Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...

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18.08.2013 Views

seus vários sentidos, seja político, cultural, comercial ou existencial. Como então desaparecer? Não é só uma questão de saber como lidar com a imagem pública, como no caso de pop stars e políticos. É algo mais amplo. A invisibilidade tem menos a ver com o fascínio romântico por outsiders do que por apontar para uma subjetividade formada pelos fluxos do mundo, sem contudo aderir às superteorizações dos sujeitos nômades e pós-humanos. É só uma questão de deixar o mundo exterior ser o interior, a superficialidade ser a profundidade. Desaparecer para reaparecer. Aparecer para desaparecer. Uma brincadeira de pique-esconde. Esta busca iniciada com Stella Manhattan é uma busca também por silêncio. Agora, o silêncio não mais significa morte. Clamar por uma nova invisibilidade não significa auto-repressão, voltar a um momento anterior, a uma política de identidades necessária e eficiente na conquista de direitos, mas pensar para além, para o futuro. Trata-se de buscar menos confronto e mais sutileza diante do crescente uso conservador das políticas de representação exercidas por movimentos religiosos e étnicos fundamentalistas, uma estratégia que privilegie e amplie o necessário diálogo com outros sujeitos na esfera pública. Onde é esperado um confronto, uma luta, mudar de posição. Onde é esperado o grito, baixar a voz. “Que a minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!” (NIETZSCHE, 00 : 88). E este sim é um ato de entrega, de desejo de pertencimento, mas de pertencimento a quê? Do fim dos anos 0 pulamos a ressaca de Morangos Mofados, e entramos nos anos 80 pelas mãos de Caio Fernando Abreu. A invisibilidade seria, então, um sinal de modéstia, como o protagonista de Onde Andará Dulce Veiga? ( 990) descobre. No início do romance, ele vive sua invisibilidade social como mediocridade e fracasso. Quando ele consegue um emprego num jornal de quinta categoria, sua primeira grande matéria foi procurar por Dulce Veiga, cantora que desaparecera muito tempo atrás, nos anos 70, talvez. Ela some quando iria se apresentar no show que a consagraria como um dos grandes nomes da música popular brasileira. Ela não aparece e nunca mais se teve notícia dela. Subitamente Dulce Veiga, que tinha sido entrevistada pelo jornalista ainda jovem numa de suas primeiras reportagens, começa a surgir em vários lugares na cidade de São Paulo. Estas aparições não só o fizeram compreender melhor a si mesmo, o passado, mas conquistar uma outra invisibilidade, um outro desaparecimento. Quando finalmente ele, que sempre fora apenas o fã, o que falava de outros, encontra Dulce Veiga numa pequena cidade no centro do Brasil; ele canta pela primeira vez, encontra sua voz apenas para que possa desaparecer melhor sem mágoas nem ressentimento. Desaparecer para o protagonista, que até o fim do livro não tem um nome, é encontrar-se diferentemente num outro tempo e num outro lugar. 362

Não se trata mais de fracasso nem de ser devorado pelo mundo da velocidade e da fugacidade. Coisas que pareciam tão importantes ficam sem sentido. Por ora, talvez seja razoável falar menos quando os vencedores não param de falar. É difícil competir com eles no mesmo campo. Não precisamos discutir mas mudar de jogo. Aprender novamente coisas básicas como ouvir e prestar atenção antes de falar. Não ter medo do nada e do vazio nem procurar tão desesperadamente por uma identidade. Perdoem-me aqueles entre nós mais céticos ou cínicos, mas não posso evitar um tom religioso, como o próprio Caio Fernando Abreu não evitou em seus últimos trabalhos. Não tanto fruto tardio de um misticismo orientalizante e celebratório dos anos 0, há muito já transformado pela indústria do esoterismo. Um ato de fé. Não mais procurar. Calar. Olhar as palavras. “Quero ser livre para brincar nos campos do Senhor”, Caio Fernando Abreu declarou em uma de suas últimas entrevistas. 4 Sim, estou falando de salvação sem nenhum pudor. Uma salvação através das coisas deste mundo, como sente o protagonista também sem nome de Bem Longe de Marienbad ( 99 ), ao ver duas enguias num aquário de “uma cidade do Norte” deserta. Na procura do enigmático K, o que parece se delinear é uma “arte de desaparecer. Mesmo assim, essa desaparição deixa vestígios, seja ela o lugar de aparição do Outro, do mundo, ou do objeto”. O outro, paradoxalmente, só aparece pelo seu desaparecimento (BAUDRILLARD, 997: 4). O protagonista se despede. “Preciso ficar sempre atento. Ainda não anoiteceu e alguns dizem que há castelos pelo caminho” (ibid.: 4 ). Como seria possível, hoje então, não só uma estética (VIRILIO, 980), mas uma ética encarnada no desaparecimento em tempos de máxima exposição, quando o marginal, o revolucionário, o alternativo, o independente, o minoritário são glamourizados, vendidos e empacotados nas mais populares empresas de entretenimento? Há um frágil legado de leveza, uma posição, uma brecha, se permitirmos sermos reeducados para a delicadeza e para o desamparo. Leveza para lidar com o conflito, para evitar polarizações desnecessárias. Tudo poderia ser mais simples. Sofrimentos desnecessários, decorrentes do preconceito e da intolerância, poderiam ser evitados. A vida já nos traz tantos outros. Às vezes, nem é preciso muito. Apenas ouvir e ser ouvido. Uma conversa que pode nos abrir mundos que não sonhávamos existir, mas que podem nos fazer diferentes. Aprender a sermos diferentes mesmo com o que não somos. Não estaria toda uma lição de verdadeira democracia, ao invés de colocar cada um numa gaveta, numa estante, num canto em que podemos reconhecer um lugar, contanto que não saia do seu lugar, não cruze fronteiras, não nos toque? 4 A última frase é de Caio Fernando Abreu, em entrevista a Marcelo Secron Bessa (1997). 363

