Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...

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ela contém” e – o que é crucial – mais motivadas ao trabalho de reestruturação de suas percepções do mundo social e, com isso, de relativização das referências rígidas e absolutas que o povoam. Homofobia e estudantes LGBT 4 Embora produza efeitos sobre todo o alunado, é mais plausível supor que a homofobia incida mais fortemente nas trajetórias educacionais e formativas e nas possibilidades de inserção social de jovens que estejam vivenciando processos de construção identitária sexual e de gênero que os situam à margem da “normalidade”. É difícil negar que a homofobia na escola exerce um efeito de privação de direitos sobre cada um desses jovens. Por exemplo: afeta-lhes o bem-estar subjetivo; incide no padrão das relações sociais entre estudantes e destes com profissionais da educação (HUMAN WATCH, 00 ); interfere nas expectativas quanto ao sucesso e ao rendimento escolar; produz intimidação, insegurança, estigmatização, segregação e isolamento; estimula a simulação para ocultar a diferença (MARTIN, 98 ; CAETANO, 00 ); gera desinteresse pela escola; produz distorção idade-série, abandono e evasão; prejudica a inserção no mercado de trabalho; enseja uma visibilidade distorcida; vulnerabiliza física e psicologicamente; tumultua o processo de configuração e expressão identitária; afeta a construção da auto-estima; influencia a vida socioafetiva; dificulta a integração das famílias homoparentais e de pais e mães transgêneros na comunidade escolar e estigmatiza seus filhos/as. 7 23 Também nos grandes centros brasileiros o gênero e as normas de gênero reafirmam-se como organizadores da apreensão sobre a homossexualidade, articulando-se com outras variáveis, tais como nível de escolaridade, classe, raça/etnia, religião, idade etc. A pesquisa Gravad confirmou uma menor rejeição à homossexualidade entre as mulheres: cerca de um terço delas a rejeitam, contra a quase metade dos homens (apenas entre pentecostais as cifras quase se igualam). A aceitação da homossexualidade aumenta à medida que se elevam os níveis de escolaridade e de renda, mas em proporções distintas segundo o sexo/ gênero: apresentam postura mais aberta cerca de 90% das mulheres e 69% dos homens cujas mães têm nível superior. Entre os homens, mantém-se alta a definição da homossexualidade como “doença”: 22,7%, contra 7,4% das mulheres. É extremamente alta a rejeição entre os homens com baixa escolaridade e entre os que ainda não se iniciaram sexualmente: 72,9% e 62%. A pesquisa foi realizada, em 2002, com jovens de 18 a 24 anos, em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador. Vide: HEILBORN et al., 2006: 224-227 e segs. 24 Faltam pesquisas no Brasil sobre os efeitos da homofobia sobre o professorado homossexual, bissexual, travesti e transexual, muito embora se possa supor que vão muito além de questões de ordem trabalhista. Para um conjunto estimulante de testemunhos de professores/as LGBT nos EUA, vide: JENNINGS, 2005. 25 Sobre bem-estar subjetivo, vide: HAYDEN e BLAYA, 2002; RANGEL, 2004; sobre “bullying”: TATTUM, 1993. 26 A comunidade escolar, em geral, tem se demonstrado mais aberta para discutir a sexualidade no plano da prevenção e não no da promoção da saúde ou no dos direitos humanos. As dificuldades da escola em transcender esses limites e abordar mais corajosamente questões relativas a sexualidade, diversidade sexual, sexismo, misoginia, homofobia e racismo expõem os/as estudantes a situações de maior vulnerabilidade física e psicológica, inclusive em relação à saúde sexual e reprodutiva. 27 Vide: BRICKLEY et al., 1999; BAUER e GOLDSTEIN, 2003. 24

