Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...
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Ademais, é preciso não descurar que a homofobia, em qualquer circunstância, é fator de sofrimento e injustiça. Também por isso, o astucioso argumento de que ela seria “menos grave quando não produz baixo rendimento, evasão ou abandono escolar” deve ser enfaticamente repelido. Afinal, inseridos/as em um cenário de stress, intimidação, assédio, não acolhimento e desqualificação permanentes, adolescentes e jovens estudantes homossexuais, bissexuais ou transgêneros são freqüentemente levados/as a incorporar a necessidade de apresentarem um desempenho escolar irrepreensível, acima da média. Tal como ocorre com outras “minorias”, esse/a estudante tende a ser constantemente impelido/a a apresentar “algo a mais” para, quem sabe, “ser tratado/a como igual”. Sem obrigatoriamente perceber a internalização dessas exigências, é instado/a a assumir posturas voltadas a fazer dele/a: “o melhor amigo das meninas”, “a que dá cola para todo mundo”, “um exímio contador de piadas”, “a mais veloz nadadora”, “o goleiro mais ágil” etc. Outros/as podem dedicar-se a satisfazer e a estar sempre à altura das expectativas dos demais, chegando até mesmo a se mostrarem dispostos/as a imitar condutas ou atitudes convencionalmente atribuídas a heterossexuais. Trata-se, em suma, de esforços para angariar um salvo-conduto que possibilite uma inclusão (consentida) em um ambiente hostil. Uma frágil acolhida, geralmente traduzida em algo como: “É gay, mas é gente fina”, que pode, sem dificuldade e a qualquer momento, se reverter em “É gente fina, mas é gay”. 4 E aí, o intruso é arremetido de volta ao limbo. Como nota Marina Castañeda ( 007: - ), essa frenética busca de “supercompensação” – fonte de ansiedade, autocobrança e 32 Vide, por ex.: CORRIGAN, 1991 e BLUMENFELD, 1992. É preciso lembrar que importantes estudos realizados em diversos países europeus e na América do Norte mostram que a incidência do risco de suicídio entre adolescentes é extremamente maior entre homossexuais (em função da homofobia e não em virtude de uma implausível associação naturalizante entre homossexualidade e comportamento suicida). Nos EUA, 62,5% dos adolescentes que tentam suicídio são homossexuais. Ali e no Canadá, pessoas entre 15 e 34 anos homossexuais têm de 4 a 7 vezes mais riscos de se suicidarem do que seus coetâneos heterossexuais. Este risco é acrescido de 40% no caso das jovens lésbicas (BAGLEY e RAMSEY, 1997). Na França, onde o suicídio é a segunda causa de mortes entre pessoas de 15 a 34 anos, as possibilidades de um homossexual terminar com sua vida é 13 vezes maior do que as de um seu coetâneo heterossexual de mesma condição social. De cada três indivíduos que cometem uma tentativa de suicídio, um é homossexual (Libération, 07/03/2005). Ali, já tentaram suicídio pelo menos uma vez 27% dos jovens menores de 20 anos que se declaram homossexuais. Esta cifra estabiliza-se em torno dos (de todo modo altos) 15% entre homossexuais com mais de 35 anos. Todas elas, porém, sofrem um incremento nos casos em que se verifica rejeição familiar e, ainda mais, naqueles em que o/a jovem tenha sido vítima de agressão homofóbica (VERDIER e FIRDION, 2003). Afasta-se, assim, todo vínculo causal entre homossexualidade e comportamento suicida: ao contrário, o que se observa é o impacto da homofobia na definição dos índices de suicídios (MILLER, 1992). 33 Sobre as estratégias adotadas por LGBT em face das situações de violência homofóbica no cotidiano escolar, vide, por ex.: HUMAN WATCH, 2001: item IV; CAETANO, 2005; RAMIRES NETO, 2006: cap. 4. 34 Não se trata apenas de uma diferença de estilo. Esta frase e a anterior, embora pertençam à mesma “formação ideológica”, integram diferentes “formações discursivas”: ambas expressam-se igualmente homofóbicas, mas apontam para a produção de efeitos diferentes. Vale ainda notar que “É legal porque é gay” também exprime preconceito em relação à homossexualidade. Vide: ORLANDI, 1987: 115-133, passim. 26
perfeccionismo exagerados – não impede que qualquer insucesso do candidato seja logo traduzido como sinal inequívoco de seu “defeito homossexual”. “Só podia ser gay mesmo!”; “É assim que eles são!” Alheamento e intolerância selvagem Outro nítido traço de homofobia se expressa na indiferença cultivada em relação ao sofrimento e aos demais efeitos da homofobia na vida de nossos/as estudantes (homo, hetero ou bissexuais). 