Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...
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250 so e que deveria dançar igual a ele, que ali na escola só eu tinha condições de fazer um número tão difícil. Ensaiei a música e a coreografia, e a professora falava que eu deveria rebolar mais, senão as pessoas não iam me aplaudir. No dia da apresentação, passei o maior ridículo, pois na hora do meu número as pessoas começaram a dar risadas e a me apontar como uma coisa ridícula. Fiquei meio confusa e, ao olhar para os bastidores, vi a professora dando muita risada de mim. Foi um choque muito forte, porque eu percebi que a professora tinha feito de propósito para me expor e me ridicularizar; mas eu fiz aquilo como artista, me dediquei muito nos ensaios, mas as pessoas tiveram esse intuito de me expor com uma conotação pejorativa, de deboche da homossexualidade. No meio de tantos alunos, por que eu fui a escolhida? Porque já tinha um buchicho a meu respeito e se aproveitaram disso. A experiência de Brunete nos mostra alguns traços das pessoas em quererem desqualificar, ridicularizar e debochar da expressão da homossexualidade em um ambiente hostil e preconceituoso que protege o agressor, impede o exercício crítico de ampliação do universo de referência dos indivíduos e dificulta que eles possam crescer enquanto seres humanos, tornando-se agentes de cultura da paz e da inclusão. Situações como essas vividas por Brunete denunciam o despreparo de muitas pessoas que se dizem educadoras e constroem discursos bem distantes de suas práticas. Com Alice, 4 anos, travesti negra, agente de saúde, a experiência de discriminação na escola que consegue lembrar foi a tentativa de uma diretora de expulsála quando tinha anos e começava a se travestir. Além de se travestir, Alice havia arrumado um namorado e andava pelo pátio do colégio de mãos dadas no recreio e ao término das aulas. Após algumas repreensões da diretora e sem resultados, ela resolveu convocar seu pai para que ele tomasse providências diante do comportamento de seu filho. Assim nos relata Alice: No princípio, eu tinha medo do meu pai e da minha mãe, mas me trancava no meu quarto, e com a mesada que meu pai me dava, eu comprava algumas coisas, umas roupas, maquiagens, e ali eu me montava [...] demorou para que eu saísse na rua, montada. No começo, eu levava algumas roupas e maquiagem e me montava no banheiro e saía no pátio do colégio, um escândalo!!! Eu adorava, me sentia! Meu pai não sabia que eu me montava na escola, só o pessoal da escola. Aí, a diretora
chamou meu pai e me pôs na frente dele e contou tudo. Meu pai ficou calado e eu desesperada, porque não sabia qual ia ser a reação dele. Aí, ele olhou para mim, olhou para a diretora e perguntou: “E o que é que a senhora quer que eu faça? Que eu espanque, que eu mate? A senhora vai me desculpar, mas ele é meu filho e eu tenho que amar ele do jeito que ele for”. Levantou, pegou o chapéu e saiu sem olhar para trás. Fiquei mais apavorada ainda, fui para casa e me enfiei no meu quarto. À noite, ele foi ao meu quarto, bateu na porta, entrou e me deu um presente e perguntou se eu sabia o que eu estava fazendo. Disse que sabia, e me deu sua bênção e saiu do quarto. Abri a caixa do presente e tive a maior surpresa da minha vida: uma calcinha de renda, vermelha, linda! Esta situação nos mostra que um outro olhar e uma outra relação são possíveis diante da expressão das homossexualidades e também das travestilidades. E mais ainda: mostra-nos um pai que soube se sobrepor ao preconceito de uma diretora regida por práticas discriminatórias orientadas apenas por referenciais pseudo-moralistas e conservadores. Quanto mais enrijecidos e cristalizados forem os valores norteadores dos programas de ensino, quanto mais reguladoras forem as atividades formadoras, mais reificação de desigualdades, discriminação e exclusão social será estabelecida. Ainda a respeito da relação das travestis e das transexuais com a escola, diz Bianca: […] ah, na escola a gente ouvia piadinhas, mas eu não sou muito de agüentar piadas e já pergunto: “O que que é, hem? O que tá acontecendo?” Já dou um show e, assim, a gente vive, né? Às vezes, a gente tem que baixar o nível porque as chacotas são exageradas. O pior é que muitas vezes as piadinhas são feitas pelos próprios professores, que incentivam os guris a abusarem da situação. Imagina que uma professora que eu tive na quinta série chegou a falar em sala de aula que eu tinha uma doença muito grave e que as pessoas que ficavam perto de mim poderiam virar travesti. Depois disso, minha vida virou um inferno e tive que abandonar a escola. Até hoje, com anos, às vezes penso em voltar a estudar, mas já foi o tempo, né? Agora só me 251
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chamou meu pai e me pôs <strong>na</strong> frente dele e contou tudo. Meu<br />
pai ficou calado e eu desesperada, porque não sabia qual ia ser<br />
a reação dele. Aí, ele olhou para mim, olhou para a diretora e<br />
perguntou: “E o que é que a senhora quer que eu faça? Que eu<br />
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é meu filho e eu tenho que amar ele do jeito que ele for”. Levantou,<br />
pegou o chapéu e saiu sem olhar para trás. Fiquei mais<br />
apavorada ainda, fui para casa e me enfiei no meu quarto. À<br />
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um presente e perguntou se eu sabia o que eu estava fazendo.<br />
Disse que sabia, e me deu sua bênção e saiu do quarto. Abri a<br />
caixa do presente e tive a maior surpresa da minha vida: uma<br />
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Esta situação nos mostra que um outro olhar e uma outra relação são possíveis<br />
diante da expressão das homossexualidades e também das travestilidades.<br />
E mais ainda: mostra-nos um pai que soube se <strong>sobre</strong>por ao preconceito de uma<br />
diretora regida por práticas discrimi<strong>na</strong>tórias orientadas ape<strong>na</strong>s por referenciais<br />
pseudo-moralistas e conservadores.<br />
Quanto mais enrijecidos e cristalizados forem os valores norteadores dos programas<br />
de ensino, quanto mais reguladoras forem as atividades formadoras, mais<br />
reificação de desigualdades, discrimi<strong>na</strong>ção e exclusão social será estabelecida.<br />
Ainda a respeito da relação das travestis e das transexuais com a escola,<br />
diz Bianca:<br />
[…] ah, <strong>na</strong> escola a gente ouvia piadinhas, mas eu não sou muito<br />
de agüentar piadas e já pergunto: “O que que é, hem? O que<br />
tá acontecendo?” Já dou um show e, assim, a gente vive, né? Às<br />
vezes, a gente tem que baixar o nível porque as chacotas são<br />
exageradas. O pior é que muitas vezes as piadinhas são feitas<br />
pelos próprios professores, que incentivam os guris a abusarem<br />
da situação. Imagi<strong>na</strong> que uma professora que eu tive <strong>na</strong> quinta<br />
série chegou a falar em sala de aula que eu tinha uma doença<br />
muito grave e que as pessoas que ficavam perto de mim poderiam<br />
virar travesti. Depois disso, minha vida virou um inferno<br />
e tive que abando<strong>na</strong>r a escola. Até hoje, com anos, às vezes<br />
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