Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...

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18.08.2013 Views

eles estão prontos: “me dá a chave de fenda que eu quero”, mesmo os pequeninhos da préescola. [...] Tem que haver alguma coisa no meio disso aí... Nessa discursividade articulam-se fragmentos de discursos da medicina e da biologia que contribuem para significar diferenças de corpos masculinos e femininos e um exemplo disso são as explicações acerca do funcionamento cerebral de meninos e meninas. Steve Biddulph ( 00 ), por exemplo, cita duas das maiores diferenças que, em sua perspectiva, “influem” sobre a aprendizagem e o desenvolvimento: a) os efeitos dos hormônios masculinos, mais especificamente a testosterona, no comportamento e no desenvolvimento dos meninos; b) o formato e a configuração do cérebro de meninos e meninas, que se desenvolveria de maneiras diferentes, afetando seus modos de pensar e agir. Ele explica que é preciso saber que a produção de testosterona afeta o comportamento de meninos, e que esse saber nos ajudaria a responder a perguntas como estas: por que eles têm um comportamento mais agitado e competitivo? Por que eles se interessam por brincadeiras movimentadas? Por que seu rendimento é melhor nas ciências lógico-matemáticas? Ou: por que as dificuldades de aprendizagem, o autismo e outras disfunções atingem os meninos em maior número? E eu, indo ao encontro da argumentação desenvolvida neste texto, perguntaria: essa retórica não estaria nos ajudando a acreditar e, por isso a aceitar, que meninos e homens são naturalmente mais agressivos e violentos do que meninas e mulheres? E ela não estaria nos ajudando, sobretudo, a ser mais tolerantes com determinadas formas de exercício da violência cometida por meninos e homens (relembro aqui o enunciado clássico, mas ainda operante, de que “homem que é homem não leva desaforo para casa”...)? Articulando gênero e poder, poderíamos problematizar estes e outros discursos sobre diferenças biológicas que têm significado e organizado tanto o contexto social, de modo mais amplo, quanto o contexto escolar. Diferenças biológicas parecem contribuir para reiterar e legitimar diferenças e desigualdades de gênero em quase todas as instâncias do social. Retomemos, por exemplo, as falas das professoras quando tensionam, no mesmo argumento e sem perceber, enunciados como as diferenças naturais existem e a gente vai tratando o menino diferente desde que ele nasce. Falas como essas acionam – reiterando e ao mesmo tempo pluralizando e contestando – fragmentos de discursos científicos articulados a noções de senso comum acerca de uma “natureza” da masculinidade e da feminilidade (no singular) que os indivíduos, para se tornarem sujeitos dessa cultura, precisariam corporificar e exercitar. 228

... e para finalizar sem prescrever.... De forma especial, este conjunto de pesquisas nos desafia a explorar com mais consistência os pressupostos de que gênero é uma construção social plural e relacional e um organizador do social e da cultura, o que demanda dois esforços analíticos e políticos importantes. O primeiro implica aceitar o desafio de desconstruir a oposição binária masculino/feminino que, de forma simples e linear, posiciona o homem como dominador e a mulher como dominada. Isto porque essa oposição, dentre outras coisas, dificulta a visibilização e a compreensão de que: processos de diferenciação e hierarquização de gênero e sexualidade não incidem da mesma forma sobre todas as mulheres e sobre todos os homens; que eles podem materializar-se como relações de violência também entre mulheres e entre homens; e, sobretudo, que eles podem resultar da incorporação e da (re)produção de representações naturalizadas de gênero e de sexualidade nos conhecimentos científicos, nas instituições, nos códigos morais e jurídicos, nas políticas e nos programas públicos etc. O segundo esforço supõe o descolamento de abordagens que focalizam apenas um dos termos dessa oposição, para dar-nos conta de que o mesmo movimento que “naturaliza” a subordinação como um atributo do feminino a ser modificado, define a dominação como uma característica intrínseca do masculino que não seria modificável; e esse pressuposto explicita-se, por exemplo, no ainda pequeno volume de políticas e de ações programáticas e curriculares que investem na (re)configuração e na educação de meninos e de homens para o exercício de outras formas de masculinidade e paternidade. Para finalizar, poderíamos perguntar-nos, então, considerando as pesquisas aqui articuladas e a problematização inicialmente enunciada: quais são as implicações de naturalizações que estabelecem diferenças entre meninos e meninas e entre homens e mulheres, quando estas os colocam em posições diferenciadas de poder? Como estas naturalizações atravessam e legitimam os conhecimentos que produzimos e as práticas educativas, escolares ou não, que eles sustentam? Como elas incidem sobre o corpo, produzindo-o de determinados modos, com que efeitos, para quem? E, ainda: como estas relações de poder se conectam, facilitando e, em alguns casos, até mesmo legitimando o exercício de determinadas formas de violência? Estas são algumas das questões que se colocam para quem trabalha com noções de corpo, gênero e sexualidade, considerando-as como construções discursivas instituídas e instituidoras de relações de poder, algumas delas postas 229