seus vários sentidos, seja político, cultural, comercial ou existencial. Como então desaparecer?<br />

Não é só uma questão de saber como lidar com a imagem pública, como<br />

no caso de pop stars e políticos. É algo mais amplo. A invisibilidade tem menos a ver<br />

com o fascínio romântico por outsiders do que por apontar para uma subjetividade<br />

formada pelos fluxos do mundo, sem contudo aderir às superteorizações dos sujeitos<br />

nômades e pós-humanos. É só uma questão de deixar o mundo exterior ser o interior,<br />

a superficialidade ser a profundidade. Desaparecer para reaparecer. Aparecer<br />

para desaparecer. Uma brincadeira de pique-esconde.<br />

Esta busca iniciada com Stella Manhattan é uma busca também por silêncio.<br />

Agora, o silêncio não mais significa morte. Clamar por uma nova invisibilidade não<br />

significa auto-repressão, voltar a um momento anterior, a uma política de identidades<br />

necessária e eficiente <strong>na</strong> conquista de direitos, mas pensar para além, para o<br />

futuro. Trata-se de buscar menos confronto e mais sutileza diante do crescente uso<br />

conservador das políticas de representação exercidas por movimentos religiosos e<br />

étnicos fundamentalistas, uma estratégia que privilegie e amplie o necessário diálogo<br />

com outros sujeitos <strong>na</strong> esfera pública. Onde é esperado um confronto, uma<br />

luta, mudar de posição. Onde é esperado o grito, baixar a voz. “Que a minha única<br />

negação seja desviar o olhar! E, tudo somado em suma: quero ser, algum dia, ape<strong>na</strong>s<br />

alguém que diz Sim!” (NIETZSCHE, 00 : 88). E este sim é um ato de entrega,<br />

de desejo de pertencimento, mas de pertencimento a quê?<br />

Do fim dos anos 0 pulamos a ressaca de Morangos Mofados, e entramos nos<br />

anos 80 pelas mãos de Caio Fer<strong>na</strong>ndo Abreu. A invisibilidade seria, então, um si<strong>na</strong>l<br />

de modéstia, como o protagonista de Onde Andará Dulce Veiga? ( 990) descobre. No<br />

início do romance, ele vive sua invisibilidade social como mediocridade e fracasso.<br />

Quando ele consegue um emprego num jor<strong>na</strong>l de quinta categoria, sua primeira grande<br />

matéria foi procurar por Dulce Veiga, cantora que desaparecera muito tempo atrás,<br />

nos anos 70, talvez. Ela some quando iria se apresentar no show que a consagraria<br />

como um dos grandes nomes da música popular brasileira. Ela não aparece e nunca<br />

mais se teve notícia dela. Subitamente Dulce Veiga, que tinha sido entrevistada pelo<br />

jor<strong>na</strong>lista ainda jovem numa de suas primeiras reportagens, começa a surgir em vários<br />

lugares <strong>na</strong> cidade de São Paulo. Estas aparições não só o fizeram compreender<br />

melhor a si mesmo, o passado, mas conquistar uma outra invisibilidade, um outro<br />

desaparecimento. Quando fi<strong>na</strong>lmente ele, que sempre fora ape<strong>na</strong>s o fã, o que falava de<br />

outros, encontra Dulce Veiga numa peque<strong>na</strong> cidade no centro do Brasil; ele canta pela<br />

primeira vez, encontra sua voz ape<strong>na</strong>s para que possa desaparecer melhor sem mágoas<br />

nem ressentimento. Desaparecer para o protagonista, que até o fim do livro não tem<br />

um nome, é encontrar-se diferentemente num outro tempo e num outro lugar.<br />

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