7 Na escola, mas não apenas ali, [c]omo se a homossexualidade fosse “contagiosa”, cria-se uma grande resistência em demonstrar simpatia para com sujeitos homossexuais: a aproximação pode ser interpretada como uma adesão a tal prática ou identidade (LOURO, 999: 9). Mais do que uma mera indiferença, produto de uma difusa negligência, o que se vê aqui assume mais os contornos de uma vedação à manifestação de simpatia ou solidariedade. Uma proibição socialmente sancionada que, entre outras coisas, contribui para fortalecer os processos de internalização da homofobia. Uma vez introjetada, ela pode conduzir a pessoa a se sentir envergonhada, culpada e até merecedora da agressão sofrida, mantendo-a imobilizada, em silêncio, entregue a seu destino de pária social. À violência propriamente dita soma-se a “violência simbólica”, 8 fazendo com que a própria vítima contribua para a legitimação da agressão e favoreça o agressor e os seus difusos cúmplices. A falta de solidariedade por parte de profissionais, da instituição e da comunidade escolar diante das mais corriqueiras cenas de assédio moral contra estudantes LGBT pode produzir ulteriores efeitos nos agressores e nos seus cúmplices. Além de encorajados a continuarem agindo, aquiescendo ou omitindo-se, são aprofundados em um processo de “alheamento” que, segundo Jurandir Freire Costa: 35 Sobretudo para as lésbicas, a adoção de práticas compensatórias deriva em grande parte da pressão e da violência a que estão submetidas no ambiente familiar (ALMEIDA, 2005: 181, 215). São comuns os depoimentos que apresentam pessoas LGBT como “filhos dedicados”, “irmãs atenciosas”, arrimos de família. 36 Há muitos relatos sobre estudantes “superafetados”, “chamativos demais”, “provocantes”, “irritadiços”, “sempre prontos para responder à menor insinuação”. Trata-se de alguém em contínuo (e desgastante) estado de alerta, externando atitudes que, ao invés, mereceriam ser acolhidas como um desesperado pedido de ajuda. 37 O termo “indiferença” é neste caso empregado como sinônimo de ausência de interesse ou preocupação e não no sentido adotado por Halvorsen (1996), que oportunamente, em outro contexto, refere-se à “visibilidade indiferente” como resultado da conquista pelos/as homossexuais da igualdade de direitos. 38 Sobre violência simbólica, vide: BOURDIEU, 1983, 1989, 1992 e 1999. Sobre “homofobia interiorizada”, vide: BORRILLO, 2001: 107-111; CASTAÑEDA, 2007: 142-156. 27
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Alheamento e intolerância selvagem<br />
Outro nítido traço de homofobia se expressa <strong>na</strong> indiferença cultivada em<br />
relação ao sofrimento e aos demais efeitos da homofobia <strong>na</strong> vida de nossos/as estudantes<br />
(homo, hetero ou bissexuais). 7 Na escola, mas não ape<strong>na</strong>s ali,<br />
[c]omo se a homossexualidade fosse “contagiosa”, cria-se uma<br />
grande resistência em demonstrar simpatia para com sujeitos<br />
homossexuais: a aproximação pode ser interpretada como uma<br />
adesão a tal prática ou identidade (LOURO, 999: 9).<br />
Mais do que uma mera indiferença, produto de uma difusa negligência, o que<br />
se vê aqui assume mais os contornos de uma vedação à manifestação de simpatia<br />
ou solidariedade. Uma proibição socialmente sancio<strong>na</strong>da que, entre outras coisas,<br />
contribui para fortalecer os processos de inter<strong>na</strong>lização da homofobia. Uma vez<br />
introjetada, ela pode conduzir a pessoa a se sentir envergonhada, culpada e até merecedora<br />
da agressão sofrida, mantendo-a imobilizada, em silêncio, entregue a seu<br />
destino de pária social. À violência propriamente dita soma-se a “violência simbólica”,<br />
8 fazendo com que a própria vítima contribua para a legitimação da agressão e<br />
favoreça o agressor e os seus difusos cúmplices.<br />
A falta de solidariedade por parte de profissio<strong>na</strong>is, da instituição e da comunidade<br />
escolar diante das mais corriqueiras ce<strong>na</strong>s de assédio moral contra estudantes<br />
LGBT pode produzir ulteriores efeitos nos agressores e nos seus cúmplices. Além<br />
de encorajados a continuarem agindo, aquiescendo ou omitindo-se, são aprofundados<br />
em um processo de “alheamento” que, segundo Jurandir Freire Costa:<br />
35 Sobretudo para as lésbicas, a adoção de práticas compensatórias deriva em grande parte da pressão e da<br />
violência a que estão submetidas no ambiente familiar (ALMEIDA, 2005: 181, 215). São comuns os depoimentos<br />
que apresentam pessoas LGBT como “filhos dedicados”, “irmãs atenciosas”, arrimos de família.<br />
36 Há muitos relatos <strong>sobre</strong> estudantes “superafetados”, “chamativos demais”, “provocantes”, “irritadiços”, “sempre<br />
prontos para responder à menor insinuação”. Trata-se de alguém em contínuo (e desgastante) estado de alerta,<br />
exter<strong>na</strong>ndo atitudes que, ao invés, mereceriam ser acolhidas como um desesperado pedido de ajuda.<br />
37 O termo “indiferença” é neste caso empregado como sinônimo de ausência de interesse ou preocupação<br />
e não no sentido adotado por Halvorsen (1996), que oportu<strong>na</strong>mente, em outro contexto, refere-se à “visibilidade<br />
indiferente” como resultado da conquista pelos/as homossexuais da igualdade de direitos.<br />
38 Sobre violência simbólica, vide: BOURDIEU, 1983, 1989, 1992 e 1999. Sobre “homofobia interiorizada”,<br />
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