Inegavelmente, os casos mais evidentes têm sido os vividos por travestis e transexuais, que têm, na maioria dos casos, suas possibilidades de inserção social seriamente comprometidas por verem-se privadas do acolhimento afetivo em face às suas experiências de expulsões e abandonos por parte de seus familiares e amigos (DENIZART, 997; PERES, 004; STECZ, 00 ). A essas experiências costumam se somar outras formas de violência por parte de vizinhos, conhecidos, desconhecidos e instituições. Com suas bases emocionais fragilizadas, elas e eles, na escola, têm que encontrar forças para lidar com o estigma e a discriminação sistemática e ostensiva por parte de colegas, professores/as, dirigentes e servidores/as escolares. As experiências de chacota e humilhação, as diversas formas de opressão e os processos de exclusão, segregação e guetização a que estão expostas travestis e transexuais constituem um quadro de “sinergia de vulnerabilidades” (PARKER, 000) que as arrasta como uma “rede de exclusão” que “vai se fortalecendo, na ausência de ações de enfrentamento ao estigma e ao preconceito, assim como de políticas públicas que contemplem suas necessidades básicas, como o direito de acesso aos estudos, à profissionalização e a bens e serviços de qualidade em saúde, habitação e segurança” (PERES, 004: ; BÖER, 00 ). Nas escolas, não raro, enfrentam obstáculos para se matricularem, participarem das atividades pedagógicas, terem suas identidades minimamente respeitadas, fazerem uso das estruturas das escolas (os banheiros, por exemplo) 8 e conseguirem preservar sua integridade física. 9 É acaciano dizer que tais dificuldades tendem a ser ainda maiores se pessoas homoeróticas e/ou com identidade ou expressão de gênero fora do padrão convencional pertencerem ainda a outros setores também discriminados e vulneráveis (mais pobres, menos letrados, identificarem-se como mulheres, negros, indígenas, soropositivos, possuidores de uma assim dita deficiência física 0 ou mental etc.) e não puderem (ou não quiserem) manter um estilo de vida sintonizado com a celebração hedonista do “ser jovem” e ter um corpo “sarado”. 28 Àqueles que insistem em dizer que ainda há escolas sem banheiros e que essa deveria ser nossa prioridade, vale lembrar que de pouco adiantará a travestis e transexuais construirmos banheiros em escolas nas quais não lhes será garantido o direito de acesso. Vale lembrar que a espacialização, que pressupõe interdições e naturalizações, é um dos procedimentos cruciais dos dispositivos de poder. 29 É preciso, no entanto, lembrar de importantes experiências educacionais de inclusão e permanência de travestis e transexuais. O “Círculo de Leituras – Um Sonho Possível na Inclusão de Transgêneros”, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 2003, chegou a receber o selo da Unesco como projeto que pode ser apresentado como modelo (SÃO PAULO, 2003 e s/d). 30 É necessário atentar-se para as dificuldades de pessoas homossexuais com deficiência física para encontrarem parceiros/as e realizarem-se afetiva e sexualmente em comunidades gays, no interior das quais vige uma ultravalorização da beleza física. Tal quadro foi muito bem tratado em dois documentários: “One Night Sit” (Carmelo Gonzales e Diana Naftal, EUA, 2004) e “Untold Desires” (Sarah Barton, Austrália, 1994). Evidentemente, tal fenômeno não se encontra circunscrito a essas comunidades. 31 A obsessão pelo corpo “sarado” (não necessariamente saudável) gravita em torno de uma nova moralidade que, paradoxalmente, quanto mais propugna a autonomia individual e a libertação física e sexual, mais se submete e se conforma a um determinado padrão estético corporal: o da “boa forma” (GOLDENBERG, 2002: 25). Sobre a estética, o amor e a amizade no “universo gay”, vide: EUGENIO, 2006: 158-176. 25

Inegavelmente, os casos mais evidentes têm sido os vividos por travestis e<br />

transexuais, que têm, <strong>na</strong> maioria dos casos, suas possibilidades de inserção social<br />

seriamente comprometidas por verem-se privadas do acolhimento afetivo em face<br />

às suas experiências de expulsões e abandonos por parte de seus familiares e amigos<br />

