Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...
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Em minhas escutas e observações etnográficas tem sido freqüente ouvir histórias de travestis que reclamam por não terem conseguido estudar, não poderem fazer uma faculdade e exercerem uma profissão que lhes garanta a sobrevivência, sem terem que recorrer à prostituição. Em suas falas é freqüente ouvir reclamações por precisarem se prostituir por não conseguirem empregos ou oportunidades de renda, sobrando-lhes apenas a rua como possibilidade de ganhos financeiros. Porém, gostaria de clarificar que embora algumas travestis afirmem gostar de se prostituir, a maioria delas não se sente à vontade em ocupar esse lugar no mundo, reclamando da ausência de oportunidades de estudos e empregos, o que nos leva a desmistificar a crença segundo a qual travestis, transexuais e transgêneros seriam sinônimos de prostituição; outrossim, nos faz perceber que são empurradas para os espaços de batalha em conseqüência da violência estrutural (PERES, 00 b). Essas ocorrências da estigmatização e da discriminação, vividas por travestis, transexuais e transgêneros no ambiente escolar prejudicam a própria socialização dessas pessoas, que passam a ter um universo existencial bastante restrito. No gueto, elas ficam imersas em um contexto de opressão e marginalização que solicita a sua adequação a uma realidade bastante singular: o universo travesti, de uma complexidade de valores e significados próprios, marcados como expressão de vida infame (FOUCAULT, 00 ). Vejamos algumas cenas vividas que nos foram relatadas em diversas ocasiões e localidades diferentes: Lilith, uma travesti negra, pobre, candombleira, portadora do vírus HIV, aos 4 anos nos fala de um episódio ocorrido ainda em sua infância, quando cursava a quarta série primária. Lilith ainda não era travesti e se portava como menino, mas devido aos seus trejeitos femininos sempre era molestada e agredida pelos outros meninos que a humilhavam constantemente. Um dia, após o sinal de retorno do recreio, Lilith dirigiu-se ao banheiro (deixava para ir por último para evitar molestações) e foi atacada por nove meninos que a obrigaram a fazer sexo oral e anal com todos do grupo. Após a experiência da “curra”, ficou algum tempo caída no chão, chorando, até ser encontrada pela servente da escola, que a levou até a diretoria, onde fez a queixa e a denúncia dos meninos que a haviam violentado. Após a denúncia, a diretora chamou os meninos envolvidos e constatou que entre eles estavam seu filho e um sobrinho que, em prantos, negavam a participação no episódio. Após alguns dias, a diretora da escola convocou Lilith e seus familiares para promulgar a sua expulsão por “atentado violento ao pudor”. Como conseqüência de negociação entre 246
os familiares e a diretora, foi feita a transferência de Lilith para uma escola particular, mesmo sabendo das condições de pobreza em que vivia sua família e o quão difícil seria arcar com os custos de uma escola particular. Lilith diz ser uma pessoa revoltada e indignada com a experiência vivida na escola e que, muitas vezes, pensou em abandonar os estudos. Constantemente fugia da escola devido às molestações e às agressões dos outros meninos ou ainda por piadas emitidas pelos próprios funcionários da escola. Porém, quando descoberta era obrigada por sua mãe a retornar à escola, mesmo com todas as justificativas que tinha para não voltar. Nessa situação, vemos a passagem do lugar de vítima para o de ré de Lilith. Nela, a própria diretora se furta da obrigação de realizar maiores investigações, abre mão da lisura e, comodamente, acata as justificativas de seu filho, de seu sobrinho e demais cúmplices, protegendo-os da versão apresentada por uma criança pobre, negra e homossexual – vista como uma ameaça à ordem estabelecida capaz de ferir a imagem da moral e dos bons costumes. Em uma outra situação, temos o depoimento de Lara, uma travesti de 8 anos, costureira e dançarina de boate, vivendo há doze anos com seu companheiro, que relembra e nos fala de sua relação com a escola: […] isso, eu devia ter uns oito anos de idade. Eu estava na