eles estão prontos: “me dá a chave de fenda que eu quero”, mesmo os pequeninhos da préescola.<br />

[...] Tem que haver alguma coisa no meio disso aí...<br />

Nessa discursividade articulam-se fragmentos de discursos da medici<strong>na</strong><br />

e da biologia que contribuem para significar diferenças de corpos masculinos<br />

e femininos e um exemplo disso são as explicações acerca do funcio<strong>na</strong>mento<br />

cerebral de meninos e meni<strong>na</strong>s. Steve Biddulph ( 00 ), por exemplo, cita duas<br />

das maiores diferenças que, em sua perspectiva, “influem” <strong>sobre</strong> a aprendizagem<br />

e o desenvolvimento: a) os efeitos dos hormônios masculinos, mais especificamente<br />

a testostero<strong>na</strong>, no comportamento e no desenvolvimento dos meninos; b)<br />

o formato e a configuração do cérebro de meninos e meni<strong>na</strong>s, que se desenvolveria<br />

de maneiras diferentes, afetando seus modos de pensar e agir. Ele explica<br />

que é preciso saber que a produção de testostero<strong>na</strong> afeta o comportamento de<br />

meninos, e que esse saber nos ajudaria a responder a perguntas como estas: por<br />

que eles têm um comportamento mais agitado e competitivo? Por que eles se<br />

interessam por brincadeiras movimentadas? Por que seu rendimento é melhor<br />

<strong>na</strong>s ciências lógico-matemáticas? Ou: por que as dificuldades de aprendizagem,<br />

o autismo e outras disfunções atingem os meninos em maior número? E eu,<br />

indo ao encontro da argumentação desenvolvida neste texto, perguntaria: essa<br />

retórica não estaria nos ajudando a acreditar e, por isso a aceitar, que meninos<br />

e homens são <strong>na</strong>turalmente mais agressivos e violentos do que meni<strong>na</strong>s e mulheres?<br />

E ela não estaria nos ajudando, <strong>sobre</strong>tudo, a ser mais tolerantes com<br />

determi<strong>na</strong>das formas de exercício da violência cometida por meninos e homens<br />

(relembro aqui o enunciado clássico, mas ainda operante, de que “homem que é<br />

homem não leva desaforo para casa”...)?<br />

Articulando gênero e poder, poderíamos problematizar estes e outros<br />

discursos <strong>sobre</strong> diferenças biológicas que têm significado e organizado tanto o<br />

contexto social, de modo mais amplo, quanto o contexto escolar. Diferenças biológicas<br />

parecem contribuir para reiterar e legitimar diferenças e desigualdades<br />

de gênero em quase todas as instâncias do social. Retomemos, por exemplo, as<br />

falas das professoras quando tensio<strong>na</strong>m, no mesmo argumento e sem perceber,<br />

enunciados como as diferenças <strong>na</strong>turais existem e a gente vai tratando o menino<br />

diferente desde que ele <strong>na</strong>sce. Falas como essas acio<strong>na</strong>m – reiterando e ao mesmo<br />

tempo pluralizando e contestando – fragmentos de discursos científicos articulados<br />

a noções de senso comum acerca de uma “<strong>na</strong>tureza” da masculinidade e<br />

da feminilidade (no singular) que os indivíduos, para se tor<strong>na</strong>rem sujeitos dessa<br />

cultura, precisariam corporificar e exercitar.<br />

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