Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...

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Atualmente, o padrão normal em sexualidade, na nossa sociedade, se traduz por diversas regras sociais: ser heterossexual, casar-se na maturidade, encontrar um par que seja igualmente compatível com seu nível educacional e econômico, respeitar a moral, não praticar crimes sexuais, usar da pornografia para fins pessoais e privados sem a exploração de outras pessoas etc. O que pretendo discutir são os modos com que reforçamos determinados padrões considerados desejáveis, reprimindo, com punições físicas e psicológicas, os padrões indesejáveis ou diferentes. Stoller ( 998) já nos lembrava que, se pensarmos na normalidade a partir de um critério exclusivamente quantitativo (que usualmente é considerado entre leigos, jornalistas, professores/as e até mesmo cientistas o único critério válido), as chamadas “parafilias” não poderiam ser classificadas como práticas anormais, uma vez que seria enorme o número dos adeptos dessas práticas, e seria recorrente sua manifestação em diversas culturas. Nas palavras do autor: 268 De maneira que você possa sentir o levemente bizarro – ou talvez, sentir que o bizarro é pleno – esquadrinhei estes anúncios, tirados ao acaso de revistas pornográficas. Eles são representativos de milhares de anúncios em centenas de revistas publicadas a cada ano. Não podemos saber quantas pessoas praticam cada uma dessas... (dessas o quê? Você desautorizaria “perversões” como seu rótulo adequado?), mas pode-se dizer com segurança que são mais numerosas do que se supõe. [...] Espero que esta lista lhe dê a impressão, na falta de melhores dados – estudos estatísticos que não podem ser feitos – de que a perversão pode ser mais corriqueira do que em geral se crê e que há mais categorias do que se pode imaginar em nossos manuais (STOLLER, 998: - 7). Até aqui fica evidente que nossa sexualidade se manifesta numa dada cultura e que, historicamente, cada sociedade a considera em termos de comportamentos adequados ou não-adequados, que devem ser incentivados ou reprimidos. Falamos, então, da repressão sexual compreendendo-a como um determinado conjunto de re- 1 O termo parafilia tem sido preferido pelos estudiosos por enfatizar menos a idéia pejorativa do uso da palavra perversão. Significa literalmente desvio (para) e aquilo pelo qual o indivíduo é atraído (filia); ou seja, o desvio está no objeto erótico e não na pessoa. Mas aí também devemos reconhecer que há um julgamento de valor na idéia de desejo erótico normal. Além disso, é importante ressaltar que não desconsidero que algumas práticas sexuais possam violar os chamados direitos humanos, como o uso da violência sexual (crimes como abuso sexual ou estupro), ou mesmo que algumas das parafilias ou, antes, das perversões sexuais ferem a convivência íntegra na sociedade e que por essa razão, necessitem do controle do Estado, com leis punitivas. Cito, por exemplo, a necrofilia (pessoas mortas), a pedofilia (crianças e adolescentes menores).

gras, normas, leis e atitudes sobre sexualidade presente numa diferenciada sociedade e cultura, acompanhado da ameaça de isolamento e de punições aos indivíduos se eles não seguirem essas regras, que têm formas específicas na religião, na moral, no direito e, no caso de nossa sociedade, também na ciência (CHAUÍ, 98 ; FOU- CAULT, 988). Segundo Marilena Chauí ( 98 : 9): “A repressão sexual pode ser considerada como um conjunto de interdições, permissões, normas, valores, regras estabelecidos histórica e culturalmente para controlar o exercício da sexualidade”. A repressão, tomada como sinônimo de regra, não aparece somente nos imperativos negativos: “não pode” e “não faça”, mas também, no imperativo: “faça”. Tal forma de repressão aparece nas imposições às mulheres em relação a como e a quantos orgasmos devem sentir, na necessidade de masturbar-se, de ter namorado, de perder a virgindade na mocidade, de ficar com vários parceiros e ganhar experiência sexual, de ser magra, além da necessidade de viver o sexo ativamente, pois um certo grau de promiscuidade significaria liberdade sexual. Também há imposições aos homens em relação à heterossexualidade, à necessidade de terem várias parceiras sexuais, de evidenciarem um ótimo desempenho sexual e de se destacarem na sociedade. Atualmente, também podemos pensar em imperativos comuns a homens e a mulheres, por exemplo, àqueles relativos aos padrões de beleza, impostos pela cultura diariamente na educação formal e informal. Assim, o processo de repressão sexual tanto pode ser evidente e explícito como pode ser velado e disfarçado, pois ele se revela não somente nas proibições, ou seja, nos imperativos negativos, mas também nas permissões, aquelas regras sobre o que se deve ou não fazer (CHAUÍ, 98 ). Na mesma direção, Hebert Marcuse ( 988) discute uma forma de repressão que aparece como satisfação. Dizendo de outro modo, em nossa sociedade há um tipo de repressão sexual que não é sentida como tal pelos sujeitos, vítimas dessa repressão, uma vez que, como comento com Ari Fernando Maia: O sujeito tem várias liberdades, e pode usufruir de várias mercadorias que satisfazem seus desejos. Mas justamente essa satisfação é repressiva porque implica, no próprio ato de satisfazer-se, a repressão, pois sempre o sujeito cede à sociedade na realização do ato. Isso porque a própria forma de obter satisfação é padronizada, isto é, não permite a expressão individual do desejo, elemento este essencial à própria natureza deste desejo. A liberdade 2 Lembro que os jornais e a televisão têm chamado a atenção para o fato de que atualmente há uma maior preocupação por parte dos homens em relação a manutenção de um corpo físico valorizado pela beleza e pela correspondência aos padrões estéticos. 269

