüidade ou expressas por meio de um silêncio cúmplice, tais posições lhes permitem refrescarem-se em uma gigantesca bacia de Pilatos. Com previsível facilidade, sentimentos difusos e desconexos em relação às homossexualidades e às pessoas LGBTI podem se transformar em férreas convicções e desencadear ações concretas contra elas, que vão desde a indiferença e o desdém à violência psicológica ou física. O fato de o Brasil manter um dos mais altos índices de assassinatos de matriz homofóbica 7 não suscita clamor público de idênticas proporções e só recentemente passou a receber atenção por parte de políticas públicas. 63 Tomo de empréstimo do italiano o termo benpensante, por vezes usado com ironia, em referência a indivíduos que crêem se distinguir dos demais por procurarem jamais se afastar das normas estabelecidas. 64 Evito falar de “má-fé” (no sentido ordinário do termo) ou de “conspiração”. Valendo-me de Bourdieu, prefiro considerar as “estratégias” não como decisões ou práticas forçosamente premeditadas, numa espécie de busca intencional e antecipadamente planejada de objetivos calculados. Sem corresponderem a uma manifestação do inconsciente, as estratégias são linhas (e às vezes, repertórios) de ação que os agentes sociais constroem continuamente e que se definem segundo o “senso prático”, num encontro entre o habitus e o “campo”. Vide: BOURDIEU, 1972: 175; 1980: 136-138, passim; 1990: 79; 1992: 98-99. 65 Basta percorrer algumas importantes publicações ou documentos sobre os direitos humanos para se constatar a ausência patente da temática da diversidade sexual no tradicional campo dos direitos humanos. 66 O argumento da “maioria” parece ser aí decisivo. Felizmente, não tem sido assim nos casos de debates sobre pena de morte ou redução da idade de responsabilidade penal. Ali, esses defensores dos direitos humanos têm demonstrado enorme coragem cívica para contrastar as opiniões majoritárias. 67 Levantamentos baseados em fontes jornalísticas e relatos de grupos organizados revelam que, no Brasil, entre 1963 e 2001, 2.092 pessoas foram assassinadas pela simples razão de serem homossexuais ou transgêneros. Em 2000, foram 130 assassinatos, dos quais 69% gays, 29% travestis e 2% lésbicas. Segundo o Grupo Gay da Bahia, em 2003, foram registrados 125 assassinatos homofóbicos e 169 no ano seguinte. Em 2007, foram 90 os assassinatos até o mês de julho. São dados certamente subestimados, pois faltam informações sobre alguns estados e muitas mortes de homossexuais não são divulgadas pela imprensa. A média brasileira fica, assim, em torno de um assassinato homofóbico registrado a cada três dias. É preciso que se dê maior atenção para os nexos entre a violência homofóbica e o quadro de agressões contra as mulheres: são ambas violências de gênero de inequívoca raiz heteronormativa. 385

sua institucio<strong>na</strong>lização entre diferentes setores sociais e de suas conexões com outros<br />

fenômenos discrimi<strong>na</strong>tórios (e sem perder de vista as especificidades de discursos,<br />

práticas e economias de in-visibilização de cada um deles). É necessário também se<br />

atentar para as condições e as tensões sociais que produzem e alimentam a homofobia<br />

e para as circunstâncias <strong>na</strong>s quais o ódio homofóbico pode ser instrumentalizado.<br />

Isto sem descurar de adotar agendas políticas que, ao levarem em conta os cuidados<br />

acima mencio<strong>na</strong>dos, promovam a cultura dos direitos humanos a partir de uma lógica<br />

criativa e insurgente, efetivamente emancipatória, ou seja, voltada para afi<strong>na</strong>r olhares<br />

e escutas, estimular inquietações, promover sensibilidades, ensejar atitudes anticonformistas,<br />

desestabilizar doutri<strong>na</strong>s vigentes, enfim, mantendo-se sempre atenta a possíveis<br />

mecanismos de opressão que o próprio enfrentamento possa vir a produzir.<br />

Fogo amigo: os “não-homofóbicos” e suas<br />

estratégias de denegação<br />

Em cenários caracterizados por fortes embates em torno dos direitos humanos,<br />

não surpreende que a adesão à “cultura dos direitos” não se faça acompanhar<br />

necessariamente de um diálogo mais aprofundado ou de medidas que favoreçam o<br />

avanço dos direitos sexuais. Trata-se, digamos, de uma indisposição que parece ser<br />

mais alta quanto mais a sexualidade é pensada a partir de pressupostos plurais e se<br />

ensejam a construção e a promoção da cultura de reconhecimento da diversidade<br />

sexual e o enfrentamento de preconceitos e de discrimi<strong>na</strong>ções por orientação sexual<br />

e identidade de gênero, bem como a desestabilização de sistemas de representações<br />

hierarquizantes e estigmatizadoras.<br />

Essa indisposição assume corpo de diversos modos, intencio<strong>na</strong>lmente ou<br />

não. Em não poucas situações, em virtude de um possível cálculo de que uma ma-<br />

diferentes dimensões de mesmos fenômenos ou de processos conexos. Abando<strong>na</strong>r o conceito de homofobia<br />

pode comportar o risco de jogarmos fora a criança junto com a água do banho, mas empregá-lo<br />

de modo acrítico, impreciso, desatento e desarticulado pode certamente comprometer a produção dos<br />

efeitos que dele se espera.<br />

61 Freud utiliza dois termos diferentes para “negação”: Verleugnen (geralmente reservado para desig<strong>na</strong>r<br />

a recusa da percepção de um fato que se impõe no mundo exterior) e Verneinung (também traduzido<br />

como “denegação” ou “negativa”, refere-se ao processo pelo qual o sujeito, embora formulando um dos<br />

seus desejos, pensamentos ou sentimentos até então recalcados, continua a defender-se dele negando<br />

que lhe pertença). “A negativa (Verneinung) constitui um modo de tomar conhecimento do que está sendo<br />

reprimido; com efeito, é uma suspensão da repressão, embora não, <strong>na</strong>turalmente, uma aceitação do<br />

que está reprimido. [...] Negar (Verneinen) algo em um julgamento é no fundo dizer: ‘Isso é algo que eu<br />

preferiria reprimir’” (FREUD, 1925 [1987a: 296]). Vide ainda: HANNS, 1996: 303-323; LAPLANCHE, 2000:<br />

293-294, 436-438. Para uma leitura <strong>sobre</strong> “estados de negação” (a partir do conceito de Verleugnen),<br />

vide: COHEN, 2002.<br />

62 Não é o caso de me deter aqui em considerações acerca do que ocorre <strong>na</strong> mente de quem denega.<br />

Lembro ape<strong>na</strong>s que a psicologia cognitiva tem falado de “elaboração”, “controle”, “percepção seletiva”,<br />

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