(DENIZART, 997; PERES, 004; STECZ, 00 ). A essas experiências costumam<br />

se somar outras formas de violência por parte de vizinhos, conhecidos, desconhecidos<br />

e instituições. Com suas bases emocio<strong>na</strong>is fragilizadas, elas e eles, <strong>na</strong> escola, têm<br />

que encontrar forças para lidar com o estigma e a discrimi<strong>na</strong>ção sistemática e ostensiva<br />

por parte de colegas, professores/as, dirigentes e servidores/as escolares. As<br />

experiências de chacota e humilhação, as diversas formas de opressão e os processos<br />

de exclusão, segregação e guetização a que estão expostas travestis e transexuais<br />

constituem um quadro de “sinergia de vulnerabilidades” (PARKER, 000) que as<br />

arrasta como uma “rede de exclusão” que “vai se fortalecendo, <strong>na</strong> ausência de ações<br />

de enfrentamento ao estigma e ao preconceito, assim como de políticas públicas<br />

que contemplem suas necessidades básicas, como o direito de acesso aos estudos, à<br />

profissio<strong>na</strong>lização e a bens e serviços de qualidade em saúde, habitação e segurança”<br />

(PERES, 004: ; BÖER, 00 ). Nas escolas, não raro, enfrentam obstáculos<br />

para se matricularem, participarem das atividades pedagógicas, terem suas identidades<br />

minimamente respeitadas, fazerem uso das estruturas das escolas (os banheiros,<br />

por exemplo) 8 e conseguirem preservar sua integridade física. 9<br />

É acaciano dizer que tais dificuldades tendem a ser ainda maiores se pessoas<br />

homoeróticas e/ou com identidade ou expressão de gênero fora do padrão convencio<strong>na</strong>l<br />

pertencerem ainda a outros setores também discrimi<strong>na</strong>dos e vulneráveis<br />

(mais pobres, menos letrados, identificarem-se como mulheres, negros, indíge<strong>na</strong>s,<br />

soropositivos, possuidores de uma assim dita deficiência física 0 ou mental etc.) e<br />

não puderem (ou não quiserem) manter um estilo de vida sintonizado com a celebração<br />

hedonista do “ser jovem” e ter um corpo “sarado”.<br />

28 Àqueles que insistem em dizer que ainda há escolas sem banheiros e que essa deveria ser nossa prioridade,<br />

vale lembrar que de pouco adiantará a travestis e transexuais construirmos banheiros em escolas<br />

<strong>na</strong>s quais não lhes será garantido o direito de acesso. Vale lembrar que a espacialização, que pressupõe<br />

interdições e <strong>na</strong>turalizações, é um dos procedimentos cruciais dos dispositivos de poder.<br />

29 É preciso, no entanto, lembrar de importantes experiências educacio<strong>na</strong>is de inclusão e permanência de<br />

travestis e transexuais. O “Círculo de Leituras – Um Sonho Possível <strong>na</strong> Inclusão de Transgêneros”, desenvolvido<br />

pela Secretaria Municipal de <strong>Educação</strong> de São Paulo, em 2003, chegou a receber o selo da<br />

Unesco como projeto que pode ser apresentado como modelo (SÃO PAULO, 2003 e s/d).<br />

30 É necessário atentar-se para as dificuldades de pessoas homossexuais com deficiência física para encontrarem<br />

parceiros/as e realizarem-se afetiva e sexualmente em comunidades gays, no interior das quais vige<br />

uma ultravalorização da beleza física. Tal quadro foi muito bem tratado em dois documentários: “One Night<br />

Sit” (Carmelo Gonzales e Dia<strong>na</strong> Naftal, EUA, 2004) e “Untold Desires” (Sarah Barton, Austrália, 1994).<br />

Evidentemente, tal fenômeno não se encontra circunscrito a essas comunidades.<br />

31 A obsessão pelo corpo “sarado” (não necessariamente saudável) gravita em torno de uma nova moralidade<br />

que, paradoxalmente, quanto mais propug<strong>na</strong> a autonomia individual e a libertação física e sexual, mais<br />

se submete e se conforma a um determi<strong>na</strong>do padrão estético corporal: o da “boa forma” (GOLDENBERG,<br />

2002: 25). Sobre a estética, o amor e a amizade no “universo gay”, vide: EUGENIO, 2006: 158-176.<br />

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