Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...
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antológico ensaio de 97 , “O Entre-lugar do discurso latino-americano”, agora reeditado, diferente de uma perspectiva marxista, que vai insistir, anos 80 adentro, exclusivamente na exclusão por classe social, como Roberto Schwarz no seu “Nacional por Subtração”, Silviano Santiago descortina o horizonte de uma sociedade em que outras diferenças foram excluídas, como as identidades índias e o negraso, estabelecendo um diálogo fecundo entre Brasil e América hispânica, que cada vez fica mais relevante, em face dos desafios do Mercosul e da hispanização dos EUA. Mais recentemente, quando discutia com estudantes e professores da Uerj, Silviano apresentou-se substantivamente como “escritor, gay”, parafraseando Murilo Mendes, que se dizia “escritor, católico”. Quando da publicação de Keith Jarrett no Blue Note, coletânea de contos assumidamente gays, Heloísa Buarque de Hollanda nos lembra na orelha do livro que “não existem papéis sexuais muito definidos. São improvisos que têm como leitmotiv o ethos gay de uma permeável disponibilidade para o sexo”. Silviano ainda escreve, em consonância com sua obra ficcional, “O Homossexual Astucioso”, recusando a vitimização e o “exibicionismo público, protestante, exigido do homossexual pelos movimentos militantes norte-americanos” ( 004: 0 ) e defendendo a busca de formas mais sutis de militância do que a política do outing (assumir publicamente a homossexualidade). Silviano se pergunta no final: 358 Se a subversão através do anonimato corajoso das subjetividades em jogo, processo mais lento da conscientização, não adiciona melhor ao futuro diálogo entre heterossexuais e homossexuais, do que o afrontamento aberto por parte de um grupo que se auto-marginaliza, processo dado pela cultura norte-americana como mais rápido e eficiente? (SANTIAGO, 000, - ). Foi com esta questão em mente que procurei resgatar a invisibilidade, o desaparecimento e a leveza como estratégias mais sutis e menos definidas por uma posição de confronto, num contexto pós-identitário e transcultural, tendo como referência as ficções de Silviano Santiago e de Caio Fernando Abreu como uma alternativa aos discursos sobre a visibilidade, hegemônicos entre os grupos militantes e nas ciências sociais. Minha busca começa por Stella Manhattan, romance de Silviano Santiago ( 98 ), que se passa em 9 9, enquanto a ditadura militar tornava-se mais e mais selvagem no Brasil, entre um grupo de brasileiros em Nova York. Uma ilha brasi- 2 Para uma leitura comparativa da crítica de Roberto Schwarz e Silviano Santiago, ver: CUNHA (1997).
leira na ilha de Manhattan. “É aí, na margem colonial, que a cultura do Ocidente revela sua diferença, seu texto-limite assim como sua prática de autoridade” (Bhabha apud HOLLANDA: 99 , 77). Tais margens não se restringem mais a uma divisão norte-sul, centro-periferia, elas podem estar no fim do bairro, nos limites do corpo. Nesse espaço, onde o olhar impera, os personagens são também verdadeiras ilhas em movimento, talvez fosse melhor dizer, fluxos em constante (des)encontro. Eles não são representações de classe ou grupos sociais, e sim imagens que encenam a crise do individualismo, caracterizada por uma progressiva perda, por parte do sujeito, de uma identidade claramente definida – crise de todo o século XX, que resulta em posturas que vão desde um narcisismo exacerbado, como observado por Cristopher Lasch em O Mínimo Eu ( 987) até o predomínio de associações efêmeras, as novas tribos cartografadas por Michel Maffesoli em O Tempo das Tribos ( 987). Essa crise do sujeito delineia-se num quadro em que sensibilidades transclassistas e transnacionais se confrontam. Sujeito no qual até a própria sexualidade se põe à deriva. “Perda das mitologias viris, mas também dos emblemas femininos – em benefício de uma miragem narcísica transexual comum aos dois (sexos) e que só toma falsamente um ar de homossexualidade” (BAUDRILLARD, 987: 7). Estas personagens-dobradiças constituem-se em verdadeiras metáforas da realidade midiática, cotidiana, no qual cada pessoa quer brilhar ainda que por um breve momento, como uma star. “Personagens sem fundo, sem privacidade, quase imagens de vídeo num texto espelhado onde se cruzam fragmentárias, velozes, outras imagens, outros pedaços de prosa igualmente