Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...

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a camaradagem e as manifestações de apreço ou afeto, e somente se valer de gestos, comportamentos e idéias autorizados para o “macho” (LOURO, 999: 8). À revelia, portanto, de toda a problematização das noções correntes de masculino e feminino e das transformações no plano das subjetividades (GID- DENS, 99 ; HEILBORN, 004), ainda prevalece, na cotidianidade escolar da maioria desses rapazes, um arsenal heteronomativo (composto de enunciações, discursos, representações, significados e adoções práticas) que, ao ensejar a construção e o exercício da masculinidade, os vincula a um conjunto de representações e práticas ligadas a um modelo de “homem de verdade” (NOLASCO, 99 , 997; WELZER-LANG, 00 : 4 8). Nesse universo, um modelo específico de masculinidade é considerado como algo a ser duramente conquistado pelos indivíduos do sexo masculino, ao passo que a feminilidade, com certa freqüência, é percebida como um “componente natural [e exclusivo] da mulher”, reafirmada nas gravidezes e nos partos (BADINTER, 99 ; ALMEIDA, 99 ). Ao longo desse processo, ocorre a internalização de um conjunto de disposições sociais que se naturalizam nas dinâmicas das relações cotidianas e tomam formas visíveis nas maneiras de ser, portar-se, andar, falar, gesticular, manter o corpo, pensar, sentir e agir das pessoas (BOURDIEU, 98 , 999). Os rapazes são, assim, contínua e insistentemente submetidos a vigilantes avaliações e negociações com vistas a reafirmarem de maneira performática suas masculinidades heterossexuais e obterem a aprovação e a validação por parte de outros homens, já que “nada garante sua confirmação para todo o sempre” (NASCIMENTO, 004: 07). Miguel Vale de Almeida ( 99 ) mostra que a masculinidade hegemônica se constitui, então, como um modelo ideal, praticamente irrealizável, que subordina outras possíveis variedades de masculinidades e exerce um efeito controlador no processo de constituição de identidades masculinas. Realizadas em Pardais (vilarejo alentejano), suas pesquisas encontram eco em outras produzidas no interior brasileiro, 8 que mostram rapazes permanentemente submetidos a “processos de provação” que, em geral, se constituem de 18 Para um contraponto, cf.: FERREIRA, 2006. 20 [...] demonstrações de força, destemor e virilidade que constroem a honra de um homem perante a sociedade ou o grupo em que vive. A falta de um desses itens obviamente coloca em risco a honra masculina, construída em contraposição a determinadas características femininas que um “homem de verdade” jamais deve dar indícios de ter (SABINO, 000: 9 ).

Com efeito, como nota Roberto Da Matta ( 997) em um estudo sobre a construção e o exercício da masculinidade em uma pequena cidade brasileira, os rapazes, ao serem submetidos a rituais inerentes ao “ser homem”, ficam expostos a dúvidas, incertezas e angústias relativas à confirmação de “não ser mulher” e “nem ser veado”. Assim, ao longo da construção de repertórios de masculinidades adolescentes, “o silêncio masculino acerca dos afetos e das emoções, como um território não explorado, muitas vezes é causador de atitudes e de comportamentos ligados à violência, à cultura do risco e da coerção” (NASCIMENTO, 004: 09). Qualquer enternecimento ou preocupação com a segurança podem ser vistos como atributos desvirilizantes. A construção da mascunilidade dentro do quadro das normas de gênero e da heteronormatividade (e outros arsenais) configura-se, portanto, em um processo dotado de altas doses de cerceamento, fazendo com que a parte dominante (o elemento “masculino”) seja ironicamente “dominada por sua própria dominação”. O privilégio masculino é também uma cilada e encontra sua contraposição na tensão e na contensão permanentes, levadas por vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o dever de afirmar, em toda e qualquer circunstância, sua virilidade. [...] A virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como aptidão ao combate e ao exercício da violência (sobretudo em caso de vingança), é, acima de tudo, uma carga (BOURDIEU, 999: 4). 9 Por isso, dentro e fora do espaço escolar, a construção do modelo hegemônico de mascunilidade costuma obrigar os que estão sendo provados a afirmarem diante dos demais suas virilidades por meio da violência física (SCHPUN, 004), de demonstrações de intrepidez e de atos voltados a degradar e depreciar o “outro” por meio de insultos e humilhações de cunho sexista, homofóbico ou racista, que agem como mecanismos psicológicos ou ritualísticos voltados a instituir ou a reforçar suas auto-imagens e identidades sociais masculinas e viris (LEAL e BOFF, 99 ). A masculinidade é disputada, construída como uma forma de ascendência social de uns e de degradação de outros. Tenta-se, na competição, feminilizar os outros: pelos gestos de convite sexual que transformam a vítima em “mulher simbóli- 19 Sobre a “dominação masculina”, vide: BOURDIEU, 1998, 1999 e BADINTER, 2005. Para uma reflexão sobre a “masculinidade hegemônica” e outras masculinidades, vide: CONNEL, 2005 21

