Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...
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260 A palavra “homofobia” significa medo ou rejeição da homossexualidade. Esse medo pode parecer instintivo, como o medo do fogo, mas não o é. Constitui mais um fenômeno cultural que está longe de ser universal, e que reveste diferentes formas e significações segundo o contexto (CASTAÑEDA, 999:7 ). A produção de homofobia está presente tanto nos heterossexuais quanto nos homossexuais e, por conseguinte, entre as travestis, as transexuais e as transgêneros. E é entre estas últimas que uma variação da homofobia, no caso, a transfobia, pode exercer seus mais profundos efeitos, em seus processos intricados de construção identitários e de subjetivação. Impedida de poder ser o que é, necessita de espaços de escuta e de clarificação de suas dúvidas. Como não consegue interlocução com a família e nem com a escola, acaba tendo que descobrir sozinha. Se tiver a sorte de ter um amigo de mesma pertença, poderá dividir sua dor e falar de seus desejos, amores, prazeres e paixões. Tem-se aí a eclosão de um longo processo de estigmatização, discriminação e exclusão que ganhará picos de intensidades de acordo com a qualificação e status de sua visibilidade. Assim, uma TTT rica será menos discriminada do que uma TTT pobre; uma TTT branca menos que uma TTT negra; uma TTT “mais discreta/educada”, menos que uma TTT “mais barraqueira”; uma transexual “educada e feminina”, menos que uma transexual “perua”; uma travesti jovem, menos que uma travesti idosa. Além desses componentes, uma outra perspectiva da violência estrutural nos remeteria à confusão em face das referências de gênero. Afinal, as referências sobre os significados e os valores atribuídos às categorias de masculino e feminino sempre foram marcadas por fortes influências essencialistas que os associavam às características sexuais, limitados a uma perspectiva biológica, centrada na fisiologia do “aparelho reprodutor” (ou seja, “destinado” para a reprodução e não para a sexualidade e o prazer) e na filosofia moral. Seguindo a lógica essencialista, são elaboradas justificativas para as formas de produção e de reprodução de desigualdades entre homens e mulheres, que normatizam suas relações, vistas como naturais e universais. Seja na esfera do senso comum, seja na esfera do discurso científico, a distinção sexual tem servido para analisar e justificar as desigualdades sociais. No cenário contemporâneo, as referências disponíveis sobre gêneros começam a perder seus sentidos, tendo seus contornos borrados e seus significados desmanchados. Os gêneros estão em chamas. Uma confusão nos códigos de inteligibilidade começa a ser estabelecida e a levar muitas pessoas a questionarem: o que é ser homem? O que é ser mulher?
O dispositivo dos gêneros, em interface com o das sexualidades, atuaria no centro das subjetividades humanas, administrando a percepção, a cognição e as sensações presentes nas relações dos sujeitos com o mundo, com os outros e consigos mesmos. Muitas são as questões que atravessam a estilística existencial das TTTs, de modo que, de forma mais efusiva, gostaria de resgatar, para encerrar, algumas temáticas que considero mais urgentes: . Uma crítica aos modos de produção do pensar e do sentir que se organizam a partir da referência binária. É preciso romper com essa perspectiva dualista para tomarmos o ser humano como um ser da multiplicidade, no qual as homossexualidades e os gêneros não seriam mais tidos como opositores às heterossexualidades e aos padrões identitários, mas como complementares e processuais; . Uma crítica à idéia de universalidade e de verdades absolutas. Quando falamos em TTTs precisamos apontá-las em suas singularidades, ou seja, tomá-las como pluralidades processuais em que cada pessoa traz suas especificidades. As marcas disparadas pelos processos de estigmatização decorrentes da heteronormatividade sobre as TTTs solicitam interfaces com as categorias de classes, raças/etnias, gêneros e orientações sexuais; . As problematizações a respeito das TTTs demandam urgentemente a criação de agendas que incluam em suas pautas a criação de estratégias de enfrentamento específico às travestifobias, às transfobias, aos crimes de ódio; 4. O cenário contemporâneo