segunda série e comecei a perceber que os outros meninos tinham comportamentos e falavam de coisas que eu não entendia muito bem. Sempre preferia ficar com as meninas durante o recreio e, muitas vezes, a diretora vinha falar que eu tinha que ficar do lado dos meninos. E eu não entendia o porquê de ela vir sempre me falar disso. Tinha um menino que sempre se aproximava de mim, era maior do que eu e mais velho também, porque ele já estava na quarta série. No recreio, ele vinha me chamar para ver figurinhas, mas sempre me puxava para o fundo da escola, onde quase ninguém ia. Havia um servente que cuidava, mas sempre dava uma risadinha e fazia de conta que nada estava acontecendo. Aí, uma vez, ele me levou lá no fundo e não tinha ninguém. Aí, ele foi pegando na minha mão e falando que eu tinha que pegar no pênis dele, e que se eu não pegasse ele ia contar para todo mundo que eu era mulherzinha. Eu não entendia o que ele falava porque eu era uma criança muito pura e fiquei meio paralisada. Aí ele tirou o pênis para fora e disse: “eu vou comer o seu cu!”. Eu saí correndo, assustada e sem sa- 247
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Em minhas escutas e observações etnográficas tem sido freqüente ouvir histórias<br />
de travestis que reclamam por não terem conseguido estudar, não poderem<br />
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sem terem que recorrer à prostituição. Em suas falas é freqüente ouvir reclamações<br />
por precisarem se prostituir por não conseguirem empregos ou oportunidades de<br />
renda, sobrando-lhes ape<strong>na</strong>s a rua como possibilidade de ganhos fi<strong>na</strong>nceiros.<br />
Porém, gostaria de clarificar que embora algumas travestis afirmem gostar de<br />
se prostituir, a maioria delas não se sente à vontade em ocupar esse lugar no mundo,<br />
reclamando da ausência de oportunidades de estudos e empregos, o que nos leva<br />
a desmistificar a crença segundo a qual travestis, transexuais e transgêneros seriam<br />
sinônimos de prostituição; outrossim, nos faz perceber que são empurradas para os<br />
espaços de batalha em conseqüência da violência estrutural (PERES, 00 b).<br />
Essas ocorrências da estigmatização e da discrimi<strong>na</strong>ção, vividas por travestis,<br />
transexuais e transgêneros no ambiente escolar prejudicam a própria socialização<br />
dessas pessoas, que passam a ter um universo existencial bastante restrito. No gueto,<br />
elas ficam imersas em um contexto de opressão e margi<strong>na</strong>lização que solicita a sua<br />
adequação a uma realidade bastante singular: o universo travesti, de uma complexidade<br />
de valores e significados próprios, marcados como expressão de vida infame<br />
(FOUCAULT, 00 ).<br />
Vejamos algumas ce<strong>na</strong>s vividas que nos foram relatadas em diversas ocasiões<br />
e localidades diferentes:<br />
Lilith, uma travesti negra, pobre, candombleira, portadora do vírus HIV, aos 4<br />
anos nos fala de um episódio ocorrido ainda em sua infância, quando cursava a quarta<br />
série primária. Lilith ainda não era travesti e se portava como menino, mas devido aos<br />
seus trejeitos femininos sempre era molestada e agredida pelos outros meninos que a<br />
humilhavam constantemente. Um dia, após o si<strong>na</strong>l de retorno do recreio, Lilith dirigiu-se<br />
ao banheiro (deixava para ir por último para evitar molestações) e foi atacada<br />
por nove meninos que a obrigaram a fazer sexo oral e a<strong>na</strong>l com todos do grupo.<br />
Após a experiência da “curra”, ficou algum tempo caída no chão, chorando,<br />
até ser encontrada pela servente da escola, que a levou até a diretoria, onde fez a<br />
queixa e a denúncia dos meninos que a haviam violentado. Após a denúncia, a diretora<br />
chamou os meninos envolvidos e constatou que entre eles estavam seu filho<br />
e um sobrinho que, em prantos, negavam a participação no episódio. Após alguns<br />
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expulsão por “atentado violento ao pudor”. Como conseqüência de negociação entre<br />
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