Com efeito, como nota Roberto Da Matta ( 997) em um estudo <strong>sobre</strong> a<br />

construção e o exercício da masculinidade em uma peque<strong>na</strong> cidade brasileira, os<br />

rapazes, ao serem submetidos a rituais inerentes ao “ser homem”, ficam expostos<br />

a dúvidas, incertezas e angústias relativas à confirmação de “não ser mulher” e<br />

“nem ser veado”. Assim, ao longo da construção de repertórios de masculinidades<br />

adolescentes, “o silêncio masculino acerca dos afetos e das emoções, como um<br />

território não explorado, muitas vezes é causador de atitudes e de comportamentos<br />

ligados à violência, à cultura do risco e da coerção” (NASCIMENTO, 004:<br />

09). Qualquer enternecimento ou preocupação com a segurança podem ser vistos<br />

como atributos desvirilizantes.<br />

A construção da mascunilidade dentro do quadro das normas de gênero e<br />

da heteronormatividade (e outros arse<strong>na</strong>is) configura-se, portanto, em um processo<br />

dotado de altas doses de cerceamento, fazendo com que a parte domi<strong>na</strong>nte (o elemento<br />

“masculino”) seja ironicamente “domi<strong>na</strong>da por sua própria domi<strong>na</strong>ção”.<br />

O privilégio masculino é também uma cilada e encontra sua<br />

contraposição <strong>na</strong> tensão e <strong>na</strong> contensão permanentes, levadas<br />

por vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o dever de<br />

afirmar, em toda e qualquer circunstância, sua virilidade. [...]<br />

A virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, sexual e<br />

social, mas também como aptidão ao combate e ao exercício<br />

da violência (<strong>sobre</strong>tudo em caso de vingança), é, acima de tudo,<br />

uma carga (BOURDIEU, 999: 4). 9<br />

Por isso, dentro e fora do espaço escolar, a construção do modelo hegemônico<br />

de mascunilidade costuma obrigar os que estão sendo provados a afirmarem diante<br />

dos demais suas virilidades por meio da violência física (SCHPUN, 004), de demonstrações<br />

de intrepidez e de atos voltados a degradar e depreciar o “outro” por<br />

meio de insultos e humilhações de cunho sexista, homofóbico ou racista, que agem<br />

como mecanismos psicológicos ou ritualísticos voltados a instituir ou a reforçar<br />

suas auto-imagens e identidades sociais masculi<strong>na</strong>s e viris (LEAL e BOFF, 99 ).<br />

A masculinidade é disputada, construída como uma forma de ascendência social de<br />

uns e de degradação de outros.<br />

Tenta-se, <strong>na</strong> competição, feminilizar os outros: pelos gestos de<br />

convite sexual que transformam a vítima em “mulher simbóli-<br />

19 Sobre a “domi<strong>na</strong>ção masculi<strong>na</strong>”, vide: BOURDIEU, 1998, 1999 e BADINTER, 2005. Para uma reflexão<br />

<strong>sobre</strong> a “masculinidade hegemônica” e outras masculinidades, vide: CONNEL, 2005<br />

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