anônimos, igualmente pela metade” (SÜSSEKIND, 99 , 40). Nova York se constitui em labirinto multicultural para personagens não mais individualizados mas fantasmas periclitantes. O jogo de máscaras atinge seu ápice de complexidade no protagonista. Três máscaras: Stella Manhattan, o funcionário do consulado brasileiro em Nova York, Eduardo Costa e Silva e a empregada Bastiana. Não se trata de heterônimos ou duplos resultantes de uma fratura interior do personagem, mas máscaras móveis, em diálogo, representadas pela fala, mais do que por uma caracterização psicológica. Sexos diferentes, comportamentos diferentes num só, fluxos em curto-circuito. O drama do protagonista explicita-se à medida que seu sentimental apego se contrapõe à lógica dura de Marcelo (p. 84- 8 ); este representa diferentes papéis sem que um interfira no outro. Já Eduardo é um sentimental numa época em que os sentimentos são racionalizados, mortos com uma velocidade estonteante. 3 Para o desenvolvimento desta questão, ver meu ensaio “Terceiro Manifesto Camp”, em O Homem que Amava Rapazes e Outros Ensaios (2002). 359
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leira <strong>na</strong> ilha de Manhattan. “É aí, <strong>na</strong> margem colonial, que a cultura do Ocidente<br />
revela sua diferença, seu texto-limite assim como sua prática de autoridade” (Bhabha<br />
apud HOLLANDA: 99 , 77). Tais margens não se restringem mais a uma<br />
divisão norte-sul, centro-periferia, elas podem estar no fim do bairro, nos limites do<br />
corpo. Nesse espaço, onde o olhar impera, os perso<strong>na</strong>gens são também verdadeiras<br />
ilhas em movimento, talvez fosse melhor dizer, fluxos em constante (des)encontro.<br />
Eles não são representações de classe ou grupos sociais, e sim imagens que ence<strong>na</strong>m<br />
a crise do individualismo, caracterizada por uma progressiva perda, por parte<br />
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resulta em posturas que vão desde um <strong>na</strong>rcisismo exacerbado, como observado por<br />
Cristopher Lasch em O Mínimo Eu ( 987) até o predomínio de associações efêmeras,<br />
as novas tribos cartografadas por Michel Maffesoli em O Tempo das Tribos ( 987).<br />
Essa crise do sujeito delineia-se num quadro em que sensibilidades transclassistas<br />
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se põe à deriva. “Perda das mitologias viris, mas também dos emblemas femininos<br />
– em benefício de uma miragem <strong>na</strong>rcísica transexual comum aos dois (sexos) e que<br />
só toma falsamente um ar de homossexualidade” (BAUDRILLARD, 987: 7).<br />
Estas perso<strong>na</strong>gens-dobradiças constituem-se em verdadeiras metáforas da<br />
realidade midiática, cotidia<strong>na</strong>, no qual cada pessoa quer brilhar ainda que por um<br />
breve momento, como uma star. “Perso<strong>na</strong>gens sem fundo, sem privacidade, quase<br />
imagens de vídeo num texto espelhado onde se cruzam fragmentárias, velozes, outras<br />
imagens, outros pedaços de prosa igualmente anônimos, igualmente pela metade”<br />
(SÜSSEKIND, 99 , 40). Nova York se constitui em labirinto multicultural<br />
para perso<strong>na</strong>gens não mais individualizados mas fantasmas periclitantes.<br />
O jogo de máscaras atinge seu ápice de complexidade no protagonista. Três<br />
máscaras: Stella Manhattan, o funcionário do consulado brasileiro em Nova York,<br />
Eduardo Costa e Silva e a empregada Bastia<strong>na</strong>. Não se trata de heterônimos ou<br />
duplos resultantes de uma fratura interior do perso<strong>na</strong>gem, mas máscaras móveis,<br />
em diálogo, representadas pela fala, mais do que por uma caracterização psicológica.<br />
Sexos diferentes, comportamentos diferentes num só, fluxos em curto-circuito.<br />
O drama do protagonista explicita-se à medida que seu sentimental apego<br />
se contrapõe à lógica dura de Marcelo (p. 84- 8 ); este representa diferentes papéis<br />
sem que um interfira no outro. Já Eduardo é um sentimental numa época em<br />
que os sentimentos são racio<strong>na</strong>lizados, mortos com uma velocidade estonteante.<br />
3 Para o desenvolvimento desta questão, ver meu ensaio “Terceiro Manifesto Camp”, em O Homem que<br />
Amava Rapazes e Outros Ensaios (2002).<br />
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