necessita de revisão dos paradigmas sobre as famílias nucleares e monogâmicas, para incluir em suas referências a contemplação de novos arranjos familiares que expressam os desejos de conjugalidades, por meio da efetivação da PCR – Parceria Civil Registrada, do reconhecimento da homoparentalidade e da adoção de crianças por casais homossexuais; . Considerando que a inflexão de gênero presente nos dicionários de língua portuguesa associa travesti ao artigo masculino e tendo em vista a reivindicação política de respeito à sua identidade de gênero, acredito que o uso de tratamento para as TTTs no feminino pode ser um efetivo avanço para a construção do respeito às diferenças; . As cartografias existenciais das TTTs evidenciam experiências de estigmatização, violências, exclusões e mortes que por si mesmas solicitam urgências na criação de políticas públicas que garantam o direito fundamental à singularidade, o direito de ir e vir, o direito à dignidade humana na expressão do exercício da cidadania plena e participativa, no qual a escola e seus currículos têm importante responsabilidade social. 261
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A palavra “homofobia” significa medo ou rejeição da homossexualidade.<br />
Esse medo pode parecer instintivo, como o medo do<br />
fogo, mas não o é. Constitui mais um fenômeno cultural que<br />
está longe de ser universal, e que reveste diferentes formas e<br />
significações segundo o contexto (CASTAÑEDA, 999:7 ).<br />
A produção de homofobia está presente tanto nos heterossexuais quanto nos<br />
homossexuais e, por conseguinte, entre as travestis, as transexuais e as transgêneros.<br />
E é entre estas últimas que uma variação da homofobia, no caso, a transfobia, pode<br />
exercer seus mais profundos efeitos, em seus processos intricados de construção<br />
identitários e de subjetivação.<br />
Impedida de poder ser o que é, necessita de espaços de escuta e de clarificação<br />
de suas dúvidas. Como não consegue interlocução com a família e nem com a escola,<br />
acaba tendo que descobrir sozinha. Se tiver a sorte de ter um amigo de mesma pertença,<br />
poderá dividir sua dor e falar de seus desejos, amores, prazeres e paixões.<br />
Tem-se aí a eclosão de um longo processo de estigmatização, discrimi<strong>na</strong>ção e<br />
exclusão que ganhará picos de intensidades de acordo com a qualificação e status de sua<br />
visibilidade. Assim, uma TTT rica será menos discrimi<strong>na</strong>da do que uma TTT pobre;<br />
uma TTT branca menos que uma TTT negra; uma TTT “mais discreta/educada”,<br />
menos que uma TTT “mais barraqueira”; uma transexual “educada e femini<strong>na</strong>”, menos<br />
que uma transexual “perua”; uma travesti jovem, menos que uma travesti idosa.<br />
Além desses componentes, uma outra perspectiva da violência estrutural nos<br />
remeteria à confusão em face das referências de gênero. Afi<strong>na</strong>l, as referências <strong>sobre</strong><br />
os significados e os valores atribuídos às categorias de masculino e feminino sempre<br />
foram marcadas por fortes influências essencialistas que os associavam às características<br />
sexuais, limitados a uma perspectiva biológica, centrada <strong>na</strong> fisiologia do “aparelho<br />
reprodutor” (ou seja, “desti<strong>na</strong>do” para a reprodução e não para a sexualidade e<br />
o prazer) e <strong>na</strong> filosofia moral. Seguindo a lógica essencialista, são elaboradas justificativas<br />
para as formas de produção e de reprodução de desigualdades entre homens<br />
e mulheres, que normatizam suas relações, vistas como <strong>na</strong>turais e universais. Seja <strong>na</strong><br />
esfera do senso comum, seja <strong>na</strong> esfera do discurso científico, a distinção sexual tem<br />
servido para a<strong>na</strong>lisar e justificar as desigualdades sociais.<br />
No cenário contemporâneo, as referências disponíveis <strong>sobre</strong> gêneros começam<br />
a perder seus sentidos, tendo seus contornos borrados e seus significados desmanchados.<br />
Os gêneros estão em chamas. Uma confusão nos códigos de inteligibilidade<br />
começa a ser estabelecida e a levar muitas pessoas a questio<strong>na</strong>rem: o que é<br />
ser homem? O que é ser mulher?