Atualmente, o padrão normal em sexualidade, <strong>na</strong> nossa sociedade, se traduz<br />

por diversas regras sociais: ser heterossexual, casar-se <strong>na</strong> maturidade, encontrar um<br />

par que seja igualmente compatível com seu nível educacio<strong>na</strong>l e econômico, respeitar<br />

a moral, não praticar crimes sexuais, usar da pornografia para fins pessoais e<br />

privados sem a exploração de outras pessoas etc.<br />

O que pretendo discutir são os modos com que reforçamos determi<strong>na</strong>dos<br />

padrões considerados desejáveis, reprimindo, com punições físicas e psicológicas, os<br />

padrões indesejáveis ou diferentes. Stoller ( 998) já nos lembrava que, se pensarmos<br />

<strong>na</strong> normalidade a partir de um critério exclusivamente quantitativo (que usualmente<br />

é considerado entre leigos, jor<strong>na</strong>listas, professores/as e até mesmo cientistas o<br />

único critério válido), as chamadas “parafilias” não poderiam ser classificadas como<br />

práticas anormais, uma vez que seria enorme o número dos adeptos dessas práticas,<br />

e seria recorrente sua manifestação em diversas culturas. Nas palavras do autor:<br />

268<br />

De maneira que você possa sentir o levemente bizarro – ou talvez,<br />

sentir que o bizarro é pleno – esquadrinhei estes anúncios,<br />

tirados ao acaso de revistas pornográficas. Eles são representativos<br />

de milhares de anúncios em cente<strong>na</strong>s de revistas publicadas<br />

a cada ano. Não podemos saber quantas pessoas praticam cada<br />

uma dessas... (dessas o quê? Você desautorizaria “perversões”<br />

como seu rótulo adequado?), mas pode-se dizer com segurança<br />

que são mais numerosas do que se supõe. [...] Espero que<br />

esta lista lhe dê a impressão, <strong>na</strong> falta de melhores dados – estudos<br />

estatísticos que não podem ser feitos – de que a perversão<br />

pode ser mais corriqueira do que em geral se crê e que há<br />

mais categorias do que se pode imagi<strong>na</strong>r em nossos manuais<br />

(STOLLER, 998: - 7).<br />

Até aqui fica evidente que nossa sexualidade se manifesta numa dada cultura<br />

e que, historicamente, cada sociedade a considera em termos de comportamentos<br />

adequados ou não-adequados, que devem ser incentivados ou reprimidos. Falamos,<br />

então, da repressão sexual compreendendo-a como um determi<strong>na</strong>do conjunto de re-<br />

1 O termo parafilia tem sido preferido pelos estudiosos por enfatizar menos a idéia pejorativa do uso da palavra<br />

perversão. Significa literalmente desvio (para) e aquilo pelo qual o indivíduo é atraído (filia); ou seja, o desvio<br />

está no objeto erótico e não <strong>na</strong> pessoa. Mas aí também devemos reconhecer que há um julgamento de valor<br />

<strong>na</strong> idéia de desejo erótico normal. Além disso, é importante ressaltar que não desconsidero que algumas<br />

práticas sexuais possam violar os chamados direitos humanos, como o uso da violência sexual (crimes como<br />

abuso sexual ou estupro), ou mesmo que algumas das parafilias ou, antes, das perversões sexuais ferem a<br />

convivência íntegra <strong>na</strong> sociedade e que por essa razão, necessitem do controle do Estado, com leis punitivas.<br />

Cito, por exemplo, a necrofilia (pessoas mortas), a pedofilia (crianças e adolescentes menores).

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